quinta-feira, 30 de setembro de 2010

O “Governo Prozac” e Portugal


“E vem-nos à memória uma frase batida”, dizia a canção, e continuava, “Hoje é o primeiro dia do resto da tua vida”. Melhor mesmo, hoje é o primeiro orçamento do resto das nossas vidas. Estamos na hora pequena em que “A Rosa Murchou!”.

E agora o nosso superlativo “Governo Prozac”, que distribuía optimismo em carradas, vendia regalias eternas, suspirava por cada décima de produto ou de emprego, proclamava grandiosos projectos e uma modernidade interminável, esse “Governo de Reengenharia” contabilística está a dar de caras com as contas para 2011. E vai ter que apresentar o seu Orçamento de Estado, com as suas escolhas e prioridades ao País e à União Europeia e aos olhos de águias dos nossos financiadores externos.

Entretanto, com as danças, contradanças e cenas bacocas ministeriais do dito Governo, veio-me à memória que o lema com que hoje Portugal está confrontado, “A Hora da Verdade”, era um dos que constavam dos cartazes da assaz vilipendiada e odiada doutora Manuela Ferreira Leite na campanha eleitoral do ano passado, e que eu cheguei a ver exibidos vezes sem conta na rotunda do Centro Sul em Almada.

Não, não, dizia alto e a bom som o nosso Engenheiro em todas as frentes mediáticas e outras, essa verdade da doutora era mentira, pessimismo puro, falta de querer fazer, porque a verdadeira hora era a que ele tinha para dar a Portugal, a das novíssimas promessas, das grandiosas obras republicanas, da moderníssima estirpe da “Rosa”, púrpura de Lisboa até aos arredores de Madrid e da Europa.

Não estava do lado certo, claro, aquele prenúncio sulista e elitista da Senhora Ferreira Leite. Portugal precisava do engenho e arte magníficos do “Governo Prozac” por mais uns quantos anos, longos e bons para tudo e todos, por consequência.

Mas agora, chegados a Setembro de 2010, já com dois PEC aprovados entrementes, parece que a tal “Hora da Verdade”, muito pequena e tristonha, está chegar em cima das nossas cabeças, provavelmente com uma adjunta suspensão das inúmeras virtualidades da nossa democracia intemporal e insigne que muitos desacreditavam que pudesse ser possível acontecer neste Portugal abrilista, fecundo de direitos e promessas para sempre.

Afinal, como agora parece estar visível e quantificável, os espanhóis e os irlandeses, e mesmo os próprios gregos já intervencionados pela união Europeia e FMI, lá foram fazendo o seu duro trabalho enquanto que aqui o “Governo Rosa” descarrilou e, agora mesmo, ainda falta com os dados à Republica e à oposição. E já agora também aos portugueses que elegeram bem enganados o Senhor Engenheiro há praticamente um ano, com as suas benevolentes promessas do paraíso na terrinha rectangular desta ocidental praia.

Valia a pena, se me permitem a sugestão amável, ir agora rebuscar as palavras da tal “Velha Senhora Ferreira Leite” (bruxa como alguns dos nossos denodados universalistas e humanistas intrépidos então também lhe chamaram), avisadas como agora parecem ser finalmente, quando se vislumbram tão decisivamente os restos deste regime glorioso, tão correctamente glorificado e tão prestimoso, enfileirado no “Governo Prozac” do Engenheiro Sócrates. Aquele que “prometia mais que a gesta humana”, e um Estado omnipotente e sagrado, com direitos universais e gratuitos, tal como escrupulosamente dispôs a nossa intocável e mui eternamente socialista Constituição da República Portuguesa.

Só que neste momento exacto de 2010 estão à vista as contas desta República. E os credores da dita, e também já certa desdita, nossa e das próximas gerações de portugueses, estão a olhar preocupadamente para este nosso desgoverno. E as carradas de Prozac que alimentaram esta ilusória e mentirosa governação já não fazem efeito ao mais alto nível. Por isso, se vem assistindo a uma trágica encenação do Primeiro-Ministro e dos seus mais fiéis seguidores, da qual tenta agora descolar em último recurso o Ministro Teixeira dos Santos. Tarde, muito tarde, e na tal má hora, “A Hora da Verdade”, que já nos cai violentamente e cheia de imposturas em cima.

E que faz ou parece querer fazer o homem do leme? O homem do leme quererá mesmo fugir? Agora que já nos meteu no buraco enormíssimo que vai custar gerações a liquidar? Deixou de nos dar a tomar o “Governo Prozac”? Já se terá passado mesmo para o “Third Life”?

E como dar crédito ao Ministro das Finanças, que deixou assinar as inumeráveis Parcerias Público-Privadas para as estradas, os hospitais, e a alta velocidade, e aumentar as despesas do Estado para as quais garantiu milhões e milhões de euros de impostos novos? Que continuou alegre e despreocupadamente a alimentar todos os milhares de cargos da boa gente das muitas centenas de organismos e empresas públicas, e o aumento imparável da dívida pública e do endividamento das empresas públicas que tutelava? Como vem agora à superfície o Doutor Teixeira dos Santos, repentinamente, para desdizer todo o Governo que andou nestes últimos tempos em circos de inaugurações e psicologia barata alimentada a carradas de Prozac? E quer mais impostos, e outras receitas e talvez mesmo congelamentos salariais, para poder continuar alegremente a alimentar a despesa pública sem qualquer esforço sério e credível de contenção?

Por mim, acho mesmo, depois da baixeza da encenação “Silva Pereirista” de há uns dias, inusitadamente no final de um Conselho de Ministros desta República, que foi encomenda empaticamente Socrática, que o Dr. Passos Coelho deve ter chegado às mesmas conclusões da Doutora Manuela Ferreira Leite sobre a transversa honorabilidade e confiabilidade política e pessoal deste Primeiro-Ministro e dos seus mais íntimos fiéis. O qual terá querido negociar, ou melhor impor à oposição em disciplina prévia, tudo quanto é o contrário do que andou a dizer e a fazer, depois de ter circulado cá pelo “Terreiro” de norte a sul, durante os últimos meses, a olhar para as praias e a atrelar-se a tudo quanto eram inaugurações, tijolos e pedras.

Isto é francamente de mais para qualquer paciência santificada que seja, e a do doutor Passos Coelho nem parece que a tal sagração queira ou possa aspirar!

Para muitos dos que vêem tudo isto que agora se vem passando como uma descomunal e maquiavélica encenação montada pelo homem do leme deste “Governo Prozac” nem é estranha a tentativa dele para intentar um processo extemporâneo de fuga, e apressada, às suas responsabilidades. Só que agora vai ter de arcar com tudo quanto criou, de enfrentar a dureza da realidade que sempre negou, e dizer aos portugueses o contrário daquilo que ainda há semanas dizia em cada inauguração de uma qualquer creche deste País. E terá de apresentar o seu Orçamento de Estado a Portugal, defendendo as soluções que preconize para os problemas que sempre negou ou esqueceu.

Os portugueses irão, finalmente, mas com mais pobreza e miséria de muitos dos seus familiares e concidadãos, tomar consciência das contas que o Engenheiro Sócrates e o seu prestimoso “Governo Prozac” deixarão para as próximas décadas, mas igualmente do estado miserável a que conduziram a economia e as finanças públicas de Portugal. E saberão também, ao mesmo tempo, contar e recontar os muitos milhares de empregos bem pagos que nestes mais de cinco anos foram criados para os camaradas e apaniguados da “Rosa Socialista” em todos os serviços do Estado, empresas públicas, e assessorias ministeriais, nomeadamente. E ainda também virão a conhecer as centenas e centenas de milhões de euros das PPP que ficaram para os bancos e as empresas deste regime de mentira que deixa o País moribundo económica e financeiramente.

Estou há muito com Medina Carreira, com Hernâni Lopes, com Silva Lopes, com António Barreto e mesmo com Eduardo Catroga. Este último bem avisou há um ano na Associação Industrial Portuguesa, com mais de sessenta diapositivos e contas feitas ao milhão de euros, como devia fazer-se renascer Portugal desta decadência e empobrecimento vil em que fomos metidos por esta governação de más contas e responsabilidades.

Sim, porque o máximo responsável deste “Governo Prozac” até pensou em fugir agora, deixando Portugal a arder! E que atrás dele viria a União Europeia e o FMI algum tempo depois tratar de toda esta insustentabilidade para que avisava há poucas semanas o actual Presidente da República.

Sustentável mesmo é a leveza deste Engenheiro, homem político que apenas quer o poder pelo poder e a todos os custos, e que agora pensava poder irresponsavelmente escapulir-se para um qualquer exílio do “Third Life”!

José Pinto Correia, Economista

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Os Anti-Capitalismos de Portugal

Em Portugal há muitos anti-capitalistas, muito discurso anti-capitalista, muitíssimo conceito e preconceito contrário à iniciativa privada, ao lucro, ao mérito e ao sucesso individual, à busca de um lugar individual de cada qual na sua vida pessoal e familiar, à independência e à autonomia dos indivíduos perante uma engrenagem da sociedade e aos mecanismos e ao poder supremo do Estado.

Este tipo de narrativas anti-capitalistas e anti-liberais estão na nossa matriz republicana e constitucional, nos líderes políticos da esquerda radical e totalitária do Partido Comunista e do Bloco de Esquerda, mas também em outros sectores da opinião pública e mediática, nos sindicatos, nos corredores da administração pública, ou em certos discursos e representantes do topo da hierarquia da própria Igreja Católica portuguesa.

Por isso, na nossa praça pública há tantos que agitam e suspiram por novos paradigmas económicos, políticos, sociais ou até mesmo culturais. E estas novas procuras de cura para todos os males do capitalismo nacional aproximam-se rapidamente das tradicionais utopias do fim da história, da redenção do homem português, de um novo império das virtudes e da imensa e eterna justiça social.

Portanto, auguram-se outros paradigmas, novos modelos, muito anti-capitalistas e anti-liberais, onde o Estado iluminado redimiria todas as flagrantes injustiças e misérias abjectas do nosso capitalismo, neoliberal como agora é convenientemente apelidado.

Só que há algumas questões que se podem e devem colocar a esses prestimosos arautos da salvação das almas subjugadas pelo capitalismo e pela burguesia egoísta e predadora.

Exemplificando para o Portugal de 2010, com os seus problemas conhecidos mas também muitas vezes negados pelos novos apóstolos da utopia anti-capitalista, como é que esses paradigmas salvíficos responderiam aos problemazinhos que corporizam a nossa triste realidade.

Enquanto se procuram novos paradigmas que estejam para além do capitalismo e do comunismo, como se resolvem os casos absolutamente insuportáveis dos quase setecentos mil desempregados portugueses? Será com as soluções tipo Bloco de Esquerda de fazer entrar mais cem mil pessoas nos quadros da Administração Pública? Ou com as do Partido Comunista de voltar a nacionalizar as empresas de grande dimensão, hoje privadas? E quem vai dar emprego às centenas de milhares de mulheres e homens de família, muitos de meia-idade e sem quaisquer qualificações e experiências de trabalho diferente da que sempre tiveram nas respectivas fábricas desaparecidas ou falidas?

Convém dizer que o nosso fantástico capitalismo, que é tão violentamente atacado pelos diversos cultores anti-capitalistas portugueses, apenas era antes de 1974, com significado nacional e internacional, um punhado de empresas protegidas da concorrência internacional e pertença de meia dúzia de grupos económicos. Em tudo o mais esse capitalismo português era miserando, com milhares de empresas tecnologicamente fragilizadas e inundadas de mão-de-obra sem qualificações, e em sectores industriais que interessavam à divisão do trabalho que existia entre a Europa do Norte e a do Sul.
Mas aquele pouco capitalismo com algum potencial e significado interno e externo foi todo expropriado e nacionalizado até aos anos 90, obedecendo a tudo menos à lógica capitalista da concorrência mundial.

E o que é, então, agora em 2010 esse nosso tão ignóbil e despudorado capitalismo? Meia dúzia de bancos privados altamente endividados e dependentes dos financiamentos externos pertencentes a milhares de accionistas muitas vezes estrangeiros. Mais algumas outras grandes empresas, também altamente endividadas, sobretudo de sectores de bens não transaccionáveis, como a EDP, a REN, a GALP, a PT, e mais umas outras parcas centenas de empresas de dimensão média. E que todas juntas pagam praticamente todo o IRC de Portugal, praticam bons níveis salariais para uns quantos milhares de quadros e liquidam parcelas relevantes do IVA e do IRS nacionais.

Porque é conveniente recordar a realidade do restante capitalismo voraz de Portugal, apregoado pelos ideólogos anti-capitalistas, como sendo correspondente a mais de 98% das nossas empresas, as quais são de pequena dimensão e com menos de 10 trabalhadores; e que também cerca de setenta por cento de todas as nossas empresas não pagaram IRC em 2010 porque não tinham tido resultados positivos no ano anterior, que já era de crise económica e financeira pronunciada.

Por toda esta real fraqueza do capitalismo português é que em Maio passado, com o PEC II, quando o Governo decidiu aumentar as taxas do IRS para 45% aos ricos do País, que se definiu serem todos aqueles que ganham e declaram mais de 150.000 euros por ano, apenas existiam neste enormíssimo capitalismo neoliberal e explorador cerca de 30 mil agregados familiares nessas condições, o que daria qualquer coisa como 120.000 pessoas envolvidas nesses mantos diáfanos da nossa grande burguesia. E esse acréscimo de imposto ficou cifrado em cerca de 30 milhões de euros (uma majestática soma para acorrer aos mais que justos desejos e dispêndios do nosso grandiloquente Estado).

Então que vigoroso capitalismo é este em que existe em Portugal em 2010? Que justifique essas buscas de um qualquer novíssimo “Graal Anti-Capitalista”?

E será esse exercício de alquimia político-ideológica que vai ser capaz de criar empresas, empregos e riqueza para distribuir por trabalhadores e pelos mais pobres e excluídos? Sem capitalismo a sério, sem novas empresas de todas as dimensões, será possível que o futuro de milhões de jovens qualificados que vão estar no mercado de trabalho nas próximas décadas e as centenas de milhares de actuais desempregados encontrem em Portugal espaço para organizarem dignamente as suas vidas pessoais e familiares? Onde e por que entidades serão originados os recursos financeiros e económicos que pagarão os nossos sistemas sociais de saúde, de educação, de reformas e pensões de mais de três milhões de pessoas actuais que serão ainda mais futuramente? E como será paga a enormíssima dívida pública acumulada (que já se aproxima a passos largos dos cem por cento da riqueza anualmente criada no País)?

Portugal terá mesmo viabilidade económica e equilíbrio social ou decairá até próximo das circunstâncias do início dos anos noventa do século anterior, continuando a perder décadas como a deste início de século o foi? E então a ideologia e as utopias anti-capitalistas que tantos defendem, disseminam e propagandeiam na esquerda comunista e socialista, servirão para quê e a quantos portugueses?

Não haverá antes, pelo caminho de apodrecimento democrático e do regime a que se vem assistindo flagrantemente, uma qualquer Maria da Fonte, entretanto? E para que outras utopias se refugiarão progressivamente os dirigentes desta deslocada narrativa anti-capitalista, que apregoa exaustivamente os direitos inesgotáveis, as promessas e das possibilidades do “Sal na Terra”, ou o tudo e o mais, sempre?

Bem ao contrário dessa idealização anti-capitalista de raízes indisfarçavelmente totalitárias, esta hora portuguesa que vivemos em Setembro de 2010 é mesmo aquela da última estrofe do poema Mensagem de Pessoa!

O futuro das nossas filhas e filhos e até mesmo o meu, que ainda estarei mais dez anos pelo menos a servir o Estado, num clima reinante de completo despudor que está inequivocamente instalado e onde eu já não revejo a noção de serviço público com que iniciei as minhas funções nos final dos anos 70 do século vinte, está ameaçado e muito, e o céu cinzento carregado está aqui mesmo já ao virar da esquina.

Chama-se muito provavelmente FMI! E repetirá 1983-85 sem Mário Soares, Silva Lopes, Hernâni Lopes ou até mesmo Medina Carreira, e com muito pouca atenção aos cânones da nossa Constituição e democracia. E o Professor Medina Carreira, o tal catastrofista e alarmista de serviço, como foi sendo apelidado nos últimos anos pelos idiotas úteis do optimismo propagandístico e da infâmia, não profetizou, apenas se dedicou a fazer as contas do regime, e desiludiu-se, tal como eu e muitos outros, da sagração ideológica que nos foi vendida desde 1976, e que ainda tem consagração no Preâmbulo magnânime da intocável CRP.

Paradigmas, que paradigmas anti-capitalistas, quais utopias deslocadas e insanas, quando é já o comboio a alta velocidade que está a vir do fim do túnel direitinho às nossas cabeças?

José Pinto Correia, Economista

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Outras Políticas Públicas para Portugal


Desde há muitos anos que acompanho, por iniciativa individual profissional e também académica, o que em vários países do chamado mundo anglo-saxónico têm sido as experiências de reinvenção e de nova gestão da administração pública e universitária, e também das iniciativas institucionais e de orientação estratégica para a redefinição das políticas públicas sectoriais.

Assim, tenho contactado frequentemente com várias das inúmeras organizações pensantes (os denominados “think thanks”) do Reino Unido e dos EUA em diversas daquelas áreas das funções tradicionais do Estado. Acompanhei também com especial interesse o enorme esforço de reforma, melhor de reinvenção, da administração americana conduzido durante os mandatos do Presidente Clinton, alicerçada com suporte numa concepção teórica e académica completamente inovadora à época, a qual fez subsequentemente “escola” internacionalmente, e foi depois utilizada em países como a Nova Zelândia e a Austrália e ainda mais recentemente durante os mandatos do Partido Trabalhista de Blair e Brown no Reino Unido.

Essa intervenção longa dos vários anos de dois mandatos presidenciais de Clinton, em que foi proposta e concretizada uma profunda reinvenção da administração americana, tornou possível passar de um défice federal enorme, herdado da anterior presidência, para um significativo excedente orçamental, através de um vastíssimo conjunto de mudanças na concepção, gestão e estratégia de muitos departamentos e serviços públicos.

Em Portugal, estas preocupações reformadoras ou de reinvenção da nossa Administração Pública ou mesmo do Estado se falarmos mais genericamente, bem como os novos modelos de análise organizacional e funcional e os correspondentes instrumentos de formulação de políticas públicas têm sido quase completamente ignorados. Não é possível assim encontrar ainda hoje as fundamentações teóricas modelares, os estudos e documentos que têm substanciado as intervenções recentes de mudança na Administração Pública, que quase se esgotaram ou nas iniciativas do “Simplex” ou em reformulações das carreiras ou dos processos de avaliação do desempenho, com carácter meramente jurídico e mesmo assim com “lutas” muito equívocas e lideradas apenas pelos respectivos sindicatos interessados.

Em nenhum momento destas parcas mudanças dos últimos anos foram tentados exercícios de verdadeira mobilização das vontades e conhecimentos profundos dos quadros da nossa administração para repensarem a estratégia e planeamento, a organização e os processos de decisão dos seus departamentos e serviços públicos, situação que foi devidamente acautelada e amplamente estimulada na experiência do Presidente Clinton nos EUA.

Mais ainda, o Governo português não dispôs nunca no passado nem continua ainda hoje a dispor de qualquer “unidade estratégica” similar aquela que trabalhava junto do Primeiro-Ministro Britânico trabalhista e que foi durante anos produzindo estudos interdepartamentais profundos e devidamente referenciados do ponto de vista académico-científico, que funcionavam como adequados meios fundamentadores das políticas publicas a prosseguir nesses múltiplos domínios da intervenção governativa.


Mais ainda, todos aqueles trabalhos profundos de análise e propositura de intervenções nos diferentes espaços da vida pública nacional do Reino Unido estavam e ainda continuam agora a estar disponíveis em linha na internet para avaliação e estudo de todos os cidadãos e organizações daquele Reino.

Também não existe entre nós uma entidade como o FORFÁS da Irlanda que publica estudos e documentos sobre várias áreas da governação, nomeadamente virados para as estratégias que o país tem de prosseguir no concerto global nesses diferentes sectores económicos e sociais. Ali se podem encontrar permanentemente disponíveis variados estudos detalhados sobre a competitividade do país, sobre as escolhas nos domínios da ciência e tecnologia, sobre os caminhos de evolução do ensino superior e universitário, ou mesmo sobre as estratégias de desenvolvimento económico e empresarial em vários sectores da economia irlandesa.

Em Portugal, por outro lado, que eu tenha conhecimento, também nunca foi publicado pelo Ministério das Finanças e da Administração Pública ou pelo da Economia e Inovação qualquer documento governamental que referenciasse modelos de gestão e fundamentação de políticas públicas, como por exemplo os que se referem às políticas baseadas em evidências (“evidence-based policies” tão conhecidas no mundo anglo-saxónico). O que foi conhecido até hoje foi um documento bastante frágil do ponto de vista conceptual sobre o denominado “PRACE”, que era afirmado pelo Governo como o instrumento modelar da sua intervenção reformista na Administração Pública ou no Estado se assim preferirmos considerá-lo. E se formos, por exemplo, verificar os sites do Ministério da Ciência e Ensino Superior ou da Economia, Inovação e Desenvolvimento poderemos constatar um panorama comparativamente confrangedor com o que é facilmente verificável existir em sectores governamentais similares no Reino Unido.

Também, por outro exemplo, em Portugal não é ainda hoje possível dispor de um qualquer centro de estudos sobre a economia e a gestão da educação e, o que ainda é mais invulgar, de uma qualquer entidade universitária que investigue comparativamente a gestão/administração das universidades, contrariamente ao que facilmente se reconhece existir em países como os EUA, o Reino Unido ou mesmo a Holanda, a qual no caso da gestão universitária tem na Universidade de Twente há quase duas décadas o “Center for Higher Education Policy Studies” (“CHEPS”) que é uma indiscutível referência mundial. E neste caso particular pode facilmente aceder-se aos diversíssimos estudos que sobre a gestão universitária europeia e mundial aquele “Centro de Estudos” sediado na Holanda tem produzido ao longo destas últimas décadas.

Em Portugal, infelizmente até hoje não têm aparecido entidades públicas ou privadas capazes e com a ambição ou a vocação para promoverem o estudo comparado de muitas daquelas experiências de reinvenção, reforma ou nova gestão pública, as quais têm tido tradução em vários países, como acima referido, num conjunto de novas e mais eficazes políticas públicas sectoriais. Desde logo, o nosso Instituto Nacional de Administração não tem sido entidade activa e manifestamente empenhada em estudar essas experiências estrangeiras que foram levadas a cabo nas últimas décadas em vários países da OCDE, tendo realizado até hoje uma fraca produção de estudos e outros trabalhos de investigação dessa natureza. E mesmo no último Congresso da Administração Pública, realizado há alguns meses no final de 2009, estudos dessa natureza praticamente estiveram uma vez mais ausentes das discussões, e os discursos dos membros do Governo com a tutela da Administração Pública que ali intervieram publicamente foram sobre essas temáticas completamente vazios.

Portugal está, assim, muito longe de demonstrar capacidades de pensar e desenvolver concepções estratégicas para muitos dos sectores da vida pública. As políticas públicas sectoriais, departamentais e interdepartamentais ainda não gozam nem do prestígio nem do investimento organizacional e dos impulsos governamentais que a complexidade da gestão e desenvolvimento estratégico de muitos sectores de intervenção do Estado e da Administração Pública justificariam. Há, portanto, um longo caminho de melhoria da concepção das novas políticas públicas em Portugal, que merece tanto o esforço da sociedade civil e das suas respectivas organizações, como da própria orgânica ministerial, quer ao nível da chefia do gabinete quer dos próprios ministérios e dos seus correspondentes departamentos; sem esquecer também a indispensável coordenação interdepartamental que promova o estudo e a implementação das modernas políticas multissectoriais.

José Pinto Correia, Economista

terça-feira, 14 de setembro de 2010

O Desporto e a Cidade em Portugal (Notas de Futuro)

Este texto foi originalmente publicado no BLOG da Colectividade Desportiva e agora aqui se republica sob o mesmo título.
Os países estão hoje envolvidos em processos de criação de riqueza que assentam na promoção de actividades económicas, sociais e culturais que apresentam valor e funcionam como elementos fundadores de bem-estar e qualidade de vida. As empresas são os principais criadores dessa riqueza e são também elas que permitem aos diferentes países e espaços económicos e geográficos competirem pela afirmação das respectivas capacidades e potencial.

As cidades foram sempre historicamente os principais centros criadores e acumuladores de riqueza, pois agregam grandes massas populacionais, mobilizam projectos individuais e colectivos de consumo e produção de bens e serviços, sobretudo daqueles que mais inovam e acrescentam valor em cadeia. Por isso, as cidades continuarão a ser no futuro as sedes naturais de muitas das melhores e mais bem sucedidas iniciativas empresariais lucrativas e das não-lucrativas que geram as oportunidades das carreiras e das vidas profissionais e familiares, bem como das diferentes e novas formas de garantir a organização em rede das iniciativas que geram valor e diferenciação competitiva.

As cidades organizam hoje com cada vez maior capacidade autónoma os seus espaços naturais e alargam-se cada vez mais para além dos seus limites geográficos tradicionais. A gestão moderna das cidades vai complexificar-se e obrigar a contemplar um novo conceito para o seu planeamento e para os modos como estão capazes de atraírem novas actividades, actores e projectos.

A vida das cidades competentes e eficazes na sua capacidade de afirmação global e nacional tem de estar cada vez mais intensamente aberta às iniciativas que organizem recursos e factores económicos e tecnológicos competitivos a escalas globais, que possam ultrapassar as circunstâncias nacionais e locais e possam inserir-se nas cadeias mundiais de actividades e valor.

As cidades podem e devem, por isso mesmo, acompanhar as grandes tendências de evolução produtiva e científico-tecnológica, abrirem espaços de organização em rede abertos ao mundo para a geração e organização de novas empresas e projectos. Pois é óbvio que o espaço natural de intervenção das cidades principais de cada país passou a ser o Mundo, e sempre que justificado os espaços regionais integrados do ponto de vista económico e/ou político (como por exemplo a União Europeia).

Evidentemente que cada cidade tem o seu contexto nacional por excelência onde está integrada; e para além deste também pode e deve conhecer detalhadamente as circunstâncias e as potencialidades ou constrangimentos da sua inserção territorial “microgeográfica”. As cidades têm, assim, uma autonomia estratégica e de gestão político-económica, social e cultural que já se não compadece com as intervenções tradicionalmente centralizadoras do poder político e governamental.

Assim sendo, o poder central do Estado tem de passar a transferir ou devolver um conjunto de poderes e competências mais alargados para a esfera de intervenção autónoma das cidades. E estas organizarão especificamente essas esferas de intervenção, com base no mais detalhado conhecimento e análise das suas próprias realidades, perspectivando com recurso a prospectivas de largo prazo as respectivas estratégias de desenvolvimento.
Nesta nova organização dos poderes das cidades cabe sem margem para dúvidas a da definição da sua “estratégia de desenvolvimento desportivo”. E para a sua fundamentação não servem modelos já ultrapassados das eras de centralização do poder do Estado.

As cidades têm, nestas novas circunstâncias da sua inserção global e nacional, de conceber as suas intervenções e objectivos estratégicos para o desporto em função das suas análises territoriais, populacionais, de recursos humanos e naturais, das infra-estruturas existentes de onde partem, das suas capacidades de mobilização de lideranças para o desporto, das estruturas organizativas disponíveis e das necessárias, por exemplo. E na definição destas estratégias de desenvolvimento desportivo, as cidades têm de fazer participar todos os seus agentes próprios, desde dirigentes a atletas, pais e educadores, escolas, clubes desportivos e culturais, empresas e empresários, organizações sociais e de trabalhadores.

A estratégia de desenvolvimento desportivo das nossas cidades modernas e abertas à competitividade internacional tem de ser o resultado de um amplo processo de envolvimento e participação de actores interessados e envolvidos no e pelo desporto para poder ser trabalhada com a indispensável profundidade e poder ter a efectiva e atempada operacionalização. E neste amplo processo de participação tudo se pode ganhar: as pessoas, os praticantes ou atletas desportivos, as organizações desportivas, empresariais e patrocinadoras, as vontades e a ambição e os novos projectos.

No fim destes novos entendimentos do perspectivar do contributo estratégico das cidades na promoção de mais e melhor desporto, quem ganha é o desporto, a cidade, e o papel do desporto na cidade nova e no país em geral.

José Pinto Correia, Mestre em Gestão do Desporto

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Crise e Orçamento: Insustentabilidade e Compromisso?

A natureza e as características da crise económica, financeira e social portuguesa tem parecido inequívoca a muitos dos intervenientes na vida política nacional, desde logo ao Presidente da República que a nomeou recentemente como insustentável, mas também aos líderes dos partidos da oposição à direita do Governo. Só para o Primeiro-Ministro e muitos dos seus apagados ministros, a gravidade da crise nacional tem aparecido branqueada, aqui e ali por umas pequenas décimas de crescimento económico semestral, por uma momentânea paragem decimal do número de desempregados, ou ainda por um qualquer investimento público ou privado numa creche, num hospital, numa escola ou até sabe-se mais o quê.

Agora está na ordem do dia o Orçamento de Estado para 2011 que o Governo irá brevemente apresentar ao Parlamento e ao País. Sobre o seu conteúdo, opções, prioridades políticas e estratégia em que o mesmo se insira para o crescimento económico nos próximos anos sabe-se zero, nada mesmo.

Não diz uma palavra o Primeiro-Ministro, nada diz o Ministro das Finanças e estão calados todos os restantes Ministros sobre quaisquer opções ou linhas de política das suas respectivas áreas de governação. O que paira no ar são as “boutades de reentrada” do Senhor Engenheiro e dos seus correligionários de partido à volta da magnânime defesa do estado social e do património geneticamente puro e intocável da Constituição da República a esse respeito e não só.

Enquanto que ao mesmo tempo o maior partido da oposição volta a anunciar as duas condições mínimas que tinha fixado há algumas semanas para poder viabilizar o dito Orçamento de Estado, em defesa da sua noção de responsabilidade nacional e de contributo para a manutenção da tão prestimosa estabilidade governativa, sirva lá para o que servir, pelo menos até à eleição do próximo Presidente da República.

A crise que era gravíssima e insustentável desaparecerá com que estratégia do País, com que escolhas de políticas, prioridades e opções? E com que reestruturação ou redefinição do Estado?

Não sabemos, não viremos a saber proximamente, porque se houver o pré-anunciado “tango orçamental”, a convergência entre os dois maiores partidos, o compromisso mínimo necessário, tal “engenharia democrática maior” já tem a bênção prometida do actual Presidente da República, que ainda agora anunciou publicamente a sua vontade para tal beneplácito régio a esse “negócio inter-pares”.

Portanto, o insustentável de há poucas semanas pode esperar mais um ano, melhor dito mais uns seis meses, pelo menos. Depois, logo se verá se tudo voltará a mudar no mundo para ficarmos de novo insustentavelmente à beira do abismo profundo e da morte rápida.

Porque isto dos “negócios maiores” da nossa afamada República laica tem as suas variantes, umas em fá sustenido, outras em dó maior e outras em ré bemol. Os réus deste destino assim cumprido já se conhecem agora, vão continuar a conhecer-se nos próximos meses e anos desta década (a caminho da perdição): os muitos milhares de desempregados e o empobrecimento geral dos restantes portugueses!
Muitas centenas de milhares, dos melhores e mais bem preparados do ponto de vista educativo, sairão à procura de outras paragens, como o fizeram nestes últimos dez anos mais de setecentos mil outros portugueses.

É assim, os compromissos são o fim da linha das negociações, onde se trocam umas coisas por outras, onde se ganha e se perde, em nome dos interesses maiores dos dignitários do regime político que comanda a Nação.

Lembremos então por dever de consciência nas considerações gerais seguintes o enquadramento de crise económica, financeira e social em que Portugal se encontra envolto nesta circunstância em que vai decorrer a tal dita incontornável negociação do Orçamento para 2011:

1. Os últimos anos têm vindo a permitir definir com muito maior clareza e exactidão os níveis e a natureza estrutural da crise económica e financeira portuguesa. Se algumas dúvidas ainda persistissem sobre a profundidade dessa crise, a discussão que emergiu em volta do conteúdo do PEC 2010-2013 que o Governo veio a ter que apresentar à União Europeia desvaneceram-nas totalmente.

2. Nos próximos anos, Portugal estará confrontado com um conjunto amplo de medidas muito duras e abrangentes de carácter orçamental. Todavia, esse enorme esforço de redução do défice orçamental e das despesas públicas, bem como das várias iniciativas de privatização empresarial, anunciam, mesmo assim, e em simultâneo, um crescimento económico muito fraco e muito provavelmente em nova rota de desvio relativamente à média da União Europeia.

3. No final de 2013, anuncia-se como previsão um PIB que será praticamente idêntico ao de 2008, que já de si foi muito pouco superior ao do início da primeira década do século XXI. Assim, estará o País durante mais de uma década com um nível de crescimento económico francamente insuficiente e que o afasta da convergência com a média da União Europeia e da Zona Euro.

4. Subsistem também hoje aos mais diversos níveis de intervenção política e pública deficiências perceptíveis sobre a organização e dimensão estrutural e funcional do Estado, que possibilitariam, se devidamente enfrentadas, a correcção permanente do nível da despesa pública.

5. Ao mesmo tempo, constata-se a quase ausência, senão mesmo um enorme vazio, em torno da definição clara e estruturada de uma verdadeira estratégia de crescimento da economia, que incluísse nomeadamente as grandes opções de criação de riqueza e da transformação do tradicional paradigma de desenvolvimento que vem sendo reiteradamente assumido como estando em completo esgotamento.

6. Há também, por outro lado, e lamentavelmente, uma perceptível falta de pensamento estratégico em Portugal, patente aos mais diversos níveis governamentais e institucionais, pensamento que deveria traduzir-se numa afirmação consistente dos caminhos e modelos organizativos da economia e da sociedade portuguesa para a consequente inserção do País nas modernas dinâmicas internacionais da globalização competitiva que atinge violentamente a Europa e o Mundo.

7. Não é também infelizmente comparável o nível de sofisticação das nossas políticas públicas com as que facilmente se reconhecem em outros países mais desenvolvidos da Europa e da América, onde existem organizações académicas e científicas ou da sociedade civil que estruturam essas mesmas políticas de uma forma aprofundada e eficaz. A educação, a saúde ou a justiça são áreas governamentais exemplares dessas incapacidades nacionais de conceber e protagonizar tais políticas públicas.

8. As Universidades são o grande centro produtor de conhecimento científico e de investigação do mundo moderno, têm um papel insubstituível na formação dos quadros qualificados das diferentes sociedades nacionais, e foram uma vez mais inseridas como uma das prioridades da nova estratégia da Europa (até 2020), agora em início de discussão na União Europeia, estratégia que visa continuar e melhorar os resultados da anterior “Agenda de Lisboa” e dar à Europa um novo impulso de afirmação competitiva à escala mundial. Mas em Portugal as Universidades não estão profundamente envolvidas na preparação das soluções capazes de afrontar e solucionar as situações mais dilemáticas da sociedade portuguesa.

9. Não custa reconhecer, portanto, que a Universidade Portuguesa poderia vir desde já a ter um papel de ímpar relevância na promoção de soluções portuguesas para todo um conjunto de problemas de desenvolvimento e crescimento económico de Portugal nesta segunda década do século XXI. Ademais é certo que não existem dúvidas de que as Universidades dispõem das capacidades humanas e organizacionais que lhe poderiam permitir envolver-se diferenciada e vantajosamente na procura de boas e efectivas soluções para algumas das mais determinantes questões do desenvolvimento económico e social de Portugal durante os próximos anos desta década.

10. São temas determinantes para a evolução da vida económica e social de Portugal ao longo dos próximos anos, para os quais as Universidades estariam especialmente vocacionadas e habilitadas, os seguintes:

Reorganização/Reinvenção e Gestão Estratégica do Estado;
Agenda Nacional para o Crescimento Económico;
Competitividade de Portugal na Europa e no Mundo Globalizado;
A Universidade Portuguesa na Economia do Futuro.

Face à magnitude dos problemas enunciados que condicionam a qualidade e dignidade de vida dos portugueses na próxima década, como se poderá então entender que exista na própria Presidência da República esta noção simplista e mistificadora de que o Orçamento de Estado para 2011 pode apenas resultar de uma negociação inter-partidária minimalista que origine um qualquer denominado superior compromisso de estabilidade política e governativa?

E que tal negócio orçamental mínimo possa ser então superiormente considerado pelos nossos mais responsáveis órgãos da soberania republicana como o tal voluntarioso exercício estabilizador para um Portugal em que a situação de gravíssima crise económica, financeira e social é insofismável (pese embora o manobrismo ilusionista e propagandístico do actual Primeiro-Ministro e de vários dos seus Ministros)?

Nota de Interpretação: “Cada vez é menos possível uma sã política sem larga antecipação histórica, sem profecia” (Ortega Y Gasset, “Meditación de Europa”, Revista de Occidente, 1966, pág. 49).

José Pinto Correia, Economista

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Os Doutores do Governo no Futebol

(O texto que segue foi publicado originalmente no BLOG da Colectividade Desportiva, sob o mesmo título com que agora aqui se republica).

O acórdão da Adop, assinado pelo Professor Doutor Luís Sardinha, hoje finalmente conhecido e que condena o seleccionador nacional a uma pena atenuada de seis meses de suspensão é uma obra magnífica e um monumento clarificador do chamado poder de Estado. Ali se defendem desde a pureza virginal da mãe do Presidente da Adop, até aos indefesos e aristocráticos caracteres dos digníssimos membros das brigadas anti-dopagem. Para o IDP e o Governo que elabora tal acórdão e decisão nada pode tocar ou melindrar tanto a santa mãe de Sua excelência o Doutor Luís Horta como também a santíssima paz de espírito e sossego transcendental dos senhores médicos que colhem os líquidos e avaliam escrupulosamente os devidos parâmetros.

Mal, muitíssimo mal mesmo andou aquele indigno treinador, qual membro loquaz de uma ralé reles e desbocada, que usou impropérios e outras manobras vis, muitíssimo impróprias do santuário que é não apenas o futebol profissional português como o templo sacrossanto e as redomas de cristal em que vivem as brigadas doutorais da Autoridade e que dão lustro aos seus também muitíssimo dignos e puritanos dirigentes, o Presidente do IDP e o Secretário de Estado deste “nosso mui luminoso e celestial Governo”.

Tem Sua Senhoria Doutoral, o Professor Luís Sardinha, um especialíssimo cuidado em preservar o bom nome e a dignidade intocável dos homens (não se sabe se também há mulheres na Adop), alegando e ajuizando contra qualquer palavra mal dita sobre eles e seus mais estimados familiares, ou mesmo contra qualquer incidência que possa minimamente perturbar o seu protocoladíssimo trabalho e tarefas. E para tal julgam o IDP, através da Adop, e directamente também o Governo e o Senhor Secretário de Estado do Desporto que tutela o Instituto e a Adop, o seleccionador nacional de futebol a uma pena diferente e seis vezes superior aquela que a justiça desportiva autónoma tinha estabelecido.

E ainda se permite o Doutor Luís Sardinha, insigne catedrático de exercício e saúde de uma instituição de ensino universitário pública, a voluntariosa liberdade de fazer comentários desabonatórios sobre o acórdão proferido pelo órgão jurisdicional eleito da própria Federação Portuguesa de Futebol.

O IDP, e Professor Luís Sardinha, vem agora julgar em causa própria de um organismo que dele faz parte, a Adop, e o Governo vem também directamente e ainda mais inusitadamente sobrepor a sua “justiça” à da autónoma FPF.

Para além de toda a cândida argumentação e do virtuoso registo de puritanismo do acórdão do IDP, que certamente deve ser nos seus átrios e corredores um templo sacratíssimo de pureza e rectidão, o Governo vem interferir decisivamente na autonomia jurisdicional da FPF e do desporto, ao sobrepor uma sua avaliação jurídica aquela que tinha sido independentemente fixada pela justiça desportiva.

O Tribunal Arbitral do Desporto em Lausanne e a FIFA, por seu intermédio e talvez não apenas (o que se verá lá mais adiante), certamente terão subsequentemente a palavra sobre esta imparidade portuguesa, tanto mais que a fundamentação em casos antecedentes por jurisprudência no próprio acórdão do IDP é inexistente (como consta em discurso directo dos próprios termos da deliberação proferida).

Claro também é que toda esta trama político-jurídica da esfera governamental, aliada à habitualíssima incapacidade, incompetência, indecisão, e o apego aos lugares de praticamente toda esta Direcção da FPF, que lembremos vive no limbo jurídico por desconformidade estatutária há muitos meses, dá a este “Caso Queirós” um cheiro imenso a processo Kafkiano e ao Orwelliano “1984”. Lembraremos que neste último sistema político e governativo passou a imperar uma linguagem nova e asséptica, a “Novilíngua” onde inúmeras palavras antigas eram apagadas ou proscritas, e uma “Polícia do Pensamento” capaz não apenas de evitar a divergência e a dissidência tanto no pensar como na própria linguagem, como também de condenar os homens que pudessem ter um qualquer desses desvios, sobretudo quando estivessem dispostos a aceitar a sua responsabilidade individual pela desconformidade e o destempero. Portugal está pois, com esta magnífica peça acusatória do IDP e do Governo ao treinador Carlos Queirós no mundo das virgens e dos “juízes do tudo e do nada”, com um poder governamental que já nem faz questão ou cerimónia em invadir esferas autónomas e independentes do desporto para dar a cumprir a razão de Estado.

Queirós é nesta “ópera bufa” apenas um pequeno vulto destinado a expiar os pecados de lesa majestades que impropriamente cometeu.

Honra pois aos máximos virtuosos, excelsos e vigilantes Doutores da Secretaria de Estado do Desporto, do IDP, da Adop, e especialmente à virgem mãe do Doutor Luís Horta que ficará nos anais do desporto português e nos do Tribunal Arbitral do Desporto (e na FIFA, portanto).

José Pinto Correia, Mestre em Gestão do Desporto

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Que Orçamento de Estado para 2011?

Há muito quem entre nós queira entender ou persuadir os outros a entender o Orçamento de Estado como o alfa e ómega da política nacional. E são tantos os que também pensam ou levam outros a pensar que tudo começa e acaba naquele instrumento financeiro do Estado, que é isso que ele efectivamente tende estaticamente a ser.

Convém desde já lembrar que um Orçamento de Estado é em primeiro lugar apenas e só um repositório de todas as receitas e despesas do Estado devidamente orçamentadas, porque não se podem desconhecer as inúmeras tendências para realizar despesas públicas significativas fora do denominado perímetro orçamental, vide o caso flagrantíssimo da empresa Estradas de Portugal que tem já encargos previstos para 2013 e seguintes de mais de dois mil milhões de euros ou os hospitais públicos que também têm vindo a fugir desse mesmo total de despesas orçamentadas.

Deve recordar-se que quer receitas e despesas públicas constantes do Orçamento de Estado, tanto umas como as outras, são encontradas com base nas políticas definidas pelo Governo da República para a captação de recursos ou para a assunção de despesas e correspondentes realização de pagamentos.

Um Orçamento de Estado é, por isso mesmo, apenas um instrumento de gestão do Estado que concretiza as respectivas políticas públicas, que definem opções e objectivos, corporizam estruturas e missões organizacionais, todas estas decididas pela maioria governamental que detém o poder executivo. Por isso mesmo, a substância de um Orçamento de Estado, aquilo que realmente o define e pelo qual ele deve ser ajuizado, são as respectivas políticas que ele acolhe e a que financeiramente dá lugar efectivo.

As políticas públicas escolhidas pelo Governo aos seus diferentes níveis orgânicos, os correspondentes objectivos e estratégias reais, as suas metas e escolhas selectivas, os seus diferentes públicos destinatários (das famílias, às empresas, aos diversos tipos de institutos e organismos públicos), as condições de justiça e equidade que as definem, a natureza dos seus instrumentos de concretização, os seus níveis de eficácia e eficiência, o rigor da sua aplicação e dos usos dos recursos públicos, a contribuição para a melhoria das condições da economia e do emprego, do investimento público e privado produtivo e criador de valor económico e social, esses são vários dos critérios de avaliação que contribuirão para definir do grau de eficácia e oportunidade das escolhas de um Orçamento de Estado.

Sabemos e temos consciência da gravidade da crise económica e social que atinge Portugal no momento presente. Temos também, e ao mesmo tempo, consciência da fragilidade da nossa economia que praticamente não cresce há uma década, dos níveis elevadíssimos de desemprego actual e da possibilidade do seu aumento ainda no futuro próximo, das dificuldades de atracção de investimento estrangeiro de monta e significado real que a economia demonstra, das imensas dificuldades em surgirem novos projectos empresariais na indústria e sectores transaccionáveis com efectiva capacidade inovadora e de exportação, das enormes teias da burocracia e da lentidão da justiça que é inimiga das iniciativas de dimensão amigas do emprego.

Sentimos também o enorme aumento do nível de impostos directos e indirectos que o País sofreu na última década e nos meses recentes que têm servido sobretudo e apenas para continuar a aumentar imenso o peso do Estado na economia nacional, traduzido numa despesa total que já ultrapassou em 2009 metade da riqueza criada anualmente. Sabemos que o Estado tem presença fortíssima num conjunto diversificado de sectores sociais, desde a educação à saúde, e em inúmeras empresas públicas altamente endividadas e deficitárias, para além de continuar a adjudicar um conjunto vasto de novas infra-estruturas rodoviárias, escolares, de saúde ou ainda de justiça, que já excedem os recursos orçamentais disponíveis e vão constituindo dívidas acumuladas para o futuro.

Todos também temos consciência que a enorme máquina estatal que prolifera por quase todos os cantos da sociedade portuguesa não fez ao longo de todos estes dez anos do presente século um real exercício de contenção estrutural que lhe pudesse permitir gastar menos dos recursos que a economia nacional praticamente estagnada consegue proporcionar.

Por tudo isso, a despesa pública ainda agora neste ano de PEC, já com novos aumentos de impostos, aumentou mais do que o previsto absorvendo a quase totalidade desses novos recursos, a dívida pública continuará a aumentar mais até próximo dos noventa por cento do produto, o endividamento externo diário (cada vez mais difícil e caro) não pára de crescer, e o défice orçamental de 2010 será talvez já duvidosamente contido como tinha sido prometido e anunciado há meses.

Todo este panorama de insustentabilidade das nossas finanças públicas e também simultaneamente dos nossos principais sistemas sociais não é suportável pela nossa debilitada economia sem que o Estado se concentre em diminuir estratégica e acentuadamente as suas despesas, sem um verdadeiro exercício de emagrecimento estrutural com objectivos departamentais máximos devidamente fixados para a respectiva despesa, e também com metas rigorosamente definidas em todos os diferentes subsectores departamentais e da administração pública, como a educação, a saúde, as autarquias ou mesmo as regiões autónomas.

O Estado tem mesmo de congelar ou diminuir despesas em muitas das suas áreas de intervenção, com critérios claramente assumidos e defendidos pelo Governo ao seu mais alto nível. Para isso, tem de haver escolhas políticas sérias, definição clara de estratégias departamentais e de prioridades devidamente programadas e orçamentadas, dotações máximas definidas para os diferentes sectores e departamentos da orgânica ministerial, e mesmo a imposição de uma verdadeira orçamentação de base zero em muitos institutos públicos e empresas públicas deficitárias.

Em síntese, em 2011, o Orçamento de Estado deve consubstanciar uma orçamentação estrategicamente orientada, rigorosa nas despesas máximas departamentais e nos institutos e empresas públicas deficitárias e com reais escolhas e opções políticas que possam depois ser objecto de verdadeiras avaliações de resultados face ao conjunto dos objectivos previamente estabelecidos.

Este sim seria um exercício orçamental inovador capaz de contribuir de modo eficaz e consequente para afirmar uma alteração efectiva do panorama de descalabro das contas públicas em que Portugal tem vindo a viver ano após ano desde 2010, o que lhe tem exigido aumentos constantes de impostos, que já atingiram patamares excessivos, e de dívida pública crescente e praticamente insuportável de sustentar para o futuro.

Em suma, pode dizer-se sem receio de erro que não haverá, uma vez mais e em 2011, verdadeiro saneamento das finanças públicas portuguesas sem que seja travado o crescimento das despesas públicas, sem que o Estado passe por um exigente e programado exercício de redução das suas imensas despesas em muitos departamentos e sectores públicos.

Mais a mais, este verdadeiro exercício de contenção do peso real do Estado na economia nacional é tanto ou mais necessário quanto é praticamente certo e assente que em determinados tipos de despesas sociais, que introduzem mais equidade e justiça social, haverá cada vez mais pressão para que aumentem significativamente por razões, respectivamente, do envelhecimento progressivo da população, da manutenção de taxas elevadas de desemprego estrutural, da diminuição da natalidade e do aumento dos números de pensionistas e reformados públicos e privados e dos seus correspondentes níveis médios de rendimentos a que têm direito legalmente estabelecido.

José Pinto Correia, Economista