terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Zero, “Zeroismo” e Lengalenga no Desporto

Está a chegar a hora de se fazer um balanço da governação no desporto destes quase quatro anos. E para esse balanço se fazer é necessário elencar as medidas de política e os programas que foram colocados efectivamente no terreno desportivo para darem outra dimensão e dinâmica à prática desportiva, desde os estratos populacionais muito jovens aos mais idosos.

Porque governar o desporto não pode ser apenas fazer no início do mandato um “Congresso do Desporto” pomposo e do qual nem se conhecem as respectivas conclusões oficiais, e no decurso do mandato construir ou anunciar a construção de infra-estruturas, ou levar uma eternidade a regulamentar uma lei de bases. Uma governação no desporto não é, não pode ser como agora cada vez mais se afigura um “ministério de obras públicas e uma assessoria jurídica” no desporto.
Porque em Portugal, como sucede no denominado “Modelo Europeu do Desporto” que caracteriza o desporto europeu diferentemente do americano, o Estado tem um papel determinante na promoção e financiamento do sistema desportivo. Por isso mesmo, desse mesmo Estado, e do Governo que é o seu órgão executivo e tutela do desporto, se exige que tenha uma visão clara e de largo prazo, que exerça uma efectiva liderança e seja capaz de definir as linhas essenciais de evolução do desporto – e que as torne conhecidas e comunique ampla e democraticamente a todos os actores envolvidos no respectivo sistema desportivo, desde a base geral à elite de alta competição.

Os governantes do desporto têm de ser líderes efectivos capazes de definirem o sentido estratégico da evolução, mobilizarem em torno dessa visão e darem-lhe a devida legitimidade, estarem na linha da frente das mudanças que sejam necessárias à realização dos objectivos, promoverem o conhecimento técnico e científico e a formação dos respectivos recursos humanos, dinamizarem as respectivas redes e comunidades de conhecimento que sustentem a melhoria da qualidade de processos, estruturas organizacionais e métodos de trabalho.

A promoção do desporto, da sua prática pela população, ou da melhoria do sistema federado competitivo, exigem a concepção de quadros de desenvolvimento, reflexão e criação de pensamento devidamente elaborado e baseado em bons diagnósticos de situação. Só se pode intervir decisivamente quando se conhecem as situações de partida com a devida profundidade. E no caso do desporto essas bases são praticamente inexistentes ao nível das autoridades governamentais – ou pelo menos são desconhecidas.

Ora, tudo isto que seria indispensável para se poder assumir uma salutar política pública desportiva tem inequivocamente faltado neste Governo.

Ficam, por isso mesmo, nos respectivos governantes apenas as muitas e insistentes frases soltas, algumas poucas linhas de discurso quase sempre em volta do futebol e do desporto profissional (que vai caminhando aceleradamente para um abismo) e umas, muitas, fotografias de inauguração de relvados sintéticos e outras ao lado de desportistas de eleição que dão jeito para a imagem desses mesmos governantes. A nossa presença competitiva em Pequim 2008, nos Jogos Olímpicos, é disso exemplo paradigmático – bastará compulsar a imprensa desportiva, os sites da Secretaria de Estado e do IDP antes e durante o evento para o poder confirmar exaustivamente.

Que dizer das miserandas palavras que de tempos a tempos o ministro da Presidência, que é a tutela máxima do nosso desporto, diz do mesmo desporto que devia governar? São, dizemos nós, caracterizadas sempre por uma mediocridade praticamente absoluta e absurda, só possível num País que não se leva a sério e que apenas cultiva o futebol – um Portugal que está “futebolizado”! Muita lengalenga portanto, que é o mesmo que nada em cima de nada.

Vai por isso decorrer quase certamente todo um mandato governativo de mais de quatro anos sem que se conheça um único documento produzido pelas autoridades tutelares indicando os seus desígnios e objectivos para o desporto português. E assim vai praticamente ser impossível avaliar com seriedade e rigor o nível de alcance dos objectivos da política sectorial, o que permite aos governantes saírem praticamente sem escrutínio social sobre o modo como se conduziram no uso do poder, no que fizeram e no que poderiam e deveriam ter realizado. Não é possível avaliar sem se medir e não se pode medir aquilo que não se definiu.

Faltam estudos no desporto em Portugal num conjunto diversificado de temas que vão desde a organização e planeamento estratégico nas federações desportivas aos níveis de prática regional e local ou mesmo à organização em rede do desporto escolar, muitos deles devendo ser centrados nas perspectivas da economia e da gestão do desporto que têm sido praticamente esquecidas em Portugal. Aqueles estudos devem ser feitos a bem da melhoria da própria fundamentação e sustentabilidade das opções e programas públicos, pois introduzem nas escolhas e decisões políticas a indispensável base racional de sustentação. Ora, nem esses estudos se fazem, nem o Governo sente a sua necessidade, nem muito menos é capaz de suscitar e apoiar devidamente a criação de um único “Centro de Estudos sobre Economia e Gestão Desportiva” em Portugal, baseado por exemplo nas capacidades de investigação científica e académicas existentes nas nossas Universidades públicas – como sucede no Reino Unido, por exemplo, desde há muitos anos.

Aliás, como se sabe a Secretaria de Estado do Desporto é também responsável pela política de juventude do Governo em Portugal. O que ainda mais agrava a situação pois não existe também neste domínio um único documento que destaque as principais linhas de orientação e de fomento do desporto juvenil por parte daquela tutela governamental.

Como é possível tutelar o sector da juventude de um país sem ser capaz de produzir um documento que defina quais os caminhos a prosseguir para promover, patrocinar e financiar a prática desportiva juvenil?

Não basta, não é sério, é inaceitável que tudo aqui também se reduza apenas a algumas palavras, notícias circunstanciais e inaugurações de instalações. Uma política de promoção do desporto juvenil exige muito mais do que isto e implica a preparação do trabalho conjunto no terreno de múltiplos actores, com destaque para as escolas e as autoridades municipais – constituindo redes de desenvolvimento desportivo baseadas em verdadeiras parcerias estratégicas com organização própria e alicerçadas em apoios públicos reais.

Quem quiser certificar-se de que esta manifesta incapacidade é objectiva e indisfarçável vá dar uma cuidada olhadela para os sites oficiais da Secretaria de Estado da Juventude e Desporto ou também para o do Instituto do Desporto de Portugal (IDP). Verá que aí não encontra nenhum, nada, zero, do que anteriormente referimos. Ambos os sites são apenas simples repositórios noticiosos, relevam da simples cobertura mediática do membro do Governo num caso e reportam eventos desportivos no caso do IDP. Portanto, trabalho de fundo e fôlego sobre o nosso desporto, sobre as opções de política desportiva e de juventude a esta associada, nada, uma autêntica “zerada”.

No mesmo site da Secretaria de Estado quem se quiser dar ao trabalho de visitar agora a “área” destinada ao Conselho Nacional do Desporto encontra também, mais uma vez, um absoluto vazio documental. Não é possível conhecer nada do que têm sido as discussões e tomadas de posição formal daquele Conselho, não se conhece nenhum estudo ou diagnóstico do nosso desporto. Parece que este órgão apenas se destina a cobrir com idêntica prestação organizacional o mesmo vazio estratégico e doutrinário do Governo em funções. Tudo feito, também neste caso, à imagem e semelhança do seu criador – o actual Secretário de Estado do Desporto, Laurentino Dias (e a sua nefanda equipa da tutela desportiva portuguesa), sempre tão mediático mas como se vê nada prolixo em fundamentar a sua governação.

Por isso, neste caldo de cultura governativa do desporto nacional, também os jornais desportivos que vamos tendo em Portugal não reflectem substantivamente sobre o desporto, a sua natureza e desafios fundamentais, sobre as suas deficiências organizativas e de gestão, ou sequer sobre a exasperante falta de enquadramento estratégico de desenvolvimento e de uma verdadeira e efectiva política governamental, e apenas enchem habitualmente as suas páginas diárias com textos que propagandeiam latamente sobre as virtudes dos grandes clubes de futebol, ou sobre as pressões, truques, “negócios” e impressões de diversos actores e agentes desportivos, ou mesmo sobre os magníficos atributos físico-atléticos do nosso ídolo Cristiano Ronaldo.

Neste “reino do zero”, do “Zeroismo” (o socialismo do faz que nada no desporto), dos muitos nadas que baseiam a governação e a nossa política pública desportiva, aparecem com enorme facilidade grandiosos anúncios para a organização do Mundial de 2018 em que embarcam os incautos e são muitos (como se os espanhóis, que têm inequívoca capacidade financeira para tal empreitada e estão a construir muitos novos estádios por todo o seu país, precisassem em alguma coisa deste nosso prestimoso “burgo perpetuamente madailizado”), como parece que campeiam no IDP (e agora alguns comentários vão dando disso nota profusa) os absolutismos, os atrasos na liquidação de compromissos financeiros superiormente assumidos e os impróprios usos dos escassos fundos públicos existentes para a promoção do desporto.

Com isto tudo tal qual está e parece que vai continuar, o desporto em Portugal só pode mesmo vir a ser “um terreno queimado” que começa a ser patentemente vislumbrado no desporto profissional e percorre por inacção política os restantes sectores desportivos, desde o escolar ao das modalidades ditas amadoras. Quando ao mesmo tempo e ainda para maior afundamento se perspectiva neste momento no horizonte a perpetuação de um Comandante salva-vidas no topo do movimento associativo, isto é, na Presidência do Comité Olímpico de Portugal, ao qual o mesmo Governo porventura virá a disponibilizar um novo quadro de apoio financeiro para gerir como de antanho, com os resultados que ninguém mais uma vez quererá ou poderá avaliar algures lá para 2012-2016.

Tudo isto é de menos, muito pouco do que uma governação com visão e um projecto estratégico e mobilizador do nosso desporto poderia e deveria ser. E dá inquestionável direito à manifestação desta nossa obrigada indignação. Que ela possa dar alento a um sobressalto cívico de quem se interessa e quer ser parte de uma cultura desportiva exigente, com visão e estratégia claramente assumidas e partilhadas aos diferentes níveis e sectores do nosso sistema desportivo.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

A insustentável liderança de Vicente Moura

Aqui publicamos o nosso texto de opinião editado hoje no Jornal "O Primeiro de Janeiro" com o título acima aposto.
Quem ler a entrevista ampla do Presidente do Comité Olímpico de Portugal, Comandante Vicente Moura, no Jornal Público de 4 de Dezembro de 2008, tem de reconhecer que o nosso desporto de alta competição encabeçado pelo COP nos últimos anos, e com o mesmo Presidente há mais de uma década ininterruptamente no cargo, tem sido servido por uma enorme falta de liderança e de visão, de pensamento estratégico, pela ausência de criação de estruturas organizacionais dotadas das capacidades e valências indispensáveis para apresentar melhores resultados e de um modelo de financiamento articulado com objectivos estratégicos previamente definidos. Do que decorre também a inexistência de uma consequente avaliação de desempenho que responda à sociedade pelos resultados alcançados e seja um instrumento útil de melhoria sistémica do desporto de alta competição.

Falta, faltou e provavelmente continuará a faltar boa e qualificada liderança, estratégia e gestão no nosso desporto de competição olímpica. Porque estes elementos de construção de um eficaz e eficiente sistema de governança do desporto estiveram sempre à margem das escolhas, das preocupações e das opções do Presidente do COP. E hoje também estão já inquestionavelmente também para além das suas próprias capacidades de liderança.

Por isso, não é estranho que em nenhum lado da extensa entrevista dada pelo Comandante Vicente Moura se perceba que existe ou existiu algures na cabeça do Presidente do COP um efectivo e planeado projecto de transformação do nosso “desporto de competição olímpica”, que havia por isso necessariamente uma visão profundamente arreigada que estabelecia as ambições e propósitos de uma liderança, pela qual de dava o exemplo de trabalho incansável e “profissional”, a “cara” e o melhor dos esforços, ou mesmo sequer um pensamento estratégico relativamente elaborado pelo qual se enquadrava o desenvolvimento das actividades, a tomada de decisões ou a escolha de opções alternativas. Ou que se estabeleciam programas de melhoria contínua e se negociavam meios físicos, processos de trabalho com as federações, atletas e treinadores e recursos financeiros com as entidades governamentais para acolher as perspectivas de evolução e afirmação competitiva do nosso desporto de alta competição no panorama mundial.

Aquela referida longa entrevista do Comandante Vicente Moura é isso sim um imenso e despreocupado exercício de “insustentável leveza”, bem retribuída pelos 2.500 euros mensais mais despesas de representação ditas como de “compensação pelo tempo perdido” sempre escondida e agora finalmente confirmada, feito desse modo ao arrepio dos próprios estatutos do COP e princípios de dirigismo benévolo do Olimpismo. E ao mesmo tempo com o alardeamento de um exercício do poder intocável e considerado pelo próprio como inquestionável por quem quer que seja, e desde logo pelos atletas que são os principais destinatários da acção do Comité, poder esse que se perpetua com base numa “cadeia de jogos de influência e dependência” em que o Comandante Vicente Moura é o respectivo elo central.

Esta centralidade ininterrupta de Vicente Moura no âmbito do nosso “desporto de competição olímpica” é fonte de poder imenso no seio da organização e estruturas do sistema federativo, e resulta ao mesmo tempo também do papel determinante que lhe foi atribuído por um Estado/Governo que alijou a responsabilidade efectiva de conduzir a política de fomento do desporto de alta competição com expressão olímpica, entregando de “mão beijada” ao COP a efectiva gestão do programa de preparação da participação nacional nos Jogos Olímpicos de Pequim (pelo menos).

Por isso, se o modelo de preparação para Londres 2012 se mantiver o mesmo – como foi intempestivamente anunciado pelos governantes da tutela desportiva – é altamente provável que o tipo de liderança transaccional fraca e potencialmente irresponsável (como esta de Vicente Moura é face às características essenciais das tipologias habitualmente definidas pelos teóricos da gestão), com a sua consequente tradução no comportamento e nos métodos de gestão, objectivos de competição e de tomada de decisão do Presidente do COP se tendam a manter inalteráveis por mais um quadriénio.

Lembremos que a liderança transaccional fraca que atribuímos a Vicente Moura se caracteriza por se limitar paulatinamente a gerir as dependências, influências e a escamotear a iniciativa de melhoria dos processos e a mudança organizacional, ao mesmo tempo que patrocina mecanismos de negociação política que tendem a esbater a conflitualidade e o grau de desordem criativa organizacional. Há, por conseguinte, neste tipo de liderança uma forte tendência para a manutenção do “status quo” instituído que fará prevalecer os habituais centros e coligações de poder e fracassar as tentativas de mudança significativa das condições existentes e habituais.

O Comandante Vicente Moura pode assim vir a recandidatar-se a mais um novo mandato no COP, mesmo que isso desdiga afirmações ocasionais noutro sentido (agora definidas pelo próprio como tendo sido feitas “a quente e antes de tempo” em Pequim 2008). E ao querer reapresentar-se para mais um mandato como Presidente do COP “a todo o custo e vapor contra ventos e marés” como ele afirma peremptoriamente, provavelmente deseja ser o candidato único de um sistema federativo que assim se demonstraria como incapaz de apresentar alternativas, exprimindo a inequívoca debilidade sistémica que o Comandante obviamente promoveu e patrocina.

O “sistema federado do desporto olímpico” tem de ser capaz de querer mais, diferente e, porventura como exigível, melhor para o desporto nacional de alta competição. E isso passa desde logo por ter uma nova liderança, mais capacitada para desvendar os caminhos de ambição de um desporto que se quer afirmar competitivamente à escala internacional. Corporizando uma visão para o “desporto olímpico”, construindo um verdadeiro projecto de competição para os Jogos Olímpicos de 2012 e 2016, desenvolvendo estratégias que concretizem esse projecto e os seus respectivos objectivos de desenvolvimento desportivo.

O movimento desportivo só pode, pois, recusar esta unicidade de candidatura, que apenas é possível se assentar num esquema eleitoral deficientemente democrático que exige aos potenciais candidatos não um bom e inquestionável currículo desportivo e profissional e um reflectido e estratégico projecto de liderança do COP que comporte uma visão de evolução/mudança do desporto de competição Olímpica mas apenas a “racionalidade e negociações frágeis e de bastidores” que não traduzem qualquer projecto e estratégia de mudança e melhoria organizacional.

O modelo de candidato único que interessa a Vicente Moura exige antes que o candidato potencial obtenha nos bastidores, sem comunicação prévia de clareza de propósitos e objectivos, o apoio negociado dos dirigentes de várias federações. Ora, este não é obviamente um sistema de eleição que se conforme com os princípios universais da democracia política que constitucionalmente vigora em Portugal. Trata-se isso sim de um modelo tutelado a partir do seu interior, democraticamente desviante e com mecanismo de blindagem contra “outsiders”, onde para se ser candidato é imprescindível obter a sanção de outros eleitos com os quais é preciso estar em estado de graça ou negociar previamente linhas de acção, facilitação de acesso aos recursos escassos, cargos na própria estrutura dirigente do COP e quejandos. O candidato único que for eleito desta forma ficará, assim, refém de compromissos e negociações e não exclusivamente de um programa e projecto de liderança e governação efectivos.

E neste esquema eleitoral o Presidente Vicente Moura é muito apto e habilidoso como ao longo de muitos anos comprovou e agora para preparação da sua eventual renovação de mandato já cuidadosamente providenciou. Tomou, por isso, como se sabe, as habituais e devidas cautelas e procurou obter compromissos de um grande número de direcções federativas com a sua eventual candidatura – a tomar por boas as notícias que circulam há algumas semanas na comunicação social desportiva.

E então aqui chegados faz sentido colocar uma interrogação cuja resposta a dar pelos agentes activos do movimento desportivo com capacidade de determinarem as prováveis e desejáveis escolhas eleitorais pode permitir discorrer sobre o que é não deve continuar a ser característico do modelo de governança das organizações desportivas federadas olímpicas em Portugal. Passemos pois a essa questão.

Pode conviver um sistema de alto desempenho atlético como o do desporto federado olímpico, onde todos os dias os atletas, os clubes, os treinadores, competem consigo e com outros para alcançarem melhores resultados, para se superarem, para fixarem outros e mais ambiciosos objectivos/metas, com um líder máximo no seu topo organizacional que demonstra tanta incapacidade e mesmo incompetência para conduzir as organizações desportivas que lidera a outros patamares de organização e de resultados? Com um líder máximo que tem um estilo de liderança transaccional e é, sobretudo, adepto da manutenção do “status quo” não transformacional e demonstradamente incapaz de perspectivar uma nova visão que exige um projecto de mudança, a melhoria contínua, a inovação e a criatividade organizacionais?

O movimento desportivo só pode vir a tornar possível a construção de uma resposta que viabilize a emergência de outras lideranças, mais afirmativas, portadoras de projectos de melhoria e novas ambições para o desporto de competição.

Se Portugal quiser vir a ter no próximo futuro um “sistema desportivo federado olímpico” que seja capaz de lhe vir a dar mais e melhores resultados desportivos e organizacionais precisa de uma mudança substancial de perspectivas e de novos intérpretes dessa caminhada que será longa e implica outro tipo de liderança. Porque a manutenção dos mesmos intérpretes, com Vicente Moura no seu topo, só trará mais uma vez o habitual: falta de visão, debilidade óbvia de liderança, tendência manifesta para a irresponsabilidade organizacional e pessoal, ausência de focagem no interesse dos atletas, incapacidade de avaliação consequente do desempenho. Em suma, portanto, mais uma “insustentável leveza de liderança”, identicamente como até aqui e novamente protagonizada por Vicente Moura.

Em conclusão, a mudança pronunciada que o “sistema desportivo olímpico” necessita não se compadece com “mais do mesmo” ou com umas alterações de pormenor que mantenham tudo o que é a essência do problema e exige de todos os intervenientes no processo eleitoral para a Presidência do COP uma consequente negativa a Vicente Moura, por tudo o que ele representa e aquilo que ele demonstra ser incapaz de protagonizar para a melhoria do nível do nosso “desporto de competição olímpica”.

José Pinto Correia, Mestre em Gestão do Desporto

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Projecto para Londres 2012: mais do mesmo?

Aqui em seguida se publica o nosso texto editado hoje no Jornal "O Primeiro de Janeiro" com o título acima indicado.
Há algumas semanas atrás num artigo de opinião que aqui publiquei referi que um dos três exercícios essenciais para a evolução futura do nosso desporto federado era o da negociação que iria fazer-se em torno do novo “ciclo olímpico de Londres 2012”.

Desde logo, importa realçar o facto de para o próprio Comité Olímpico de Portugal (COP) o anterior contrato de preparação para os Jogos de Pequim não poder ser considerado como um projecto (vide documento recente subscrito pelo Presidente do COP sobre a avaliação de Pequim e disponível no site oficial daquele Comité).

Fica assim a perceber-se que o Comité Olímpico nunca entendeu o programa de financiamento para Pequim como um projecto que deveria, por isso, estar sujeito não apenas a rigoroso planeamento como também à assunção de objectivos, metas de progresso e consequente avaliação de resultados. Provavelmente para o COP o programa de preparação limitar-se-ia a ir financiando atempadamente – e tal seria feito por intermediação directa dos pagamentos das bolsas aos atletas inscritos, o que foi conseguido junto do Governo – os percursos competitivos dos diferentes atletas, à medida que eles fossem apresentando resultados em competições que lhes permitissem a sua inclusão no programa de apoio olímpico.

Este modelo de preparação da participação portuguesa nos Jogos Olímpicos de Pequim nunca poderia ter contemplado a definição de uma estratégia geral de competição onde estivessem definidos os objectivos essenciais e tendo também subjacente uma visão de melhoria do nível competitivo do nosso desporto federado. Por isso, se entende agora a imensa incomodidade que resulta para o COP, e mesmo para o actual Governo, de terem sido estabelecidos objectivos que passavam, no limite, pela obtenção de um determinado número de medalhas e pontuação olímpicas.

Essa manifesta incomodidade resulta do carácter atribuído pelos respectivos “gestores” ao programa e do entendimento que dele fazia o COP que o resumia a um conjunto de bolsas olímpicas para os diferentes atletas e que nunca o preparou e desenvolveu como um projecto sujeito a planeamento, estratégia, processos de gestão profissionalizados e fixação consequente de objectivos, metas e indicadores de progresso.

Há um tempo naquele artigo perguntávamos também se o Comité Olímpico entregaria ao Governo um Relatório de verdadeira avaliação do que foi feito, dos métodos, da escolhas, dos planos e a avaliação detalhada dos resultados, ou se voltaria a fazer um dos tradicionais relatos romanceados e auto-congratulatórios da nossa participação, agora nos Jogos de Pequim 2008.

Começa agora a conhecer-se o conteúdo do hipotético Relatório do COP sobre o ciclo de 2008, logo incomodamente desmentido pelo respectivo assessor de imprensa como sendo apenas um esboço não finalizado (mas está anunciado para muito breve a aprovação do mesmo pela Assembleia do COP). E do que foi possível conhecer-se, ainda que com as necessárias cautelas, já nos parece não subsistirem dúvidas que afinal o Governo não vai ter naquele Relatório um instrumento útil para definir uma estratégia de desenvolvimento desportivo para Londres 2012.

Por isso mesmo agora no âmbito formal do relato do programa é altamente improvável que do Relatório do COP resultem quaisquer elementos substantivos para fundamentar o novo “ciclo olímpico de 2012” como um efectivo projecto de desenvolvimento desportivo, onde esteja incluída uma visão e estratégia de desenvolvimento de médio prazo, se prevejam mecanismos e processos de planeamento e avaliação e se fixem devidamente os principais objectivos da prevista participação desportiva nacional nos “Jogos de Londres 2012”.

Nestas condições, fica por esclarecer de que modo, sob que formas e com que instrumentos, será feita a negociação de um novo programa de preparação para o “ciclo olímpico de Londres 2012” entre o Governo actualmente em funções e o COP, a manter-se como foi indicado recentemente pelos membros do Governo que tutelam o desporto o mesmo modelo que foi utilizado para Pequim 2008.

Está para se saber, por conseguinte e em termos gerais, de que modo o Governo se predisporá a entregar um envelope financeiro ao Comité Olímpico de Portugal que viabilize a nossa participação em Londres 2012.

Só o conteúdo do processo e os resultados dessa negociação, que virá certamente a ocorrer no futuro próximo, permitirão responder a um conjunto de questões relevantes para apreciar da possível natureza e implicações sistémicas no nosso desporto de competição até Londres 2012.

Daí se ficará então a saber se vai existir como subjacente a essa negociação, desta vez, um projecto devidamente articulado para a evolução do nosso desporto federado que integre os fundamentos da participação olímpica em 2012, defina os respectivos objectivos, estabeleça prioridades, inclua processos de planeamento estratégico e estabeleça os respectivos modelos de avaliação e prestação de contas (a denominada “accountability” dos anglo-saxónicos). Portanto, se por isso existirá ou passará a existir uma metodologia de planeamento e gestão estratégica do desempenho ou não. E também se serão assumidos objectivos de desenvolvimento pelas diferentes federações desportivas e negociados em razão dos mesmos os respectivos apoios, ou se tudo ficará entregue ao sabor dos acontecimentos e das capacidades dos diversos atletas como manifestamente parece ter acontecido no ciclo anterior. O que aliás permite agora ao Presidente do COP dizer que o programa anterior não era considerado como um projecto (de Pequim 2008).

Será então que vai ser negociado um novo envelope para o “ciclo olímpico de 2012” apenas com base na proposta intempestivamente apresentada pelo COP (ainda antes da realização dos Jogos de Pequim) e onde de estratégia de desenvolvimento desportivo nem se falava?

Se assim acontecer então estamos falados sobre o desenvolvimento do nível desportivo nacional e poderemos prever que tipo de resultados estaremos novamente a discutir depois de Londres 2012.

Mas será então mais uma vez com o beneplácito manifesto do Governo, agora o que está em funções em 2008. E Portugal não terá aprendido nada sobre a forma de definir uma estratégia de desenvolvimento desportivo com base no “ciclo olímpico de Londres”.

O que daria, assim, imensa razão ao comentário que vai circulando de que a nossa frágil história desportiva resulta e confirma a incapacidade e ineficácia das políticas públicas e da gestão associativa do desporto em Portugal.

José Pinto Correia, Mestre em Gestão do Desporto

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

“Falta um programa para a gestão do desporto em Portugal”

Publicamos em seguida o nosso texto de opinião editado hoje no Jornal "O Primeiro de Janeiro" com o título indicado.

O desporto é tradicionalmente na Europa e também em Portugal uma actividade que se caracterizou por se basear em estruturas organizativas de cariz voluntário e onde, portanto, não tem existido habitualmente uma base racional, organizacional e gestionária de cariz lucrativo.

Por isso, as organizações desportivas mais importantes e nas quais se baseou o desenvolvimento do desporto competitivo, designadamente as federações desportivas, assentam tradicionalmente em lideranças e estruturas de gestão voluntárias que pouco têm a ver com os modelos e instrumentos habitualmente utilizados na gestão das empresas ou das organizações lucrativas.

Só que o desporto de competição tem tido uma evolução muito rápida e cada dia mais exigente, sendo-lhe necessário mudar quadros de funcionamento e modelos de organização e governação para acompanhar as novas e mais frequentes exigências dos organismos estatais financiadores, dos patrocinadores e de todo um diverso conjunto de outras entidades e interessados nas respectivas actividades e resultados desportivos.

As federações desportivas organizam e gerem desportos cada vez mais sujeitos a actores económicos e mediáticos, envolvendo mais e maiores recursos económico-financeiros, profissionalização de atletas e de competições desportivas, tudo estruturado numa nova e mais valiosa cadeia de valor que implica maior complexidade organizacional e de gestão.

Será que as nossas federações desportivas têm podido acompanhar esta sofisticação económica da actividade desportiva com uma idêntica preparação das suas capacidades organizacionais e de gestão que lhes permitam prestar melhores serviços e dar ao desporto que governam o consequente maior valor económico e social?

Têm o Governo e o movimento associativo federado demonstrado preocupação e iniciativa em mudar o nível da respectiva gestão desportiva, de modo a melhorarem o seu desempenho organizacional e desportivo?

O que é verdadeiramente espantoso neste nosso “mundo desportivo” em Portugal é constatar ano após ano que nem o Governo através da Secretaria de Estado do Desporto, nem o seu Instituto do Desporto de Portugal (IDP) com um académico presentemente a dirigi-lo, nem o movimento federativo como o Comité Olímpico de Portugal (COP) agora inequivocamente à cabeça, se interessam minimamente pela gestão do desporto e pela sua melhoria em Portugal.

Não houve, por isso, e tal é prova mais que suficiente da falta de interesse e completa omissão daquelas entidades que governam os destinos do nosso desporto federado, em todos estes anos recentes, qualquer tentativa de impulsionar o nível da gestão praticada no nosso desporto.

Ninguém nestas organizações de topo do nosso sistema desportivo se lembrou de lançar um “programa de modernização das federações” que tivesse o apoio científico e académico da gestão como é frequente constatar em outros países (exemplos do Reino Unido, da Austrália e da Nova Zelândia, para só referir estes).

E é esclarecedor, “a contrario senso”, o facto de o actual Presidente do IDP, o doutor Luís Sardinha, se ter lembrado de impulsionar um programa com várias instituições universitárias envolvidas entre as quais a de que ele mesmo é professor catedrático, que tem a ver com os seus interesses académicos e científicos (diagnosticar a capacidade dos jovens para praticarem actividade física) e que não vai trazer nada de novo ao modo como é gerido e avaliado no seu desempenho desportivo nacional e internacional o nosso desporto competitivo federado.

E as federações e o Comité Olímpico não exigem porquê um “programa de apoio e formação em gestão” que possa ser mobilizador de novos métodos de organização e processos de gestão e do aparecimento de jovens quadros academicamente preparados no domínio da própria gestão do desporto? Será que a melhoria da gestão das organizações desportivas é assim tão despicienda e descartável?

Porque não exigem as federações e o Comité Olímpico um programa desta natureza com apoio financeiro público do Governo que apele para as capacidades académicas e científicas já existentes em Portugal e outras eventualmente também disponíveis e igualmente relevantes?

Será que tanto o Governo como os dirigentes federativos e o do Comité Olímpico estão completamente desinteressados da evolução da gestão desportiva nacional e apenas se preocupam em garantir novas instalações e mais recursos financeiros para serem usados e geridos como até aqui como os mesmos níveis de gestão e avaliação?

Os sistemas desportivos, como qualquer outro sistema, evoluem através da adopção de outros modelos de organização e gestão, caracterizados por novos padrões de exigência mas também pela melhoria da formação dos respectivos recursos humanos.

O capital humano nas organizações, como tem vindo a ser cada vez mais intensamente reconhecido pelos investigadores e teóricos das organizações, é considerado actualmente o único factor insubstituível e o que maiores potencialidades de mudança e desenvolvimento fornece, sobretudo aquelas organizações que cada vez mais intensamente estão submetidas à competição internacional como é indiscutivelmente o caso das federações desportivas.

O desporto em Portugal há-de certamente merecer e querer “mais e melhor gestão das organizações desportivas” e para o conseguir tem de ter programas de formação em gestão desportiva que saibam reconhecer as principais insuficiências e ultrapassá-las com acção determinada.

É tempo de Portugal investir na formação em gestão desportiva, mobilizando recursos públicos num programa específico que permita melhorar o nível da gestão das nossas federações desportivas, à semelhança do que fazem outros países que depois demonstram internacionalmente com resultados desportivos esse nível gestionário que construíram. E o QREN 2007-2012 poderia e deveria ser um adequado meio de promover este tipo de iniciativa que teria efeitos multiplicadores no desporto federado, agora que se anunciam em diversos municípios várias infra-estruturas novas para promoção do desporto de alta competição.

Ou será que vamos continuar como até “ontem” a querer melhores resultados desportivos a nível internacional independentemente da base de conhecimento da gestão organizacional das nossas instituições federativas…?

José Pinto Correia, Mestre em Gestão do Desporto

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Os Três Actuais Exercícios do Desporto (até final de 2008)

Passamos a publicar o nosso texto editado hoje no Jornal "O Primeiro de Janeiro" e que é uma nova versão mais comleta e aprofundada de um anterior post inscrito neste nosso BLOG.
O nosso desporto de competição, melhor o nosso sistema desportivo federado, está confrontado neste momento e até final de 2008 com três importantes exercícios que podem ajudar a definir o sentido da sua evolução e futuro de médio prazo. Porque qualquer um daqueles exercícios trará consequências e instrumentos importantes para a estrutura organizativa e os objectivos do sistema desportivo federado num horizonte temporal que, no mínimo, atingirá o próximo “ciclo olímpico de Londres 2012”.

Vejamos então quais são esses exercícios, em que plano eles se colocam e que elementos fundamentais contêm para a afirmação e estruturação do desporto federado nacional.

O primeiro exercício diz respeito ao “Estatuto Jurídico das Federações Desportivas”. Neste “Estatuto”, que como se sabe já foi finalmente aprovado em recente reunião do Conselho de Ministros, importa saber e verificar em que medida foram desenvolvidas e arquitectadas as competências e as funções das Federações, na medida em que para qualquer federação desportiva, como refere a teoria sistémica das organizações, as respectivas funções serão componentes fundamentais da concretização da sua missão. Ou seja, as funções das federações dão significado pleno à sua razão de existência no seio do sistema desportivo nacional.

Porque, por outro lado, é também destas funções, mais do que da enormemente propalada redefinição e recomposição dos poderes de representação interna nas Assembleias Gerais que apenas interessa à manutenção da actual matriz de governação politizada das federações em Portugal (e que tem andado nas “bocas do mundo desportivo e jornalístico”), que resultarão as efectivas mudanças qualitativas e substanciais no desenvolvimento do desporto federado.

Importa, por conseguinte, saber na “arquitectura funcional das federações” que novos processos e métodos de gestão e organização, que outros modelos de financiamento, qual o grau de profissionalização da gestão versus o do dirigismo voluntário tradicional, que sistemas de informação e de reporte de actividades, quais os métodos e modelos de recolha de dados estatísticos, os preceitos de enquadramento da negociação de patrocínios e parcerias estratégicas, os modelos de formação de agentes desportivos e a relação preferencial do sistema de desporto federado com o do desporto escolar, que foram efectivamente inseridos e considerados no diploma legal e estiveram, por conseguinte, presentes no diagnóstico do sistema federativo feito governamentalmente e que, assim, motivaram o seu desejado caminho evolutivo no pressuposto estratégico de que Portugal quer e merece melhor nível no seu desporto federado.

Sobre tudo isto veremos quando da publicação do respectivo “Estatuto Jurídico das Federações Desportivas” e ajuizaremos da sua efectiva consonância com a concepção de que a evolução de um sistema depende primariamente do nível de funcionamento e da qualidade e grau de sofisticação da gestão e organização das suas instituições fundamentais, no caso, as respectivas federações desportivas.

Um segundo exercício tem a ver com o conteúdo e conclusões do Relatório do Comité Olímpico de Portugal sobre Pequim 2008 e o respectivo ciclo de financiamento e gestão desportiva (que se anuncia para final do mês de Novembro) e que será remetido subsequentemente ao Governo, como foi por este expressamente requerido.

Importa saber em que medida esse Relatório vai incluir a avaliação das inovações organizacionais, dos novos métodos de preparação de treinadores e atletas, da consonância entre os planos das federações e os respectivos meios de financiamento e resultados alcançados, a análise dos desvios entre o projectado e o realizado, dos níveis de sucesso obtidos com novos instrumentos e métodos de gestão e preparação, e, no final, qual a projecção de todos estes factores para a preparação e programação do novo “ciclo olímpico de 2012” (Jogos Olímpicos de Londres).

Trata-se de verificar, neste caso, em que medida se constrói (ou melhor constrói o Comité Olímpico de Portugal) um instrumento que possa ser de utilidade substantiva para a nova programação e negociação de um “plano de preparação olímpica para o ciclo olímpico de 2012” que possa conter as bases de uma estratégia de afirmação competitiva internacional do nosso desporto de alta competição que se irá apresentar nos Jogos Olímpicos de Londres 2012.

O terceiro exercício relaciona-se estreitamente ao anterior e diz respeito ao modo como o Governo vai conduzir a negociação de um novo “programa de financiamento do ciclo olímpico de 2012”. Sobretudo importa saber em que medida e grau de sofisticação tem o Governo um projecto para a nossa participação olímpica em 2012. E se tiver esse projecto, para ficarmos a conhecer devida e detalhadamente quais as suas linhas estratégicas fundamentais que possibilitem justificar o pacote financeiro que o mesmo Governo estiver disponível para afectar. Para que nesta negociação de apoio a um programa de preparação não possam ficar dúvidas sobre a política pública desportiva de alta competição e ela possa, depois, em 2012 ser devidamente avaliada na concretização efectiva dos respectivos objectivos previamente estabelecidos.

Só deste modo se poderá dizer, portanto, que o novo ciclo olímpico de 2012 corresponderá não apenas a um projecto do Comité Olímpico de Portugal mas também, e indispensavelmente, a um projecto nacional que o Governo em funções tem para o desporto de alta competição português para os próximos quatro anos (pelo menos).
Vamos ver se assim será ou não. Se há ou não um projecto nacional para a participação nos Jogos Olímpicos de Londres em 2012, evitando-se a repetição futura, provavelmente com outros intérpretes, dos jogos florais que temos visto nos últimos meses sobre o ciclo de Pequim 2008, em que mais parece que quem contratou não assumiu nenhum compromisso ou projecto (com objectivos quantificados incluídos, claro, como é inevitável em qualquer um daqueles).

Destes três exercícios, que aqui sinteticamente apresentámos, da forma como forem resolvidos e dos seus consequentes resultados essenciais, decorrerá muito do que poderá vir a ser a evolução do sistema desportivo federado em Portugal quando se completar um novo ciclo olímpico com a participação nacional nos Jogos Olímpicos de Londres de 2012.

José Pinto Correia, Mestre em Gestão do Desporto

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Análise Económica de Eventos Desportivos (III)

Aqui publicamos a última parte do nosso texto sob o título acima que foi editado ontem no Jornal "O Primeiro de Janeiro".
No Reino Unido têm havido várias cidades que adoptaram estratégias económicas baseadas na atracção de grandes eventos desportivos, considerando-os como catalisadores para estimularem a própria regeneração económica dessas cidades. Estão neste caso cidades como Sheffield, Glasgow e Birmingham – que ficaram conhecidas pela designação de “Cidades Nacionais do Desporto” (“National Cities of Sport”).

Portanto, parte-se nestes casos da consideração essencial de que o desporto e os seus grandes eventos podem ser um instrumento de regeneração económica e urbana das cidades que neles baseiam parte assinalável da sua própria estratégia de desenvolvimento económico.

Isto também significa que o negócio dos eventos desportivos tem vindo a ser considerado no Reino Unido como uma “indústria” significativa e que o país se considera cada vez mais como detentor de uma “vantagem competitiva” sobre muitas outras nações, quer na competência e experiência em hospedar e realizar esses eventos internacionais quer no estudo profundo das respectivas incidências económicas deles resultantes.

Estas ideias mereceram o consequente acolhimento na definição para a estratégia de desenvolvimento do desporto nos próximos 20 anos, inscrita no “Game Plan de 2002”, e que permitiu o consenso nacional e a enorme capacidade de marketing desenvolvida em torno da candidatura de Londres aos Jogos Olímpicos de 2012, a qual foi, como se sabe, vitoriosa, contrariando as expectativas existentes à partida para a votação final de Singapura em 2005.

Mas a todos estes elementos trabalhados pelo UKSport que vimos analisando é agora importante adicionar as principais considerações e elementos constantes do próprio “Game Plan de 2002” no que concerne aos denominados “mega-eventos desportivos”, dado tratar-se do documento fundamentador da estratégia de desenvolvimento desportivo do Reino Unido até 2020.

Desde logo, e embora o país tenha considerado na sua política desportiva a realização de eventos dessa dimensão, o documento refere explicitamente que (tradução nossa) “Nós concluímos que as evidências quantificáveis que suportam cada um dos benefícios percebidos para os mega-eventos é fraca. Os custos explícitos de hospedar um mega-evento deveriam ser cuidadosamente pesados contra os benefícios percebidos quando uma candidatura está a ser considerada, especialmente dados os riscos associados. A mensagem não é: ´não invistam em mega-eventos´; ela é antes: ´tenham a certeza que eles não sejam celebração mais do que retornos económicos´”.

Quanto a estes mega-eventos são colocadas três importantes questões que permitem esclarecer efectivamente os seus impactos e benefícios. São elas, respectivamente:

Será que os investimentos em infra-estruturas geram benefícios contínuos para as populações e as indústrias locais?

Será que estes investimentos atraem novos visitantes e/ou novas indústrias?

Será que as competências criadas através da preparação para e na hospedagem do evento dão ao local de realização uma vantagem competitiva continuada?

Quanto aos efeitos de regeneração das áreas de hospedagem dos referidos eventos que são um primeiro elemento de resposta à primeira questão, o documento esclarece que “Não há dúvida que alguma regeneração tem lugar. Contudo, existe pouca evidência estatística ou económica que sugira que esses impactos de regeneração sejam significativos na prática”. Aliás, a maioria dos estudos realizados foram anteriores à realização dos eventos ou pouco tempo após essa mesma realização, o que não permite alicerçar conclusões significativas. Para além de se poder dizer que se esses efeitos regeneradores eram importantes eles sempre seriam realizados independentemente do evento; e também que em muitos casos os recursos usados pelo evento para esse efeito poderiam ser realizados isoladamente de forma mais eficiente e económica (“o caso do segundo melhor” de Samuelson, portanto).

Quanto aos denominados “legados olímpicos” sempre se tem vindo a constatar que muitos dos estádios e instalações construídos para esses eventos têm fraca utilização posterior ou mesmo significativa subutilização (exemplos de Sydney e Atenas e também de vários estádios do EURO 2004 em Portugal), e no caso dos Jogos de Londres 2012 este “legado olímpico” tem estado na primeira linha das preocupações e decisões.

Quanto aos efeitos de turismo e de imagem, o documento clarifica referindo que “No conjunto, com a excepção de Sydney e Adelaide, todos os mercados hoteleiros na Austrália verificaram uma diminuição da ocupação em Setembro de 2000 relativamente a Setembro de 1999 apesar dos Jogos Olímpicos…”.

Finalmente, quanto aos benefícios económicos globais o documento afirma nomeadamente que os estudos de impacto podem ser problemáticos: “Não apenas os resultados de muitos estudos de impactos económicos são mal interpretados…para suportarem…crenças de políticas, mas os resultados são muitas vezes mal calculados pelos economistas, algumas vezes deliberadamente para agradarem aos patrocinadores do projecto de investigação, outras vezes sem intenção, sendo que o número de insuficiências na estimativa dos benefícios líquidos de um investimento público são numerosas”. Nestes casos estão particularmente em destaque os denominados multiplicadores e o seu valor e significado, a definição da área relevante dos impactos e a própria inflação considerada na actualização/capitalização dos valores[i].

Um outro conjunto de questões relevantes é o que concerne às relações entre o evento, a participação no desporto e o nível nacional de competição. Isto é, quais as relações entre a realização destes mega-eventos e o aumento de praticantes desportivos, por um lado, e o nível competitivo do país organizador nas diferentes modalidades desportivas. Portanto, qual a incidência destes eventos no denominado “nível desportivo” do país hospedeiro (usando a terminologia e o modelo de Castejon Paz, 1973, reafirmado por Gustavo Pires, 2005)?

Quanto à primeira relação o “Game Plan” afirma que “A evidência disponível também sugere que não existe ligação automática entre os níveis elevados de participação e o sucesso internacional… O Reino Unido tem um baixo nível de participação e um alto ranking internacional (usando o “Índice Desportivo do UKSport”). Comparado com o caso da Finlândia, em que existe um muito alto nível de participação, mas com um baixo ranking internacional. Os EUA têm um alto ranking internacional, mas relativamente baixas taxas de participação”.

No que concerne à possibilidade de correlação positiva entre os mega-eventos e o nível competitivo dos países organizadores verificaram-se contradições entre os casos da Espanha após 1992 e a Coreia após 1988 que diminuíram o seu nível competitivo após os seus Jogos, enquanto nos casos da Austrália e dos EUA se têm mantido níveis muito elevados mesmo após a realização dos Jogos de Sydney e de Atlanta, respectivamente.

Em conclusão, nestes aspectos, o que o documento afirma é o seguinte:

O sucesso internacional não conduz, por si próprio, a um aumento da participação massificada ou ao seu contrário;

Hospedar eventos não conduz necessariamente a níveis sustentáveis de sucesso internacional;

Hospedar eventos não conduz necessariamente a aumentos na participação massificada.

Por todas estas razões o “Game Plan” recomenda uma muito mais profissionalizada apreciação das candidaturas e um empenhamento activo e rigoroso das autoridades governamentais, dado que são elas em muitos casos os principais financiadores desses mesmos eventos e têm a obrigação de dar conta do emprego dos recursos públicos que são ganhos e pertença da sociedade britânica.

Esta última conclusão tem muito importante aplicação a Portugal onde os apoios públicos à realização de grandes eventos desportivos carece habitualmente dessas apreciações rigorosas sobre o efectivo retorno e rendibilidade dos recursos assim afectos, o que em muitas situações acarreta óbvias ineficiências e desperdício de meios que são, por sua própria natureza, sempre escassos e susceptíveis de outras aplicações.

Pois neste domínio dos eventos desportivos, como muito apropriadamente refere J. Martins Barata (em “Elaboração e Avaliação de Projectos, Editora Celta, 2004, pág. 211), “A avaliação social de um projecto, programa ou política económica, implica a quantificação dos benefícios e custos que acrescem aos diferentes agentes da economia nacional. Por outro lado, tanto a quantificação como o que se deve considerar benefício ou custo, pressupõe que se identifiquem quais as finalidades que se consideram ser prosseguidas pela sociedade e quais as relações que existem entre essas finalidades e os conceitos da análise económica”.

A política pública desportiva de promoção e apoio aos eventos desportivos deve, assim, ser inequívoca e indispensavelmente fundamentada na consequente análise económica; e neste particular comparando com o que acima se referiu relativamente ao Reino Unido (a experiência do UKSport desde 1997) está praticamente tudo ainda por fazer em Portugal.
José Pinto Correia, Mestre em Gestão do Desporto

[i] Ver a este respeito a Tese de Mestrado de J. Pinto Correia “Análise Económica de Eventos Desportivos. O caso dos Jogos Olímpicos”, Faculdade de Motricidade Humana (Fevereiro de 2006).

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Os Três Actuais Exercícios do Desporto (até final de 2008)


O nosso desporto de competição, melhor o nosso sistema desportivo federado, está confrontado neste momento e até final de 2008 com três importantes exercícios que podem ajudar a definir o sentido da sua evolução e futuro de médio prazo.

O primeiro exercício diz respeito ao Estatuto Jurídico das Federações Desportivas. Nele, que já foi aprovado em recente Conselho de Ministros, importa saber e verificar em que medida foram desenvolvidas e arquitectadas as competências e as funções das Federações.

Porque é destas, mais do que da enormemente propalada redefinição e recomposição dos poderes de representação interna nas Assembleias Gerais que apenas interessa à manutenção da actual matriz de governação politizada das federações em Portugal, que resultarão as mudanças qualitativas e substanciais no desenvolvimento do desporto federado.

Importa, por conseguinte, saber que novos processos e métodos de gestão e organização, que outros modelos de financiamento, qual o grau de profissionalização da gestão versus o do dirigismo voluntário tradicional, que sistemas de informação e de reporte de actividades, quais os métodos e modelos de recolha de dados estatísticos, os preceitos de enquadramento da negociação de patrocínios e parcerias estratégicas, os modelos de formação de agentes desportivos e a relação preferencial do sistema de desporto federado com o do desporto escolar, que foram efectivamente inseridos e considerados no diploma legal e estiveram, por conseguinte, presentes no diagnóstico do sistema federativo feito governamentalmente e que, assim, motivaram o seu desejado caminho evolutivo no pressuposto estratégico de que Portugal quer e merece melhor nível no seu desporto federado.

Sobre tudo isto veremos quando da publicação do respectivo diploma legal e ajuizaremos da sua efectiva consonância com a concepção de que a evolução de um sistema depende primariamente do nível de funcionamento e da qualidade e grau de sofisticação da gestão e organização das suas instituições fundamentais, no caso, as respectivas federações desportivas.

Um segundo exercício tem a ver com o conteúdo e conclusões do Relatório do Comité Olímpico de Portugal sobre Pequim 2008 e o respectivo ciclo de financiamento e gestão desportiva (que se anuncia para final do mês de Novembro).

Importa saber em que medida esse Relatório vai incluir a avaliação das inovações organizacionais, dos novos métodos de preparação de treinadores e atletas, da consonância entre os planos das federações e os respectivos meios de financiamento e resultados alcançados, a análise dos desvios entre o projectado e o realizado, dos níveis de sucesso obtidos com novos instrumentos e métodos de gestão e preparação, e, no final, qual a projecção de todos estes factores para a preparação e programação do novo ciclo olímpico de 2012 (Jogos Olímpicos de Londres).

Trata-se de verificar, neste caso, em que medida se constrói (ou melhor constrói o Comité Olímpico de Portugal) um instrumento que possa ser de utilidade substantiva para a nova programação e negociação de um “plano de preparação olímpica para o ciclo olímpico de 2012”.

O terceiro exercício relaciona-se estreitamente ao anterior e diz respeito ao modo como o Governo vai conduzir a negociação de um novo “programa de financiamento do ciclo olímpico de 2012”.
Sobretudo importa saber em que medida e grau de sofisticação tem o Governo um projecto para a nossa participação olímpica em 2012. E se tiver esse projecto, para ficarmos a conhecer devida e detalhadamente quais as suas linhas estratégicas fundamentais que possibilitem justificar o pacote financeiro que o mesmo Governo estiver disponível para afectar.

Só deste modo se poderá dizer, portanto, que o novo ciclo olímpico de 2012 corresponderá não apenas a um projecto do Comité Olímpico de Portugal mas também, e indispensavelmente, a um projecto nacional que o Governo em funções tem para o nosso desporto de alta competição para os próximos quatro anos (pelo menos).

Vamos ver se assim será ou não. Se há ou não um projecto nacional para a participação nos Jogos Olímpicos de Londres em 2012, evitando-se os jogos florais que temos visto nos últimos meses sobre o de Pequim 2008 em que mais parece que quem contratou não assumiu nenhum compromisso ou projecto (com objectivos incluídos, claro, como é inevitável em qualquer um daqueles).

Destes três exercícios e dos seus resultados essenciais decorrerá muito do que poderá vir a ser a evolução do sistema desportivo federado em Portugal até 2012, pelo menos.

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Análise Económica de Eventos Desportivos (II)

Passamos a publicar o nosso texto editado hoje no Jornal "O Primeiro de Janeiro" que continua a tratar da temática da análise económica dos eventos desportivos e que se concluirá num próximo texto.

Sobre os estudos de avaliação económica de eventos desportivos e as recomendações de política pública desportiva que desses trabalhos circunstanciados têm resultado vamos apresentar elementos que permitem, por um lado, realçar as insuficiências praticamente absolutas nestas matérias existentes em Portugal e, por outro, servir de lições de boas práticas e de quadro de referência para o colmatar dessas fragilidades nacionais no futuro, se essa vier a ser a vontade assumida pelas respectivas autoridades governamentais e dirigentes federativas do nosso sistema desportivo.

Como referimos no artigo anterior o UKSport gere no Reino Unido, para além do desporto de alta competição de que é a agência para-governamental responsável, também um “Programa de Eventos de Classe Mundial” (o denominado “World Class Events Programme”) que tem o objectivo estratégico essencial, convergente com a política de desenvolvimento até 2020 afirmada pelo Governo para o desporto (inscrita no denominado “Game Plan de 2002”), de exponenciar o valor económico originado com os eventos desportivos nacionais e internacionais realizados no Reino Unido – com a salvaguarda dos princípios de valor para os financiamentos que lhes vierem a ser atribuídos através da National Lottery e da definição de parâmetros para a medição do respectivo grau de sucesso nessa matéria.

O “Programa de Eventos” do UKSport tem também, por outro lado, o intuito claramente assumido de “aumentar o perfil internacional do Reino Unido ao trazer os benefícios destes eventos para os atletas internos, para o próprio sistema desportivo e para a nação como um todo” (citação em tradução nossa).

Um elemento relevante e que importa destacar é o de na metodologia de avaliação dos impactos utilizada pelo UKSport não serem usados os denominados “multiplicadores keynesianos”, habitualmente patentes em muitos estudos de impacto macroeconómico de eventos desportivos – por exemplo em muitas edições dos Jogos Olímpicos ou dos Campeonatos do Mundo de Futebol e no EURO 2004 em Portugal – por o UKSport ter considerado que eles “são relativos a cada economia em particular, e da sua utilização resultar a comparação entre economias e não apenas entre os eventos em si-mesmos” (citação).

Trata-se, portanto, de o UKSport ter tomado uma opção por uma metodologia de avaliação de cariz mais microeconómico que tenta captar as especificidades de cada um dos eventos e evitar modelizações mais abstractas e generalistas como as que resultam da utilização dos multiplicadores incorporados nas conhecidas “matrizes input-output”.

A documentação do UKSport ainda refere a este propósito o seguinte: “Mais, a informação necessária para estabelecer um multiplicador para uma determinada economia local não está muitas vezes rapidamente disponível. Como resultado, historicamente, os consultores têm usado multiplicadores altamente técnicos e ambiciosos que não são empiricamente baseados e são frequentemente “emprestados” de outros sectores (ex: construção), ou de outras economias. Este tipo de multiplicadores “emprestados” só pode ser considerado uma pobre aproximação no melhor dos casos e as conclusões são assim a maior parte das vezes erróneas” (fim de citação).

Lembremos que esta avaliação através dos multiplicadores foi precisamente a base da metodologia utilizada em Portugal para medir os impactos económicos do Campeonato da Europa de Futebol de 2004 (o EURO 2004), e conduziu a determinados indicadores que exaltavam impactos económicos que hoje são desmentidos face à incapacidade de vários estádios então construídos gerarem retornos financeiros positivos.

Donde se pode, portanto, concluir que os estudos realizados pela agência britânica UKSport são acerca da comparação dos impactos de eventos e não de economias, como poderia resultar da utilização indiscriminada dos aludidos multiplicadores.

Vejamos agora em seguida algumas das principais conclusões do UKSport para os estudos de medição de impactos no conjunto de eventos apreciados entre 1997 e 2003:

Na avaliação dos eventos realizados entre 1997 e 2003 o maior impacto foi o originado pela Maratona de Londres (que destaca as características do próprio evento onde quer os participantes quer a assistência familiar e de visitantes externos foi relevante);

Os eventos de Tipo C (de acordo com a própria tipologia definida pelo UKSport) são caracterizados por terem impactos económicos e previsões incertos. Realisticamente estes são os eventos que o Reino Unido e o UKSport são mais capaz de atrair para o país;

Não há necessariamente uma ligação entre a extensão do impacto económico absoluto dos eventos e o seu significado desportivo. Grandes eventos em termos económicos podem não ter, portanto, grandes efeitos e implicações de carácter desportivo;

O valor médio para a despesa de organização dos eventos é de 13%, e de 87% para as despesas dos visitantes. O significado desta conclusão é o de que para os eventos incluídos na amostra estudada a esmagadora maioria dos impactos económicos, mais de 80%, é causada pelos visitantes dos eventos;

A despesa organizacional destes eventos foi sempre pequena porque todos eles decorreram em instalações e infra-estruturas já existentes. Não houve necessidade de construir ou melhorar as instalações existentes e assim praticamente toda a despesa dos organizadores foi em itens necessários para a realização operacional dos eventos;

O coeficiente de correlação entre os espectadores admitidos nos eventos e os impactos económicos gerados é de .90, o que representa uma forte relação existente entre o número de espectadores e os impactos económicos respectivos. Por isso, pode concluir-se que o impacto económico é uma importante consideração na determinação de apoiar ou não um evento e que o número de espectadores é o principal determinante desse mesmo impacto;

A conclusão 6 contrasta com os eventos de Tipo A (por exemplo Jogos Olímpicos ou Campeonatos Mundiais de Futebol) onde frequentemente as instalações têm de ser construídas ou melhoradas para um determinado evento e a despesa organizacional pode ser de muitos milhões de libras. Geralmente para eventos do Tipo B ou C é raro que sejam necessárias melhorias infra-estruturais de grande vulto e assim, em síntese, a maioria de qualquer impacto económico será nestes gerada pelos respectivos visitantes;

Num evento de Tipo B pode pois dizer-se que um elevado nível de impacto económico é o resultado de esse evento ter o apoio de altos contingentes de adeptos. É o mesmo que dizer que um dos subprodutos de atrair grande número de pessoas para um evento desportivo é o de estimular a actividade económica na área em que o evento tem lugar;

Dos 11 eventos analisados o retorno do investimento dos recursos provenientes da “National Lottery” ultrapassa o rácio de 8 para 1, o que significa que por cada libra investida existe um retorno económico gerado de 8 libras. O indicador médio dos eventos foi, aliás, de 7.23 libras para cada libra investida. Este indicador representa o acréscimo típico da despesa local adicional gerada com cada libra investida pela “Lottery” na realização dos eventos desportivos no Reino Unido. Todavia, este indicador apenas considera a parte do financiamento proveniente da “Lottery” e se forem consideradas outras fontes de financiamento o indicador global passa a ser menor – por exemplo de 5.59 libras por cada uma investida no evento de triatlo, contra o registado de 41.66 libras por cada libra investida nele pela “Lottery”. Na Austrália é referido que os promotores de eventos não considerarão a renovação de apoio a um evento a não ser que ele alcance um retorno de 8 libras australianas por cada libra de investimento público recebido como apoio;

O rigor alcançado através das previsões pré-evento do “Modelo de Previsão Económica” concebido variou ente os 64% e os 79%. As previsões mais rigorosas, respectivamente correspondentes a 72% e a 79%, tendem a ser a dos eventos mais pequenos e as menos rigorosas são comuns aos maiores eventos. Foram identificadas as duas principais razões para a falta de rigor das previsões: as variações de despesa média (“rate variance”) e as variações de quantidades nos respectivos intervenientes nos eventos (“volume variance”).

Algumas indicações importantes de política de promoção dos eventos foram também retiradas, entre as quais se enunciam as seguintes:

Em “desporto de elite” e eventos desse desporto aqueles que forem direccionados para espectadores (os denominados “spectator-driven events”) são mais capazes de gerarem impactos económicos maiores em termos absolutos do que os eventos direccionados para os competidores (apelidados de “competitor-driven events);

A maioria dos espectadores dos eventos – especialmente dos do Tipo C – vêm de fora da área local onde eles se realizam e isso confirma a afirmação de que o impacto económico absoluto está criticamente dependente do número de espectadores que participam nos eventos. Tal é enfatizado pelo factor de correlação entre admissões de espectadores “não-locais” e o impacto absoluto ser também significativo, de .87 precisamente.

Um outro aspecto também relevante da análise dos impactos económicos destes eventos é o que respeita ao denominado “efeito líquido de exportação do evento”. Este efeito corresponde à diferença entre as exportações e as importações relativas ao evento, e é, portanto, um efeito líquido.

A este particular respeito pode ser argumentado que por as exportações representarem um genuíno influxo de fundos para o país, a “qualidade” dos impactos de um evento que são derivados das exportações é mais elevada do que nos casos em que os impactos económicos são gerados apenas no interior do mesmo país.

A razão para esta afirmação é a de que os eventos que repousam na geração doméstica do impacto económico não afectam o PIB, eles apenas direccionam a despesa de uma área do país para outra (beneficiando a que hospeda o evento respectivo). E ainda que isso possa constituir benefício para uma cidade ou localidade que receba o evento não existe benefício adicional para o país como um todo. Por isso, a capacidade de um evento desportivo gerar exportações deveria também ser vista como um indicador de “valor acrescentado” do evento para o país hospedeiro.
Nota: O “Game Plan” é o documento orientador da estratégia de desenvolvimento do desporto do Reino Unido até 2020, e foi elaborado conjuntamente pela “Unidade Estratégica” que actua junto do primeiro-ministro do Reino e o DCMS (Departamento para a Cultura, Media e Desporto) num trabalho de cerca de 18 meses. A denominação do Relatório final produzido é a seguinte: “Game Plan: a strategy for delivering Government´s sport and physical activity objectives” (Dezembro de 2002).
José Pinto Correia, Mestre em Gestão do Desporto

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Análise Económica de Eventos Desportivos (I)

Aqui publicamos o nosso texto de opinião editado hoje no Jornal "O Primeiro de Janeiro" com o título acima indicado.

O desporto de alta competição vive da realização de eventos desportivos associados às diferentes modalidades. Em Portugal tem-se apostado muitas vezes nos anos recentes na promoção da realização de eventos desportivos, alguns mesmo de grandes dimensões como foi o EURO 2004, alegando-se, além do mais, que eles são uma boa oportunidade para dar dimensão e visibilidade internacional ao nosso desporto.

Nestes eventos desportivos aparecem regularmente entidades públicas e governamentais a atribuir apoios financeiros à realização dos mesmos sem que, depois, e consequentemente, se analisem os respectivos benefícios e impactos económicos que deles resultam. Portanto, não têm existido em Portugal análises sistemáticas da rentabilidade de utilização dos financiamentos públicos canalizados para a realização destes eventos desportivos.

Ora, a realização desse tipo de análises é um imperativo que urge para tornar possível escrutinar da valia para a sociedade dos investimentos que a mesma faz, através das autoridades públicas e governamentais, nesses eventos desportivos, bem como para servirem de critérios de decisão de afectação dos recursos a novos eventos desportivos previstos. A permanente escassez dos recursos públicos disponíveis impõe esses critérios, pois a escolha e as prioridades a definir na sua adequada utilização têm de basear-se na correspondente boa e rendível aplicação, única forma de os cidadãos contribuintes se certificarem do valor gerado com o uso desses meios de financiamento nos respectivos eventos desportivos.

No Reino Unido, como vamos seguidamente passar a descrever, essas análises existem desde há muitos anos e permitem conhecer com algum rigor a forma como os dinheiros públicos investidos nos eventos desportivos reproduzem benefícios económico-financeiros para a sociedade. Vejamos então, em detalhe, a experiência britânica quanto à avaliação dos impactos e benefícios dos eventos desportivos.

No Reino Unido a entidade encarregada de avaliar as candidaturas internas para a realização de eventos desportivos, bem como a que tem procedido à medição efectiva dos impactos económicos de muitos desses eventos que no país se têm vindo a realizar, é o UKSport. Esta agência de natureza não-governamental é também a líder da concretização das políticas de fomento e de desenvolvimento do “desporto de elite do Reino Unido”, conduzindo também, por isso mesmo, o processo de financiamento da participação Olímpica do país.

O UKSport definiu uma “tipologia geral dos eventos desportivos” aliando o seu carácter regular ou irregular, por um lado, às respectivas capacidades de gerarem impacto económico significativo ou não, quer numa base diária quer no global da duração temporal dos eventos. Assim, passou a referenciar os quatro seguintes tipos de eventos:

1. Eventos do Tipo A: são eventos de grande dimensão e internacionais centrados nos espectadores e geradores de significativa actividade económica e interesse mediático, por exemplo os Jogos Olímpicos ou o Campeonato do Mundo de Futebol;

2. Eventos do Tipo B: são grandes eventos centrados nos espectadores gerando significativa actividade económica e interesse mediático e são parte de ciclo doméstico anual, por exemplo a Final da Taça de Futebol;

3. Eventos do Tipo C: eventos únicos de carácter irregular centrados quer nos espectadores quer nos competidores e gerando um nível incerto de actividade económica, por exemplo os Grandes Prémios de Atletismo;

4. Eventos do Tipo D: eventos de grande dimensão centrados nos competidores gerando pouca actividade económica e fazendo parte de um ciclo anual, tais como os Campeonatos Nacionais da maioria dos desportos.

O UKSport tem como sua estratégia global quanto aos eventos desportivos a de apoiar aqueles que tenham relevância estratégica e que produzam, ao mesmo tempo, um conjunto de benefícios duradouros de carácter desportivo, económico e “social-cultural”.

Esta estratégia de promoção dos eventos desportivos teve antecedentes no Relatório publicado em 1995 pela então denominada “National Heritage Commission” que à data considerava: “É claro que as candidaturas para hospedar grandes eventos desportivos…[podem] operar como um catalisador para estimular a regeneração económica mesmo se eles no final não provarem ser bem sucedidos” (citação).

Este mesmo Relatório utilizava os casos das cidades de Sheffield e Manchester para enaltecer os impactos regeneradores dos eventos desportivos e referia que: “…uma vez que o desenvolvimento inicial teve lugar, a existência de instalações de alta qualidade significa que as cidades referidas são capazes de atrair outros eventos desportivos. O impacto contudo não pára aqui. Muitas das instalações são adequadas para outras utilizações tais como conferências e concertos. Em acréscimo a publicidade favorável pode seguir-se de um evento bem sucedido e aumentar a atractividade da cidade, elevar o seu perfil no estrangeiro, e torná-la capaz de atrair um número crescente de turistas” (citação).

O UKSport usa uma definição de impacto económico que é a seguinte: “O impacto económico de um evento desportivo é a mudança económica líquida na economia local resultante do acolhimento do evento. O efeito económico líquido pode ser expresso como a despesa adicional local, o emprego adicional local, ou o rendimento adicional local gerados pelos visitantes do evento provenientes de fora da economia local. O impacto económico total de cada evento é composto por três componentes: o impacto directo, o impacto indirecto e o impacto induzido”.

Ou se quiser definir de um modo mais simples os impactos económicos correspondem, também para o UKSport, a: “O montante total de despesas adicional gerada dentro de uma cidade de acolhimento, ou área, que poderia ser directamente atribuída ao acolhimento de um determinado evento desportivo”.

Portanto, nesses impactos económicos só são consideradas as despesas de visitantes exteriores como elegíveis para inclusão nos cálculos respectivos de impacto económico, uma vez que se considera que as realizadas pelos habituais residentes da área de acolhimento seriam sempre dispendidas independentemente da realização do evento em apreço. Às despesas realizadas pelos residentes é mesmo atribuído o conceito de “despesa de peso-morto” (“deadweight expenditure”, no original).

Os impactos económicos dos eventos e a sua possível previsão são também considerados elementos fundamentais ao processo de apreciação dos eventuais financiamentos públicos a atribuir a esses eventos desportivos. Trata-se obviamente de fundamentar o financiamento no denominado “valor criado para a sociedade” (o denominado “Value for Money”), princípio básico da atribuição de fundos públicos a quaisquer projectos, e que serve também de instrumento de validação dos critérios de afectação e de prestação de contas do uso dos recursos à sociedade e aos respectivos contribuintes (a denominada “Accountability”).

O UKSport avaliou cerca de 16 eventos desportivos realizados entre 1997 e 2003, tendo para o efeito estabelecido uma “Metodologia Comum” que assenta, nomeadamente, num “Questionário Standard”. Assim, é possível proceder à comparabilidade dos diversos resultados e eventos desportivos num conjunto de elementos caracterizadores e de impacto.

Nas análises que foram efectuadas para vários eventos realizados nos últimos anos (especialmente entre 1997 e 2003) revelou-se uma forte correlação entre o número de espectadores admitidos e o impacto económico absoluto de um evento, o que sugere que o número absoluto de espectadores é um influenciador chave do impacto económico (também denominado de “key driver”). Por outro lado, a despesa média realizada pelos representantes dos “media” que fazem a cobertura do evento é mais elevada do que a dos restantes intervenientes nos eventos – designadamente dos atletas, treinadores, juízes.

O que também acontece nestes resultados de impactos é que grande parte dos mesmos corresponde apenas a uma redistribuição do dinheiro dentro da economia do Reino Unido, a qual não apresenta por isso alterações relevantes no seu PIB total decorrentes desses eventos desportivos.

Entretanto, dos vários estudos de impacto conduzidos com metodologia uniforme concluiu-se que por cada libra de financiamento atribuído pela National Lottery (um dos grandes financiadores do desporto no Reino Unido) para esses eventos foi possível originar, em média, uma despesa adicional nas economias de acolhimento de 7.3 libras (dado este que foi baseado na avaliação detalhada dos impactos de 10 de 11 eventos financiados através da Lottery). Este é um decisivo indicador do “valor do dinheiro” que anteriormente mencionámos ser um importante princípio de avaliação da despesa pública de investimento no Reino Unido.

O UKSport desenvolveu também um “Modelo de Previsão Económica” para prever o impacto económico de eventos desportivos antes de eles se realizarem. A fiabilidade das previsões originadas com aquele modelo tem variado entre os 64 e os 79% dos valores reais “a posteriori”.
Os elementos recolhidos nestes estudos permitiram também apresentar, nomeadamente, elementos como os seguintes:

- Quadro de Impacto dos Eventos: com os anos dos eventos, localização respectiva, nº de dias de duração, impacto em libras e impacto médio por dia;

- Tipologia dos Eventos Desportivos: de acordo com a definição dada pelo UKSport para os diversos eventos;

- Gráfico dos Impactos: apresentando os diferentes impactos dos diversos tipos de eventos;

- Gráfico dos Impactos Diários: apresentando os impactos médios diários dos diferentes eventos;

- Gráfico das Despesas de Visitantes e da Organização: relacionando as despesas dos visitantes com a da organização dos próprios eventos (indicador de escala, portanto);

- Gráfico de Espectadores e de Impacto Económico Bruto: relacionando o número de espectadores admitidos nos eventos e os respectivos impactos económicos brutos (a qual apontou para um coeficiente de correlação de .90, por conseguinte revelador da grande relação entre o número de espectadores e a dimensão dos impactos produzidos pelos eventos desportivos);

- Padrões de Despesas por Grupos Chave: apresenta os diferentes padrões de despesa dos diferentes grupos envolvidos nos eventos (atletas, treinadores, repórteres dos media, juízes e árbitros, visitantes externos, nomeadamente).

O UKSport gere, por outro lado, um “Programa de Eventos de Classe Mundial” (“World Class Events Programme”) que tem o objectivo estratégico essencial, que converge com a política de desenvolvimento até 2020 afirmada pelo Governo para o desporto (inscrita no documento denominado “Game Plan” publicado em 2002”), de exponenciar o valor económico originado com os eventos desportivos nacionais e internacionais realizados no Reino Unido.

A promoção dos eventos desportivos, designadamente os de grande dimensão e projecção mundial como os Jogos Olímpicos ou o Campeonato do Mundo de Futebol surge, assim, naturalmente integrada na própria política de desenvolvimento do desporto no Reino Unido.

(a continuar)

José Pinto Correia, Mestre em Gestão do Desporto

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

A Administração Pública Desportiva em Portugal: um domínio obscuro por quanto tempo?

Há na nossa administração pública desportiva algo de surreal.

Vai-se ao Conselho Nacional do Desporto (CND), no site da Secretaria de Estado, e não se consegue a mínima informação sobre o conteúdo dos trabalhos e discussões, preparação dos temas, posições dos membros, documentos de trabalho, estudos, o que quer que seja. Só mesmo os documentos do governo que marcaram a agenda até hoje, mas sem se saber uma linha sobre a posição oficial, ou as oficiosas, do Conselho Nacional do Desporto, sobre esses projectos de diplomas.

Sobre o Regime das Federações Desportivas, vários meses depois da última discussão no CND sobre o projecto governamental respectivo não se conhece uma palavra, uma única linha sobra a posição final do CND e as individuais dos seus membros.

Este manto de obscuridade que existe sobre o trabalho e iniciativas do CND dá, portanto, para tudo. Para desculpar, para desresponsabilizar, para esconder, para que a opinião pública sobre o trabalho do CND e a condução da política desportiva seja reduzida a zero. Ou melhor à auto-congratulação do Governo que aparece, depois, finalmente, a legislar, ainda que passada uma quase eternidade sobre os prazos contemplados na Lei de Bases que ele mesmo fez aprovar.

Mas no site da Secretaria de Estado a ausência de documentos oficiais sobre o desporto, sobre a política desportiva, as suas grandes opções de desenvolvimento, as de apoio e incentivo ao movimento federativo, de promoção da prática desportiva por todas as faixas etárias e regiões nacionais, sobre tudo isto nada também. Melhor no site vêem-se só notícias de imprensa.

Como se pode avaliar, como se pode exercer o contraditório ou o escrutínio público e de cidadania perante o assim tão notadamente desconhecido ou não assumido devidamente?

E no site do Instituto do Desporto de Portugal (IDP) anunciam-se contratos-programa por todo o país, mas ao mesmo tempo documentos de apresentação de estratégia, objectivos e de fundamentação das actividades não existem também, nem se conhecem os critérios de decisão dos apoios concedidos aos diferentes clubes. Não existe no site do IDP qualquer documento ou estudo que fundamente ou descreva as orientações do que se vem fazendo desde há anos.

Perante o nada que é dito e apresentado tudo é, depois, possível porque inscrutinável e inavaliável. Não há nada que se possa tomar como linha de condução e, assim, nada ou quase nada se pode discutir, avaliar, em termos reais.

Há, por conseguinte, uma enormíssima falta de transparência na política e gestão pública do desporto em Portugal.

Por isso, não aparecem, não podem aparecer, verdadeiras “comunidades de conhecimento sobre desporto”.

O Congresso do Desporto foi, como hoje já muitos dizem, apenas um show mediático que serviu esta obscuridade em que temos vivido.

Não será possível a um Governo que já tem quase cumprida uma legislatura de quatro anos apresentar nos respectivos organismos que lideram a política e gestão pública desportiva as orientações de desenvolvimento, os estudos em que fundamenta decisões, objectivos, programas e actividades?

E não será exigível democraticamente que os cidadãos, os desportistas e as respectivas organizações e os académicos, conheçam o que é o trabalho efectivo do Conselho Nacional do Desporto – o que inclui as actas respectivas, as discussões, os documentos apresentados, etc.?

Esta obscuridade em que temos vivido no desporto, melhor na administração pública do desporto, é inaceitável numa democracia madura que exige transparência, informação atempada e acessível, e uma cidadania activa e empenhada de todos – no caso, dos que se interessam pela causa do desenvolvimento do desporto em Portugal.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

O Campeonato do Mundo de Futebol de 2018 em Portugal

Passamos a publicar o nosso habitual texto de opinião editado hoje no Jornal "O Primeiro de Janeiro".

Nos últimos anos em Portugal têm vindo a ser sucessivamente apresentados como valiosos para o nosso desporto e para o País a realização de grandes eventos desportivos como os Campeonatos da Europa e do Mundo de Futebol, nomeadamente. O próprio Presidente do Comité Olímpico de Portugal chegou várias vezes a afirmar a pretensão de Portugal vir mesmo a organizar os Jogos Olímpicos (na respectiva edição de Verão).

Na pretérita semana correu lesta na nossa imprensa a ideia de Portugal poder vir a candidatar-se conjuntamente com Espanha a realizar a edição do Campeonato do Mundo de Futebol em 2018. Posicionaram-se para tanto alguns dirigentes desportivos de topo e mesmo governamentais de imediato em defesa deste projecto, referenciando desde logo e intempestivamente, os enormes benefícios nacionais e desportivos advenientes, por um lado, contrapostos a uma correlata pequenez dos investimentos necessários à participação no mesmo, por outro.

Em Espanha, como se viu, os dirigentes desportivos federativos e políticos foram muitíssimo comedidos nas declarações sobre esta possível candidatura, o que é um contraste de realçar e terá subjacentes os interesses estratégicos mais amplos do País, como a possibilidade em aberto de Madrid vir a realizar os Jogos Olímpicos de 2016 que será conhecida por decisão do Comité Olímpico Internacional (COI) apenas em Outubro de 2009. Estes interesses de Espanha colocam Portugal na completa dependência dos mesmos, o que inclui a própria disponibilidade para a candidatura e os prazos em que ela, a existir, se manifestará formalmente.

Um facto que se deve destacar é o de que estes grandes eventos desportivos internacionais estão nas mãos de organismos desportivos monopolistas como a FIFA, UEFA ou COI, que leiloam os respectivos direitos de os hospedar internacionalmente, fazendo com que os países ou cidades (caso dos Jogos Olímpicos) respectivos apresentem condições muito vantajosas e também obviamente muito custosas.

Não é de estranhar, por isso, que os dirigentes máximos destas organizações desportivas internacionais (FIFA, UEFA e COI) tentem impulsionar o aparecimento do maior número possível de candidaturas nacionais, pois isso ser-lhes-à valiosamente benéfico na sua evidente e óbvia tentativa para maximizarem as condições que baseiam as correspondentes ofertas dos candidatos para esses seus eventos únicos. E a melhor destas ofertas, do ponto de vista do detentor monopolista dos direitos de realização do respectivo evento, será então a escolhida para se concretizar. Nada desta racionalidade é estranha ao funcionamento corrente dos mercados monopolizados que a ciência económica explicou de há muito.

Os países e cidades hospedeiros, ou seja aqueles a que são atribuídos esses eventos em leilão competitivo, concretizam, consequentemente, projectos que implicam esforços enormes em termos económico-financeiros e de infra-estruturas, baseados nas candidaturas ousadas que lhes permitiram obter daqueles organismos desportivos todo-poderosos a realização de tais eventos únicos na cena internacional/mundial.

Ora, no caso da possível candidatura ao Mundial de Futebol de 2018, uma vez mais, como vem sendo hábito em Portugal, começa-se por criar um ambiente favorável e sem o necessário rigor para a concretização de um evento, desprezando o seu efectivo estudo prévio, nomeadamente o de carácter económico e financeiro que é tão somente o aqui nos interessa seguidamente enquadrar – deixando de lado, e para outra oportunidade, o estudo dos reais efeitos e benefícios desportivos que também tem muito para revelar/desvendar.

Já no EURO 2004 o País avançou primeiro e fez aqueles estudos económicos apenas a posteriori da decisão de candidatura e mesmo assim utilizando metodologias inadequadas, o que iludiu em muito os portugueses sobre os efectivos benefícios e custos daquele projecto/evento desportivo – essa ilusão é hoje realidade duramente perceptível e inultrapassável em vários dos municípios que receberam estádios do EURO 2004.

A política desportiva em Portugal vem mesmo assumindo desde há vários anos como um dos veículos de promoção internacional do nosso desporto essa realização de grandes eventos desportivos. O mais eloquente e de maior dimensão desses eventos internacionais foi o EURO 2004, o Campeonato Europeu de Futebol, para o qual foram mobilizados volumosos recursos financeiros que deram origem à construção de vários novos estádios de futebol e a inúmeras obras e infra-estruturas complementares e de acesso aos mesmos, para além dos apreciáveis custos de segurança de cada um dos vários jogos e comitivas nacionais presentes no Campeonato.

Foram feitos alguns estudos para tentar apreciar os efeitos económicos e financeiros deste EURO 2004, quer no todo nacional quer em algumas das regiões/municípios envolvidos directamente na construção de estádios e de acessos aos mesmos.

Estes estudos partiram, todavia, da aplicação de metodologias já hoje caídas em desuso na valorização económica efectiva de eventos desportivos, pois se limitaram a fazer a replicação na economia dos efeitos de injecção de recursos financeiros nos investimentos respectivos. Assim, por cada milhão de euros injectados determinaram-se efeitos na produção, emprego e receitas de impostos para o Estado, nomeadamente. E se multiplicados pelos muitos milhões envolvidos nos respectivos investimentos chegou-se a números pretensamente grandes (para muitos incautos mesmo esmagadores) de produção nacional, de emprego e de receitas de impostos.

Ora, estas “metodologias dos impactos macroeconómicos”, que assim são apelidadas vulgarmente, estão hoje completamente desvalorizadas para a apreciação valorativa dos efeitos económicos e financeiros de eventos desportivos. E foram a posteriori em estudos conduzidos por entidades com responsabilidades económicas (v.g. Banco de Portugal) manifestamente desconsiderados.

Em qualquer economia é sempre possível gerar efeitos na produção, emprego e impostos por qualquer milhão de euros nela injectados, efeitos cuja dimensão é apenas variável com os sectores económicos em consideração, dependendo de para tal existirem dados devidamente especificados (o que acontece por exemplo nos EUA, mas já não em Portugal onde as bases de dados utilizadas não atingem esses grau de especificidade e refinamento). E acresce que como estes modelos de replicação económica e financeira utilizam indicadores padronizados é quase indiferente o sector em que se aplica esses mesmos milhões de euros, pois eles produzirão quase indistintamente nuns e noutros sectores esses mesmos efeitos na produção, no emprego ou nas receitas de impostos.

O que interessa por isso saber nestes projectos de um País e sociedade que constituem estes grandes eventos desportivos é não já esses efeitos multiplicadores no emprego, produção e impostos, mas antes que rendibilidades económico-sociais trazem para o País (ou região no caso dos Jogos Olímpicos pela enormíssima dimensão que têm) que os realiza. E esta medida de rendibilidade impõe, então, o uso de metodologias de avaliação completamente díspares das dos efeitos/impactos macroeconómicos que foram as utilizadas no caso português do EURO 2004.

Recomendam os especialistas de economia do desporto que se têm dedicado a esta problemática dos impactos/efeitos dos grandes eventos desportivos, por isso, que se utilizem agora as metodologias de custos-benefícios, pois estas permitem valorizar os efeitos líquidos de rendimento para a economia da realização desses grandes projectos desportivos, isto é, medem o efectivo aumento de bem-estar que a economia nacional ou regional recolhe da realização desses eventos desportivos.

Como refere J. Martins Barata (em “Elaboração e Avaliação de Projectos”, Celta Editora, 2004, a pág. 240) “O objectivo das análises custo-benefício, ou de qualquer outro tipo de estudo de economia do bem-estar aplicada, é seleccionar os projectos, programas, políticas ou estados da economia que maximizem o bem-estar social”.

Nestas metodologias de custos-benefícios valorizam-se, por conseguinte, a determinadas taxas sociais de juro os capitais investidos nos eventos e todas as diferentes receitas/rendimentos por eles gerados durante um determinado período de vida útil do projecto (o respectivo horizonte de vida útil). No final destes cálculos, é possível determinar qual a taxa de rendibilidade nacional ou regional destes projectos/eventos desportivos e comparar essa mesma taxa com as de outros projectos e investimentos realizados ou a realizar em alternativa pelo mesmo País ou sociedade. Claro está que os aspectos desportivos do projecto podem e devem ser valorizados como um dos vários tipos de benefícios, sendo para tal necessário investigar suficiente e rigorosamente quais são eles, como se repartem ao longo dos anos, e como e por quem são apropriados.

Esta metodologia de determinação da “rendibilidade socioeconómica dos eventos desportivos” permite também um ganho muito importante no próprio processo de tomada de decisão de os realizar. Ela introduz um outro patamar de racionalidade nestes projectos nacionais, fazendo com que na decisão da sua realização se ultrapassem os meros e simples critérios de conveniência e interesses políticos e partidários que enviesam a apreciação do seu valor efectivo, nas suas diferentes dimensões, e desde logo também mesmo na de natureza desportiva.

Assim, quando colocado perante a possibilidade de vir a realizar um evento desportivo de grande dimensão, o País (e no caso Portugal que aqui nos interessa sobretudo), passa a dispor, desde logo, de um estudo rigoroso dos custos-benefícios desse evento que faculta a determinação da sua efectiva “taxa de rendibilidade socioeconómica” que diz à mesma sociedade o que pode esperar de valorização do seu investimento naquele projecto que constitui o evento desportivo em questão, e permite, por intermédio desta taxa, uma avaliação comparativa com outros projectos que a mesmo País ou sociedade tenha também potencial interesse em vir a realizar.

Toda esta informação é tanto mais relevante quanto é sabido que os capitais em qualquer País têm um custo mínimo intertemporal resultante da sua natureza iminentemente escassa e da preferência pelo consumo actual por parte dos consumidores – denominada habitualmente de taxa de actualização social – custo mínimo esse que qualquer projecto deve devolver a essa mesma sociedade para que esta possa ser socioeconomicamente indiferente à realização daquele evento/projecto.

Por isso, quanto maior for o diferencial positivo entre a taxa de rendibilidade do projecto/evento e a que define o custo médio dos capitais do País maior será o interesse da sociedade na realização desse projecto/evento.

Este “princípio de comparação entre taxas de rendibilidade e de custo dos capitais” envolvidos deve, por isso, ser devida e rigorosamente aplicado nestes projectos de grandes eventos desportivos, como em qualquer outro o será habitualmente também, e por maioria de razão atendendo ao volume relevante de recursos económicos e financeiros naqueles necessariamente aplicados.

Assim sendo, o que se exige aos promotores de qualquer candidatura de realização de um grande evento desportivo é que apresentem antecipadamente o estudo de rendibilidade socioeconómica do projecto, usando a metodologia de custos-benefícios, de modo a que a eventual decisão de candidatura seja fundamentada no valor líquido gerado para o País com a referida realização. Este é um indispensável e iniludível elemento para basear a correspondente decisão política e governamental de Portugal vir a candidatar-se a realizar um tão importante evento desportivo como o é o Campeonato do Mundo de Futebol (seja o de 2018 ou de qualquer outro ano).

O País tem de exigir agora, pois, que a decisão política de avançar com uma qualquer candidatura ao Campeonato do Mundo de Futebol de 2018 seja fundamentada, desta vez, com um estudo sério e rigoroso que meça a sua rendibilidade socioeconómica, de forma a que se conheçam os seus efectivos benefícios e custos de realização antecipadamente, e se possa comparar o bem-estar gerado por esse projecto com outros desportivos ou não que também sejam interessantes para a comunidade nacional.

Esta exigência deve ser cumprida, desde logo por iniciativa daqueles que acreditam nas grandes virtualidades do projecto, tal como foi feito em Inglaterra desde o primeiro momento pelo então ainda só Ministro das Finanças Gordon Brown que, sendo um dos seus mais iniciais e entusiásticos defensores do evento, logo mandou proceder e fez publicar na internet o respectivo “Estudo de Viabilidade da Candidatura ao Campeonato de 2018”.

E neste preciso momento (Outubro de 2008), decorridos mais de dois anos sobre esse estudo, e mais algumas importantes decisões intermédias entretanto já tomadas que incluíram a nomeação de personalidades prestigiadas para acompanhamento do processo de candidatura, ainda se aguarda por uma formal oficialização da mesma à FIFA pelas correspondentes autoridades da Inglaterra.

José Pinto Correia, Mestre em Gestão do Desporto