terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Zero, “Zeroismo” e Lengalenga no Desporto

Está a chegar a hora de se fazer um balanço da governação no desporto destes quase quatro anos. E para esse balanço se fazer é necessário elencar as medidas de política e os programas que foram colocados efectivamente no terreno desportivo para darem outra dimensão e dinâmica à prática desportiva, desde os estratos populacionais muito jovens aos mais idosos.

Porque governar o desporto não pode ser apenas fazer no início do mandato um “Congresso do Desporto” pomposo e do qual nem se conhecem as respectivas conclusões oficiais, e no decurso do mandato construir ou anunciar a construção de infra-estruturas, ou levar uma eternidade a regulamentar uma lei de bases. Uma governação no desporto não é, não pode ser como agora cada vez mais se afigura um “ministério de obras públicas e uma assessoria jurídica” no desporto.
Porque em Portugal, como sucede no denominado “Modelo Europeu do Desporto” que caracteriza o desporto europeu diferentemente do americano, o Estado tem um papel determinante na promoção e financiamento do sistema desportivo. Por isso mesmo, desse mesmo Estado, e do Governo que é o seu órgão executivo e tutela do desporto, se exige que tenha uma visão clara e de largo prazo, que exerça uma efectiva liderança e seja capaz de definir as linhas essenciais de evolução do desporto – e que as torne conhecidas e comunique ampla e democraticamente a todos os actores envolvidos no respectivo sistema desportivo, desde a base geral à elite de alta competição.

Os governantes do desporto têm de ser líderes efectivos capazes de definirem o sentido estratégico da evolução, mobilizarem em torno dessa visão e darem-lhe a devida legitimidade, estarem na linha da frente das mudanças que sejam necessárias à realização dos objectivos, promoverem o conhecimento técnico e científico e a formação dos respectivos recursos humanos, dinamizarem as respectivas redes e comunidades de conhecimento que sustentem a melhoria da qualidade de processos, estruturas organizacionais e métodos de trabalho.

A promoção do desporto, da sua prática pela população, ou da melhoria do sistema federado competitivo, exigem a concepção de quadros de desenvolvimento, reflexão e criação de pensamento devidamente elaborado e baseado em bons diagnósticos de situação. Só se pode intervir decisivamente quando se conhecem as situações de partida com a devida profundidade. E no caso do desporto essas bases são praticamente inexistentes ao nível das autoridades governamentais – ou pelo menos são desconhecidas.

Ora, tudo isto que seria indispensável para se poder assumir uma salutar política pública desportiva tem inequivocamente faltado neste Governo.

Ficam, por isso mesmo, nos respectivos governantes apenas as muitas e insistentes frases soltas, algumas poucas linhas de discurso quase sempre em volta do futebol e do desporto profissional (que vai caminhando aceleradamente para um abismo) e umas, muitas, fotografias de inauguração de relvados sintéticos e outras ao lado de desportistas de eleição que dão jeito para a imagem desses mesmos governantes. A nossa presença competitiva em Pequim 2008, nos Jogos Olímpicos, é disso exemplo paradigmático – bastará compulsar a imprensa desportiva, os sites da Secretaria de Estado e do IDP antes e durante o evento para o poder confirmar exaustivamente.

Que dizer das miserandas palavras que de tempos a tempos o ministro da Presidência, que é a tutela máxima do nosso desporto, diz do mesmo desporto que devia governar? São, dizemos nós, caracterizadas sempre por uma mediocridade praticamente absoluta e absurda, só possível num País que não se leva a sério e que apenas cultiva o futebol – um Portugal que está “futebolizado”! Muita lengalenga portanto, que é o mesmo que nada em cima de nada.

Vai por isso decorrer quase certamente todo um mandato governativo de mais de quatro anos sem que se conheça um único documento produzido pelas autoridades tutelares indicando os seus desígnios e objectivos para o desporto português. E assim vai praticamente ser impossível avaliar com seriedade e rigor o nível de alcance dos objectivos da política sectorial, o que permite aos governantes saírem praticamente sem escrutínio social sobre o modo como se conduziram no uso do poder, no que fizeram e no que poderiam e deveriam ter realizado. Não é possível avaliar sem se medir e não se pode medir aquilo que não se definiu.

Faltam estudos no desporto em Portugal num conjunto diversificado de temas que vão desde a organização e planeamento estratégico nas federações desportivas aos níveis de prática regional e local ou mesmo à organização em rede do desporto escolar, muitos deles devendo ser centrados nas perspectivas da economia e da gestão do desporto que têm sido praticamente esquecidas em Portugal. Aqueles estudos devem ser feitos a bem da melhoria da própria fundamentação e sustentabilidade das opções e programas públicos, pois introduzem nas escolhas e decisões políticas a indispensável base racional de sustentação. Ora, nem esses estudos se fazem, nem o Governo sente a sua necessidade, nem muito menos é capaz de suscitar e apoiar devidamente a criação de um único “Centro de Estudos sobre Economia e Gestão Desportiva” em Portugal, baseado por exemplo nas capacidades de investigação científica e académicas existentes nas nossas Universidades públicas – como sucede no Reino Unido, por exemplo, desde há muitos anos.

Aliás, como se sabe a Secretaria de Estado do Desporto é também responsável pela política de juventude do Governo em Portugal. O que ainda mais agrava a situação pois não existe também neste domínio um único documento que destaque as principais linhas de orientação e de fomento do desporto juvenil por parte daquela tutela governamental.

Como é possível tutelar o sector da juventude de um país sem ser capaz de produzir um documento que defina quais os caminhos a prosseguir para promover, patrocinar e financiar a prática desportiva juvenil?

Não basta, não é sério, é inaceitável que tudo aqui também se reduza apenas a algumas palavras, notícias circunstanciais e inaugurações de instalações. Uma política de promoção do desporto juvenil exige muito mais do que isto e implica a preparação do trabalho conjunto no terreno de múltiplos actores, com destaque para as escolas e as autoridades municipais – constituindo redes de desenvolvimento desportivo baseadas em verdadeiras parcerias estratégicas com organização própria e alicerçadas em apoios públicos reais.

Quem quiser certificar-se de que esta manifesta incapacidade é objectiva e indisfarçável vá dar uma cuidada olhadela para os sites oficiais da Secretaria de Estado da Juventude e Desporto ou também para o do Instituto do Desporto de Portugal (IDP). Verá que aí não encontra nenhum, nada, zero, do que anteriormente referimos. Ambos os sites são apenas simples repositórios noticiosos, relevam da simples cobertura mediática do membro do Governo num caso e reportam eventos desportivos no caso do IDP. Portanto, trabalho de fundo e fôlego sobre o nosso desporto, sobre as opções de política desportiva e de juventude a esta associada, nada, uma autêntica “zerada”.

No mesmo site da Secretaria de Estado quem se quiser dar ao trabalho de visitar agora a “área” destinada ao Conselho Nacional do Desporto encontra também, mais uma vez, um absoluto vazio documental. Não é possível conhecer nada do que têm sido as discussões e tomadas de posição formal daquele Conselho, não se conhece nenhum estudo ou diagnóstico do nosso desporto. Parece que este órgão apenas se destina a cobrir com idêntica prestação organizacional o mesmo vazio estratégico e doutrinário do Governo em funções. Tudo feito, também neste caso, à imagem e semelhança do seu criador – o actual Secretário de Estado do Desporto, Laurentino Dias (e a sua nefanda equipa da tutela desportiva portuguesa), sempre tão mediático mas como se vê nada prolixo em fundamentar a sua governação.

Por isso, neste caldo de cultura governativa do desporto nacional, também os jornais desportivos que vamos tendo em Portugal não reflectem substantivamente sobre o desporto, a sua natureza e desafios fundamentais, sobre as suas deficiências organizativas e de gestão, ou sequer sobre a exasperante falta de enquadramento estratégico de desenvolvimento e de uma verdadeira e efectiva política governamental, e apenas enchem habitualmente as suas páginas diárias com textos que propagandeiam latamente sobre as virtudes dos grandes clubes de futebol, ou sobre as pressões, truques, “negócios” e impressões de diversos actores e agentes desportivos, ou mesmo sobre os magníficos atributos físico-atléticos do nosso ídolo Cristiano Ronaldo.

Neste “reino do zero”, do “Zeroismo” (o socialismo do faz que nada no desporto), dos muitos nadas que baseiam a governação e a nossa política pública desportiva, aparecem com enorme facilidade grandiosos anúncios para a organização do Mundial de 2018 em que embarcam os incautos e são muitos (como se os espanhóis, que têm inequívoca capacidade financeira para tal empreitada e estão a construir muitos novos estádios por todo o seu país, precisassem em alguma coisa deste nosso prestimoso “burgo perpetuamente madailizado”), como parece que campeiam no IDP (e agora alguns comentários vão dando disso nota profusa) os absolutismos, os atrasos na liquidação de compromissos financeiros superiormente assumidos e os impróprios usos dos escassos fundos públicos existentes para a promoção do desporto.

Com isto tudo tal qual está e parece que vai continuar, o desporto em Portugal só pode mesmo vir a ser “um terreno queimado” que começa a ser patentemente vislumbrado no desporto profissional e percorre por inacção política os restantes sectores desportivos, desde o escolar ao das modalidades ditas amadoras. Quando ao mesmo tempo e ainda para maior afundamento se perspectiva neste momento no horizonte a perpetuação de um Comandante salva-vidas no topo do movimento associativo, isto é, na Presidência do Comité Olímpico de Portugal, ao qual o mesmo Governo porventura virá a disponibilizar um novo quadro de apoio financeiro para gerir como de antanho, com os resultados que ninguém mais uma vez quererá ou poderá avaliar algures lá para 2012-2016.

Tudo isto é de menos, muito pouco do que uma governação com visão e um projecto estratégico e mobilizador do nosso desporto poderia e deveria ser. E dá inquestionável direito à manifestação desta nossa obrigada indignação. Que ela possa dar alento a um sobressalto cívico de quem se interessa e quer ser parte de uma cultura desportiva exigente, com visão e estratégia claramente assumidas e partilhadas aos diferentes níveis e sectores do nosso sistema desportivo.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

A insustentável liderança de Vicente Moura

Aqui publicamos o nosso texto de opinião editado hoje no Jornal "O Primeiro de Janeiro" com o título acima aposto.
Quem ler a entrevista ampla do Presidente do Comité Olímpico de Portugal, Comandante Vicente Moura, no Jornal Público de 4 de Dezembro de 2008, tem de reconhecer que o nosso desporto de alta competição encabeçado pelo COP nos últimos anos, e com o mesmo Presidente há mais de uma década ininterruptamente no cargo, tem sido servido por uma enorme falta de liderança e de visão, de pensamento estratégico, pela ausência de criação de estruturas organizacionais dotadas das capacidades e valências indispensáveis para apresentar melhores resultados e de um modelo de financiamento articulado com objectivos estratégicos previamente definidos. Do que decorre também a inexistência de uma consequente avaliação de desempenho que responda à sociedade pelos resultados alcançados e seja um instrumento útil de melhoria sistémica do desporto de alta competição.

Falta, faltou e provavelmente continuará a faltar boa e qualificada liderança, estratégia e gestão no nosso desporto de competição olímpica. Porque estes elementos de construção de um eficaz e eficiente sistema de governança do desporto estiveram sempre à margem das escolhas, das preocupações e das opções do Presidente do COP. E hoje também estão já inquestionavelmente também para além das suas próprias capacidades de liderança.

Por isso, não é estranho que em nenhum lado da extensa entrevista dada pelo Comandante Vicente Moura se perceba que existe ou existiu algures na cabeça do Presidente do COP um efectivo e planeado projecto de transformação do nosso “desporto de competição olímpica”, que havia por isso necessariamente uma visão profundamente arreigada que estabelecia as ambições e propósitos de uma liderança, pela qual de dava o exemplo de trabalho incansável e “profissional”, a “cara” e o melhor dos esforços, ou mesmo sequer um pensamento estratégico relativamente elaborado pelo qual se enquadrava o desenvolvimento das actividades, a tomada de decisões ou a escolha de opções alternativas. Ou que se estabeleciam programas de melhoria contínua e se negociavam meios físicos, processos de trabalho com as federações, atletas e treinadores e recursos financeiros com as entidades governamentais para acolher as perspectivas de evolução e afirmação competitiva do nosso desporto de alta competição no panorama mundial.

Aquela referida longa entrevista do Comandante Vicente Moura é isso sim um imenso e despreocupado exercício de “insustentável leveza”, bem retribuída pelos 2.500 euros mensais mais despesas de representação ditas como de “compensação pelo tempo perdido” sempre escondida e agora finalmente confirmada, feito desse modo ao arrepio dos próprios estatutos do COP e princípios de dirigismo benévolo do Olimpismo. E ao mesmo tempo com o alardeamento de um exercício do poder intocável e considerado pelo próprio como inquestionável por quem quer que seja, e desde logo pelos atletas que são os principais destinatários da acção do Comité, poder esse que se perpetua com base numa “cadeia de jogos de influência e dependência” em que o Comandante Vicente Moura é o respectivo elo central.

Esta centralidade ininterrupta de Vicente Moura no âmbito do nosso “desporto de competição olímpica” é fonte de poder imenso no seio da organização e estruturas do sistema federativo, e resulta ao mesmo tempo também do papel determinante que lhe foi atribuído por um Estado/Governo que alijou a responsabilidade efectiva de conduzir a política de fomento do desporto de alta competição com expressão olímpica, entregando de “mão beijada” ao COP a efectiva gestão do programa de preparação da participação nacional nos Jogos Olímpicos de Pequim (pelo menos).

Por isso, se o modelo de preparação para Londres 2012 se mantiver o mesmo – como foi intempestivamente anunciado pelos governantes da tutela desportiva – é altamente provável que o tipo de liderança transaccional fraca e potencialmente irresponsável (como esta de Vicente Moura é face às características essenciais das tipologias habitualmente definidas pelos teóricos da gestão), com a sua consequente tradução no comportamento e nos métodos de gestão, objectivos de competição e de tomada de decisão do Presidente do COP se tendam a manter inalteráveis por mais um quadriénio.

Lembremos que a liderança transaccional fraca que atribuímos a Vicente Moura se caracteriza por se limitar paulatinamente a gerir as dependências, influências e a escamotear a iniciativa de melhoria dos processos e a mudança organizacional, ao mesmo tempo que patrocina mecanismos de negociação política que tendem a esbater a conflitualidade e o grau de desordem criativa organizacional. Há, por conseguinte, neste tipo de liderança uma forte tendência para a manutenção do “status quo” instituído que fará prevalecer os habituais centros e coligações de poder e fracassar as tentativas de mudança significativa das condições existentes e habituais.

O Comandante Vicente Moura pode assim vir a recandidatar-se a mais um novo mandato no COP, mesmo que isso desdiga afirmações ocasionais noutro sentido (agora definidas pelo próprio como tendo sido feitas “a quente e antes de tempo” em Pequim 2008). E ao querer reapresentar-se para mais um mandato como Presidente do COP “a todo o custo e vapor contra ventos e marés” como ele afirma peremptoriamente, provavelmente deseja ser o candidato único de um sistema federativo que assim se demonstraria como incapaz de apresentar alternativas, exprimindo a inequívoca debilidade sistémica que o Comandante obviamente promoveu e patrocina.

O “sistema federado do desporto olímpico” tem de ser capaz de querer mais, diferente e, porventura como exigível, melhor para o desporto nacional de alta competição. E isso passa desde logo por ter uma nova liderança, mais capacitada para desvendar os caminhos de ambição de um desporto que se quer afirmar competitivamente à escala internacional. Corporizando uma visão para o “desporto olímpico”, construindo um verdadeiro projecto de competição para os Jogos Olímpicos de 2012 e 2016, desenvolvendo estratégias que concretizem esse projecto e os seus respectivos objectivos de desenvolvimento desportivo.

O movimento desportivo só pode, pois, recusar esta unicidade de candidatura, que apenas é possível se assentar num esquema eleitoral deficientemente democrático que exige aos potenciais candidatos não um bom e inquestionável currículo desportivo e profissional e um reflectido e estratégico projecto de liderança do COP que comporte uma visão de evolução/mudança do desporto de competição Olímpica mas apenas a “racionalidade e negociações frágeis e de bastidores” que não traduzem qualquer projecto e estratégia de mudança e melhoria organizacional.

O modelo de candidato único que interessa a Vicente Moura exige antes que o candidato potencial obtenha nos bastidores, sem comunicação prévia de clareza de propósitos e objectivos, o apoio negociado dos dirigentes de várias federações. Ora, este não é obviamente um sistema de eleição que se conforme com os princípios universais da democracia política que constitucionalmente vigora em Portugal. Trata-se isso sim de um modelo tutelado a partir do seu interior, democraticamente desviante e com mecanismo de blindagem contra “outsiders”, onde para se ser candidato é imprescindível obter a sanção de outros eleitos com os quais é preciso estar em estado de graça ou negociar previamente linhas de acção, facilitação de acesso aos recursos escassos, cargos na própria estrutura dirigente do COP e quejandos. O candidato único que for eleito desta forma ficará, assim, refém de compromissos e negociações e não exclusivamente de um programa e projecto de liderança e governação efectivos.

E neste esquema eleitoral o Presidente Vicente Moura é muito apto e habilidoso como ao longo de muitos anos comprovou e agora para preparação da sua eventual renovação de mandato já cuidadosamente providenciou. Tomou, por isso, como se sabe, as habituais e devidas cautelas e procurou obter compromissos de um grande número de direcções federativas com a sua eventual candidatura – a tomar por boas as notícias que circulam há algumas semanas na comunicação social desportiva.

E então aqui chegados faz sentido colocar uma interrogação cuja resposta a dar pelos agentes activos do movimento desportivo com capacidade de determinarem as prováveis e desejáveis escolhas eleitorais pode permitir discorrer sobre o que é não deve continuar a ser característico do modelo de governança das organizações desportivas federadas olímpicas em Portugal. Passemos pois a essa questão.

Pode conviver um sistema de alto desempenho atlético como o do desporto federado olímpico, onde todos os dias os atletas, os clubes, os treinadores, competem consigo e com outros para alcançarem melhores resultados, para se superarem, para fixarem outros e mais ambiciosos objectivos/metas, com um líder máximo no seu topo organizacional que demonstra tanta incapacidade e mesmo incompetência para conduzir as organizações desportivas que lidera a outros patamares de organização e de resultados? Com um líder máximo que tem um estilo de liderança transaccional e é, sobretudo, adepto da manutenção do “status quo” não transformacional e demonstradamente incapaz de perspectivar uma nova visão que exige um projecto de mudança, a melhoria contínua, a inovação e a criatividade organizacionais?

O movimento desportivo só pode vir a tornar possível a construção de uma resposta que viabilize a emergência de outras lideranças, mais afirmativas, portadoras de projectos de melhoria e novas ambições para o desporto de competição.

Se Portugal quiser vir a ter no próximo futuro um “sistema desportivo federado olímpico” que seja capaz de lhe vir a dar mais e melhores resultados desportivos e organizacionais precisa de uma mudança substancial de perspectivas e de novos intérpretes dessa caminhada que será longa e implica outro tipo de liderança. Porque a manutenção dos mesmos intérpretes, com Vicente Moura no seu topo, só trará mais uma vez o habitual: falta de visão, debilidade óbvia de liderança, tendência manifesta para a irresponsabilidade organizacional e pessoal, ausência de focagem no interesse dos atletas, incapacidade de avaliação consequente do desempenho. Em suma, portanto, mais uma “insustentável leveza de liderança”, identicamente como até aqui e novamente protagonizada por Vicente Moura.

Em conclusão, a mudança pronunciada que o “sistema desportivo olímpico” necessita não se compadece com “mais do mesmo” ou com umas alterações de pormenor que mantenham tudo o que é a essência do problema e exige de todos os intervenientes no processo eleitoral para a Presidência do COP uma consequente negativa a Vicente Moura, por tudo o que ele representa e aquilo que ele demonstra ser incapaz de protagonizar para a melhoria do nível do nosso “desporto de competição olímpica”.

José Pinto Correia, Mestre em Gestão do Desporto

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Projecto para Londres 2012: mais do mesmo?

Aqui em seguida se publica o nosso texto editado hoje no Jornal "O Primeiro de Janeiro" com o título acima indicado.
Há algumas semanas atrás num artigo de opinião que aqui publiquei referi que um dos três exercícios essenciais para a evolução futura do nosso desporto federado era o da negociação que iria fazer-se em torno do novo “ciclo olímpico de Londres 2012”.

Desde logo, importa realçar o facto de para o próprio Comité Olímpico de Portugal (COP) o anterior contrato de preparação para os Jogos de Pequim não poder ser considerado como um projecto (vide documento recente subscrito pelo Presidente do COP sobre a avaliação de Pequim e disponível no site oficial daquele Comité).

Fica assim a perceber-se que o Comité Olímpico nunca entendeu o programa de financiamento para Pequim como um projecto que deveria, por isso, estar sujeito não apenas a rigoroso planeamento como também à assunção de objectivos, metas de progresso e consequente avaliação de resultados. Provavelmente para o COP o programa de preparação limitar-se-ia a ir financiando atempadamente – e tal seria feito por intermediação directa dos pagamentos das bolsas aos atletas inscritos, o que foi conseguido junto do Governo – os percursos competitivos dos diferentes atletas, à medida que eles fossem apresentando resultados em competições que lhes permitissem a sua inclusão no programa de apoio olímpico.

Este modelo de preparação da participação portuguesa nos Jogos Olímpicos de Pequim nunca poderia ter contemplado a definição de uma estratégia geral de competição onde estivessem definidos os objectivos essenciais e tendo também subjacente uma visão de melhoria do nível competitivo do nosso desporto federado. Por isso, se entende agora a imensa incomodidade que resulta para o COP, e mesmo para o actual Governo, de terem sido estabelecidos objectivos que passavam, no limite, pela obtenção de um determinado número de medalhas e pontuação olímpicas.

Essa manifesta incomodidade resulta do carácter atribuído pelos respectivos “gestores” ao programa e do entendimento que dele fazia o COP que o resumia a um conjunto de bolsas olímpicas para os diferentes atletas e que nunca o preparou e desenvolveu como um projecto sujeito a planeamento, estratégia, processos de gestão profissionalizados e fixação consequente de objectivos, metas e indicadores de progresso.

Há um tempo naquele artigo perguntávamos também se o Comité Olímpico entregaria ao Governo um Relatório de verdadeira avaliação do que foi feito, dos métodos, da escolhas, dos planos e a avaliação detalhada dos resultados, ou se voltaria a fazer um dos tradicionais relatos romanceados e auto-congratulatórios da nossa participação, agora nos Jogos de Pequim 2008.

Começa agora a conhecer-se o conteúdo do hipotético Relatório do COP sobre o ciclo de 2008, logo incomodamente desmentido pelo respectivo assessor de imprensa como sendo apenas um esboço não finalizado (mas está anunciado para muito breve a aprovação do mesmo pela Assembleia do COP). E do que foi possível conhecer-se, ainda que com as necessárias cautelas, já nos parece não subsistirem dúvidas que afinal o Governo não vai ter naquele Relatório um instrumento útil para definir uma estratégia de desenvolvimento desportivo para Londres 2012.

Por isso mesmo agora no âmbito formal do relato do programa é altamente improvável que do Relatório do COP resultem quaisquer elementos substantivos para fundamentar o novo “ciclo olímpico de 2012” como um efectivo projecto de desenvolvimento desportivo, onde esteja incluída uma visão e estratégia de desenvolvimento de médio prazo, se prevejam mecanismos e processos de planeamento e avaliação e se fixem devidamente os principais objectivos da prevista participação desportiva nacional nos “Jogos de Londres 2012”.

Nestas condições, fica por esclarecer de que modo, sob que formas e com que instrumentos, será feita a negociação de um novo programa de preparação para o “ciclo olímpico de Londres 2012” entre o Governo actualmente em funções e o COP, a manter-se como foi indicado recentemente pelos membros do Governo que tutelam o desporto o mesmo modelo que foi utilizado para Pequim 2008.

Está para se saber, por conseguinte e em termos gerais, de que modo o Governo se predisporá a entregar um envelope financeiro ao Comité Olímpico de Portugal que viabilize a nossa participação em Londres 2012.

Só o conteúdo do processo e os resultados dessa negociação, que virá certamente a ocorrer no futuro próximo, permitirão responder a um conjunto de questões relevantes para apreciar da possível natureza e implicações sistémicas no nosso desporto de competição até Londres 2012.

Daí se ficará então a saber se vai existir como subjacente a essa negociação, desta vez, um projecto devidamente articulado para a evolução do nosso desporto federado que integre os fundamentos da participação olímpica em 2012, defina os respectivos objectivos, estabeleça prioridades, inclua processos de planeamento estratégico e estabeleça os respectivos modelos de avaliação e prestação de contas (a denominada “accountability” dos anglo-saxónicos). Portanto, se por isso existirá ou passará a existir uma metodologia de planeamento e gestão estratégica do desempenho ou não. E também se serão assumidos objectivos de desenvolvimento pelas diferentes federações desportivas e negociados em razão dos mesmos os respectivos apoios, ou se tudo ficará entregue ao sabor dos acontecimentos e das capacidades dos diversos atletas como manifestamente parece ter acontecido no ciclo anterior. O que aliás permite agora ao Presidente do COP dizer que o programa anterior não era considerado como um projecto (de Pequim 2008).

Será então que vai ser negociado um novo envelope para o “ciclo olímpico de 2012” apenas com base na proposta intempestivamente apresentada pelo COP (ainda antes da realização dos Jogos de Pequim) e onde de estratégia de desenvolvimento desportivo nem se falava?

Se assim acontecer então estamos falados sobre o desenvolvimento do nível desportivo nacional e poderemos prever que tipo de resultados estaremos novamente a discutir depois de Londres 2012.

Mas será então mais uma vez com o beneplácito manifesto do Governo, agora o que está em funções em 2008. E Portugal não terá aprendido nada sobre a forma de definir uma estratégia de desenvolvimento desportivo com base no “ciclo olímpico de Londres”.

O que daria, assim, imensa razão ao comentário que vai circulando de que a nossa frágil história desportiva resulta e confirma a incapacidade e ineficácia das políticas públicas e da gestão associativa do desporto em Portugal.

José Pinto Correia, Mestre em Gestão do Desporto