quarta-feira, 30 de junho de 2010

“O Grande Socratistão”!


Até hoje existia nos mais diversos meandros da vida dos portugueses um Portugal imensamente socialista. Era um Socialistão. E tinha um Rei iluminado e transbordante de coragem e determinação. E até havia empresas privadas, algumas grandes mesmo, que pareciam autónomas do poder estatal, embora estivessem sempre ou quase dispostas a receberem ou interpretarem os favores do regime. E a PT parecia ser uma delas (é de lembrar a historieta mal contada e ainda inacabada do negócio da TVI); mas obviamente não era, nunca foi, nem nunca pode ser apenas e tão só privada e com mando dos seus accionistas maioritários (e já Belmiro tinha reconhecido o fenómeno paradoxal há vários anos).

O Rei-Sol cá da esquina da Europa gritava há anos o seu lema maior: Espanha, Espanha, Espanha!

Só que há muito poucas horas, mais especialmente pelas treze deste dia 30 de Junho de 2010, esse grito de pujança e vontade feneceu, desmereceu, e provavelmente acabou. O Senhor Engenheiro das pouco santas alminhas e do tal regime poucamente capitalista e liberal mandou liquidar na Assembleia-geral da tal PT o negócio que a maioria dos seus accionistas queriam realizar, vendendo por uma pipa imensa de euros a parcela da VIVO no Brasil à concorrente vizinha dos espanhóis. E não é que até a própria Administração da PT tinha pedido ao Estado, e ao “Absoluto Senhor do Socialistão”, que não interferisse na vontade dos detentores do capital da empresa, qualquer que ela fosse.

Só que isso era pedir ao inorgânico e imparável “Rei-Laico” mais do que algum súbdito pode pedir ao “Majestático Todo-Poderoso”. E o que se fez, o que o “Senhor dos Senhores” mandou fazer, foi a vontade incomensurável e insondável do “Grande Socratistão”: para Espanha nada mais, e muito menos VIVO!

E assim foi feito por obra e graça de “Sua Excelência” mesmo que em Portugal os accionistas que queriam vender venham a morrer ou a debandar mais lá para a frente e que o tal “Grande Irmão” que agora se impôs venha a ser obrigado a repor as regras do tal regime económico capitalista em que só quer viver quando os camaradas enchem mais ou menos à socapa, e nas esquinas das empresas públicas e privadas subservientes, ou também nos inúmeros cargos da coisa deles, os bolsinhos e as carteiras.

Longa vida, pois, ao “Grande Socratistão”, por agora VIVINHO da Silva! Amanhã, com Bruxelas e Madrid no caminho, não se sabe que galo cantará e em que tipos de sacos serão metidas as “violas douradas” que agora tocaram tão em singularidade monocórdica.

José Pinto Correia, Economista

sexta-feira, 18 de junho de 2010

“A Crise de Profundo em Fernando Pessoa”

Falam muitos, quase todos, falamos nós próprios de crise. Apoucamos os seus contornos e a sua essência, a sua profundidade valorativa, o carácter dos personagens que a vivem e nela agem, reagem ou “morrem de inacção”. E no entanto o nosso Maior, Fernando Pessoa, socorrendo-se do seu imanente Bernardo Soares, sobre a “nossa grande crise” estabeleceu praticamente tudo: do finito ao infinito.

Então olhemos ao que sobre a profunda ausência de crenças, significados e sentido da ideia de uma Pátria vem povoando as nossas vidas e nos revelava o nosso Mestre Pessoa e utilizemos essa doutoralíssima sabedoria para que reflictamos, para além das sombras superficiais da espuma dos dias, sobre o que poderá ser de outro modo o “nosso agora e amanhã”!

“Pertenço a uma geração que herdou a descrença na fé cristã e que criou em si uma descrença em todas as outras fés. Os nossos pais tinham ainda um impulso credor, que transferiam do cristianismo para outras formas de ilusão. Uns eram entusiastas da igualdade social, outros eram enamorados só da beleza, outros tinham a fé na ciência e nos seus proveitos, e havia outros que, mais cristãos ainda iam buscar a Orientes e Ocidentes outras formas religiosas, com que entretivessem a consciência, sem elas oca, de meramente viver. Tudo isso nós perdemos, de todas essas consolações nascemos órfãos. Cada civilização segue a linha íntima de uma religião que a representa: passar para outras religiões é perder essa, e por fim perdê-las a todas. Nós perdemos essa e às outras também. Ficámos, pois, cada um entregue a si próprio, na desolação de se sentir viver. Um barco parece ser um objecto cujo fim é navegar; mas o seu fim não é navegar, senão chegar a um porto. Nós encontrámo-nos navegando, sem a ideia do porto a que nos deveríamos acolher. Reproduzimos assim, na espécie dolorosa, a fórmula aventureira dos argonautas: navegar é preciso, viver não é preciso. Sem ilusões, vivemos apenas do sonho, que é a ilusão de quem não pode ter ilusões. Vivendo de nós próprios, diminuímo-nos, porque o homem completo é o homem que se ignora. Sem fé, não temos esperança, e sem esperança não temos propriamente vida. Não tendo uma ideia de futuro, também não temos uma ideia de hoje, porque o hoje, para o homem de acção, não é senão um prólogo do futuro. A energia para lutar nasceu morta connosco, porque nós nascemos sem o entusiasmo da luta. Uns de nós estagnaram na conquista alvar do quotidiano, reles e baixos buscando o pão de cada dia, e querendo obtê-lo sem o trabalho sentido, sem a consciência do esforço, sem a nobreza do conseguimento. Outros, de melhor estirpe, abstivemo-nos da coisa pública, nada querendo e nada desejando, e tentando levar até ao calvário do esquecimento a cruz de simplesmente existirmos. Impossível esforço, em que[m] não tem, como o portador da Cruz, uma origem divina na consciência. Outros entregaram-se, atarefados por fora da alma, ao culto da confusão e do ruído, julgando viver quando se ouviam, crendo amar quando chocavam contra as exterioridades do amor. Viver doía-nos, porque sabíamos que estávamos vivos; morrer não nos aterrava porque tínhamos perdido a noção normal da morte. Mas outros, Raça do Fim, limite espiritual da Hora Morta, nem tiveram a coragem da negação e do asilo em si próprios. O que vivemos foi em negação, em descontentamento e em desconsolo. Mas vivemo-lo de dentro, sem gestos, fechados sempre, pelo menos no género de vida, entre quatro paredes do quarto e os quatro muros de não saber agir”. [Bernardo Soares (em nome de Fernando Pessoa) no Livro do Desassossego, Editora Ática, Lisboa, 1982].