quinta-feira, 27 de novembro de 2008

“Falta um programa para a gestão do desporto em Portugal”

Publicamos em seguida o nosso texto de opinião editado hoje no Jornal "O Primeiro de Janeiro" com o título indicado.

O desporto é tradicionalmente na Europa e também em Portugal uma actividade que se caracterizou por se basear em estruturas organizativas de cariz voluntário e onde, portanto, não tem existido habitualmente uma base racional, organizacional e gestionária de cariz lucrativo.

Por isso, as organizações desportivas mais importantes e nas quais se baseou o desenvolvimento do desporto competitivo, designadamente as federações desportivas, assentam tradicionalmente em lideranças e estruturas de gestão voluntárias que pouco têm a ver com os modelos e instrumentos habitualmente utilizados na gestão das empresas ou das organizações lucrativas.

Só que o desporto de competição tem tido uma evolução muito rápida e cada dia mais exigente, sendo-lhe necessário mudar quadros de funcionamento e modelos de organização e governação para acompanhar as novas e mais frequentes exigências dos organismos estatais financiadores, dos patrocinadores e de todo um diverso conjunto de outras entidades e interessados nas respectivas actividades e resultados desportivos.

As federações desportivas organizam e gerem desportos cada vez mais sujeitos a actores económicos e mediáticos, envolvendo mais e maiores recursos económico-financeiros, profissionalização de atletas e de competições desportivas, tudo estruturado numa nova e mais valiosa cadeia de valor que implica maior complexidade organizacional e de gestão.

Será que as nossas federações desportivas têm podido acompanhar esta sofisticação económica da actividade desportiva com uma idêntica preparação das suas capacidades organizacionais e de gestão que lhes permitam prestar melhores serviços e dar ao desporto que governam o consequente maior valor económico e social?

Têm o Governo e o movimento associativo federado demonstrado preocupação e iniciativa em mudar o nível da respectiva gestão desportiva, de modo a melhorarem o seu desempenho organizacional e desportivo?

O que é verdadeiramente espantoso neste nosso “mundo desportivo” em Portugal é constatar ano após ano que nem o Governo através da Secretaria de Estado do Desporto, nem o seu Instituto do Desporto de Portugal (IDP) com um académico presentemente a dirigi-lo, nem o movimento federativo como o Comité Olímpico de Portugal (COP) agora inequivocamente à cabeça, se interessam minimamente pela gestão do desporto e pela sua melhoria em Portugal.

Não houve, por isso, e tal é prova mais que suficiente da falta de interesse e completa omissão daquelas entidades que governam os destinos do nosso desporto federado, em todos estes anos recentes, qualquer tentativa de impulsionar o nível da gestão praticada no nosso desporto.

Ninguém nestas organizações de topo do nosso sistema desportivo se lembrou de lançar um “programa de modernização das federações” que tivesse o apoio científico e académico da gestão como é frequente constatar em outros países (exemplos do Reino Unido, da Austrália e da Nova Zelândia, para só referir estes).

E é esclarecedor, “a contrario senso”, o facto de o actual Presidente do IDP, o doutor Luís Sardinha, se ter lembrado de impulsionar um programa com várias instituições universitárias envolvidas entre as quais a de que ele mesmo é professor catedrático, que tem a ver com os seus interesses académicos e científicos (diagnosticar a capacidade dos jovens para praticarem actividade física) e que não vai trazer nada de novo ao modo como é gerido e avaliado no seu desempenho desportivo nacional e internacional o nosso desporto competitivo federado.

E as federações e o Comité Olímpico não exigem porquê um “programa de apoio e formação em gestão” que possa ser mobilizador de novos métodos de organização e processos de gestão e do aparecimento de jovens quadros academicamente preparados no domínio da própria gestão do desporto? Será que a melhoria da gestão das organizações desportivas é assim tão despicienda e descartável?

Porque não exigem as federações e o Comité Olímpico um programa desta natureza com apoio financeiro público do Governo que apele para as capacidades académicas e científicas já existentes em Portugal e outras eventualmente também disponíveis e igualmente relevantes?

Será que tanto o Governo como os dirigentes federativos e o do Comité Olímpico estão completamente desinteressados da evolução da gestão desportiva nacional e apenas se preocupam em garantir novas instalações e mais recursos financeiros para serem usados e geridos como até aqui como os mesmos níveis de gestão e avaliação?

Os sistemas desportivos, como qualquer outro sistema, evoluem através da adopção de outros modelos de organização e gestão, caracterizados por novos padrões de exigência mas também pela melhoria da formação dos respectivos recursos humanos.

O capital humano nas organizações, como tem vindo a ser cada vez mais intensamente reconhecido pelos investigadores e teóricos das organizações, é considerado actualmente o único factor insubstituível e o que maiores potencialidades de mudança e desenvolvimento fornece, sobretudo aquelas organizações que cada vez mais intensamente estão submetidas à competição internacional como é indiscutivelmente o caso das federações desportivas.

O desporto em Portugal há-de certamente merecer e querer “mais e melhor gestão das organizações desportivas” e para o conseguir tem de ter programas de formação em gestão desportiva que saibam reconhecer as principais insuficiências e ultrapassá-las com acção determinada.

É tempo de Portugal investir na formação em gestão desportiva, mobilizando recursos públicos num programa específico que permita melhorar o nível da gestão das nossas federações desportivas, à semelhança do que fazem outros países que depois demonstram internacionalmente com resultados desportivos esse nível gestionário que construíram. E o QREN 2007-2012 poderia e deveria ser um adequado meio de promover este tipo de iniciativa que teria efeitos multiplicadores no desporto federado, agora que se anunciam em diversos municípios várias infra-estruturas novas para promoção do desporto de alta competição.

Ou será que vamos continuar como até “ontem” a querer melhores resultados desportivos a nível internacional independentemente da base de conhecimento da gestão organizacional das nossas instituições federativas…?

José Pinto Correia, Mestre em Gestão do Desporto

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Os Três Actuais Exercícios do Desporto (até final de 2008)

Passamos a publicar o nosso texto editado hoje no Jornal "O Primeiro de Janeiro" e que é uma nova versão mais comleta e aprofundada de um anterior post inscrito neste nosso BLOG.
O nosso desporto de competição, melhor o nosso sistema desportivo federado, está confrontado neste momento e até final de 2008 com três importantes exercícios que podem ajudar a definir o sentido da sua evolução e futuro de médio prazo. Porque qualquer um daqueles exercícios trará consequências e instrumentos importantes para a estrutura organizativa e os objectivos do sistema desportivo federado num horizonte temporal que, no mínimo, atingirá o próximo “ciclo olímpico de Londres 2012”.

Vejamos então quais são esses exercícios, em que plano eles se colocam e que elementos fundamentais contêm para a afirmação e estruturação do desporto federado nacional.

O primeiro exercício diz respeito ao “Estatuto Jurídico das Federações Desportivas”. Neste “Estatuto”, que como se sabe já foi finalmente aprovado em recente reunião do Conselho de Ministros, importa saber e verificar em que medida foram desenvolvidas e arquitectadas as competências e as funções das Federações, na medida em que para qualquer federação desportiva, como refere a teoria sistémica das organizações, as respectivas funções serão componentes fundamentais da concretização da sua missão. Ou seja, as funções das federações dão significado pleno à sua razão de existência no seio do sistema desportivo nacional.

Porque, por outro lado, é também destas funções, mais do que da enormemente propalada redefinição e recomposição dos poderes de representação interna nas Assembleias Gerais que apenas interessa à manutenção da actual matriz de governação politizada das federações em Portugal (e que tem andado nas “bocas do mundo desportivo e jornalístico”), que resultarão as efectivas mudanças qualitativas e substanciais no desenvolvimento do desporto federado.

Importa, por conseguinte, saber na “arquitectura funcional das federações” que novos processos e métodos de gestão e organização, que outros modelos de financiamento, qual o grau de profissionalização da gestão versus o do dirigismo voluntário tradicional, que sistemas de informação e de reporte de actividades, quais os métodos e modelos de recolha de dados estatísticos, os preceitos de enquadramento da negociação de patrocínios e parcerias estratégicas, os modelos de formação de agentes desportivos e a relação preferencial do sistema de desporto federado com o do desporto escolar, que foram efectivamente inseridos e considerados no diploma legal e estiveram, por conseguinte, presentes no diagnóstico do sistema federativo feito governamentalmente e que, assim, motivaram o seu desejado caminho evolutivo no pressuposto estratégico de que Portugal quer e merece melhor nível no seu desporto federado.

Sobre tudo isto veremos quando da publicação do respectivo “Estatuto Jurídico das Federações Desportivas” e ajuizaremos da sua efectiva consonância com a concepção de que a evolução de um sistema depende primariamente do nível de funcionamento e da qualidade e grau de sofisticação da gestão e organização das suas instituições fundamentais, no caso, as respectivas federações desportivas.

Um segundo exercício tem a ver com o conteúdo e conclusões do Relatório do Comité Olímpico de Portugal sobre Pequim 2008 e o respectivo ciclo de financiamento e gestão desportiva (que se anuncia para final do mês de Novembro) e que será remetido subsequentemente ao Governo, como foi por este expressamente requerido.

Importa saber em que medida esse Relatório vai incluir a avaliação das inovações organizacionais, dos novos métodos de preparação de treinadores e atletas, da consonância entre os planos das federações e os respectivos meios de financiamento e resultados alcançados, a análise dos desvios entre o projectado e o realizado, dos níveis de sucesso obtidos com novos instrumentos e métodos de gestão e preparação, e, no final, qual a projecção de todos estes factores para a preparação e programação do novo “ciclo olímpico de 2012” (Jogos Olímpicos de Londres).

Trata-se de verificar, neste caso, em que medida se constrói (ou melhor constrói o Comité Olímpico de Portugal) um instrumento que possa ser de utilidade substantiva para a nova programação e negociação de um “plano de preparação olímpica para o ciclo olímpico de 2012” que possa conter as bases de uma estratégia de afirmação competitiva internacional do nosso desporto de alta competição que se irá apresentar nos Jogos Olímpicos de Londres 2012.

O terceiro exercício relaciona-se estreitamente ao anterior e diz respeito ao modo como o Governo vai conduzir a negociação de um novo “programa de financiamento do ciclo olímpico de 2012”. Sobretudo importa saber em que medida e grau de sofisticação tem o Governo um projecto para a nossa participação olímpica em 2012. E se tiver esse projecto, para ficarmos a conhecer devida e detalhadamente quais as suas linhas estratégicas fundamentais que possibilitem justificar o pacote financeiro que o mesmo Governo estiver disponível para afectar. Para que nesta negociação de apoio a um programa de preparação não possam ficar dúvidas sobre a política pública desportiva de alta competição e ela possa, depois, em 2012 ser devidamente avaliada na concretização efectiva dos respectivos objectivos previamente estabelecidos.

Só deste modo se poderá dizer, portanto, que o novo ciclo olímpico de 2012 corresponderá não apenas a um projecto do Comité Olímpico de Portugal mas também, e indispensavelmente, a um projecto nacional que o Governo em funções tem para o desporto de alta competição português para os próximos quatro anos (pelo menos).
Vamos ver se assim será ou não. Se há ou não um projecto nacional para a participação nos Jogos Olímpicos de Londres em 2012, evitando-se a repetição futura, provavelmente com outros intérpretes, dos jogos florais que temos visto nos últimos meses sobre o ciclo de Pequim 2008, em que mais parece que quem contratou não assumiu nenhum compromisso ou projecto (com objectivos quantificados incluídos, claro, como é inevitável em qualquer um daqueles).

Destes três exercícios, que aqui sinteticamente apresentámos, da forma como forem resolvidos e dos seus consequentes resultados essenciais, decorrerá muito do que poderá vir a ser a evolução do sistema desportivo federado em Portugal quando se completar um novo ciclo olímpico com a participação nacional nos Jogos Olímpicos de Londres de 2012.

José Pinto Correia, Mestre em Gestão do Desporto

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Análise Económica de Eventos Desportivos (III)

Aqui publicamos a última parte do nosso texto sob o título acima que foi editado ontem no Jornal "O Primeiro de Janeiro".
No Reino Unido têm havido várias cidades que adoptaram estratégias económicas baseadas na atracção de grandes eventos desportivos, considerando-os como catalisadores para estimularem a própria regeneração económica dessas cidades. Estão neste caso cidades como Sheffield, Glasgow e Birmingham – que ficaram conhecidas pela designação de “Cidades Nacionais do Desporto” (“National Cities of Sport”).

Portanto, parte-se nestes casos da consideração essencial de que o desporto e os seus grandes eventos podem ser um instrumento de regeneração económica e urbana das cidades que neles baseiam parte assinalável da sua própria estratégia de desenvolvimento económico.

Isto também significa que o negócio dos eventos desportivos tem vindo a ser considerado no Reino Unido como uma “indústria” significativa e que o país se considera cada vez mais como detentor de uma “vantagem competitiva” sobre muitas outras nações, quer na competência e experiência em hospedar e realizar esses eventos internacionais quer no estudo profundo das respectivas incidências económicas deles resultantes.

Estas ideias mereceram o consequente acolhimento na definição para a estratégia de desenvolvimento do desporto nos próximos 20 anos, inscrita no “Game Plan de 2002”, e que permitiu o consenso nacional e a enorme capacidade de marketing desenvolvida em torno da candidatura de Londres aos Jogos Olímpicos de 2012, a qual foi, como se sabe, vitoriosa, contrariando as expectativas existentes à partida para a votação final de Singapura em 2005.

Mas a todos estes elementos trabalhados pelo UKSport que vimos analisando é agora importante adicionar as principais considerações e elementos constantes do próprio “Game Plan de 2002” no que concerne aos denominados “mega-eventos desportivos”, dado tratar-se do documento fundamentador da estratégia de desenvolvimento desportivo do Reino Unido até 2020.

Desde logo, e embora o país tenha considerado na sua política desportiva a realização de eventos dessa dimensão, o documento refere explicitamente que (tradução nossa) “Nós concluímos que as evidências quantificáveis que suportam cada um dos benefícios percebidos para os mega-eventos é fraca. Os custos explícitos de hospedar um mega-evento deveriam ser cuidadosamente pesados contra os benefícios percebidos quando uma candidatura está a ser considerada, especialmente dados os riscos associados. A mensagem não é: ´não invistam em mega-eventos´; ela é antes: ´tenham a certeza que eles não sejam celebração mais do que retornos económicos´”.

Quanto a estes mega-eventos são colocadas três importantes questões que permitem esclarecer efectivamente os seus impactos e benefícios. São elas, respectivamente:

Será que os investimentos em infra-estruturas geram benefícios contínuos para as populações e as indústrias locais?

Será que estes investimentos atraem novos visitantes e/ou novas indústrias?

Será que as competências criadas através da preparação para e na hospedagem do evento dão ao local de realização uma vantagem competitiva continuada?

Quanto aos efeitos de regeneração das áreas de hospedagem dos referidos eventos que são um primeiro elemento de resposta à primeira questão, o documento esclarece que “Não há dúvida que alguma regeneração tem lugar. Contudo, existe pouca evidência estatística ou económica que sugira que esses impactos de regeneração sejam significativos na prática”. Aliás, a maioria dos estudos realizados foram anteriores à realização dos eventos ou pouco tempo após essa mesma realização, o que não permite alicerçar conclusões significativas. Para além de se poder dizer que se esses efeitos regeneradores eram importantes eles sempre seriam realizados independentemente do evento; e também que em muitos casos os recursos usados pelo evento para esse efeito poderiam ser realizados isoladamente de forma mais eficiente e económica (“o caso do segundo melhor” de Samuelson, portanto).

Quanto aos denominados “legados olímpicos” sempre se tem vindo a constatar que muitos dos estádios e instalações construídos para esses eventos têm fraca utilização posterior ou mesmo significativa subutilização (exemplos de Sydney e Atenas e também de vários estádios do EURO 2004 em Portugal), e no caso dos Jogos de Londres 2012 este “legado olímpico” tem estado na primeira linha das preocupações e decisões.

Quanto aos efeitos de turismo e de imagem, o documento clarifica referindo que “No conjunto, com a excepção de Sydney e Adelaide, todos os mercados hoteleiros na Austrália verificaram uma diminuição da ocupação em Setembro de 2000 relativamente a Setembro de 1999 apesar dos Jogos Olímpicos…”.

Finalmente, quanto aos benefícios económicos globais o documento afirma nomeadamente que os estudos de impacto podem ser problemáticos: “Não apenas os resultados de muitos estudos de impactos económicos são mal interpretados…para suportarem…crenças de políticas, mas os resultados são muitas vezes mal calculados pelos economistas, algumas vezes deliberadamente para agradarem aos patrocinadores do projecto de investigação, outras vezes sem intenção, sendo que o número de insuficiências na estimativa dos benefícios líquidos de um investimento público são numerosas”. Nestes casos estão particularmente em destaque os denominados multiplicadores e o seu valor e significado, a definição da área relevante dos impactos e a própria inflação considerada na actualização/capitalização dos valores[i].

Um outro conjunto de questões relevantes é o que concerne às relações entre o evento, a participação no desporto e o nível nacional de competição. Isto é, quais as relações entre a realização destes mega-eventos e o aumento de praticantes desportivos, por um lado, e o nível competitivo do país organizador nas diferentes modalidades desportivas. Portanto, qual a incidência destes eventos no denominado “nível desportivo” do país hospedeiro (usando a terminologia e o modelo de Castejon Paz, 1973, reafirmado por Gustavo Pires, 2005)?

Quanto à primeira relação o “Game Plan” afirma que “A evidência disponível também sugere que não existe ligação automática entre os níveis elevados de participação e o sucesso internacional… O Reino Unido tem um baixo nível de participação e um alto ranking internacional (usando o “Índice Desportivo do UKSport”). Comparado com o caso da Finlândia, em que existe um muito alto nível de participação, mas com um baixo ranking internacional. Os EUA têm um alto ranking internacional, mas relativamente baixas taxas de participação”.

No que concerne à possibilidade de correlação positiva entre os mega-eventos e o nível competitivo dos países organizadores verificaram-se contradições entre os casos da Espanha após 1992 e a Coreia após 1988 que diminuíram o seu nível competitivo após os seus Jogos, enquanto nos casos da Austrália e dos EUA se têm mantido níveis muito elevados mesmo após a realização dos Jogos de Sydney e de Atlanta, respectivamente.

Em conclusão, nestes aspectos, o que o documento afirma é o seguinte:

O sucesso internacional não conduz, por si próprio, a um aumento da participação massificada ou ao seu contrário;

Hospedar eventos não conduz necessariamente a níveis sustentáveis de sucesso internacional;

Hospedar eventos não conduz necessariamente a aumentos na participação massificada.

Por todas estas razões o “Game Plan” recomenda uma muito mais profissionalizada apreciação das candidaturas e um empenhamento activo e rigoroso das autoridades governamentais, dado que são elas em muitos casos os principais financiadores desses mesmos eventos e têm a obrigação de dar conta do emprego dos recursos públicos que são ganhos e pertença da sociedade britânica.

Esta última conclusão tem muito importante aplicação a Portugal onde os apoios públicos à realização de grandes eventos desportivos carece habitualmente dessas apreciações rigorosas sobre o efectivo retorno e rendibilidade dos recursos assim afectos, o que em muitas situações acarreta óbvias ineficiências e desperdício de meios que são, por sua própria natureza, sempre escassos e susceptíveis de outras aplicações.

Pois neste domínio dos eventos desportivos, como muito apropriadamente refere J. Martins Barata (em “Elaboração e Avaliação de Projectos, Editora Celta, 2004, pág. 211), “A avaliação social de um projecto, programa ou política económica, implica a quantificação dos benefícios e custos que acrescem aos diferentes agentes da economia nacional. Por outro lado, tanto a quantificação como o que se deve considerar benefício ou custo, pressupõe que se identifiquem quais as finalidades que se consideram ser prosseguidas pela sociedade e quais as relações que existem entre essas finalidades e os conceitos da análise económica”.

A política pública desportiva de promoção e apoio aos eventos desportivos deve, assim, ser inequívoca e indispensavelmente fundamentada na consequente análise económica; e neste particular comparando com o que acima se referiu relativamente ao Reino Unido (a experiência do UKSport desde 1997) está praticamente tudo ainda por fazer em Portugal.
José Pinto Correia, Mestre em Gestão do Desporto

[i] Ver a este respeito a Tese de Mestrado de J. Pinto Correia “Análise Económica de Eventos Desportivos. O caso dos Jogos Olímpicos”, Faculdade de Motricidade Humana (Fevereiro de 2006).

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Os Três Actuais Exercícios do Desporto (até final de 2008)


O nosso desporto de competição, melhor o nosso sistema desportivo federado, está confrontado neste momento e até final de 2008 com três importantes exercícios que podem ajudar a definir o sentido da sua evolução e futuro de médio prazo.

O primeiro exercício diz respeito ao Estatuto Jurídico das Federações Desportivas. Nele, que já foi aprovado em recente Conselho de Ministros, importa saber e verificar em que medida foram desenvolvidas e arquitectadas as competências e as funções das Federações.

Porque é destas, mais do que da enormemente propalada redefinição e recomposição dos poderes de representação interna nas Assembleias Gerais que apenas interessa à manutenção da actual matriz de governação politizada das federações em Portugal, que resultarão as mudanças qualitativas e substanciais no desenvolvimento do desporto federado.

Importa, por conseguinte, saber que novos processos e métodos de gestão e organização, que outros modelos de financiamento, qual o grau de profissionalização da gestão versus o do dirigismo voluntário tradicional, que sistemas de informação e de reporte de actividades, quais os métodos e modelos de recolha de dados estatísticos, os preceitos de enquadramento da negociação de patrocínios e parcerias estratégicas, os modelos de formação de agentes desportivos e a relação preferencial do sistema de desporto federado com o do desporto escolar, que foram efectivamente inseridos e considerados no diploma legal e estiveram, por conseguinte, presentes no diagnóstico do sistema federativo feito governamentalmente e que, assim, motivaram o seu desejado caminho evolutivo no pressuposto estratégico de que Portugal quer e merece melhor nível no seu desporto federado.

Sobre tudo isto veremos quando da publicação do respectivo diploma legal e ajuizaremos da sua efectiva consonância com a concepção de que a evolução de um sistema depende primariamente do nível de funcionamento e da qualidade e grau de sofisticação da gestão e organização das suas instituições fundamentais, no caso, as respectivas federações desportivas.

Um segundo exercício tem a ver com o conteúdo e conclusões do Relatório do Comité Olímpico de Portugal sobre Pequim 2008 e o respectivo ciclo de financiamento e gestão desportiva (que se anuncia para final do mês de Novembro).

Importa saber em que medida esse Relatório vai incluir a avaliação das inovações organizacionais, dos novos métodos de preparação de treinadores e atletas, da consonância entre os planos das federações e os respectivos meios de financiamento e resultados alcançados, a análise dos desvios entre o projectado e o realizado, dos níveis de sucesso obtidos com novos instrumentos e métodos de gestão e preparação, e, no final, qual a projecção de todos estes factores para a preparação e programação do novo ciclo olímpico de 2012 (Jogos Olímpicos de Londres).

Trata-se de verificar, neste caso, em que medida se constrói (ou melhor constrói o Comité Olímpico de Portugal) um instrumento que possa ser de utilidade substantiva para a nova programação e negociação de um “plano de preparação olímpica para o ciclo olímpico de 2012”.

O terceiro exercício relaciona-se estreitamente ao anterior e diz respeito ao modo como o Governo vai conduzir a negociação de um novo “programa de financiamento do ciclo olímpico de 2012”.
Sobretudo importa saber em que medida e grau de sofisticação tem o Governo um projecto para a nossa participação olímpica em 2012. E se tiver esse projecto, para ficarmos a conhecer devida e detalhadamente quais as suas linhas estratégicas fundamentais que possibilitem justificar o pacote financeiro que o mesmo Governo estiver disponível para afectar.

Só deste modo se poderá dizer, portanto, que o novo ciclo olímpico de 2012 corresponderá não apenas a um projecto do Comité Olímpico de Portugal mas também, e indispensavelmente, a um projecto nacional que o Governo em funções tem para o nosso desporto de alta competição para os próximos quatro anos (pelo menos).

Vamos ver se assim será ou não. Se há ou não um projecto nacional para a participação nos Jogos Olímpicos de Londres em 2012, evitando-se os jogos florais que temos visto nos últimos meses sobre o de Pequim 2008 em que mais parece que quem contratou não assumiu nenhum compromisso ou projecto (com objectivos incluídos, claro, como é inevitável em qualquer um daqueles).

Destes três exercícios e dos seus resultados essenciais decorrerá muito do que poderá vir a ser a evolução do sistema desportivo federado em Portugal até 2012, pelo menos.

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Análise Económica de Eventos Desportivos (II)

Passamos a publicar o nosso texto editado hoje no Jornal "O Primeiro de Janeiro" que continua a tratar da temática da análise económica dos eventos desportivos e que se concluirá num próximo texto.

Sobre os estudos de avaliação económica de eventos desportivos e as recomendações de política pública desportiva que desses trabalhos circunstanciados têm resultado vamos apresentar elementos que permitem, por um lado, realçar as insuficiências praticamente absolutas nestas matérias existentes em Portugal e, por outro, servir de lições de boas práticas e de quadro de referência para o colmatar dessas fragilidades nacionais no futuro, se essa vier a ser a vontade assumida pelas respectivas autoridades governamentais e dirigentes federativas do nosso sistema desportivo.

Como referimos no artigo anterior o UKSport gere no Reino Unido, para além do desporto de alta competição de que é a agência para-governamental responsável, também um “Programa de Eventos de Classe Mundial” (o denominado “World Class Events Programme”) que tem o objectivo estratégico essencial, convergente com a política de desenvolvimento até 2020 afirmada pelo Governo para o desporto (inscrita no denominado “Game Plan de 2002”), de exponenciar o valor económico originado com os eventos desportivos nacionais e internacionais realizados no Reino Unido – com a salvaguarda dos princípios de valor para os financiamentos que lhes vierem a ser atribuídos através da National Lottery e da definição de parâmetros para a medição do respectivo grau de sucesso nessa matéria.

O “Programa de Eventos” do UKSport tem também, por outro lado, o intuito claramente assumido de “aumentar o perfil internacional do Reino Unido ao trazer os benefícios destes eventos para os atletas internos, para o próprio sistema desportivo e para a nação como um todo” (citação em tradução nossa).

Um elemento relevante e que importa destacar é o de na metodologia de avaliação dos impactos utilizada pelo UKSport não serem usados os denominados “multiplicadores keynesianos”, habitualmente patentes em muitos estudos de impacto macroeconómico de eventos desportivos – por exemplo em muitas edições dos Jogos Olímpicos ou dos Campeonatos do Mundo de Futebol e no EURO 2004 em Portugal – por o UKSport ter considerado que eles “são relativos a cada economia em particular, e da sua utilização resultar a comparação entre economias e não apenas entre os eventos em si-mesmos” (citação).

Trata-se, portanto, de o UKSport ter tomado uma opção por uma metodologia de avaliação de cariz mais microeconómico que tenta captar as especificidades de cada um dos eventos e evitar modelizações mais abstractas e generalistas como as que resultam da utilização dos multiplicadores incorporados nas conhecidas “matrizes input-output”.

A documentação do UKSport ainda refere a este propósito o seguinte: “Mais, a informação necessária para estabelecer um multiplicador para uma determinada economia local não está muitas vezes rapidamente disponível. Como resultado, historicamente, os consultores têm usado multiplicadores altamente técnicos e ambiciosos que não são empiricamente baseados e são frequentemente “emprestados” de outros sectores (ex: construção), ou de outras economias. Este tipo de multiplicadores “emprestados” só pode ser considerado uma pobre aproximação no melhor dos casos e as conclusões são assim a maior parte das vezes erróneas” (fim de citação).

Lembremos que esta avaliação através dos multiplicadores foi precisamente a base da metodologia utilizada em Portugal para medir os impactos económicos do Campeonato da Europa de Futebol de 2004 (o EURO 2004), e conduziu a determinados indicadores que exaltavam impactos económicos que hoje são desmentidos face à incapacidade de vários estádios então construídos gerarem retornos financeiros positivos.

Donde se pode, portanto, concluir que os estudos realizados pela agência britânica UKSport são acerca da comparação dos impactos de eventos e não de economias, como poderia resultar da utilização indiscriminada dos aludidos multiplicadores.

Vejamos agora em seguida algumas das principais conclusões do UKSport para os estudos de medição de impactos no conjunto de eventos apreciados entre 1997 e 2003:

Na avaliação dos eventos realizados entre 1997 e 2003 o maior impacto foi o originado pela Maratona de Londres (que destaca as características do próprio evento onde quer os participantes quer a assistência familiar e de visitantes externos foi relevante);

Os eventos de Tipo C (de acordo com a própria tipologia definida pelo UKSport) são caracterizados por terem impactos económicos e previsões incertos. Realisticamente estes são os eventos que o Reino Unido e o UKSport são mais capaz de atrair para o país;

Não há necessariamente uma ligação entre a extensão do impacto económico absoluto dos eventos e o seu significado desportivo. Grandes eventos em termos económicos podem não ter, portanto, grandes efeitos e implicações de carácter desportivo;

O valor médio para a despesa de organização dos eventos é de 13%, e de 87% para as despesas dos visitantes. O significado desta conclusão é o de que para os eventos incluídos na amostra estudada a esmagadora maioria dos impactos económicos, mais de 80%, é causada pelos visitantes dos eventos;

A despesa organizacional destes eventos foi sempre pequena porque todos eles decorreram em instalações e infra-estruturas já existentes. Não houve necessidade de construir ou melhorar as instalações existentes e assim praticamente toda a despesa dos organizadores foi em itens necessários para a realização operacional dos eventos;

O coeficiente de correlação entre os espectadores admitidos nos eventos e os impactos económicos gerados é de .90, o que representa uma forte relação existente entre o número de espectadores e os impactos económicos respectivos. Por isso, pode concluir-se que o impacto económico é uma importante consideração na determinação de apoiar ou não um evento e que o número de espectadores é o principal determinante desse mesmo impacto;

A conclusão 6 contrasta com os eventos de Tipo A (por exemplo Jogos Olímpicos ou Campeonatos Mundiais de Futebol) onde frequentemente as instalações têm de ser construídas ou melhoradas para um determinado evento e a despesa organizacional pode ser de muitos milhões de libras. Geralmente para eventos do Tipo B ou C é raro que sejam necessárias melhorias infra-estruturais de grande vulto e assim, em síntese, a maioria de qualquer impacto económico será nestes gerada pelos respectivos visitantes;

Num evento de Tipo B pode pois dizer-se que um elevado nível de impacto económico é o resultado de esse evento ter o apoio de altos contingentes de adeptos. É o mesmo que dizer que um dos subprodutos de atrair grande número de pessoas para um evento desportivo é o de estimular a actividade económica na área em que o evento tem lugar;

Dos 11 eventos analisados o retorno do investimento dos recursos provenientes da “National Lottery” ultrapassa o rácio de 8 para 1, o que significa que por cada libra investida existe um retorno económico gerado de 8 libras. O indicador médio dos eventos foi, aliás, de 7.23 libras para cada libra investida. Este indicador representa o acréscimo típico da despesa local adicional gerada com cada libra investida pela “Lottery” na realização dos eventos desportivos no Reino Unido. Todavia, este indicador apenas considera a parte do financiamento proveniente da “Lottery” e se forem consideradas outras fontes de financiamento o indicador global passa a ser menor – por exemplo de 5.59 libras por cada uma investida no evento de triatlo, contra o registado de 41.66 libras por cada libra investida nele pela “Lottery”. Na Austrália é referido que os promotores de eventos não considerarão a renovação de apoio a um evento a não ser que ele alcance um retorno de 8 libras australianas por cada libra de investimento público recebido como apoio;

O rigor alcançado através das previsões pré-evento do “Modelo de Previsão Económica” concebido variou ente os 64% e os 79%. As previsões mais rigorosas, respectivamente correspondentes a 72% e a 79%, tendem a ser a dos eventos mais pequenos e as menos rigorosas são comuns aos maiores eventos. Foram identificadas as duas principais razões para a falta de rigor das previsões: as variações de despesa média (“rate variance”) e as variações de quantidades nos respectivos intervenientes nos eventos (“volume variance”).

Algumas indicações importantes de política de promoção dos eventos foram também retiradas, entre as quais se enunciam as seguintes:

Em “desporto de elite” e eventos desse desporto aqueles que forem direccionados para espectadores (os denominados “spectator-driven events”) são mais capazes de gerarem impactos económicos maiores em termos absolutos do que os eventos direccionados para os competidores (apelidados de “competitor-driven events);

A maioria dos espectadores dos eventos – especialmente dos do Tipo C – vêm de fora da área local onde eles se realizam e isso confirma a afirmação de que o impacto económico absoluto está criticamente dependente do número de espectadores que participam nos eventos. Tal é enfatizado pelo factor de correlação entre admissões de espectadores “não-locais” e o impacto absoluto ser também significativo, de .87 precisamente.

Um outro aspecto também relevante da análise dos impactos económicos destes eventos é o que respeita ao denominado “efeito líquido de exportação do evento”. Este efeito corresponde à diferença entre as exportações e as importações relativas ao evento, e é, portanto, um efeito líquido.

A este particular respeito pode ser argumentado que por as exportações representarem um genuíno influxo de fundos para o país, a “qualidade” dos impactos de um evento que são derivados das exportações é mais elevada do que nos casos em que os impactos económicos são gerados apenas no interior do mesmo país.

A razão para esta afirmação é a de que os eventos que repousam na geração doméstica do impacto económico não afectam o PIB, eles apenas direccionam a despesa de uma área do país para outra (beneficiando a que hospeda o evento respectivo). E ainda que isso possa constituir benefício para uma cidade ou localidade que receba o evento não existe benefício adicional para o país como um todo. Por isso, a capacidade de um evento desportivo gerar exportações deveria também ser vista como um indicador de “valor acrescentado” do evento para o país hospedeiro.
Nota: O “Game Plan” é o documento orientador da estratégia de desenvolvimento do desporto do Reino Unido até 2020, e foi elaborado conjuntamente pela “Unidade Estratégica” que actua junto do primeiro-ministro do Reino e o DCMS (Departamento para a Cultura, Media e Desporto) num trabalho de cerca de 18 meses. A denominação do Relatório final produzido é a seguinte: “Game Plan: a strategy for delivering Government´s sport and physical activity objectives” (Dezembro de 2002).
José Pinto Correia, Mestre em Gestão do Desporto