sexta-feira, 26 de setembro de 2008

O QREN – Quadro de Referência Estratégico Nacional 2007-2012 e o Desporto

Quando se vai verificar o que está contemplado para o desporto, melhor para o seu desenvolvimento e mudança para nos integrarmos no espírito que se afirma governamentalmente presidir ao QREN, apenas encontramos a possibilidade de se apresentarem candidaturas para infra-estruturas – e desde logo e apenas para os denominados “Centros de Alto Rendimento Desportivo” e para os campos de futebol de relva artificial para os municípios onde ainda não exista nenhum desses campos de relva.

Isto é tudo o que há no QREN entre 2007 e 2012 para o desporto, não estão previstos quaisquer outros programas que não sejam de construção de infra-estruturas.

Portanto, o Governo de Portugal como política de desenvolvimento desportivo, como mudança e estratégia de evolução do panorama desportivo nacional, apenas considerou neste importante Quadro de Referência Estratégico Nacional os Centros de Alto Rendimento, de que ainda nada praticamente se sabe (a não ser que "serão dos melhores da Europa e do Mundo", no pretensioso categórico do Secretário de Estado Laurentino Dias) e muitos, muitos mais, campos de futebol sinteticamente relvados.

Pergunta-se, então, que política desportiva é esta que reduz no QREN tudo a construções? E construções, mais e mais construções, com que objectivos, estruturas de formação e técnicas, modelos de organização, métodos de gestão, planeamento?

E que ligação de mais esta onda infra-estrutural aos clubes, às escolas, ao desporto de base e escolar, aos municípios e respectivas políticas desportivas, os quais agora passarão também a deter mais poderes na organização e gestão do ensino?

É apenas mais uma vaga, indefinida e sem estratégia claramente assumida, mais uma “política do betão no desporto”?

E o capital humano, as pessoas, os praticantes, as estruturas organizativas (escolas, clubes, federações) – não contaram para o QREN porque tudo se reduz a obras, obras e mais obras no desporto em Portugal?

É tempo de se exigir que o Governo defina e divulgue finalmente o que são as suas opções e estratégia para o desporto – e não apenas para o desporto profissional e de competição, mas também para o desporto de base que inclui necessariamente o comunitário/local e escolar. Para que possam ser, primeiro, debatidas devidamente, e depois, adequada e oportunamente escrutinadas.

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

As Políticas Desportivas Comparadas: Portugal vs. Reino Unido (II)

Passamos a publicar o nosso texto de opinião editado hoje no Jornal "O Primeiro de Janeiro" com o título supra indicado.

O “Modelo Europeu do Desporto”, como habitualmente vem sendo denominado por anteposição ao “Modelo Norte-Americano”, implicou e implicará uma intervenção activa do Estado/Governo, muitas vezes até constitucionalmente enquadrada, no âmbito da definição de políticas públicas desportivas que fomentem quer as práticas desportivas de base e cariz comunitário quer as de elite ou alta competição, envolvendo nestas últimas níveis de desempenho competitivo internacionalmente comparado e aferido.

O processo de definição das políticas públicas desportivas deve iniciar-se com um amplo e consolidado diagnóstico da situação de partida, envolver depois um abrangente exercício de planeamento estratégico que inclua os principais organismos e actores do sistema desportivo – organismos governamentais, federações desportivas, escolas e desporto escolar, autarquias e governos locais, instituições académicas e profissionais.

Este processo de definição das políticas tem de traduzir uma visão do desporto no país, a partir da qual serão encontrados os correspondentes objectivos estratégicos, definido o plano de acção para a respectiva implementação, bem como os respectivos horizontes temporais relevantes para o alcance dos resultados e níveis de sucesso pretendidos. Tem de considerar também que se trata de um exercício longo que visa promover mudanças, as quais dependerão da partilha assumida dessa agenda evolutiva por parte de múltiplos actores organizacionais presentes nos diferentes sectores e níveis que compõem o sistema desportivo.

No nosso texto da semana anterior referíamos que “Ao invés do que acontece em Portugal desde há muitos anos, no Reino Unido e mais especificamente na Inglaterra desde o meio dos anos noventa, já com o governo do partido trabalhista liderado por Tony Blair (o denominado “New Labour” da terceira via), têm existido afirmações claras e assumidas dessas políticas e estratégias de desenvolvimento do desporto” e destacávamos que no ano 2000 passou a existir uma posição clara e oficial do partido trabalhista relativamente à estratégia e visão de desenvolvimento desportivo, através da publicação do documento “A Sporting Future for All” (Um Futuro Desportivo para Todos), prefaciado pelo próprio primeiro-ministro.

É sobre o conteúdo deste documento que nos vamos subsequentemente centrar, procurando hoje destacar apenas os elementos fundamentais que compunham respectivamente o prefácio e a introdução (sobre a visão e o plano de acção mais extensos que também compunham o documento falaremos em próxima oportunidade).

Este exercício descritivo visa por comparação elucidar as fragilidades e insuficiências que as políticas desportivas, ao mesmo tempo, têm tido em Portugal, onde nunca existiram posições oficiais tão sistematicamente articuladas e assumidas.

Passemos então a analisar sinteticamente o conteúdo do referido documento britânico, por ora apenas quanto ao seu respectivo prefácio e introdução.

1. Prefácio
Um primeiro e muito importante destaque vai para o facto de existir um prefácio subscrito pelo próprio primeiro-ministro, Tony Blair, o que concede ao desporto e aos objectivos estratégicos enunciados para o seu desenvolvimento um peso político e papel de primeiro plano a nível governamental.

De facto, é o primeiro-ministro que assume pelo seu próprio punho que “o desporto é importante… [que o desporto] inspira uma paixão e uma dedicação que representa uma parte central em muitas vidas pessoais…que o desporto é importante para todos nós – para os indivíduos, para as famílias, e para juntar as pessoas num propósito comum, para as comunidades a todos os níveis”.

E mais adiante neste mesmo prefácio ele refere que “É na escola que a maior parte de nós tem a primeira oportunidade de experimentar o desporto. É aqui que as crianças descobrem o seu talento e o seu potencial. Eles precisam da oportunidade de experimentar uma variedade de desportos, para verem aquele de que mais gostam. Eles precisam de ensino de alta qualidade nas perícias básicas. Eles precisam de oportunidades para competir a um nível que esteja de acordo com o desenvolvimento das suas capacidades”.

E também afirma logo em seguida que “O Governo não deve dirigir o desporto… [e que] por isso há um papel chave a ser desempenhado por aqueles que organizam e gerem o desporto – as autoridades locais, os clubes desportivos, as federações desportivas, os Conselhos Desportivos (“Sports Councils”) e o Governo”.

Ao mesmo tempo que refere que “Assim nós definimos planos para aumentar a clareza acerca dos seus papéis, para melhorar a coordenação e para aumentar o profissionalismo da gestão do desporto. Apenas se nós modernizarmos o modo como o desporto é dirigido nós seremos capazes de criar a mais lata participação e a maior concretização que são os nossos propósitos”.

Portanto, o envolvimento do Governo no futuro do desporto e a assunção dos seus propósitos ao seu mais alto nível pelo próprio primeiro-ministro não deixam margem para qualquer dúvida logo no início deste importante documento orientador do desenvolvimento do desporto no Reino Unido.

2. Introdução
Esta parte do documento – a introdução – tem apenas o subtítulo bem ilustrativo que dá o próprio título oficial do documento: “Um Futuro Desportivo para Todos”.

Começa logo por afirmar que o Governo tem as mais altas aspirações para o desporto no país. E refere como seus propósitos os seguintes:

Mais pessoas de todas as idades e grupos sociais a praticarem desporto;
Mais sucesso para os competidores de topo e equipas em competições internacionais.

Mais adiante são também identificados os seguintes temas chave para a melhoria do desempenho nacional no desporto:

Não existem suficientes oportunidades para as crianças e os jovens participarem;
As pessoas perdem o interesse à medida que aumenta a idade, reduzindo a participação e diminuindo o conjunto do(s) talento(s);
Existem demasiados obstáculos para o progresso daqueles que têm potencial para atingirem o topo;
A organização e gestão do desporto é fragmentada e muitas vezes não profissional.

Defende-se, por isso, que o Governo e todos quantos dirigem o desporto têm de trabalhar em conjunto para ultrapassarem as dificuldades e as insuficiências, e que esta estratégia de desenvolvimento agora definida com as suas duas partes – a sua visão e o respectivo plano de acção que a concretizará – procuram dar ao desporto um novo nível de desempenho nacional.

(a continuar)

José Pinto Correia, Mestre em Gestão do Desporto

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

As Políticas Desportivas Comparadas: Portugal vs. Reino Unido (I)


Passamos a publicar seguidamente o nosso texto de opinião editado hoje no Jornal "O Primeiro de Janeiro" com o título acima indicado.

Em Portugal dirigentes, académicos e comentadores ligados ao desporto referem-se com alguma regularidade à ausência de consistentes políticas e estratégias de desenvolvimento do desporto, o que impossibilita a definição de um quadro de referência e dos correspondentes planos de acção mobilizadores das diferentes instituições e agentes desportivos (governo e administração pública desportiva, escolas, federações, clubes, autarquias, nomeadamente) que são os actores principais da construção e afirmação do valor e potencial do desporto no País.

Neste domínio das políticas desportivas é de grande utilidade e habitual proceder a estudos comparativos (como acontece frequentemente em outros domínios do conhecimento), os quais permitem pôr em destaque e confronto formas de estruturar e organizar o desporto nacional, de definir quadros de desenvolvimento, estratégias e planos de acção, objectivos, metas concretas, de gerir e formatar decisões, nomeadamente. Existem mesmo publicações académicas de referência sobre a comparação de políticas desportivas de vários países europeus e outros.

Ao invés do que acontece em Portugal desde há muitos anos, no Reino Unido e mais especificamente na Inglaterra desde o meio dos anos noventa, já com o governo do partido trabalhista liderado por Tony Blair, têm existido afirmações claras e assumidas dessas políticas e estratégias de desenvolvimento do desporto.

Referiremos por ora aqui em diante apenas a primeira, datada de 1997, e que se consubstanciou na publicação do documento intitulado “England, the sporting nation – a strategy” (Inglaterra, a nação desportiva – uma estratégia), embora ainda não sendo então correspondente a uma posição clara e oficial do partido trabalhista, posição formal essa que apenas aconteceria em 2000 com o documento “A Sporting Future for All” (Um Futuro Desportivo para Todos).

Vejamos então, como exercício comparativo das ausências que registamos continuadamente em Portugal, alguns dos principais elementos daquela estratégia de 1997 que visava ou permitiria construir “a nação desportiva inglesa” (lembramos que este documento foi então preparado por uma comissão especial sob a égide do à época “English Sports Council”):

1. A Estratégia
A estratégia para o desporto, que até aí nunca existira, constituía, primeiro, uma visão partilhada, depois, uma estrutura para a concretização das oportunidades e das realizações, as quais seriam o objectivo para todos aqueles para quem o desporto e a recreação realmente interessavam.

A estratégia não era um fim em si-mesma, ela era apenas o primeiro passo baseado no legado desportivo do País e pretendia colocar o desporto na Inglaterra num outro patamar no novo Milénio que se avizinhava. “A estratégia é o conjugar da visão, estrutura, e da acção com metas determinadas. Ela é o catalisador e o desafio para o desporto Inglês que evoluirá para alcançar exigências futuras e circunstâncias em mudança” (sic).

Por outro lado, esta estratégia de desenvolvimento baseava-se no contexto do desporto, no qual se reconhecem os seus benefícios para a identidade e o prestígio nacionais, para o desenvolvimento das comunidades, para o desafio pessoal, bem como para a economia e a saúde.

O desporto é assumido também como um elemento central do modo de vida inglês, não existente no vácuo e, por isso mesmo, sendo afectado pelo mais vasto contexto social, económico e político. Este mesmo desporto que tem associados os impactos dos grandes interesses e negócios, dos espectáculos e dos media, ligados ao desporto profissional, bem como, ao mesmo tempo e por outro lado, os milhares de voluntários que nele participam, os treinadores, os administradores e os árbitros/juízes. O desporto que também tem associação e sinergia com o turismo, o ambiente, o património e a cultura.

A visão para o desporto na Inglaterra também só é considerada eficaz se partir deste reconhecimento do amplo apelo e prazer do envolvimento no desporto. Por isso, também as agências nacionais, as federações desportivas, as escolas e todos os que participam no ou fornecem desporto partilhariam a responsabilidade pela realização efectiva desta estratégia.

2. Visão para o Desporto na Inglaterra
A visão que está subjacente a este documento pretende transformar a Inglaterra numa nação desportiva que proveja iguais oportunidades:

Para todos desenvolverem as perícias e competência que lhes possam possibilitar o usufruto do desporto;


Para todos seguirem um estilo de vida que inclua a participação no desporto e recreação;


Para as pessoas alcançarem os seus objectivos pessoais em qualquer que seja o seu escolhido nível de envolvimento no desporto;


Para desenvolver a excelência e para alcançar sucesso no desporto ao mais alto nível.

Todos deveriam, assim, ter o direito de praticar e a oportunidade usufruir de desporto, quer seja por divertimento, para a saúde, para desfrutar o ambiente natural ou para ganhar. Todos deveriam, também, procurar a melhoria contínua e alcançar os seus melhores resultados pessoais, tanto como participantes como enquanto árbitros/juízes, administradores ou praticantes de alto nível.

O desafio fundamental desta visão para o desporto era o de fazer da “Inglaterra a nação desportiva”.

O desenvolvimento do desporto assentaria numa “estrutura para a oportunidades e o desempenho desportivo”. Esta estrutura tem vários níveis em “contínuo”, é dinâmica e flexível:

O seu primeiro nível é o da “fundação” que significa o desenvolvimento inicial da competência desportiva e das perícias físicas sobre as quais todas as formas mais tardias de desenvolvimento desportivo estão baseadas; por isso requer uma sólida participação dos jovens que poderão tornar-se participantes desportivos de longo prazo (tem uma óbvia e estrita relação com a denominada “literacia desportiva”);


O seu segundo nível é o da “participação” que se refere ao desporto realizado primariamente pelo divertimento, desfrute e, muitas vezes, a níveis básicos de competência (contudo muitas pessoas competentes no desporto tomam nele parte apenas por diversão, saúde ou condição física);


O seu terceiro nível é o do “desempenho” que significa uma mudança da competência básica para uma forma mais estruturada de desporto competitivo num clube ou concelho/freguesia ou, mesmo, a um nível individual por razões pessoais;


O seu quarto nível é o da “excelência” que significa o alcançar do topo e aplica-se aos praticantes de mais elevado nível nacional ou internacional.

Tudo isto sem esquecer os praticantes desportivos deficientes, aos quais se podem adequar estes mesmos níveis ao longo das respectivas faixas etárias.

Os “princípios chave” desta visão eram em acordo aos seguintes termos:

No coração do desporto está a criança, o participante e o praticante individual (os administradores, os gestores, os árbitros/juízes e os provedores devem reconhecer sempre que o desporto é primeiro e acima de tudo acerca do indivíduo – cujas necessidades e preocupações serão privilegiadas);


Em todos os níveis da estrutura do desporto deve ser exigida a qualidade do fornecimento e do serviço (com exemplos na qualidade do design e gestão das instalações, no melhor ensino, liderança e treino no desporto);


Equidade e igualdade de oportunidades no desporto para todos (sendo a equidade acerca da justiça, igualdade de acesso, reconhecimento das desigualdades e das medidas para mudar as situações);


O “fair play” (jogo leal) deve ser integral na actividade desportiva a todos os seus níveis (ganhar é importante mas não a qualquer custo; não pode existir lugar para as drogas, a batota, a corrupção ou a violência no desporto).

Por outro lado, os “grandes parâmetros” dentro dos quais a estratégia operou foram os seguintes:

O desporto não significa o mesmo para todas as pessoas e não pode ser todas as coisas para todos, por isso foi adoptada uma definição inclusiva de desporto, mais concretamente a recomendada pela Conselho da Europa na Carta Europeia do Desporto de 1992 que diz: “desporto significa todas as formas de actividade física que, através da participação ocasional ou organizada, visam melhorar a condição física e o bem-estar mental, formando relações sociais, ou obtendo resultados em competição a todos os níveis”;


A estratégia deve enfrentar o teste do tempo e ser baseada numa visão de longo prazo, concretizada através de acção mais imediata (a implementação é fundamental e impõe as metas concretas), e ela é apenas o primeiro passo do desenvolvimento e melhoria contínua do desporto em Inglaterra;


O propósito primário da estratégia é o de beneficiar todos os desportistas e por isso exige o envolvimento de todos os níveis do desporto, desde os recreios escolares até ao pódio e mais (todos têm o seu lugar e parte no futuro do desporto);


A Inglaterra, “a nação desportiva”, não pode realizar-se sem a cooperação e abordagem partilhada de todos os agentes responsáveis por fazê-la acontecer (serão enfatizadas as parcerias para a acção envolvendo comprometimento, boa vontade e recursos).

No documento que vimos a referenciar vem em seguida o detalhe do conjunto de metas concretas a alcançar nos diferentes níveis da estrutura de desempenho desportivo (acima referida), metas que resultam de dados da situação existente recolhidas em estudos e inquéritos nacionais (por exemplo: “1º Inquérito Nacional sobre Os Jovens e o Desporto em Inglaterra em 1994”, “Inquérito Geral das Famílias de 1996”, “Participação no Desporto – medidas de participação regular”). Em todas estas metas fixadas para atingir no horizonte de 2001/2002 parte-se, portanto, dos dados respectivos conhecidos naqueles estudos/inquéritos e estabelecem-se as melhorias que se pretendem vir a atingir, pondo em prática a visão e a estratégia definidas.

E em Portugal? Até hoje nenhum destes diagnósticos de partida estão feitos, não existindo por conseguinte as bases de sustentação de uma visão e estratégia de desenvolvimento desportivo que possa assim corresponder a uma política desportiva similar aquela que aqui, sinteticamente, referenciámos no caso da Inglaterra. Por isso documentos como os que vimos de referenciar são inexistentes entre nós, o que é revelador da pouca sofisticação das políticas desportivas praticadas.

Voltaremos a esta matéria das políticas desportivas proximamente, porque muito mais há para evidenciar e detalhar.


José Pinto Correia, Mestre em Gestão do Desporto




quinta-feira, 11 de setembro de 2008

A Economia e o Desporto

Passamos a publicar o nosso texto de opinião de hoje no Jornal "O Primeiro de Janeiro" como o título acima indicado.
"A Economia é definida por um dos mais insignes economistas, e prémio Nobel, o Professor Samuelson, na sua obra fundamental e que serve de texto base em muitas Universidades em todo o mundo, como sendo a ciência que procede “ao estudo da forma como as sociedades utilizam os recursos escassos para produzir bens com valor e como os distribuem entre os seus diferentes membros”.

No desporto há um conjunto diversificado de bens e serviços que são produzidos e fornecidos, os quais têm valor económico para a sociedade respectiva e têm tradução em grandezas económicas associadas às cadeias de valor do respectivo circuito económico. Pode, assim, por conseguinte determinar-se o valor económico do desporto para um determinado país.

Esta determinação da “importância económica do desporto” tem sido continuadamente feita em Inglaterra com base naquilo que é comummente denominado de evidências (dados e factos, entenda-se).

Os últimos dados respeitantes a essa importância do desporto foram disponibilizados em Março de 2007 e resultam do trabalho científico do Sport Industry Research Centre da Sheffield Hallam University para a agência Sport England, a qual é responsável pelo desenvolvimento e promoção do desporto comunitário em Inglaterra.

Acresce que aquele Centro de Investigação foi designado como o “Centro Colaborativo para o Desporto e a Economia” para o período de 2005-2008 pelo próprio Sport England.

Vejamos então seguidamente quais os principais elementos relativos à importância económica do desporto para a Inglaterra a que o modelo e a metodologia de “contabilidade nacional do rendimento” especificamente desenvolvidos pelo referido Centro chegou, com apoio nas bases estatísticas nacionais relevantes, e fornecendo os dados comparativos entre os anos de 1985 e 2003:

Actividade económica relacionada com o desporto: aumentou de 3.358 milhões de libras em 1985 para 9.838 milhões em 2000 e para 13.531 milhões em 2003 (a preços correntes), o que representa um aumento real de 107% ao longo do período de 1985 a 2003 (a preços constantes). No mesmo período a economia do Reino Unido (em valor acrescentado bruto) cresceu apenas em 59% em termos reais;

Despesas de consumo relacionadas com o desporto: foi de 13.969 milhões de libras em 2003, aumentando dos 3.536 milhões em 1985 (em preços correntes), o que representou um aumento de 104% ao longo do período de 1985 a 2003 (a preços constantes). As áreas mais significativas do consumo em desporto são as do vestuário e calçado, as quotizações de participação e o jogo;

Emprego relacionado com o desporto: o emprego relacionado com o desporto na Inglaterra é estimado em 421.000 pessoas em 2003, representando 1.8% de todo o emprego na Inglaterra nesse mesmo ano, e aumentou dos 304.000 empregos de 1985 e dos 402.000 em 2000, o que representa um acréscimo global de 38%. Em apenas cinco anos, de 1998 a 2003, o emprego no desporto aumentou em 22%. Neste emprego de 2003, 77% corresponde ao sector comercial do desporto, apenas 12% ao sector público e 11% ao sector voluntário.

Estes são, portanto, os mais importantes indicadores da economia do desporto considerados na metodologia e modelo utilizados naquele estudo, o qual permite também conhecer as parcelas das diversas contribuições sectoriais para actividade económica, o consumo e o emprego.

Acresce que os indicadores das diversas regiões da Inglaterra são também conhecidos neste estudo, o que permita avaliar dos respectivos contributos regionais para a totalidade da economia do desporto da Inglaterra.

Um outro âmbito de apreciação do valor económico do desporto consta do documento “Game Plan: a strategy for delivering Government´s sport and physical activity objectives” e que foi publicado pelo “Departamento de Cultura, Media e Desporto” (o “DCMS – Department for Culture, Media and Sport”) em Dezembro de 2002; este Departamento corresponde à entidade do Governo que tem a tutela do desporto e pode considerar-se como o equivalente da nossa Secretaria de Estado do Desporto.

Aí se destacavam os benefícios resultantes da prática regular de actividade física e desporto como sendo, nomeadamente: a satisfação pessoal e uma melhor vida social; uma melhoria da saúde; melhores resultados educativos; redução da criminalidade; inclusão social e melhoria do ambiente.

Mas o documento avançava para o cálculo, através de um modelo econométrico, dos custos da inactividade física na Inglaterra considerando os três seguintes tipos de custos: custos para o Serviço Nacional de Saúde (SNS), custos dos dias perdidos de trabalho e custos das mortes prematuras (tudo custos que a investigação científica tinha já amplamente determinado como decorrentes da inactividade física e desportiva). As principais conclusões deste exercício são as seguintes:

Os custos totais da inactividade física seriam da ordem dos 2 biliões de libras, compreendendo custos indirectos de 10.000 dias de trabalho perdidos e 54.000 vidas perdidas prematuramente (aproximadamente 150/dia) considerando um leque estreito de doenças mas poderia chegar aos 3 biliões de libras considerando uma moderada ou vigorosa actividade de cinco dias por semana;
Usando o modelo calculou-se também o benefício de um aumento de 10% na actividade dos adultos o que beneficiaria a Inglaterra em cerca de 500 milhões de libras por ano (6.000 vidas/dia);

Estas estimativas foram conservadoras pois assumiram níveis relativamente baixos de inactividade e um leque estreito de doenças. Por isso mesmo, os custos poderiam ser superiores assumindo mais elevados níveis de inactividade e um leque mais alargado de doenças, para um custo total de 8.2 biliões de libras (1.7 biliões para o SNS, 5.4 biliões para as ausências ao trabalho e 1 bilião de mortalidade prematura);

E muito importante é que esta estimativa menos conservadora significaria então cerca de 5% do orçamento do SNS, 72.000 dias de trabalho perdidos e 86.000 vidas perdidas prematuramente.

Em Portugal como é óbvio não existem estudos deste cariz. Porque nem as autoridades governamentais, nomeadamente a Secretaria de Estado do Desporto e o seu Instituto do Desporto de Portugal, nem o Comité Olímpico de Portugal ou mesmo as federações ou a Confederação do Desporto estão nisso empenhadas ou interessadas. Por isso as nossas políticas públicas desportivas na sua formatação não se baseiam num conhecimento aprofundado do significado e importância económicos do desporto como deveria racionalmente acontecer.

Mas das políticas públicas desportivas falaremos mais aprofundadamente em outra ocasião".

José Pinto Correia, Mestre em Gestão do Desporto

sábado, 6 de setembro de 2008

A vergonhosa discriminação no “Desporto Olímpico” em Portugal


Sobre os Jogos Olímpicos de Pequim e os nossos respectivos atletas muito se disse – e muito destaque mereceram os dirigentes (alguns quase eternos) e as nossas luminárias governantes.

Esses Jogos acabaram há cerca de quinze dias e “voltámos ao futebol”. Entretanto, estão já hoje em Pequim os nossos atletas paralímpicos para participarem, em nossa representação, nos Jogos Paralímpicos de Pequim.

Fui ver o que sobre essa nossa representação diziam o Comité Olímpico de Portugal, a Secretaria de Estado e o Instituto do Desporto de Portugal e o destaque que davam dos nossos esforçados atletas – possivelmente medalháveis como nos habituaram em competições mundiais e olímpicas.

Nem uma palavra, nem uma história, nem uma fotografia, nem um desejo, nem um carinho foi o que encontrei nas montras digitais dessas entidades.

Discriminação óbvia, desmazelo, esquecimento, incúria e indignidade, isso sim é o que estas entidades demonstram. E tudo isto é imperdoável, inaceitável e manifestamente a manifestação de incultura desportiva e de falta de humanismo.

E são estas as organizações que representam institucionalmente o nosso desporto de competição. Se houver medalhas é ver esses responsáveis, dirigentes e governantes, de imediato em posição ao lado dos até aí esquecidos e discriminados atletas.

Uma vergonha e um desgoverno (depois de o primeiro-ministro se ter prontificado a recebê-los à partida para o Oriente)!

Quem está disposto a continuar a ter destes dirigentes desportivos e governantes de tutela que assim despudoradamente discriminam o desporto e os atletas paralímpicos?

Quem se quiser dar ao trabalho de comparar as posturas que visite o site do UK Sport em www.uksport.gov.uk e veja as abissais diferenças de cultura desportiva e de respeito e dignidade democrática para com os atletas que representam o Reino Unido nos mesmos Jogos Paralímpicos.

Desporto e dignidade humana devem andar de mãos dadas numa cultura desportiva estabelecida. Mas aqui em Portugal as condutas dos dirigentes do nosso desporto deixam-nos próximos dos patamares do subdesenvolvimento!

Precisamos obviamente de muitíssimo mais de um choque cultural do que de um simples choque tecnológico que nos vendem e que não cria saudáveis princípios democráticos e de direitos humanos nas nossas elites desportivas.

Percebo porque Pessoa dizia através de Bernardo Soares (no Livro do Desassossego) que “O governo assenta em duas coisas: refrear e enganar. O mal desses termos lantejoulados é que nem refreiam nem enganam. Embebedam, quando muito, e isso é outra coisa”.

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

"Faltam estudos no Desporto"

Passamos a transcrever o nosso texto de opinião publicado na edição de hoje do Jornal "O Primeiro de Janeiro" com o título original e que consta da epígrafe.

"Agora que já terminou a participação portuguesa nos Jogos Olímpicos de Pequim com os resultados que se conhecem, ouve-se com frequência falar da necessidade de repensar e reorganizar o desporto de alta competição entre nós – tal foi desde logo afirmado a quente nos Jogos de Pequim pelo próprio Presidente do Comité Olímpico de Portugal (COP).

Acontece todavia que estas afirmações carecem genericamente de substância pois não indicam quais os domínios e modelos dessa mudança, nem que opções novas seriam necessárias, que outra estratégia de desenvolvimento e organização ou mesmo que outros tipos de liderança e de líderes deveriam protagonizar tais processos de renovação desportiva.

Ora, esta incapacidade de apresentar os fundamentos racionais de reorganização e/ou renovação do nosso desporto de alta competição assenta primariamente no facto de não existirem estudos sérios e profundos sobre a realidade organizativa, de gestão ou económica desse mesmo desporto.

Não se conhecem desde há anos – e são passados mais de três com este Governo em funções – quaisquer estudos e investigações detalhadas sobre a organização e gestão ou planeamento estratégico do desporto português.

Não existem, por conseguinte, quadros de diagnóstico ou de reflexão sobre a organização, gestão e planeamento das federações desportivas, nos quais se pudessem avaliar os critérios de funcionamento das respectivas estruturas, os processos de decisão, as principais carências organizacionais e técnicas, os modelos de liderança ou, ainda mais, os métodos de planeamento estratégico e de fixação dos objectivos essenciais de desenvolvimento, por exemplo.

Por outro lado, não se conhecem igualmente estudos que se reportem aos métodos de trabalho entre as federações e os clubes desportivos, como é realizada a cooperação e coordenação dos respectivos esforços de desenvolvimento das modalidades e dos atletas e treinadores respectivos, ou mesmo sobre o modo como é feita a preparação técnica e científica dos treinadores e o apuramento metodológico do treino das modalidades.

Não se conhecem também quaisquer estudos sérios e validados cientificamente sobre gestão e planeamento estratégico das federações desportivas, sobre economia da utilização dos recursos e análises de custos-benefícios no desporto incluindo as dos grandes eventos desportivos realizados no país, ou ainda por maioria de razão sobre o próprio valor económico do desporto para o país.

E este valor económico exprime-se nomeadamente em termos de valor acrescentado e de actividade económica nos sectores e empresas ligados ao desporto (o vulgar PIB), de emprego criado e gerado pelo desporto, e ainda do cálculo de benefícios decorrentes da redução do absentismo ou do aumento da produtividade pela prática desportiva ou pela substancial redução das despesas e encargos de saúde conseguidas pela melhoria da qualidade de vida dos praticantes desportivos (sobre estes elementos a situação existente no Reino Unido é exemplar e deve ser considerada como modelo ou “benchmarking”).

Esta situação de flagrante insuficiência de estudos de gestão e organização do desporto em Portugal é tanto mais evidente quanto é certo que nem a actual Secretaria de Estado do Desporto nem o seu Instituto do Desporto de Portugal (IDP) promoveram ou publicaram nestes últimos anos qualquer estudo do teor dos acima referidos – não é possível encontrar nos sites destes entes governamentais nenhuma referência desse tipo, sendo que o IDP já há três anos que deixou de financiar a investigação em desporto que anteriormente promovia.

Portanto, o país não está hoje, e assim, em condições de reflectir com bases sólidas sobre a reorganização ou renovação do seu desporto de alta competição.

Não tem para esse empreendimento qualquer base de diagnóstico ou de análise estratégica, de planeamento e gestão ou de organização válida, onde basear a reflexão e escolher novos caminhos ou estratégia de mudança e desenvolvimento.

Por isso, quando agora se ouvem alguns a pedir a renovação do sistema desportivo é justo perguntar-se o que entendem por tal e em que baseiam a sua pretensão.

Será que querem dizer mais e melhor organização e gestão estratégica nas federações, no Comité Olímpico de Portugal e no Instituto do Desporto e Secretaria de Estado do Desporto? E estas fundamentadas em estudos sérios e cientificamente validados sobre essa organização e gestão? Ou como tem sido apanágio no passado que, na falta desses instrumentos racionais e metodologicamente convenientes, apenas tudo fique em opiniões circunstanciais despidas de contributos profundos, sistemáticos e validamente eficazes?

Agora que se abre a discussão em torno da preparação do novo ciclo olímpico de Londres 2012 e porventura como desejável mesmo até 2016, com o Governo desde logo a exigir ao COP um Relatório circunstanciado de Pequim 2008 (que se não limite aos habituais relambórios de auto-gratificação mas seja um real exercício de avaliação do Projecto Pequim 2008), é imperativo que no país se comecem a estudar e investigar as matérias que têm estreita e indispensável relação com a gestão e o planeamento estratégico do desporto, e com a organização e gestão das federações desportivas, sem esquecer as da liderança e dos líderes respectivos.

E exigir também ao Governo e ao seu Instituto do Desporto de Portugal que lancem imediatamente as investigações de gestão e economia do desporto que possam inequivocamente fundamentar as futuras políticas e opções desportivas que conduzam Portugal a um outro patamar de desenvolvimento do seu desporto de alta competição".

José Pinto Correia
(Mestre em Gestão do Desporto)