quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Liderança e Gestão no Desporto em Portugal


O nosso sistema desportivo de competição, que é aquele sobre que aqui nos debruçaremos, padece de lamentáveis ausências e incapacidades de liderança, gestão e estratégia que se exprimem em diversas situações hoje facilmente verificáveis e que impedem o seu nível competitivo e organizativo de alcançarem outros patamares.

Vejamos várias dessas situações que se verificam actualmente e que exemplarmente ilustram aquilo que impede o nosso desporto de ter maiores níveis de sucesso internacional e de melhor ser liderado e gerido.

1. A interrupção do financiamento para Londres 2012
Quando terminaram os Jogos Olímpicos de Pequim 2008, as entidades governativas do nosso desporto de competição, incluindo o Comité Olímpico de Portugal (COP) e o Governo e o seu Instituto do Desporto de Portugal (IDP) que tinham negociado o Programa de Preparação Olímpica, deram-se conta que os atletas com percurso olímpico firmado iriam ficar sem apoios financeiros para continuarem a sua actividade natural e contínua de preparação atlética e de competição. Foi preciso ir a correr preparar a publicação já em 2009 de despachos do Secretário de Estado do Desporto para resolver a posteriori e com efeitos retroactivos uma situação que qualquer planeamento e gestão eficaz e minimamente profissional teria acautelado – isto é, uma gestão da transição de um ciclo olímpico para outro que imediatamente tem o seu início e decorre da normal e continuada actividade de preparação e competição dos atletas olímpicos.

2. Apresentação pelo COP do “Programa para o Ciclo de 2012-2016”
Antes mesmo da realização dos Jogos Olímpicos de Pequim em 2008 o COP apressou-se a remeter para o IDP e a tutela do desporto um novo Programa de Preparação para 2012-2016, que não continha nem poderia conter qualquer avaliação dos resultados do Programa de 2008 nem, muito menos, qualquer reflexão estratégica e organizacional sobre o desporto de competição. Como instrumento de gestão este novo Programa era despropositado, extemporâneo e ineficaz e ineficiente, portanto, dando conta de uma falta de competência gestionária do próprio COP que teria ou terá repercussões sistémicas no desporto de competição olímpica – aguarda-se agora, vários meses passados, qual vai ser efectivamente o Programa para 2012 com os atletas já em trabalho corrente de preparação e competição.

3. Planeamento estratégico
Nem a Secretaria de Estado do Desporto ou o seu IDP nem o COP têm publicado ou realizado estudos e reflexões que permitam introduzir no desporto de competição um sentido estratégico da sua evolução e desenvolvimento. Esta é uma incapacidade e uma insuficiência gritante e que denota um nível frágil e insuficiente de governação do próprio sistema desportivo de competição. E que permite que prevaleça uma linha de politização no interior do sistema, e que abrange os seus topos governamental e do movimento desportivo, que permite validar todas e quaisquer opções, projectos ou decisões, sem que possa sobre elas existir uma avaliação e escrutínio social e de cidadania sobre o seu valor e adequação.

4. Visão e liderança
Os líderes em qualquer organização ou sistema afirmam-se pela respectiva capacidade em definirem a visão e objectivos de desenvolvimento que envolvem os respectivos projectos e participantes organizacionais. No desporto de competição faltam essas visões sistémicas e organizacionais que são substituídas inúmeras vezes e ao mais alto nível da gestão por omissões, anúncios grandiloquentes, conflitos entre pessoas, exigências permanentes de mais recursos, isenções à assunção das responsabilidades individuais, perpetuação de pessoas nos órgãos dirigentes, ou mesmo a afirmação inequívoca de projectos de poder pessoal ou de grupo. Tal é assim em muitas lideranças de topo do sistema desportivo como no Governo e na Administração Pública Desportiva. E a sociedade não pode, não reúne e não está em condições, de alterar este estado de coisas que fragiliza a gestão e o funcionamento do desporto de competição.

5. Modelo de Financiamento das Federações
Quando se realizou o Congresso do Desporto no início deste mandato governamental ainda se referenciou a necessidade de definir um modelo de financiamento das federações desportivas que tivesse um racional conhecido e fosse plurianual, permitindo dessa forma um desenvolvimento estratégico das referidas federações e dos desportos que elas “governam”. Ora, o IDP que é o braço operacional da política desportiva governamental ainda esboçou timidamente a concretização de um tal quadro orientador do financiamento federativo nacional. Mas essa tentativa não passou, provavelmente por ser desinteressante para a discricionariedade política que a sua ausência flagrantemente permitia e continuaria a permitir, de um mero “PowerPoint” que esteve durante algumas semanas exposto no site do IDP e que, depois, oportunamente dele e da agenda política foi rasurado. Por conseguinte, as negociações de financiamento para as federações continuaram e continuarão toda esta legislatura a fazer-se sem nenhum quadro orientador claramente assumido e conhecido. O que deixa margens para tudo e mais alguma coisa e desfaz quaisquer pretensões de boa gestão e planeamento no desporto federativo – a gestão dos desportos nas federações estará sempre no “fio da navalha financeira” ao dispor do Governo e do IDP como estes entenderem ano a ano.

6. Objectivos, metas e resultados no “desporto Olímpico”
A participação portuguesa nos Jogos Olímpicos de Pequim esteve nas bocas do mundo e nas páginas dos jornais durante o Verão porque o COP tinha assumido a obtenção de resultados nos Jogos – estimativa de medalhas e pontos, como decorria do contrato que o Comité firmara atempadamente com o Governo aquando da assinatura do Programa de Preparação para Pequim 2008.
Aconteceu o que aconteceu em Pequim, os resultados prometidos foram inferiores e logo o actual Secretário de Estado acorreu em defesa do COP para dizer que se fosse com ele não existiriam objectivos pré-fixados para os Jogos Olímpicos. Ora, aquilo que em qualquer organização e sistema é o essencial para avaliar do seu grau de sucesso e desempenho, que são os objectivos, as metas e os respectivos resultados, passava a não ter qualquer significado.
A ser assim, a estratégia, o planeamento e a gestão e avaliação deixam de fazer sentido no desporto olímpico porque o sistema passa a funcionar e a ser financiado e dotado de recursos independentemente de definir quaisquer objectivos, metas e resultados para alcançar ou realizar. Gerir assim um sistema desportivo altamente competitivo a nível mundial é completamente ineficaz, será porventura muito ineficiente, não avaliável no desempenho e não mensurável nos níveis de desperdício ou de incompetência organizacional.

7. Avaliação do desempenho e competitividade do desporto nacional
A melhoria de qualquer sistema e organização desportiva depende da sua capacidade de avaliação de desempenho e da sua competitividade internacional. Por isso, o desporto de alta competição, incluindo neste o que compete nas edições dos Jogos Olímpicos, tem de ser permanentemente submetido a processos de avaliação e de comparação internacional.
Um sistema desportivo necessita de se confrontar em permanência com indicadores de desempenho, graus de atingimento de determinados padrões, e com a gestão e organização de outros sistemas nacionais que com ele se confrontam continuadamente na cena mundial.
Ora, isto está bem longe de acontecer em Portugal, desde logo a nível do próprio Governo/Secretaria de Estado do Desporto que demonstra uma total falta de vontade e de iniciativa em criar centros de produção de conhecimento académico e científico sobre a gestão do desporto. Não existe, assim, em Portugal um único “centro de estudos sobre economia e gestão do desporto” – e essa iniciativa poderia e deveria provir do Governo (através do IDP, por exemplo). Por isso, são inexistentes em Portugal estudos e análises sobre o desempenho desportivo e sobre a comparação de políticas e sistemas de governação desportiva – sabendo-se que a análise comparativa é hoje um dos processos mais eficazes de produzir conhecimento sobre políticas públicas e sistemas organizacionais dos países.

Conclusão
Se Portugal quiser vir a ter um sistema desportivo federado, incluindo o do “desporto olímpico”, que seja capaz de lhe vir a dar mais e melhores resultados desportivos e organizacionais precisa de uma mudança radical das actuais perspectivas de liderança, gestão e enquadramento político e estratégico. Essa caminhada pode ser longa e implicar a emergência de novas lideranças e mesmo intérpretes que se mobilizem em torno de processos racionais de funcionamento, financiamento e desenvolvimento estratégico desportivo.

José Pinto Correia, Mestre em Gestão do Desporto

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Mundial de 2018: Estratégias de Espanha e Portugal

Aqui publicamos o nosso texto de opinião editado hoje no Jornal "O Primeiro de Janeiro" que retoma um tema já aqui anteriormente tratado ainda que nesta ocasião o seja de uma forma mais completa. Por isso, considerámos útil renovar a sua divulgação.

As Federações de Futebol de Espanha e Portugal comprometeram-se há apenas alguns dias com a apresentação de uma candidatura conjunta para a realização do Campeonato do Mundo de Futebol em 2018 (ou mesmo em 2022, como alternativa).

Há pouca discussão e análise crítica em Portugal sobre esta “empreitada conjunta” e ainda que aqui não seja a oportunidade de detalhar os elementos de avaliação económica dessa candidatura, ou mesmo sobre os benefícios desportivos e da projecção internacional de Portugal eventualmente derivados daquele evento, importa desde já lançar sobre a mesa um pequeno conjunto de elementos que estão ínsitos naquela candidatura conjunta.

Quando se quer avaliar a valia efectiva para um país como Portugal de um grande evento como o Mundial de 2018 tem de se começar por discorrer sobre os “fundamentais das estratégias nacionais” inerentes aos países que no caso de Espanha e Portugal se conjugam para aquela realização desportiva.

E aqui o que se deve desde logo dizer é que a estratégia portuguesa se existe ou vai existir é e/ou será sempre dependente e está cercada pela estratégia espanhola e pelos respectivos interesses e objectivos.

Espanha tem uma estratégia dominante que terá supremacia e será praticamente independente da vontade estratégica de Portugal se este a tem ou vier a ter. E duvida-se mesmo que Portugal e a sua FPF (com apoio implícito do próprio Governo através do Secretário de Estado do Desporto) tenham alguma estratégia própria para o evento que não seja apenas uma visão oportunista de aproveitarem uma “boleia espanhola”. O evento aparecerá, por conseguinte, sempre determinado pela vontade e pelo poder de Espanha, quer em termos financeiros, quer logísticos, quer pelo valor internacional comparado do desporto e do futebol dos e nos dois países.
Portugal aparecerá, por isso mesmo, sempre como um auxiliar na candidatura, um parceiro menor não determinante, com vocação e papel submetidos e determinados pelo parceiro líder e mais poderoso, e sujeito a ter de aceitar as condições negociais que lhes serão obviamente impostas por Espanha. Esta tem mais poder económico no futebol, mais valor e projecção internacional no mesmo, mais sucessos nacionais recentes e projecção desportiva global perceptível e reconhecida (vide os respectivos resultados em muitas modalidades desportivas de equipa e nos Jogos Olímpicos desde Barcelona 1992 a Pequim 2008).

E a Espanha está também candidata de novo a vir a ser, na sua capital Madrid, a hospedeira dos Jogos Olímpicos de 2016; o que o Mundo, e a FIFA em particular, ficarão a saber durante o ano de 2009 por decisão do Comité Olímpico Internacional (COI), ainda antes, portanto, de 2010 em que será decidido pela própria FIFA que país organizará o Mundial de 2018 (e também o de 2022). E acresce que a ser decidida favoravelmente a candidatura espanhola de Madrid aos Jogos Olímpicos de 2016, em que a candidatura espanhola é repetente, o que estatisticamente e pelo passado recente das decisões do COI aumenta as suas hipóteses de sucesso, reduzirá ainda mais a visibilidade portuguesa na candidatura à realização do Campeonato Mundial de Futebol de 2018 (ou 2022), por um lado, ou desvalorizará mesmo de todo a possibilidade de a Espanha poder manter-se interessada na mesma, quer porque num pequeno espaço de tempo ser-lhe-iam exigidos dois enormíssimos níveis de investimento desportivo, quer porque a possibilidade de vencimento da candidatura (ainda que sendo ibérica) se desvalorizaria aos olhos da própria FIFA.

Portugal nestas condições, e também porque apenas possui três estádios com dimensão acima de 40.000 lugares como hipotéticos palcos de jogos desse Mundial, num total necessário de 12, será sempre apenas um prestimoso é útil amparo de Espanha. As escolhas fundamentais da candidatura serão espanholas, provavelmente como a FIFA agora vem confirmando nem os jogos de maior dimensão que são o inaugural e a final, que exigirão estádios com 80.000 lugares, virão a ser disputáveis em território português.

E se Espanha vier a ser o país organizador dos Jogos Olímpicos de 2016, a desproporção negocial de Portugal aumentará, o que reduzirá a possibilidade de realização de número de jogos a serem disputados no país no âmbito da candidatura conjunta ao Mundial de 2018.

Espanha terá sempre a palavra decisiva, uma estratégia dominante não dependente em nada das pretensões e interesses portugueses. Portugal será um parceiro menor num projecto conjunto, mas em que o parceiro mais forte imporá tudo aquilo que quiser. Por isso, os benefícios económicos, turísticos, culturais e outros de que se ouve falar aos quatro ventos serão derivados não de uma estratégia própria e das respectivas margens de liberdade negocial mas, ao invés, resultado de uma aceitação daquilo que nos for oferecido por Espanha.

As condições logísticas existentes em Portugal são outra limitação forte e inultrapassável. Os estádios disponíveis para corresponderem às exigências da FIFA são apenas 3. O do Benfica e o do Sporting, em Lisboa, e o do Porto – o que nem sequer cumprirá a exigência habitual de 2 estádios por cidade. E não se venha dizer que poderá haver jogos no estádio do Algarve que apenas dispõe actualmente de 30.000 lugares, porque a FIFA já veio desdizer essa possibilidade. Portanto, nem jogo inaugural nem final em Portugal e jogos apenas em Lisboa e no Porto – o que implica que quem vier a calcular os benefícios económicos e turísticos não exagere as respectivas localizações dos mesmos a todo o país, que é o que parece ter estado nas declarações do Presidente da FPF, da Liga Profissional e do próprio Secretário de Estado do Desporto.

A estas limitações acrescerá também a muito provável necessidade de realizar melhorias e adaptações nos estádios utilizáveis que terão encargos não despiciendos e que terão de ser financiadas muito provavelmente por fundos públicos. Ficará de fora, a não ser que seja feito um grande e adicional investimento no estádio de Loulé, o Algarve – região que poderia ser alegadamente referenciada para enaltecer os virtuosos efeitos turísticos da candidatura.

Quanto aos benefícios desportivos do evento, sem aqui detalhar a sua análise que ficará para outra oportunidade, bastará referir que a concentração de novo de grandes recursos no futebol só poderá ser vir a ser feita, num país como Portugal que tem grandes limitações em matéria financeira para o desporto em geral, com prejuízos manifestos (as denominadas externalidades negativas) para os outros desportos/modalidades desportivas. O que irá para o futebol mais uma vez não poderá ir para outras modalidades e o que vai para o desporto profissional não poderá ser disponibilizado para o desporto de base e escolar, por exemplo. A candidatura a 2018 ou 2022 terá grandes custos de oportunidade (como dizem os economistas) para outros desportos que não o futebol profissional, porque os recursos económicos são limitados e quando são afectados para uma finalidade deixam de poder ser destinados para outras que sejam passíveis de serem consideradas como igualmente relevantes. Os ganhos para o futebol serão perdas potenciais para outros desportos do país.

E lembre-se que nesta candidatura ao Mundial de 2018 não se está a falar de 10 nem 20 milhões de euros mas de muitas vezes esses valores indiscutivelmente. Bastará considerar os custos da candidatura que os ingleses estimaram entre 3 e 10 milhões de libras no seu estudo de viabilidade da candidatura (feito e publicado ainda em 2007) e todos os custos de segurança interna e externa por terra, mar e ar (incluindo a anti-terrorista), de saúde e emergência a funcionar ininterruptamente no sistema nacional de saúde, do policiamento dentro e fora dos estádios, de criação e funcionamento dos centros de imprensa, para chegarmos rapidamente a muitas dezenas de milhões de euros que teriam de ser suportados por verbas públicas. Num Portugal que não chegou a gastar 10 milhões de euros com o Programa de Preparação Olímpica de Pequim.

Que se façam os estudos – que já há alguns meses nós aqui reclamámos (vide meu artigo no Jornal “O Primeiro de Janeiro” de 23 de Outubro de 2008) – e se verifique qual o montante de investimento (em milhões de euros) que o país terá de fazer com a candidatura a 2018 ou 2022, para que os portugueses e o restante desporto nacional não sejam enredados numa aventura do tipo da do EURO 2004, que agora está bem à vista e a pagamento durante muito tempo (é só ver a cidade/município de Braga como um exemplo ilustrativo e os estádios de Loulé, Leiria e Aveiro sem utilização digna).

Finalmente, olhe-se em redor do futebol e discuta-se a viabilidade económica e financeira e o terreno pantanoso em que este desporto está envolto em Portugal. E peçam-se responsabilidades e medidas efectivas aos principais responsáveis – desde logo a Federação, a Liga Profissional e o Governo (porque ao Sindicato dos Jogadores só se pode e deve pedir aquilo que está ao seu alcance).

Podem num país as autoridades do futebol como a Federação e a Liga Profissional de Futebol, e mesmo o próprio Governo, estar tão ausentes da realidade actual deste desporto em Portugal, da sua tendencial inviabilidade económica com casos de insolvência de muitos clubes de primeiro plano, dos seus escândalos sucessivos nas respectivas estruturas de governação, que não se coíbam de se apresentarem com esse mesmo padrão desportivo ao Mundo – e fazê-lo sem curarem de instaurar saúde económica e ética no futebol que querem candidatar a organizar o Mundial de 2018 (ou de 2022)?

José Pinto Correia, Mestre em Gestão do Desporto

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Futebol em Portugal e liderança na FPF

Um sistema desportivo é primariamente, além do mais, um conjunto de estruturas organizacionais, de agentes/actores, de estratégias, de processos, de objectivos, metas e resultados. E de líderes que dão sentido à respectiva governança.

A eficácia e eficiência de um sistema desportivo dependem em primeiro lugar da capacidade dos seus dirigentes de topo que definem a respectiva visão e estratégia de desenvolvimento e competitividade. Um sistema e uma qualquer organização fazem muito e bem em função da capacidade da sua liderança, daquilo que esta é capaz em cada momento e situação de antever e desenhar como respectivo caminho e futuro de desenvolvimento sistémico ou organizacional.

O futebol em Portugal é um subsistema do desporto e sem qualquer dúvida aquele que mais predomínio exerce na comunidade nacional, muitas vezes com excesso que prejudica a afirmação desejável de outros desportos onde o país tem resultados internacionais de primeiro plano competitivo.

Assim sendo deveria exigir-se ao futebol português um nível de organização e governança que fosse consentâneo com aquela primazia e visibilidade nacional, e mesmo também com os inúmeros e praticamente contínuos privilégios económico-financeiros e apoios públicos de que tem disposto.

Ora, nessa organização e governança do futebol português têm especialíssima relevância os seus dirigentes de topo na respectiva Federação (a FPF), alguns com muitos anos de poder ininterrupto, a quem e de quem se exigiriam especiais capacidades de liderança e visão estratégica, que possibilitassem uma vivência condigna e saudável desse mesmo futebol.

Sabe-se que em qualquer sistema ou organização os processos de liderança que são protagonizados e impulsionados pelos respectivos dirigentes de topo são decisivos para a condução das estruturas organizacionais, nas quais actuam os respectivos actores/agentes dos diferentes níveis tentando concretizar estratégias, planos, objectivos e resultados.

Estas lideranças protagonizadas pelos dirigentes do topo, para além de terem capacidade de transmitir a sua visão organizacional ampla, têm também de ser renovadas ou renovarem-se para poderem transmitir regeneração ao sistema e aos respectivos projectos organizacionais em que os mesmos estão envolvidos.

E em muitas organizações, quando estas estão confrontadas com processos de mudança internos ou defrontam situações envolventes difíceis e complexas, as lideranças têm de ser renovadas para trazerem novas abordagens e novas visões organizacionais e estratégias de desenvolvimento.

Nestas situações de mudança, suscitadas pelos ambientes envolventes fluidos e geradores de incongruências, heterogeneidade e ambiguidade dos principais factores que definem o “negócio sistémico ou organizacional”, no caso o do futebol, a perpetuação no poder de determinadas lideranças/líderes acarreta naturalmente entropia organizacional, degenerescência progressiva e fortalecimento de tendências para a criação de actividades de negociação menos rigorosas e exigentes. E, por outro lado, gera concomitantemente o favorecimento e a politização das estruturas e dos meios e instrumentos de funcionamento do interior do sistema, com especial prevalência nas estruturas organizacionais intermédias – cujo caso relevante no futebol português é o das associações regionais de futebol.

Os líderes máximos que assim se perpetuam na direcção da FPF tendem a assumir um grau de enorme domínio sobre as estruturas intermédias do sistema e a criar nestas e nos seus respectivos agentes principais um sentido de dependência, de fraqueza institucional e de egoísmo e salvação negocial.

Estas dependências impedem a afirmação de autonomia organizacional e estratégica destas instituições intermédias que compõem o sistema. No limite, o sistema assim caracterizado e constituído, desde o topo até às respectivas bases, tende a corromper a sua natureza especial e a perder capacidade autónoma de mudança.

Mas a situação do sistema piora ainda mais quando as lideranças das estruturas intermédias que compõem o sistema também tendem a perpetuar-se no poder organizacional. Nestas, os seus respectivos líderes passam a negociar em permanência com o topo conhecido, repetem estratégias e condutas negociais e gerem as respectivas estruturas intermédias ininterruptamente sem necessitarem de alterar significativamente o “modo de fazer e de estar”.

O sistema no seu todo torna-se desleixado, frouxo, sem visão e estratégia, e o planeamento e a fixação de objectivos e metas tende ou a não existir ou se existir a ser fragilmente assumido – ocorrem frequentemente ausências de avaliação rigorosa e de assunção de responsabilidades organizacionais.

Nestas condições de funcionamento inter-estrutural da FPF, as modificações a introduzir em modelos e regimes e regras de funcionamento interno ou competitivo têm de obedecer a amplos níveis de negociação e consensualização prévia, escudados em inequívocos estudos de racionalidade económica, financeira, territorial e logística. Se tal não acontecer e se forem por manifesta incompetência da estrutura de governação de topo aventados novos modelos e regimes que possam colocar em causa poderes regionais/locais, protagonismos competitivos e interesses económico-financeiros, a FPF correrá riscos de desagregação institucional e de lutas intestinas em torno da defesa desses poderes e interesses regionais/locais.

Por conseguinte, alterações como as referidas têm de ser preparadas pela liderança máxima da FPF – com papel destacado para o seu Presidente que não deverá inibir-se de exprimir a sua posição e tomar uma participação efectiva no processo de mudança organizacional em curso – e geridas processualmente sem quaisquer falhas e deficiências que possam colocar em causa os precisos termos e pressupostos racionais em que as mesmas se fundamentaram ou deveriam fundamentar-se. Agora uma coisa é certa, essa fundamentação objectiva e racionalmente enquadrada deveria ser inequívoca, ter sido comunicada a todos os níveis organizacionais da FPF, discutida profundamente e assimilada como a melhor hipótese de modificação regulamentar.

Então que deverá suceder se tal gestão processual e substancial não vier a suceder manifestamente e um sistema federativo governado por uma liderança demonstrada como incompetente e despreocupada fracassar nos poucos objectivos assumidos a que o seu topo se propôs? Sobretudo se essa for a mesma liderança que se disponibilizou ao mesmo tempo para realizar no país o evento máximo internacional de futebol – o Campeonato do Mundo de 2018 ou 2022?

Numa tamanha incapacidade de governação da FPF, que é aquela que está hoje patente na recentíssima tentativa de alteração dos regulamentos competitivos dos Campeonatos de Futebol das divisões secundárias (II e III Divisões Nacionais), a responsabilidade não pode deixar de ser assumida pela equipa dirigente da FPF. Não pode deixar de ser assim, porque essa é a única forma de não desprestigiar ainda mais o futebol português.

Os líderes da FPF comandam, dirigem e orientam e são os primeiros responsáveis de processos amplos que têm implicações profundas no futebol. Os líderes só se afirmam dando o exemplo – e a assunção de responsabilidades é o primeiro dos exemplos, porque se transmite inequivocamente a toda a estrutura organizacional. Por isso, agora que se está perante uma ineficácia de gestão de um processo importantíssimo para a regulação ou mesmo para a sobrevivência do futebol português nos escalões secundários, tem de se exigir que os líderes máximos da FPF – com inclusão do seu Presidente, como é indispensável – venham assumir responsabilidades e tirar delas as respectivas consequências e lições organizacionais.

A história de um sistema como o do nosso futebol, que tem andado ao longo de muitos anos de caso em caso, sempre em cada nova peripécia degradando a sua imagem e transmitindo para a comunidade um sentimento de menor crença na sua regeneração e dignificação, indica que a solução para este seu estado lamentável de governança só pode vir a desembocar na substituição dos seus principais líderes que se perpetuaram demasiados anos no seu topo estratégico.

Porque só assim pode haver o espaço necessário e imprescindível para procurar uma reorganização e reorientação de todo esse sistema, agora que todos sentem que o futebol começa estar em causa na sua própria sobrevivência como fenómeno cultural, social e económico, com história reconhecida ao longo de todo o século vinte.


P.S.: No mesmo momento e ao mesmo tempo em que escrevemos este texto incidindo na alteração dos Regulamentos dos Campeonatos das II e II Divisões de futebol já estalou mais um caso inaceitável e que aprofunda o desprestígio da governança do futebol português. Trata-se da decisão do Conselho de Justiça da FPF de não se pronunciar sobre a substância do recurso do clube “Os Belenenses” sobre a sua presença por direito na meia-final da Taça da Liga, de acordo com a inequívoca letra do Regulamento da referida prova da Liga Profissional. O Conselho de Justiça prescindiu de julgar uma questão importantíssima, recorrendo a um expediente administrativo-burocrático de ilegitimidade do requerimento do clube e sancionando por omissão uma interpretação completamente enviesada da Liga Profissional sobre os termos do seu próprio Regulamento (a questão do”goal average” que nunca poderá ser uma diferença mas uma média como indicam os seus termos ao referirem a palavra”average”).

J. Pinto Correia, Mestre em Gestão do Desporto

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

O estranho mundo da FPF e do futebol em Portugal

A Federação Portuguesa de Futebol (FPF) é um verdadeiro caso de estudo sobre a realidade institucional portuguesa que nos invade de lés a lés ou de fio a pavio.

Na semana passada estava anunciada a discussão sobre a alteração dos regulamentos que organizariam os campeonatos secundários de futebol, com importantes modificações nas II e III divisões.

Desde logo, quem quisesse conhecer a fundamentação económica, organizativa, territorial, logística e outras das modificações que iriam ser propostas pela FPF à sua Assembleia Geral não era capaz de encontrar no site oficial da dita FPF um único documento, uma página que fosse, com as fundamentações de tal modificação tão abrangente.

Provavelmente, na esteira do (re)conhecido funcionamento desta longa “era Madaíl da FPF”, as propostas que iriam estar em discussão nem uma folha de Excel teriam sobre os respectivos efeitos/impactos económicos e financeiros naqueles níveis do futebol nacional. Se o tivessem, ou se o tinham, o mínimo que uma instituição federada com utilidade pública reconhecida pelo Estado deveria fazer, o que se lhe exigiria, era que disponibilizasse essa análise, melhor toda a fundamentação racional das propostas que ia submeter para aprovação.

Assim devia acontecer em nome da transparência, do rigor e da responsabilização da FPF perante toda a sociedade e os cidadãos desportistas e adeptos nacionais do futebol. Porque o futebol, o desporto, não é propriedade da FPF, faz parte da cultura, da economia e da sociedade no seu todo, o que implica que os cidadãos e a comunidade devam ter conhecimento adequado e atempado sobre a sua evolução, mudanças e nova organização.

Pois que estas mudanças abrangentes para o nosso futebol das divisões secundárias, a verificarem-se, têm incidências em todas as comunidades locais nacionais onde o futebol se organiza competitivamente e nas respectivas comunidades que com ele se entrosam e o apoiam, quer como público afecto quer como eventuais patrocinadores/financiadores e voluntários dirigentes e outros.

Mas não aconteceu assim, nunca acontece assim na FPF nesta era Madaíl. Esta é a mesma FPF que se apresta a publicar no seu site todas as notícias da candidatura conjunta ao Mundial de 2018, condenando-se a servir com subserviência a estratégia espanhola (vide nosso anterior post aqui publicado), e que estará obviamente destinada a fracassar, agora que a FIFA e o seu todo-poderoso senhor Blatter já conseguiram inúmeras candidaturas de um único país e podem com inteira liberdade exercer os seus direitos e receber as rendas do monopólio que detêm sobre o Mundial de Futebol.

Mas esta história das propostas de alteração sobre a organização dos campeonatos de futebol das II e III divisões nacionais é agora ainda mais rocambolesca, e demonstra o nível de gestão e organização da FPF, quando vêm sendo publicadas notícias em que se duvida do que veio efectivamente a ser aprovado na referida Assembleia Geral da FPF.

Não existem certezas sobre o que foi aprovado e afinal sobre como decorrerão os Campeonatos Nacionais das divisões secundárias do nosso futebol, e o que dizem as notícias sobre o modo como decorreram as discussões e aprovações na dita Assembleia Geral da FPF.

E onde anda o Presidente da FPF nesta altura? Uma vez mais desaparecido, como é habitual, provavelmente a discutir assuntos da UEFA que são mais importantes para o nosso futebol.

Está a chegar um “momento de descontinuidade sistémica” ao futebol português que dificilmente o fará sobreviver económica, social e culturalmente com uma dignidade institucional aceitável. E sobre esta decadência visível do “mundo do futebol em Portugal” não se vê qualquer reflexão profunda, discussão sobre caminhos de reafirmação do seu papel e vitalidade sociocultural e económica.

Nem a FPF nem a Liga Profissional, nem a novíssima Liga não Profissional, mexem uma palha, um dedo, escrevem uma linha, lançam questões evidentes para discussão.

A morte do futebol em Portugal, do seu estatuto e significado nacional de décadas ao longo de todo o século vinte, está aí já quase ao virar da esquina. Quem não quiser ver, e tem as mais altas responsabilidades institucionais e de governança do futebol, como é o caso da FPF, vai morrer juntamente com a sua “galinha dos ovos de ouro”. Madaíl irá para a Europa como Barroso, é óbvio.

José Pinto Correia, Mestre em Gestão do Desporto