quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Análise Económica de Eventos Desportivos (I)

Aqui publicamos o nosso texto de opinião editado hoje no Jornal "O Primeiro de Janeiro" com o título acima indicado.

O desporto de alta competição vive da realização de eventos desportivos associados às diferentes modalidades. Em Portugal tem-se apostado muitas vezes nos anos recentes na promoção da realização de eventos desportivos, alguns mesmo de grandes dimensões como foi o EURO 2004, alegando-se, além do mais, que eles são uma boa oportunidade para dar dimensão e visibilidade internacional ao nosso desporto.

Nestes eventos desportivos aparecem regularmente entidades públicas e governamentais a atribuir apoios financeiros à realização dos mesmos sem que, depois, e consequentemente, se analisem os respectivos benefícios e impactos económicos que deles resultam. Portanto, não têm existido em Portugal análises sistemáticas da rentabilidade de utilização dos financiamentos públicos canalizados para a realização destes eventos desportivos.

Ora, a realização desse tipo de análises é um imperativo que urge para tornar possível escrutinar da valia para a sociedade dos investimentos que a mesma faz, através das autoridades públicas e governamentais, nesses eventos desportivos, bem como para servirem de critérios de decisão de afectação dos recursos a novos eventos desportivos previstos. A permanente escassez dos recursos públicos disponíveis impõe esses critérios, pois a escolha e as prioridades a definir na sua adequada utilização têm de basear-se na correspondente boa e rendível aplicação, única forma de os cidadãos contribuintes se certificarem do valor gerado com o uso desses meios de financiamento nos respectivos eventos desportivos.

No Reino Unido, como vamos seguidamente passar a descrever, essas análises existem desde há muitos anos e permitem conhecer com algum rigor a forma como os dinheiros públicos investidos nos eventos desportivos reproduzem benefícios económico-financeiros para a sociedade. Vejamos então, em detalhe, a experiência britânica quanto à avaliação dos impactos e benefícios dos eventos desportivos.

No Reino Unido a entidade encarregada de avaliar as candidaturas internas para a realização de eventos desportivos, bem como a que tem procedido à medição efectiva dos impactos económicos de muitos desses eventos que no país se têm vindo a realizar, é o UKSport. Esta agência de natureza não-governamental é também a líder da concretização das políticas de fomento e de desenvolvimento do “desporto de elite do Reino Unido”, conduzindo também, por isso mesmo, o processo de financiamento da participação Olímpica do país.

O UKSport definiu uma “tipologia geral dos eventos desportivos” aliando o seu carácter regular ou irregular, por um lado, às respectivas capacidades de gerarem impacto económico significativo ou não, quer numa base diária quer no global da duração temporal dos eventos. Assim, passou a referenciar os quatro seguintes tipos de eventos:

1. Eventos do Tipo A: são eventos de grande dimensão e internacionais centrados nos espectadores e geradores de significativa actividade económica e interesse mediático, por exemplo os Jogos Olímpicos ou o Campeonato do Mundo de Futebol;

2. Eventos do Tipo B: são grandes eventos centrados nos espectadores gerando significativa actividade económica e interesse mediático e são parte de ciclo doméstico anual, por exemplo a Final da Taça de Futebol;

3. Eventos do Tipo C: eventos únicos de carácter irregular centrados quer nos espectadores quer nos competidores e gerando um nível incerto de actividade económica, por exemplo os Grandes Prémios de Atletismo;

4. Eventos do Tipo D: eventos de grande dimensão centrados nos competidores gerando pouca actividade económica e fazendo parte de um ciclo anual, tais como os Campeonatos Nacionais da maioria dos desportos.

O UKSport tem como sua estratégia global quanto aos eventos desportivos a de apoiar aqueles que tenham relevância estratégica e que produzam, ao mesmo tempo, um conjunto de benefícios duradouros de carácter desportivo, económico e “social-cultural”.

Esta estratégia de promoção dos eventos desportivos teve antecedentes no Relatório publicado em 1995 pela então denominada “National Heritage Commission” que à data considerava: “É claro que as candidaturas para hospedar grandes eventos desportivos…[podem] operar como um catalisador para estimular a regeneração económica mesmo se eles no final não provarem ser bem sucedidos” (citação).

Este mesmo Relatório utilizava os casos das cidades de Sheffield e Manchester para enaltecer os impactos regeneradores dos eventos desportivos e referia que: “…uma vez que o desenvolvimento inicial teve lugar, a existência de instalações de alta qualidade significa que as cidades referidas são capazes de atrair outros eventos desportivos. O impacto contudo não pára aqui. Muitas das instalações são adequadas para outras utilizações tais como conferências e concertos. Em acréscimo a publicidade favorável pode seguir-se de um evento bem sucedido e aumentar a atractividade da cidade, elevar o seu perfil no estrangeiro, e torná-la capaz de atrair um número crescente de turistas” (citação).

O UKSport usa uma definição de impacto económico que é a seguinte: “O impacto económico de um evento desportivo é a mudança económica líquida na economia local resultante do acolhimento do evento. O efeito económico líquido pode ser expresso como a despesa adicional local, o emprego adicional local, ou o rendimento adicional local gerados pelos visitantes do evento provenientes de fora da economia local. O impacto económico total de cada evento é composto por três componentes: o impacto directo, o impacto indirecto e o impacto induzido”.

Ou se quiser definir de um modo mais simples os impactos económicos correspondem, também para o UKSport, a: “O montante total de despesas adicional gerada dentro de uma cidade de acolhimento, ou área, que poderia ser directamente atribuída ao acolhimento de um determinado evento desportivo”.

Portanto, nesses impactos económicos só são consideradas as despesas de visitantes exteriores como elegíveis para inclusão nos cálculos respectivos de impacto económico, uma vez que se considera que as realizadas pelos habituais residentes da área de acolhimento seriam sempre dispendidas independentemente da realização do evento em apreço. Às despesas realizadas pelos residentes é mesmo atribuído o conceito de “despesa de peso-morto” (“deadweight expenditure”, no original).

Os impactos económicos dos eventos e a sua possível previsão são também considerados elementos fundamentais ao processo de apreciação dos eventuais financiamentos públicos a atribuir a esses eventos desportivos. Trata-se obviamente de fundamentar o financiamento no denominado “valor criado para a sociedade” (o denominado “Value for Money”), princípio básico da atribuição de fundos públicos a quaisquer projectos, e que serve também de instrumento de validação dos critérios de afectação e de prestação de contas do uso dos recursos à sociedade e aos respectivos contribuintes (a denominada “Accountability”).

O UKSport avaliou cerca de 16 eventos desportivos realizados entre 1997 e 2003, tendo para o efeito estabelecido uma “Metodologia Comum” que assenta, nomeadamente, num “Questionário Standard”. Assim, é possível proceder à comparabilidade dos diversos resultados e eventos desportivos num conjunto de elementos caracterizadores e de impacto.

Nas análises que foram efectuadas para vários eventos realizados nos últimos anos (especialmente entre 1997 e 2003) revelou-se uma forte correlação entre o número de espectadores admitidos e o impacto económico absoluto de um evento, o que sugere que o número absoluto de espectadores é um influenciador chave do impacto económico (também denominado de “key driver”). Por outro lado, a despesa média realizada pelos representantes dos “media” que fazem a cobertura do evento é mais elevada do que a dos restantes intervenientes nos eventos – designadamente dos atletas, treinadores, juízes.

O que também acontece nestes resultados de impactos é que grande parte dos mesmos corresponde apenas a uma redistribuição do dinheiro dentro da economia do Reino Unido, a qual não apresenta por isso alterações relevantes no seu PIB total decorrentes desses eventos desportivos.

Entretanto, dos vários estudos de impacto conduzidos com metodologia uniforme concluiu-se que por cada libra de financiamento atribuído pela National Lottery (um dos grandes financiadores do desporto no Reino Unido) para esses eventos foi possível originar, em média, uma despesa adicional nas economias de acolhimento de 7.3 libras (dado este que foi baseado na avaliação detalhada dos impactos de 10 de 11 eventos financiados através da Lottery). Este é um decisivo indicador do “valor do dinheiro” que anteriormente mencionámos ser um importante princípio de avaliação da despesa pública de investimento no Reino Unido.

O UKSport desenvolveu também um “Modelo de Previsão Económica” para prever o impacto económico de eventos desportivos antes de eles se realizarem. A fiabilidade das previsões originadas com aquele modelo tem variado entre os 64 e os 79% dos valores reais “a posteriori”.
Os elementos recolhidos nestes estudos permitiram também apresentar, nomeadamente, elementos como os seguintes:

- Quadro de Impacto dos Eventos: com os anos dos eventos, localização respectiva, nº de dias de duração, impacto em libras e impacto médio por dia;

- Tipologia dos Eventos Desportivos: de acordo com a definição dada pelo UKSport para os diversos eventos;

- Gráfico dos Impactos: apresentando os diferentes impactos dos diversos tipos de eventos;

- Gráfico dos Impactos Diários: apresentando os impactos médios diários dos diferentes eventos;

- Gráfico das Despesas de Visitantes e da Organização: relacionando as despesas dos visitantes com a da organização dos próprios eventos (indicador de escala, portanto);

- Gráfico de Espectadores e de Impacto Económico Bruto: relacionando o número de espectadores admitidos nos eventos e os respectivos impactos económicos brutos (a qual apontou para um coeficiente de correlação de .90, por conseguinte revelador da grande relação entre o número de espectadores e a dimensão dos impactos produzidos pelos eventos desportivos);

- Padrões de Despesas por Grupos Chave: apresenta os diferentes padrões de despesa dos diferentes grupos envolvidos nos eventos (atletas, treinadores, repórteres dos media, juízes e árbitros, visitantes externos, nomeadamente).

O UKSport gere, por outro lado, um “Programa de Eventos de Classe Mundial” (“World Class Events Programme”) que tem o objectivo estratégico essencial, que converge com a política de desenvolvimento até 2020 afirmada pelo Governo para o desporto (inscrita no documento denominado “Game Plan” publicado em 2002”), de exponenciar o valor económico originado com os eventos desportivos nacionais e internacionais realizados no Reino Unido.

A promoção dos eventos desportivos, designadamente os de grande dimensão e projecção mundial como os Jogos Olímpicos ou o Campeonato do Mundo de Futebol surge, assim, naturalmente integrada na própria política de desenvolvimento do desporto no Reino Unido.

(a continuar)

José Pinto Correia, Mestre em Gestão do Desporto

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

A Administração Pública Desportiva em Portugal: um domínio obscuro por quanto tempo?

Há na nossa administração pública desportiva algo de surreal.

Vai-se ao Conselho Nacional do Desporto (CND), no site da Secretaria de Estado, e não se consegue a mínima informação sobre o conteúdo dos trabalhos e discussões, preparação dos temas, posições dos membros, documentos de trabalho, estudos, o que quer que seja. Só mesmo os documentos do governo que marcaram a agenda até hoje, mas sem se saber uma linha sobre a posição oficial, ou as oficiosas, do Conselho Nacional do Desporto, sobre esses projectos de diplomas.

Sobre o Regime das Federações Desportivas, vários meses depois da última discussão no CND sobre o projecto governamental respectivo não se conhece uma palavra, uma única linha sobra a posição final do CND e as individuais dos seus membros.

Este manto de obscuridade que existe sobre o trabalho e iniciativas do CND dá, portanto, para tudo. Para desculpar, para desresponsabilizar, para esconder, para que a opinião pública sobre o trabalho do CND e a condução da política desportiva seja reduzida a zero. Ou melhor à auto-congratulação do Governo que aparece, depois, finalmente, a legislar, ainda que passada uma quase eternidade sobre os prazos contemplados na Lei de Bases que ele mesmo fez aprovar.

Mas no site da Secretaria de Estado a ausência de documentos oficiais sobre o desporto, sobre a política desportiva, as suas grandes opções de desenvolvimento, as de apoio e incentivo ao movimento federativo, de promoção da prática desportiva por todas as faixas etárias e regiões nacionais, sobre tudo isto nada também. Melhor no site vêem-se só notícias de imprensa.

Como se pode avaliar, como se pode exercer o contraditório ou o escrutínio público e de cidadania perante o assim tão notadamente desconhecido ou não assumido devidamente?

E no site do Instituto do Desporto de Portugal (IDP) anunciam-se contratos-programa por todo o país, mas ao mesmo tempo documentos de apresentação de estratégia, objectivos e de fundamentação das actividades não existem também, nem se conhecem os critérios de decisão dos apoios concedidos aos diferentes clubes. Não existe no site do IDP qualquer documento ou estudo que fundamente ou descreva as orientações do que se vem fazendo desde há anos.

Perante o nada que é dito e apresentado tudo é, depois, possível porque inscrutinável e inavaliável. Não há nada que se possa tomar como linha de condução e, assim, nada ou quase nada se pode discutir, avaliar, em termos reais.

Há, por conseguinte, uma enormíssima falta de transparência na política e gestão pública do desporto em Portugal.

Por isso, não aparecem, não podem aparecer, verdadeiras “comunidades de conhecimento sobre desporto”.

O Congresso do Desporto foi, como hoje já muitos dizem, apenas um show mediático que serviu esta obscuridade em que temos vivido.

Não será possível a um Governo que já tem quase cumprida uma legislatura de quatro anos apresentar nos respectivos organismos que lideram a política e gestão pública desportiva as orientações de desenvolvimento, os estudos em que fundamenta decisões, objectivos, programas e actividades?

E não será exigível democraticamente que os cidadãos, os desportistas e as respectivas organizações e os académicos, conheçam o que é o trabalho efectivo do Conselho Nacional do Desporto – o que inclui as actas respectivas, as discussões, os documentos apresentados, etc.?

Esta obscuridade em que temos vivido no desporto, melhor na administração pública do desporto, é inaceitável numa democracia madura que exige transparência, informação atempada e acessível, e uma cidadania activa e empenhada de todos – no caso, dos que se interessam pela causa do desenvolvimento do desporto em Portugal.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

O Campeonato do Mundo de Futebol de 2018 em Portugal

Passamos a publicar o nosso habitual texto de opinião editado hoje no Jornal "O Primeiro de Janeiro".

Nos últimos anos em Portugal têm vindo a ser sucessivamente apresentados como valiosos para o nosso desporto e para o País a realização de grandes eventos desportivos como os Campeonatos da Europa e do Mundo de Futebol, nomeadamente. O próprio Presidente do Comité Olímpico de Portugal chegou várias vezes a afirmar a pretensão de Portugal vir mesmo a organizar os Jogos Olímpicos (na respectiva edição de Verão).

Na pretérita semana correu lesta na nossa imprensa a ideia de Portugal poder vir a candidatar-se conjuntamente com Espanha a realizar a edição do Campeonato do Mundo de Futebol em 2018. Posicionaram-se para tanto alguns dirigentes desportivos de topo e mesmo governamentais de imediato em defesa deste projecto, referenciando desde logo e intempestivamente, os enormes benefícios nacionais e desportivos advenientes, por um lado, contrapostos a uma correlata pequenez dos investimentos necessários à participação no mesmo, por outro.

Em Espanha, como se viu, os dirigentes desportivos federativos e políticos foram muitíssimo comedidos nas declarações sobre esta possível candidatura, o que é um contraste de realçar e terá subjacentes os interesses estratégicos mais amplos do País, como a possibilidade em aberto de Madrid vir a realizar os Jogos Olímpicos de 2016 que será conhecida por decisão do Comité Olímpico Internacional (COI) apenas em Outubro de 2009. Estes interesses de Espanha colocam Portugal na completa dependência dos mesmos, o que inclui a própria disponibilidade para a candidatura e os prazos em que ela, a existir, se manifestará formalmente.

Um facto que se deve destacar é o de que estes grandes eventos desportivos internacionais estão nas mãos de organismos desportivos monopolistas como a FIFA, UEFA ou COI, que leiloam os respectivos direitos de os hospedar internacionalmente, fazendo com que os países ou cidades (caso dos Jogos Olímpicos) respectivos apresentem condições muito vantajosas e também obviamente muito custosas.

Não é de estranhar, por isso, que os dirigentes máximos destas organizações desportivas internacionais (FIFA, UEFA e COI) tentem impulsionar o aparecimento do maior número possível de candidaturas nacionais, pois isso ser-lhes-à valiosamente benéfico na sua evidente e óbvia tentativa para maximizarem as condições que baseiam as correspondentes ofertas dos candidatos para esses seus eventos únicos. E a melhor destas ofertas, do ponto de vista do detentor monopolista dos direitos de realização do respectivo evento, será então a escolhida para se concretizar. Nada desta racionalidade é estranha ao funcionamento corrente dos mercados monopolizados que a ciência económica explicou de há muito.

Os países e cidades hospedeiros, ou seja aqueles a que são atribuídos esses eventos em leilão competitivo, concretizam, consequentemente, projectos que implicam esforços enormes em termos económico-financeiros e de infra-estruturas, baseados nas candidaturas ousadas que lhes permitiram obter daqueles organismos desportivos todo-poderosos a realização de tais eventos únicos na cena internacional/mundial.

Ora, no caso da possível candidatura ao Mundial de Futebol de 2018, uma vez mais, como vem sendo hábito em Portugal, começa-se por criar um ambiente favorável e sem o necessário rigor para a concretização de um evento, desprezando o seu efectivo estudo prévio, nomeadamente o de carácter económico e financeiro que é tão somente o aqui nos interessa seguidamente enquadrar – deixando de lado, e para outra oportunidade, o estudo dos reais efeitos e benefícios desportivos que também tem muito para revelar/desvendar.

Já no EURO 2004 o País avançou primeiro e fez aqueles estudos económicos apenas a posteriori da decisão de candidatura e mesmo assim utilizando metodologias inadequadas, o que iludiu em muito os portugueses sobre os efectivos benefícios e custos daquele projecto/evento desportivo – essa ilusão é hoje realidade duramente perceptível e inultrapassável em vários dos municípios que receberam estádios do EURO 2004.

A política desportiva em Portugal vem mesmo assumindo desde há vários anos como um dos veículos de promoção internacional do nosso desporto essa realização de grandes eventos desportivos. O mais eloquente e de maior dimensão desses eventos internacionais foi o EURO 2004, o Campeonato Europeu de Futebol, para o qual foram mobilizados volumosos recursos financeiros que deram origem à construção de vários novos estádios de futebol e a inúmeras obras e infra-estruturas complementares e de acesso aos mesmos, para além dos apreciáveis custos de segurança de cada um dos vários jogos e comitivas nacionais presentes no Campeonato.

Foram feitos alguns estudos para tentar apreciar os efeitos económicos e financeiros deste EURO 2004, quer no todo nacional quer em algumas das regiões/municípios envolvidos directamente na construção de estádios e de acessos aos mesmos.

Estes estudos partiram, todavia, da aplicação de metodologias já hoje caídas em desuso na valorização económica efectiva de eventos desportivos, pois se limitaram a fazer a replicação na economia dos efeitos de injecção de recursos financeiros nos investimentos respectivos. Assim, por cada milhão de euros injectados determinaram-se efeitos na produção, emprego e receitas de impostos para o Estado, nomeadamente. E se multiplicados pelos muitos milhões envolvidos nos respectivos investimentos chegou-se a números pretensamente grandes (para muitos incautos mesmo esmagadores) de produção nacional, de emprego e de receitas de impostos.

Ora, estas “metodologias dos impactos macroeconómicos”, que assim são apelidadas vulgarmente, estão hoje completamente desvalorizadas para a apreciação valorativa dos efeitos económicos e financeiros de eventos desportivos. E foram a posteriori em estudos conduzidos por entidades com responsabilidades económicas (v.g. Banco de Portugal) manifestamente desconsiderados.

Em qualquer economia é sempre possível gerar efeitos na produção, emprego e impostos por qualquer milhão de euros nela injectados, efeitos cuja dimensão é apenas variável com os sectores económicos em consideração, dependendo de para tal existirem dados devidamente especificados (o que acontece por exemplo nos EUA, mas já não em Portugal onde as bases de dados utilizadas não atingem esses grau de especificidade e refinamento). E acresce que como estes modelos de replicação económica e financeira utilizam indicadores padronizados é quase indiferente o sector em que se aplica esses mesmos milhões de euros, pois eles produzirão quase indistintamente nuns e noutros sectores esses mesmos efeitos na produção, no emprego ou nas receitas de impostos.

O que interessa por isso saber nestes projectos de um País e sociedade que constituem estes grandes eventos desportivos é não já esses efeitos multiplicadores no emprego, produção e impostos, mas antes que rendibilidades económico-sociais trazem para o País (ou região no caso dos Jogos Olímpicos pela enormíssima dimensão que têm) que os realiza. E esta medida de rendibilidade impõe, então, o uso de metodologias de avaliação completamente díspares das dos efeitos/impactos macroeconómicos que foram as utilizadas no caso português do EURO 2004.

Recomendam os especialistas de economia do desporto que se têm dedicado a esta problemática dos impactos/efeitos dos grandes eventos desportivos, por isso, que se utilizem agora as metodologias de custos-benefícios, pois estas permitem valorizar os efeitos líquidos de rendimento para a economia da realização desses grandes projectos desportivos, isto é, medem o efectivo aumento de bem-estar que a economia nacional ou regional recolhe da realização desses eventos desportivos.

Como refere J. Martins Barata (em “Elaboração e Avaliação de Projectos”, Celta Editora, 2004, a pág. 240) “O objectivo das análises custo-benefício, ou de qualquer outro tipo de estudo de economia do bem-estar aplicada, é seleccionar os projectos, programas, políticas ou estados da economia que maximizem o bem-estar social”.

Nestas metodologias de custos-benefícios valorizam-se, por conseguinte, a determinadas taxas sociais de juro os capitais investidos nos eventos e todas as diferentes receitas/rendimentos por eles gerados durante um determinado período de vida útil do projecto (o respectivo horizonte de vida útil). No final destes cálculos, é possível determinar qual a taxa de rendibilidade nacional ou regional destes projectos/eventos desportivos e comparar essa mesma taxa com as de outros projectos e investimentos realizados ou a realizar em alternativa pelo mesmo País ou sociedade. Claro está que os aspectos desportivos do projecto podem e devem ser valorizados como um dos vários tipos de benefícios, sendo para tal necessário investigar suficiente e rigorosamente quais são eles, como se repartem ao longo dos anos, e como e por quem são apropriados.

Esta metodologia de determinação da “rendibilidade socioeconómica dos eventos desportivos” permite também um ganho muito importante no próprio processo de tomada de decisão de os realizar. Ela introduz um outro patamar de racionalidade nestes projectos nacionais, fazendo com que na decisão da sua realização se ultrapassem os meros e simples critérios de conveniência e interesses políticos e partidários que enviesam a apreciação do seu valor efectivo, nas suas diferentes dimensões, e desde logo também mesmo na de natureza desportiva.

Assim, quando colocado perante a possibilidade de vir a realizar um evento desportivo de grande dimensão, o País (e no caso Portugal que aqui nos interessa sobretudo), passa a dispor, desde logo, de um estudo rigoroso dos custos-benefícios desse evento que faculta a determinação da sua efectiva “taxa de rendibilidade socioeconómica” que diz à mesma sociedade o que pode esperar de valorização do seu investimento naquele projecto que constitui o evento desportivo em questão, e permite, por intermédio desta taxa, uma avaliação comparativa com outros projectos que a mesmo País ou sociedade tenha também potencial interesse em vir a realizar.

Toda esta informação é tanto mais relevante quanto é sabido que os capitais em qualquer País têm um custo mínimo intertemporal resultante da sua natureza iminentemente escassa e da preferência pelo consumo actual por parte dos consumidores – denominada habitualmente de taxa de actualização social – custo mínimo esse que qualquer projecto deve devolver a essa mesma sociedade para que esta possa ser socioeconomicamente indiferente à realização daquele evento/projecto.

Por isso, quanto maior for o diferencial positivo entre a taxa de rendibilidade do projecto/evento e a que define o custo médio dos capitais do País maior será o interesse da sociedade na realização desse projecto/evento.

Este “princípio de comparação entre taxas de rendibilidade e de custo dos capitais” envolvidos deve, por isso, ser devida e rigorosamente aplicado nestes projectos de grandes eventos desportivos, como em qualquer outro o será habitualmente também, e por maioria de razão atendendo ao volume relevante de recursos económicos e financeiros naqueles necessariamente aplicados.

Assim sendo, o que se exige aos promotores de qualquer candidatura de realização de um grande evento desportivo é que apresentem antecipadamente o estudo de rendibilidade socioeconómica do projecto, usando a metodologia de custos-benefícios, de modo a que a eventual decisão de candidatura seja fundamentada no valor líquido gerado para o País com a referida realização. Este é um indispensável e iniludível elemento para basear a correspondente decisão política e governamental de Portugal vir a candidatar-se a realizar um tão importante evento desportivo como o é o Campeonato do Mundo de Futebol (seja o de 2018 ou de qualquer outro ano).

O País tem de exigir agora, pois, que a decisão política de avançar com uma qualquer candidatura ao Campeonato do Mundo de Futebol de 2018 seja fundamentada, desta vez, com um estudo sério e rigoroso que meça a sua rendibilidade socioeconómica, de forma a que se conheçam os seus efectivos benefícios e custos de realização antecipadamente, e se possa comparar o bem-estar gerado por esse projecto com outros desportivos ou não que também sejam interessantes para a comunidade nacional.

Esta exigência deve ser cumprida, desde logo por iniciativa daqueles que acreditam nas grandes virtualidades do projecto, tal como foi feito em Inglaterra desde o primeiro momento pelo então ainda só Ministro das Finanças Gordon Brown que, sendo um dos seus mais iniciais e entusiásticos defensores do evento, logo mandou proceder e fez publicar na internet o respectivo “Estudo de Viabilidade da Candidatura ao Campeonato de 2018”.

E neste preciso momento (Outubro de 2008), decorridos mais de dois anos sobre esse estudo, e mais algumas importantes decisões intermédias entretanto já tomadas que incluíram a nomeação de personalidades prestigiadas para acompanhamento do processo de candidatura, ainda se aguarda por uma formal oficialização da mesma à FIFA pelas correspondentes autoridades da Inglaterra.

José Pinto Correia, Mestre em Gestão do Desporto

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Desenvolvimento do Desporto em Portugal

Passamos seguidamente a publicar o nosso texto da edição de hoje do Jornal "O Primeiro de Janeiro" com o título acima indicado.

O fenómeno do desenvolvimento de um sistema complexo de organizações como o que define o desporto implica mutações em múltiplas variáveis que não se reduzem a alterações quantitativas mas são também, e muitas vezes acima de tudo, correspondentes a mudanças qualitativas de organização, processos, estruturas, projectos e mesmo lideranças corporizadas por actores.

Por isso, quando se procura falar de “desenvolvimento do desporto” tem de se considerar que o desenvolvimento é muito mais do que o mero e simples crescimento, ou uma evolução benévola mas circunscrita a um nível do sistema (por exemplo o desporto profissional ou de alta competição).

Tal como na economia em geral, também no desporto pode haver crescimento que não se traduza inequívoca e directamente em desenvolvimento, pois este implica outros parâmetros de medida e domínios de abrangência.

O “desenvolvimento do desporto” implicará, então, conceptualmente, para além de um crescimento territorial harmonioso do desporto, a equidade e coesão no acesso ao desporto para quaisquer cidadãos, bem como um conjunto de condições básicas de bem-estar e rendimento que permitam a esses cidadãos a prática regular do desporto. O “desenvolvimento do desporto” implica também, por outro lado, o uso pleno das liberdades democráticas e de cidadania, as quais permitem não apenas o acesso ao desporto como também as capacidades individuais de escolha e decisão de o praticar.

Por conseguinte, o “desenvolvimento do desporto” alia a promoção das condições indispensáveis de garantia da equidade da participação à liberdade da prática pelos respectivos cidadãos, enquanto participantes activos da vida social e sujeitos portadores de direitos e de deveres substantivos. Ao desenvolvimento do desporto não interessa apenas a eficiência enquanto propósito organizador do desporto mas também a equidade que implica a promoção de igualdade de oportunidades de acesso e prática regular a todos os cidadãos sem qualquer discriminação.

Como bem dizia Benito Castejon Paz (1973) “O desenvolvimento do desporto é o objectivo maior de toda a política desportiva”. Nesta conformidade, a política desportiva tem de ter como seu desiderato essencial a promoção do “desenvolvimento desportivo”, não pode ficar aquém dessa intencionalidade sob pena de ser ineficiente e iníqua.

Estes pressupostos definidores do desenvolvimento desportivo estiveram subjacentes às denominadas “políticas do desporto para todos”, promovidas durante as últimas décadas do século XX pelo Conselho da Europa e que tiveram nos países nórdicos europeus grandes promotores.

O desenvolvimento do desporto implica, por conseguinte, para os seus principais agentes e decisores, actuando no interior do amplamente denominado sistema desportivo, nele se incluindo a tutela governamental e a administração pública desportiva que desta depende directamente, o dever de actuarem com a intenção essencial de melhorarem os níveis de acesso continuado dos cidadãos nacionais à prática do desporto em todas as faixas etárias e regiões e localidades nacionais.

Tem vindo a ser cada vez mais corrente o uso da denominação de políticas públicas quando se pretende referir a intervenção dos denominados poderes públicos, incluindo necessariamente os governamentais, em áreas de intervenção social.

O desporto não escapa necessariamente, portanto, a esta moderna concepção da intervenção pública, tanto mais quanto se conhece o papel determinante que o Estado/Governo detém na estruturação dos sistemas desportivos na Europa – o que aliás confere características particulares ao denominado “Modelo Europeu do Desporto” colocado em alternativa ao também apelidado “Modelo Norte-Americano do Desporto”.

Jenkins (1978), citado por Barrie Houlihan em “Sport, Policy and Politics: a comparative analysis” (1997), define política pública como “um conjunto de decisões inter-relacionadas adoptadas por um actor político ou grupo de actores relacionado com a selecção de objectivos e os meios de os alcançar no contexto de uma determinada situação em que estas decisões deveriam, em princípio, estar contidas no poder destes actores em as alcançar”.

Portanto, de acordo com esta definição de Jenkins, a política pública em geral, mas também quanto a nós a do e no domínio desportivo, pressupõe, em primeiro lugar, uma inter-relação de decisões, o que sugere que as políticas não são discretas mas constituem um conjunto ou sequência de decisões, obedecendo a critérios explícitos ou, no mínimo implícitos, de racionalidade.

Em segundo lugar, a referência aos actores políticos, enquanto intervenientes de primeiro plano, destaca a relação entre o poder dos actores e a sua influência na concepção e escolha das políticas, o que exalta a importância dos líderes e dos seus respectivos projectos e agendas.

Por último, esta definição de Jenkins indica claramente que a política pública é acerca do estabelecimento de objectivos e da sua concretização, sendo os respectivos meios apenas os instrumentos que estando ao serviço e determinados pelos objectivos permitirão passar da fase inicial de concepção para a da indispensável concretização.

As políticas públicas têm portanto um “ciclo político” que vai da concepção á concretização, num primeiro plano, e se finaliza pela respectiva avaliação que vai alimentar de novo o seguinte ciclo da política.

As políticas públicas desportivas podem também actuar aos diferentes níveis do sistema desportivo, desde o de base não competitivo até ao profissional e de alta competição.

Se nos concentrarmos na actuação ao nível do desporto de base, o “desenvolvimento desportivo” exprimir-se-á então, designadamente, pelo conjunto de acções e meios de aumento da prática desportiva regular equilibrada territorialmente, pela promoção da prática desportiva pelos estratos sócio-económicos etários mais excluídos habitualmente da mesma, pelo conjunto de infra-estruturas e organizações públicas, não-lucrativas e privadas que promovem actividades desportivas, pela melhoria da formação de técnicos e treinadores das modalidades, pelo aumento de educadores escolares ligados à prática desportiva.

Estas realizações de “desenvolvimento desportivo de base” serão executadas por estruturas organizativas específicas. Entre as quais se incluem as escolas dos diferentes níveis de ensino, os clubes desportivos, as autarquias locais e outros actores não-públicos, actuando preferencialmente segundo lógicas de parceria estratégica e de rede.

E fará todo o sentido que espacialmente, de acordo com a matriz de organização territorial, para prossecução de harmonia e coesão de desenvolvimento do sistema desportivo, se concretizem mecanismos de planeamento estratégico que enquadrem devidamente os objectivos das entidades parceiras e das redes. Só desta forma, o “desenvolvimento do desporto de base” obedecerá a lógicas de planeamento flexível, mas estratégico, direccionadas para o alcance de metas relevantes de “desenvolvimento desportivo territorial” – as quais podem e devem estar em linha com os “grandes objectivos estratégicos nacionais de desenvolvimento” definidos pela governação política do desporto.

Trata-se, por conseguinte, de fazer funcionar devidamente um processo de desenvolvimento planeado e estrategicamente enquadrado, participado pelos agentes relevantes actuando em redes de concretização, flexível e permanentemente ajustável, territorialmente delimitado e definido, e inserido nos objectivos nacionais de desenvolvimento que estarão consagrados numa estratégia superiormente definida pelas entidades de governação política do desporto nacional.

Mas uma estruturação do “desenvolvimento desportivo de base” como a descrita exige, desde logo, uma capacitação de “planeamento estratégico nacional” no vértice da governação política do desporto nacional. Desse vértice devem sair, depois de cuidada e profunda análise e diagnóstico da situação desportiva, as “grandes orientações estratégicas de desenvolvimento” deste desporto de base. O que implica que residam neste órgão de governação do sistema capacidades técnicas, conceptuais e analíticas, que permitam a concretização deste instrumento racionalizador por excelência da actividade política que denominamos de “grandes orientações” – mas que também pode adequadamente denominar-se como “estratégia de desenvolvimento”.

Um exercício deste teor deve considerar que a “Estratégia deve ser pensada como um padrão de propósitos, políticas, programas, acções, decisões, e/ou afectações de recursos que define o que [uma determinada] organização ou sector é, faz, e porquê o faz” (segundo John M. Bryson em "Strategic Planning for Public and Nonprofit Organizations", 1995).

Esta definição de Bryson implica a existência de uma “cadeia instrumental” que sustenta e consubstancia uma estratégia, e que vai dos propósitos (ou objectivos numa acepção lata) até à respectiva afectação de recursos às finalidades definidas política e programaticamente.

Trata-se, por conseguinte, de uma abordagem racionalista à estratégia, cuja principal virtualidade é a de definir as diferentes etapas ou fases que o processo estratégico deve compreender (é, por conseguinte, um entendimento de carácter prescritivo, inevitavelmente determinado pela perspectiva racionalista do processo de planeamento e que corresponde a uma das suas respectivas “escolas”).

Claro está que a estas “orientações ou estratégia de desenvolvimento” deve estar subjacente um horizonte temporal relativamente amplo, e em regra nunca inferior a cinco anos, podendo apontar-se para um horizonte desejável de duas legislaturas, oito anos portanto, período que coincide também com dois ciclos olímpicos e que assim faria corresponder o horizonte de planeamento com os denominados ciclos olímpicos desportivos.

Um tal horizonte temporal de enquadramento permite obviar às pressões imediatistas e de curto prazo que impedem alterações ambiciosas e continuadas de mais largo prazo e que apenas podem resultar de visões alargadas e amplas descortinadas em períodos mais longos. Só nestas condições poderá estar-se perante exercícios de “planeamento estratégico” que impliquem alterações substanciais das situações de partida (devidamente diagnosticadas e conhecidas até quantificadamente) e nas quais se envolvam ambiciosamente os respectivos líderes e agentes da mudança desejada/projectada – com os governamentais em plano de destaque, obrigatoriamente, em razão da matriz europeia do modelo desportivo atrás mencionada.

Como também muito avisadamente referia Benito Castejon Paz “Uma política desportiva só pode ter finalidades especificamente desportivas…”, porque o desporto deve ser entendido não apenas como uma função social, económica ou cultural, mas como ele também dizia “como um fim em si-mesmo”.

Ora, sendo a escolha dos objectivos o problema fundamental de todas as políticas, os “objectivos do desenvolvimento desportivo” devem centrar-se, por isso mesmo, fundamentalmente, no próprio desporto como finalidade humana, excluindo-se assim todas as restantes finalidades extra-desportivas (na categorização de Benito Paz).

Nenhuma política desportiva consequente e racional pode, por conseguinte, dispensar a prévia e ordenada definição de objectivos. Porque os objectivos clarificam e direccionam as vontades, fixam o quadro geral das ambições, guiam as acções individuais e colectivas, e justificam os meios ou recursos considerados como necessários e/ou imprescindíveis para as realizações/resultados almejados.

Para além de que é com base nestes mesmos objectivos, desmultiplicados obviamente num determinado conjunto de metas concretas, que será mensurável o grau e a adequação das realizações e se tornará possível a “prestação efectiva de contas” (a denominada “accountability” dos anglo-saxónicos) aos respectivos “interessados” (os “stakeholders” na denominação correntemente usada pelos mesmos anglo-saxónicos).

Tudo o que acabamos de dizer para “planeamento do desenvolvimento do nível de base do desporto” deve identicamente aplicar-se ao desporto de alta competição, designadamente ao que corresponde à preparação dos ciclos olímpicos. Por isso, é tão importante a avaliação dos resultados de cada ciclo na preparação dos novos e subsequentes ciclos como destacámos no nosso texto anterior (vide edição de 9 de Outubro p.p.).

No desporto, em razão da sua importância social, cultural e económica, que tem incidência colectiva nas localidades, regiões ou mesmo no todo nacional, surgem naturalmente envolvidos interessadamente nos resultados destas políticas públicas de promoção e desenvolvimento múltiplos actores e entidades.

A primeira destas é necessariamente o próprio Estado/Governo que tem papel determinante na concepção das próprias políticas e na provisão de meios e instrumentos da sua efectiva concretização. E entre nós, em Portugal, para além de tudo o que fica referido, ao Estado/Governo incumbem especiais deveres constitucionais relativamente à garantia de acesso dos cidadãos ao desporto – e respectiva prática, obviamente.

Por isso mesmo, seria de esperar um visível esforço e actividade de planeamento do desenvolvimento desportivo, ainda que de carácter eminentemente flexível e não centralizado, que permitisse conhecer os grandes objectivos e instrumentos de evolução do desporto num horizonte temporal relativamente amplo – nunca inferior a dois mandatos ou ciclos olímpicos, portanto a oito anos.

Só que esta expectativa surge óbvia e categoricamente desmentida pela realidade observável desde há longos anos, dado que nas últimas legislaturas (para aqui nos circunscrevermos apenas) nunca existiu sequer um esboço suficientemente articulado e participado neste sentido racionalizador e orientador. Esta inexistência concede ao poder político governamental quer uma discricionariedade de intervenção no desporto, por um lado, permitindo-lhe assumir quaisquer objectivos e acções independentemente da sua criteriosa justificação estratégica, quer uma constante actuação percebida como improvisada e incaracterística, por outro lado, dado não se tornar perceptível a sua inclusão sucessiva em determinado “quadro racionalizador” previamente conhecido.

Portanto, em Portugal as políticas públicas desportivas estão muito distantes dos pressupostos de racionalidade e do instrumental enquadrador ou de fundamentação a que poderiam, ou melhor e mais prescritivamente, deveriam estar submetidas. E também não existem instrumentos de apoio à concepção e fundamentação essenciais – como os estudos e análises circunstanciados e actualizados – à definição de objectivos, programas e metas do respectivo “desenvolvimento do desporto”.

José Pinto Correia,
Mestre em Gestão do Desporto







segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Os Campeões Mundiais de Futebol: os nossos queridos líderes futebolísticos

Estes “nossos líderes desportivos futebolísticos” (com muitas aspas, mesmo muitas…) são de facto insuperáveis.

Basta que um qualquer estrangeiro obviamente e muitíssimo materialmente interessado em candidaturas para um seu leilão diga sibilinamente uma atoarda (“seria uma grande candidatura a de Espanha e Portugal ao Mundial de Futebol de 2018”, Blatter dixit) para esses intrépidos dirigentes (e há-os praticamente perpétuos ou em vias de revalidarem mandatos) acorrerem em uníssono bradando para Portugal se aventurar em mais uma grandiosa empreitada futebolística em 2018.

O Senhor Blatter (o dono do Jogo dos muitos milhares de milhões de euros) até se rirá em surdina com tanta e tão pronta desenvoltura dos bombeiros lusos. Há sempre em Portugal, neste Portugal pequenino, uns chicos, Madaíl, Laurentino e sombriamente um Hermínio também, em “Estado” de prontidão para altas cavalgadas. “Estado” esse que bem visto somos todos nós obviamente – os perpétuos pagadores destas aventuras assombrosas.

Assim foi no EURO 2004 que agora se paga, depois de ter promovido o alento milionário dos cofres federativos e empresariais e ter dado ao desporto vários estádios inúteis e hoje continuamente despovoados de desporto e de gentes.

Estes são os estrategas da modernidade, os todos possidentes, grandes projectistas com os bolsos de todos os outros. Não conhecem, não querem conhecer Sun Tzu ou Clausewitz, os teóricos da estratégia nacional, esses chatos, porque estes nossos líderes de hoje são sobretudo fazedores e nada os impede de realizar. Nem lhes importa que Max Weber tenha considerado que o político por vocação tinha verdadeiro pensamento estratégico porque estava “possuído pela paixão pela sua causa, sentido de responsabilidade no que toca às consequências concretas das suas decisões, e rápida capacidade de avaliação das situações, aperfeiçoada pela coragem de olhar o perigo de frente, e mantendo uma serena distância perante as coisas e os homens”.

Para estes fazedores modernos é tudo para a frente, sempre a andar. Ser moderno é mesmo assim, imparável, e depois se verá o que resulta das cavalgadas se for ainda necessário ou alguém a tal obrigar. Entretanto, faz-se e outros pagam, porque benefícios são enormes e arranjam-se uns “contabilistas” para os demonstrarem aos incautos pagadores ainda antes dos factos (claro…!).

Crise? O que é a crise? Que importa e a quem importa a crise? E os desafios sociais e do desporto? A estratégia deve estar ao serviço de um projecto político de futuro?

Ora essa, se estes são os líderes a sua clarividência é indesmentível e não pode ser questionada.

Utilização imprópria da estratégia, má escolha, utilização ineficiente e ineficaz de recursos escassos? Ora essa, haverá melhor projecto para o desporto, mesmo para Portugal nesta Europa e Mundo globais, que um Campeonato Mundial de Futebol? Não é o futebol uma grande indústria em Portugal?

Claro que para estes “nossos queridos líderes”, grandes timoneiros da causa desporto-futebolística nacional, tão prestos a acorrerem ao desenvolvimento e enriquecimento português, nunca se poderia nem pensar como Ortega y Gasset que denominava de “homens-massa, a gente medíocre, venalmente satisfeita e incapaz de aceitar uma realidade que seja contrária aos seus caprichos de satisfação imediata” e que custam ou custariam muitos milhões e anos de impostos aos outros que compartilham o mesmo espaço nacional.

Porque contas à parte o que realmente interessa a estes nossos líderes futebolísticos é continuarem por muitos e bons anos a banquetearem-se na mesa grande da multidão que provê ao “Estado Majestade” – e se for até 2018 que seja o quanto antes melhor que a garantia seja prestada a bem dos venerandos e obrigados.

No caminho eles tratarão de se manter na ribalta, claro, porque a lei em vigor depois de bem escriturada a tal dificilmente obstará…!

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Pequim 2008 e o Ciclo Olímpico 2012-2016

Passamos a publicar o nosso texto editado hoje no Jornal "O Primeiro de Janeiro" sob o título acima indicado.

“Nunca se viveu tanto como quando se pensou muito”, Bernardo Soares “Livro do Desassossego (1ª Parte)

Os Jogos Olímpicos de Pequim foram segundo se disse nas instâncias governamentais e do dirigismo máximo olímpico os melhor preparados e mais bem financiados para assegurar a condigna presença competitiva do desporto nacional naquele mais relevante evento desportivo mundial.

O Comité Olímpico de Portugal assumiu um protagonismo único nessa preparação, beneficiou de e geriu um importante pacote financeiro negociado com o Governo e assumiu com este compromissos e objectivos que incluíam a obtenção de um certo número de medalhas olímpicas.

Os resultados da participação portuguesa são já conhecidos, sobre eles muito se tem dito e continuará provavelmente a dizer, e importa fazer deles uma séria e ponderada avaliação, submetida a critérios objectivos e rigorosos que incluam, nomeadamente, a autoavaliação das federações envolvidas, dos atletas e treinadores e dos dirigentes aos diferentes níveis da comitiva olímpica.

Claro que com o final de Pequim 2008 e do seu respectivo “Ciclo Olímpico” as “coisas olímpicas” começaram, obviamente, a mexer e agitaram-se as águas e alguns dos pretensos protagonistas da próxima eleição para o Comité Olímpico de Portugal (COP).

Desde logo veio para a ribalta mediática a manifestação pronta do Secretário de Estado do Desporto a pedir contas, melhor um relato devido e circunstanciado, da Missão Pequim 2008 ao COP – e a dizer com relevo que essa exigência já tinha dois meses de vida e que tinha sido transmitida em devido tempo ao próprio Comité. Isto já depois de o mesmo governante da tutela ter deixado entender que criticava condutas e declarações extemporâneas do Comandante Vicente Moura em Pequim, ainda com atletas em competição, e que haveria coisas para alterar para o futuro contrato de preparação do novo “Ciclo Olímpico”.

Antes mesmo destas “nuances”, era a primeira página do Expresso a lançar a parangona da “guerra Governo COP e a candidatura mediática da Rosa Mota”. Na sequência da qual esta ex-atleta olímpica lançava, já na rampa adequada (ainda que bem sentada), as primeiras farpas ao Comandante do COP (caído finalmente, ao que parece, em desgraça) e aos dirigentes federativos que usariam em fins “paralelos” as verbas para a preparação dos respectivos atletas – ainda que ela logo amenizasse como sendo apenas “um palpite” (imaginoso no mínimo, diga-se).

Entrementes, com Pequim ainda em curso, o COP aproveitou a boleia do Ministro da Presidência e da tutela do desporto sobre a intenção em continuar o “Programa para Londres 2012” e vai de entregar a nova proposta (tríplice) para o “Ciclo de 2012-2016”.

Portanto, esta nova proposta do COP surge sem se que se conhecessem os resultados alcançados em Pequim, e sem que sobre essa participação tivessem sido realizadas quaisquer análises e avaliação – sendo assim, por consequência, completamente independente dos resultados do “Ciclo Pequim 2008”.

Mas mais estranho ainda é o facto de no documento do COP, nas suas 19 páginas de extensão que compõem o referido “Projecto”, se verificar que sobre estratégia e desenvolvimento do desporto, da respectiva estruturação sistémica, da liderança, reorganização e gestão federativas, da renovação e redefinição dos processos de trabalho, da melhoria das condições de preparação dos treinadores e atletas, nada é dito.

Desse documento apenas continuam a constar (como no passado) as regras, muitas e muitas regras de inclusão e de exclusão das bolsas olímpicas, níveis e níveis de pagamentos, os vários estipêndios possíveis aos atletas e treinadores e imagine-se, apenas no final do documento, como “solução de cartola”, a constituição, sob a alçada da Comissão Executiva do COP como tinha de ser, de uma “Direcção do Programa Olímpico” profissionalizada e composta por 3 a 4 técnicos a recrutar especialmente e que vai fazer, além do mais, o acompanhamento do planeamento das federações e dos clubes (há também ainda um “Núcleo de Acompanhamento Médico” composto por 2 a 3 médicos para várias valências de apoio).

Portanto, sobre o conteúdo deste novíssimo “Programa de Preparação para 2012-2016”, é mais do mesmo, regras e regras e verbas para o que interessa, mas ainda assim mesmo com um aumento da verba total de 11% relativa à de Pequim 2008.

Não há neste documento e nesta proposta do COP, não poderia haver, e pelos vistos nem interessa fazer a avaliação sobre o que correu e como correu até Pequim e nos próprios Jogos.

Todo o novel “Projecto até 2016” é, assim mesmo, independente de qualquer exercício de reflexão quer sobre o sistema de alta competição que temos e o que queremos para Londres, quer também sobre os processos e resultados até e de Pequim 2008.

Para planeamento e organização de um "Projecto" desta envergadura e importância nacional e desportiva convenhamos que é indefensável e incaracterístico – já para não dizer incompetente.

Isto porque mandam os bons manuais de preparação de projectos que não se prepare um que seja continuação e renovação de outro que termina e tem idêntica natureza sem se fazer a devida e crítica avaliação do que se realizou entretanto – e como este já se concluiu sempre se pode, no caso em apreço, fazer a avaliação total quer do durante quer do pós-projecto.

É inaceitável, por isso, que se avance para um novo “Ciclo Olímpico” sem conhecer com exactidão o que se quer realizar com o nosso desporto de alta competição e sem que se conheçam os propósitos/objectivos que se pretendem atingir.

Porque os meios financeiros, o denominado envelope financeiro do “Projecto”, não podem ser transformados nos próprios fins – o que seria uma completa perversão de método de projectar e planear; pois que os recursos financeiros serão sempre apenas um instrumento de concretização de uma determinada estratégia e objectivos dela derivados.

No planeamento, num projecto de grande dimensão, os fins/objectivos/resultados são os determinantes da respectiva concepção e estruturação – nunca o são os recursos financeiros como acontece neste “Projecto 2012-2016” entregue de forma completamente extemporânea e insuficiente pelo COP ao Governo.

O Governo, e através dele todos nós portugueses que por ele somos representados constitucionalmente pelo menos, exigem mais do COP, e desde logo um Relatório substancial da participação em Pequim que inclua expressão a voz alta e em discurso directo de vários intervenientes – dirigentes federativos, atletas, treinadores, representantes de clubes desportivos de atletas olímpicos. E que detalhe e ilustre não apenas o que correu bem e conforme previsto, mas sobretudo o que correu menos bem e abaixo ou longe do que estava previsto. Este Relatório tem de ser um útil instrumento de trabalho e reflexão que permita fazer mais e diferente, facilitando escolhas e definição de novas prioridades organizativas e de acção para o novo “Ciclo de 2012-2016”.

O que agora se exige é, por isso mesmo, não apenas um dos habituais relambórios do COP avalizados pormenorizadamente pela respectiva Comissão Executiva, com muitos quadros e números para todos os gostos, mas um relato com substância que permita avaliar qualitativamente o que foi feito, o que foi melhor e novidade, as mudanças estruturais, organizativas e de gestão; mas que destaque também o que nesses mesmos termos da equação correu menos bem ou mal, e aponte, em conclusão e propositura, caminhos de melhoria, renovação, reorganização e reorientação – que permitam delinear estratégias e opções de trabalho num elevar do patamar de desenvolvimento desportivo de alta competição para 2012-2016.

Este Relatório deveria mesmo ter a participação activa de consultores de gestão e organização exteriores ao COP e às federações que validassem independentemente as respectivas conclusões e propostas – porque assim passaria a ser um útil instrumento de preparação do Projecto do novo "Ciclo de 2012-2016" quer para o Governo quer mesmo para as entidades federativas e clubes nele envolvidos.

Ao país, ao desporto de alta competição em Portugal, não interessam mais os mesmos arrazoados inócuos e majestosamente benevolentes dos dirigentes olímpicos. Nem muito menos os prontos cronistas/opinadores mediáticos de jornais afectos que se apressam desinteressada e independentemente (?) a fazer o “Balanço dos Jogos de Pequim” em 60 pequenas linhas condenando inefavelmente como “…vampiros, abutres e necrófagos sempre à espreita” quem se atreva a pôr em causa o magnífico e indiciado vital e relevante trabalho do COP antes e em Pequim; e até o do Governo que aqui passava também no exame por uma vez exemplarmente (vide “A Bola” de 28 de Agosto).

Melhorar implica e impõe, desde logo, outros processos de avaliação do trabalho – a começar pelo dos dirigentes de topo e da sua capacidade de liderança.

Os sistemas evoluem muitas vezes em ruptura com pessoas, processos, estruturas e exigem nesses processos de mudança que apareçam novos protagonistas, sobretudo quando os actuais se perpetuam há demasiado tempo nos órgãos cimeiros. E os líderes são quem está “ao leme e indica o sentido da navegação”, e para serem transformadores têm de ser capazes de protagonizar visões de desenvolvimento e estratégias que as concretizam, nunca se acomodando a situações pretensamente consensuais mas deterioradas.

Estas visões e estratégias corporizadas pelos líderes implicam muito trabalho de reflexão, prospectiva, discussão alargada e profunda – porque elas só se tornam eficazes se forem devidamente partilhadas e implementadas ao longo do seu horizonte temporal respectivo. A liderança trabalha sobre o sistema, enquanto que a gestão trabalha dentro do sistema. Por isso, a liderança tem de possuir uma visão clara do que quer fazer e uma vontade de criar a mudança, pois sem isso será fácil retirar-lhe o poder e reclamar da sua condução e acusá-la das insuficiências. Liderar exige poder, mas este tem de estar assente em relações de confiança e legitimidade permanente e inquestionável.

Não há também visão e estratégia sem a devida e indispensável implementação e esta depende das vontades, das motivações e das acções concretas dos diferentes actores relevantes – dirigentes, atletas, treinadores, nomeadamente.

Se existir vontade de criar mudança significativa nos resultados tem de existir mudança nas atitudes e comportamentos, nos métodos e nas técnicas, mas também, e sobretudo, nos modelos mentais que definem e percebem a realidade.

Como bem dizia Einstein “Os problemas significativos que nós enfrentamos não podem ser resolvidos pelo mesmo nível de pensamento que os criou”.

Para termos outros resultados, outra organização, outros modelos e estruturas desportivas, temos de fazer diferente do que estamos habituados a fazer. A evolução exige novos modos de pensar e agir, e muitas vezes novos protagonistas no topo das respectivas estruturas organizacionais e de poder.

Como muito bem refere Stephen Covey “Algo menos do que um compromisso consciente com o importante é um compromisso inconsciente com o não importante”. E o desporto de alta competição de Portugal exige de todos nós, e dos seus dirigentes de topo e do Governo em primeiro lugar, esse compromisso consciente com o que é importante efectivamente.


José Pinto Correia, Mestre em Gestão do Desporto


segunda-feira, 6 de outubro de 2008

As Políticas Desportivas Comparadas: Portugal vs. Reino Unido (III)

Aqui passamos a publicar o terceiro e último texto de uma trilogia sobre políticas desportivas comparadas editado no Jornal "O Primeiro de Janeiro" do passado dia 2 de Outubro.

Vamos apresentar hoje, em conclusão, a visão de desenvolvimento desportivo constante do documento “A Sporting Future for All” (Um Futuro Desportivo para Todos), que constituiu, como dissemos anteriormente, a primeira manifestação formal de política desportiva do partido trabalhista do Reino Unido, e foi publicado no ano 2000.

Passemos então a analisar, seguidamente, o conteúdo do referido documento britânico no que respeita à visão que presidia aquele novo instrumento de política desportiva. Esta visão estava depois devidamente detalhada para implementação num plano de acção que não é aqui, por vantagem simplificativa, objecto de referência – e ambos compunham a denominada estratégia de desenvolvimento do desporto no respectivo horizonte temporal de referência. Vejamos então:

A Visão
Esta visão, é uma das duas partes da estratégia sendo a outra o plano de acção que a concretiza, e apresenta-se subdividida nos seguintes cinco níveis:

Um primeiro nível desta visão respeitava ao “Desporto na Educação” onde se assume desde logo o objectivo de aumento da participação dos jovens. A educação física e o desporto são considerados como parte fundamental na educação dos jovens, não apenas pela participação mas também pela ajuda no desenvolvimento de valores importantes como a disciplina, o trabalho de equipa, a criatividade e a responsabilidade.

E embora exista uma tradição de as escolas Inglesas fornecerem educação física e desporto de alta qualidade, assume-se que nos últimos anos essa provisão tinha decaído em muitas delas. Por isso, se impunha uma reviravolta nesse estado de coisas, através de uma nova abordagem que criasse mudança sustentável e de longo prazo, apoiando os professores, os pais e os jovens.

A nova ambição era, assim, a de aumentar os padrões da educação física e do desporto escolar em todas as escolas permitindo-lhes alcançar os níveis das melhores delas. Para tal estava previsto um plano dividido em cinco partes com a ambição de dar um novo fôlego ao desporto escolar e que incluía:

Reconstrução das instalações desportivas escolares, através de uma nova iniciativa dotada de 150 milhões de libras para reconverter as piores instalações desportivas e artísticas escolares nas escolas primárias; ao mesmo tempo o Sport England afectaria 20% dos fundos da lotaria ao desporto juvenil para ser atribuído sobretudo às escolas; e seriam incentivadas as federações desportivas a investirem uma parte dos seus rendimentos provenientes dos direitos televisivos em instalações desportivas escolares;

Criação de 110 “Colégios Desportivos Especializados” em 2003, que corresponderiam a escolas secundárias com um foco especial na educação física e desporto, para liderarem a prática inovadora e trabalharem com escolas secundárias e primárias parceiras na partilha das boas práticas e no aumento dos padrões desportivos; trabalhariam também com a profissão da educação física para ajudar os professores a melhorarem a qualidade e a quantidade da educação física e do desporto em todas as escolas;

Extensão de oportunidades para além do dia escolar encorajando as escolas a prover um leque de actividades extra-escolares para todos os alunos independentemente da sua idade; previsão do dispêndio de 240 milhões de libras para apoiar as escolas a fornecer um leque destas actividades de aprendizagem extra, incluindo as de educação física e desporto;

Estabelecimento de 600 coordenadores de desporto escolar nas comunidades mais necessitadas, baseadas em grupos de escolas ligados pelas “Autoridades Locais Escolares” aos “Colégios Desportivos Especializados”; esses coordenadores fomentariam oportunidades de competição regular para os jovens num leque alargado de desportos, envolvendo nos três anos subsequentes 150 grupos de escolas que juntassem cerca de 600 escolas secundárias e 3000 escolas primárias;

Assegurar que os jovens mais talentosos dos 14 aos 18 anos tivessem acesso ao apoio de treino que os competidores de elite necessitam para serem campeões mundiais no futuro; criação de uma “Rede de Colégios Desportivos Especializados” explicitamente focados no desporto de elite.

Um segundo nível desta visão respeitava ao “Desporto na Comunidade” onde se destaca a perspectiva do fomento da participação desportiva ao longo da vida.

Considera-se que o desporto não acaba, por isso, no portão da escola, ele é a actividade de lazer mais popular – com mais de metade dos adultos a participarem semanalmente num leque alargado de actividades, desde as caminhadas ao hóquei, o futebol e natação. O desporto representava ainda 12 biliões de libras de despesas de consumo e empregava cerca de 420.000 pessoas.

Todavia, enuncia-se a existência de diferenças marcadas na participação entre homens e mulheres, grupos étnicos e nas diversas classes sociais – os profissionais qualificados participam mais que os trabalhadores não especializados e são em maior proporção membros de clubes desportivos, por exemplo.

O objectivo era, por isso, o de reduzir a desigualdade de acesso ao desporto ao longo dos próximos dez anos, investindo para tal nas instalações para o desporto de base e incentivando todos os envolvidos no desporto a concertarem esforços para darem oportunidades de prática aos actualmente dela excluídos. Seria também realizado um esforço para evitar o desmantelamento de campos desportivos existentes nas localidades e escolas, reforçando as “Orientações de Política de Planeamento sobre Desporto e Recreação”. E seriam feitos investimentos em diferentes tipos de instalações desportivas comunitárias, através de fundos provenientes da “Lotaria Nacional”, baseados numa auditoria de âmbito nacional que permitisse determinar quais os locais com maiores carências – este trabalho de avaliação foi, então, solicitado ao Sport England e à “Associação do Governo Local”.

Por outro lado, foi anunciado também um montante de 125 milhões de libras do “Fundo das Novas Oportunidades” para a criação de novos espaços verdes. E o Sport England investiria 75% do rendimento proveniente da “Lotaria” no desenvolvimento do desporto comunitário, por exemplo na construção de instalações de “indoor” para ténis, instalações multiusos, e no desenvolvimento de programas de treino para jovens em cidades do interior. Isto tudo constituiria uma melhoria massiva nas instalações desportivas significando entre 1.5 e 2 biliões de libras dispendidas ao longo dos próximos dez anos no desporto comunitário, especialmente nas zonas mais carenciadas do país.

Ao mesmo tempo, esperava-se que os desportos com significativos rendimentos de direitos de transmissão tivessem uma especial responsabilidade neste desenvolvimento desportivo e dedicassem pelo menos 5% desse rendimento, mesmo 10% a médio prazo, às instalações do desporto de base. Sempre que possível este novo investimento nas instalações do desporto de base deveriam ser direccionados para as escolas, melhorando essas infra-estruturas e aprofundando o compromisso do Governo de colocar as escolas no coração da vida comunitária.

Considerava-se que o trabalho de inclusão social estava bem para além das instalações e implicaria a acção conjunta das autoridades locais, das federações desportivas e das organizações financiadoras – pois sabia-se que o desporto constituía um dos melhores mecanismos de quebra de barreiras sociais. As autoridades locais teriam o seu destacado papel na promoção destas oportunidades de acesso e inclusão, usando cada vez mais os respectivos “Agentes de Desenvolvimento Desportivo”.

Também se exigiria uma estrutura de clubes mais profissional que complementasse devidamente o papel das escolas – sendo reconhecido o elevado número e a tradicional predominância dos clubes amadores baseados em voluntários –, pois os clubes são um elo vital entre as escolas e a competição de alto nível. Queria-se, por isso, desenvolver com apoio das federações desportivas e das autoridades locais uma mais eficaz estrutura de clubes, incentivando os clubes com potencial para desenvolverem várias equipas que oferecessem oportunidades para progresso para níveis mais elevados de competição, bem como a promoverem a gestão profissional de todas as suas actividades.

Ao longo dos próximos dez anos queria-se, por conseguinte, transformar o panorama do desporto de base do país – o qual era considerado um meio insubstituível para aumentar a participação e de melhorar a respectiva competitividade internacional.

Um terceiro nível desta visão respeitava à “Excelência no Desporto” onde se destaca o desenvolvimento do(s) talento(s).

Reconhecia-se que o país tinha alguns dos melhores desportistas mundiais e que os mesmos têm níveis de desempenho internacional apreciáveis. Mas também se reconhecia o desapontamento com os resultados alcançados nos Jogos Olímpicos de Atlanta 1996, no rugby, cricket e no Campeonato do Mundo de Futebol.

Assumia-se que a inconsistência dos resultados derivava da falta de gestão e planeamento para o sucesso futuro e que alguns dos muito bons resultados individuais alcançados eram devidos ao acaso e boa vontade ou à união ocasional de atletas e treinadores excepcionais. Por isso, o país teria de aprender com as nações concorrentes e ter um sistema mais profissional para o desenvolvimento de talento(s) e de apoio à excelência. Algumas federações desportivas já tinham desenvolvido esses sistemas, pelo que havia que tentar generalizá-los e apostar no alargamento da base de participação desportiva.

O sistema deveria apoiar os jovens talentosos em cada passo do seu percurso com a ajuda de bons treinadores que identificassem esse potencial e desenvolvessem o respectivo talento. Assumia-se ter sido esse o caminho que seguiram as nações bem sucedidas desportivamente, pelo que seria pedido a todas as federações desportivas que criassem um plano de desenvolvimento de talento(s) onde se identificassem os caminhos desde o nível de base até ao de competição internacional dos seus desportos, sem esquecer os desportistas portadores de deficiência.

Por outra parte, os “Colégios Desportivos Especializados” teriam um papel chave e trabalhando com as federações nacionais identificariam os jovens de 14 anos mais talentosos oferendo-lhes condições de prática, de treino de topo e de tutoria desportiva nesses Colégios. Estes serviriam também para alcançar novos talentos oriundos de grupos tradicionalmente sub-representados no desporto, incluindo minorias étnicas e os provenientes de estratos socioeconómicos desfavorecidos, ao mesmo tempo que estariam ligados à “Rede Nacional de Centros do Instituto do Desporto do Reino Unido” que tinha um “Programa de Classe Mundial” de fomento do desporto de alta competição.

As Federações Desportivas Nacionais definiriam, por seu turno, mais estritamente as suas metas para os respectivos atletas individuais e equipas de modo a serem consideradas nas negociações dos respectivos planos de financiamento pelos “Conselhos Desportivos Nacionais” (“Sports Councils”).

Afirmava-se ainda que esta estratégia para a excelência não apresentaria resultados da noite para o dia; e que uma estratégia de desenvolvimento de talento(s) bem sucedida só daria dividendos a médio prazo, pelo que o seu teste efectivo seria o seu desempenho em 2010 e não já em 2002.

Um quarto nível desta visão respeitava à “Modernização” onde se destacava como subtítulo “A Parceria com o Desporto”.

Afirmava-se que da experiência de outros países resultava que a organização profissional e a administração moderna que sustenta todo o desporto, desde as escolas primárias até ao nível de elite, favorecia e aumentava a possibilidade de sucesso internacional. Por isso, era necessário um repensar radical do modo como se financiava e organizava o desporto – repensar esse que a estratégia agora definida promoveria.

Por conseguinte, seria estimulada uma parceria modernizadora com as federações desportivas nacionais, com o sector público a continuar a apoiar o desporto e as suas fundações como tinha vindo a ser feito, mas dando aquelas federações uma maior intervenção no modo como esses mesmos fundos seriam gastos com as condições seguintes:

Que os desportos bem sucedidos comercialmente também contribuíssem para o investimento nas instalações para o desporto de base em escolas e instalações locais, desenvolvimento de clubes e desenvolvimento de treinadores (5% dos rendimentos de direitos televisivos no imediato, mas com evolução até 10% no médio prazo);

Que todas as federações desportivas concordassem em fixar e assumir determinadas metas para o desenvolvimento dos seus respectivos desportos.

Estas parcerias seriam usadas para modernizar e profissionalizar o modo como o desporto era dirigido e os poderes seriam devolvidos às federações desportivas sempre que elas possuíssem estratégias claras para a participação e a excelência no seu desporto, e se comprometessem a colocar a inclusão social e a igualdade de oportunidades no centro das suas actividades (políticas inclusivas, por conseguinte). Em troca da maior intervenção no uso dos recursos públicos as federações deveriam operar num novo ambiente e procurar atingir metas desafiadoras quanto a:

Desenvolverem o desporto nas escolas e na comunidade, especialmente nas áreas desfavorecidas;

Fornecerem treinadores com adequada formação para apoiarem os professores nas escolas primárias e secundárias;

Melhorarem as oportunidades de prática para as minorias étnicas e pessoas com deficiência e para as raparigas e mulheres participarem, liderarem, treinarem e arbitrarem;

Terem bons planos de desenvolvimento de talento(s) para permitirem aqueles que o desejassem e tivessem capacidades chegarem aos mais elevados níveis de competição desportiva;

Terem uma robusta gestão, planeamento e monitoria de todas as suas actividades.

O princípio era, portanto, simples e os desportos que demonstrassem essas metas e uma boa estratégia para o desenvolvimento do seu desporto desde a base até ao mais alto nível, ganhariam mais responsabilidade no uso dos respectivos fundos.

Todas estas mudanças implicariam também um novo papel para o Sport England, tornando-o mais estratégico e concentrado em prioridades gerais e programas para o desporto em cooperação com o “DCMS – Department for Culture, Media and Sport” (Departamento para Cultura, Media e Desporto) que na estrutura do Governo tinha a tutela do desporto. O Sport England apoiaria, por isso, as federações desportivas a desenvolverem competências profissionais e sistemas modernos e a ligar o financiamento futuro aos progressos desportivos de aumento da participação e dos resultados no alto nível de competição.

Um quinto e último nível desta visão respeitava à “Implementação” a qual procurava definir uma “Parceria para a Mudança.

Esta implementação, a qual é depois detalhada no respectivo “Plano de Acção” que completa o documento, exigiria a assunção da agenda comum por todos os envolvidos na organização e gestão do desporto no país. Mas mais, é dito que a eficácia desse “Plano de Acção” dependeria, sobretudo, de uma melhor gestão e coordenação de todos os que são convidados a concretizá-lo: governos locais, federações desportivas nacionais, os profissionais da educação física, os Conselhos Desportivos.

E também se afirma, mesmo no final, que todos quantos se interessam pelo desporto têm um papel a desempenhar neste criar de um melhor “futuro desportivo para todos”.


Esta visão que integrava a respectiva estratégia de desenvolvimento desportivo para o Reino Unido oficialmente assumida pelo Governo trabalhista em 2000 permite-nos agora, por simples método comparativo, reafirmar a inexistência de quadros de referência desta natureza em Portugal desde há muitos anos.

Por isso, as políticas desportivas entre nós optam, normalmente, por grandes projectos jurídicos habitualmente envoltos em grandiloquentes leis de bases e respectivas regulamentações, ao mesmo tempo que coexistem com inúmeros improvisos e acções avulsas insusceptíveis de escrutínio e avaliação, porque não assumidos previamente em documentos orientadores como o que acabámos de descrever ao longo destes nossos três textos.

José Pinto Correia, Mestre em Gestão do Desporto