segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Desporto e Políticas Desportivas em Portugal (I)

Em Portugal nos últimos anos, para aí nos circunscrevermos, já com este Governo em funções, se tentarmos ver objectivamente o que foi feito pela promoção activa do desporto em todo o País muito pouco há para referir. Continuou-se apenas a acompanhar governamentalmente o desporto de competição, mantendo todo o programa nacional de preparação olímpica – incluindo o correspondente pacote de financiamento – sob o arbítrio decisional do Comité Olímpico, situação “sui generis” vinda do anterior governo e que desresponsabiliza o Estado pela condução efectiva do desporto de competição nacional. E quanto ao desporto de base (ou “grassroots sport” como é denominado no Reino Unido) se formos procurar programas de promoção activa no território nacional, estudo sistematizado e recolha de elementos de caracterização da prática desportiva no todo nacional, definição de quadros estratégicos de desenvolvimento desportivo local, parcerias locais entre clubes e escolas, lançamento de quadro de competições desportivas escolares nacionais, programas de formação de treinadores, de captação e formação de voluntários, não se vê praticamente nada.
Bastará dizer também que nestes anos nos submergimos uma vez mais, como é nosso timbre “francófono-dependente”, numa nova discussão de uma agora rebaptizada “lei de bases do desporto e da actividade física”, enquanto as estratégias de acção no terreno desportivo na base, sobretudo a escolar e comunitária, ficaram “no tinteiro” e nem dos discursos oficiais e oficiosos constaram.
Para comprovar estes factos bastará visitar os nossos bem portugueses sites do Instituto do Desporto de Portugal e da Secretaria de Estado do Desporto e ver o que neles consta efectivamente de verdadeiras “políticas de promoção do desporto”. Para além de que também é fácil e objectivo verificar que nenhum daqueles entes governamentais liderantes do nosso desporto tem sequer um documento que elabore sobre a “estratégia de desenvolvimento do desporto em Portugal” para os próximos anos (no mínimo que fosse: uns cinco). Portanto, quem quer que queira conhecer e discorrer sobre as evoluções que estão projectadas para o nosso desporto fica sem saber o que analisar e como avaliar do nível e graus de realização ao longo dos anos que se vão sucedendo. Avaliação e crítica dos resultados são, por conseguinte, impossíveis entre nós neste sistema desportivo assim governado e gerido. O que também exime, correlativamente, às responsabilidades pela necessária evolução e progresso do desporto as principais autoridades governamentais da área.
Por isto mesmo é possível constatar em Portugal duas singulares situações. Primeira, a de que o Instituto do Desporto de Portugal, organismo com especiais atribuições sobre o desporto entre nós, até parece que progressivamente vem a deslocar o seu foco para a “actividade física e o exercício e saúde”, ao mesmo tempo que praticamente esquece o importante documento da UE sobre desporto neste momento em discussão (o “Livro Branco sobre o Desporto na UE”), e apenas se refere explicitamente ao desporto num programa minúsculo que por falta de melhor sugestivamente apelida de “Mexa-se”. Em segundo lugar, na nossa Secretaria de Estado do Desporto o pensamento sobre desporto, no seu respectivo e apenas mediático site, reduz-se às pouco mais que “duas ou três linhas” que já constavam há anos do então programa do governo hoje em funções.
Um “reino” de franciscana pobreza que campeia incriticado porque as “redes de conhecimento” sobre desporto parecem inexistir, o que possibilita uma ausência impune de pensamento e gestão estratégicos sobre o nosso desporto.
Será tolerável que esta incapacidade e ausência de estudo profundo e reflexão estratégica sobre o desporto continue até quando?
Convenhamos que já era tempo de em Portugal se estudarem experiências estrangeiras de governação do desporto para se desenvolverem autênticas políticas desportivas da base ao topo da pirâmide do sistema desportivo.
Poderíamos e deveríamos conhecer, em primeiro lugar, exactamente os níveis de prática desportiva em todo o território nacional, estudar os modelos de governação do desporto escolar e federativo, desenvolver critérios de avaliação do desempenho das modalidades e federações desportivas, preparar estruturas intermédias locais de promoção do desporto, estudar o desporto amador de cariz voluntário e conhecer as respectivas necessidades de promoção e apoio público, monitorizar e desenvolver programas e projectos de formação de vários tipos de agentes desportivos (líderes seniores e juniores, treinadores, voluntários, agentes de desenvolvimento desportivo escolar e comunitário, etc.).
Por outro lado, têm de estudar-se as diversas implicações de ordem social, económica e mesmo política do desporto, sabendo quais são as suas contribuições para o tecido social e económico ao nível nacional e regional, quer ao nível do desporto amador e voluntário quer do denominado desporto profissional. E também para se verificarem os imensos benefícios económicos e financeiros que o País teria a retirar dessas políticas de desenvolvimento do desporto, nomeadamente para as despesas actuais e futuras do próprio sistema nacional de saúde, por exemplo.
Acresce ao que antecede que em Portugal também não temos ainda hoje um documento de teor estratégico, não sabemos exactamente quais são os níveis regionais de prática desportiva, não temos em funcionamento regular e devidamente orientado parcerias locais desportivas que impulsionem adequadamente a prática em termos geográficos amplos e abrangentes do espaço nacional. Também não temos, por tudo isto, nem em rigor poderíamos ter, quaisquer metas quantitativas e qualitativas como as que tem o Reino Unido de até 2012 – ano dos Jogos Olímpicos de Londres – fazer chegar ao desporto mais dois milhões de britânicos.
Tudo isto num Portugal em que a respectiva população será cada vez mais idosa, sedentária e obesa, e sujeita a taxas elevadas de doenças coronárias, osteoporose, cancro e quejandas, aumentando ainda mais o esforço e pressão financeira com o sistema nacional de saúde.
Por tudo isto, o desporto tem de seguir um caminho pronunciadamente diferente, com mais pensamento estratégico, definição de projectos de desenvolvimento da base ao topo de horizonte temporal alargado, reforçando o estudo e investigação das temáticas de gestão e organização do sistema desportivo, fazendo emergir lideranças de projecto e missão organizacional no âmbito do desporto escolar e do federado.
As políticas públicas de desenvolvimento desportivo devem, por conseguinte, resultar deste esforço conjugado dos principais actores do sistema, de estudos aprofundados que possibilitem rigorosos diagnósticos, de comparações internacionais com outros sistemas desportivos, e, como resultante evidente, de concretização efectiva (eficaz e eficiente) de quadros de desenvolvimento estratégico (chamem-se “planos”, ou simplesmente, como em outras latitudes, “estratégias de desenvolvimento”).

terça-feira, 30 de outubro de 2007

Desporto Olímpico num Portugal dos Pequeninos: dos Sonhos e dos Pesadelos

Sonhar no Olimpo
Volta e meia, cá pelo burgo ou em quaisquer outras paragens deste mundo global e cada vez mais interligado, somos estremunhadamente acordados para a possibilidade de o nosso “Portugal Imperial” se lançar nessa nova grande empreitada lusíada, sonhada futurista e virtuosamente pela sempre nova (re)ínclita liderança máxima da geração desportiva – a aventura magnífica dos “Jogos Olímpicos de Lisboa”.
Porque “quando o Homem sonha o mundo pula e avança” como bem nos lembra o poeta, e não é o vulgar dos mortais que tem esse carisma de desvendar o futuro das pátrias, de as reavivar e de fazer comungar a gesta numa nova aventura de descoberta(s). De aligeirar as penas materiais e de lançar as sementes da eterna grandiosidade e feitos da memória.
Sonhar é transfigurar a realidade, é entrar numa nova dimensão, transpor barreiras incomensuráveis, saltar para um cavalo alado e desaparecer na láctea transparência de Juno. Só os Deuses têm fortalezas para cavalgar nas intempéries dos comuns e salvar os seus preciosos tesouros dos possíveis naufrágios e maus augúrios.
Por isso aos Deuses, a esses sempiternos seres e espíritos, está reservado um lugar especialíssimo: o Olimpo. Apenas um de todos eles governa esse oásis e guarda as chaves da porta da entrada. Vela por tudo e todos, escolhe quem o acompanha e em que afãs e viagens, e marca “o tempo e o modo” do Olimpo. Só ele sonha os sonhos de todos, só ele é forte e presciente para antecipar as guerras a travar e os vencedores de cada peleja. Só ele distribui os favores da sorte aos intrépidos e súbditos. O Olimpo pertence-lhe, ora e outrora e possivelmente “por todo o Sempre”.
Portugal, este destino térreo imenso e imperial, bafejado pela mansidão de um Oceano vastíssimo e transterritorial, país de descobridores e de dadores de “Novos Mundos ao Mundo”, tem consigo um desses “Deuses Sonhadores”. Um imenso privilégio que a roda da fortuna quis que assim soesse.

E pagar os Sonhos na Terra
Quando estes “Deuses Sonhadores” dão asas aos seus neurónios flamejantes consideram que actualmente os custos da realização de uma edição dos Jogos Olímpicos pode custar a módica quantia de 10 biliões de euros como em Atenas 2004 ou de, neste momento, 7 biliões de libras para Londres 2012?
Sendo que este último valor que tem vindo a subir vertiginosamente desde que o Reino Unido ganhou a parada é, entenda-se, o correspondente a praticamente 2.000 milhões de contos pela nossa moeda antiga e a cerca de metade do QREN 2007-2013, que afirma o nosso Presidente da República (por referência menos Deus, mais mortal e dedicado às ciências do “vil metal”) ser a última oportunidade de Portugal se aproximar dos níveis médios da tal UE.
Claro está que isto é de somenos e inimportante quando os Deuses pairam e “verbis dixit” nos intimam: “Mantenho esse sonho, embora compreenda que actualmente as dificuldades talvez sejam maiores do que nunca…” mas “continuo a lamentar que não se faça, sobretudo pela visibilidade que isso traria…” e acrescentando “Uma candidatura hoje em dia é virtual, é um dossier mais ou menos virtual com um conjunto de intenções…”.
Um sonho, ainda que virtual e reduzido a meras intenções, rodeado de umas tantas dificuldades e desejável sobretudo pela visibilidade que traria.
Convenhamos que para um sonho virtual, poder o mesmo transformar-se em encargo efectivo da ordem de metade dos 21.5 mil milhões de euros de transferências da UE a que corresponde Quadro Comunitário de Apoio de 2007 a 2013 (hoje denominado de QREN), aproximadamente dez Euros 2004, 80% de um TGV de linhas várias, de 3.5 Aeroportos OTA, é colossal pesadelo para Lisboa e para os seus habitantes – lembremo-nos dos habitantes de Montreal que ficaram a pagar os Jogos de 1976 durante trinta anos com impostos adicionais ano a ano (acabaram de os pagar apenas em 2006). Depois é também obviamente um potencial dilúvio de euros para todo o Portugal, que cresce e cria riqueza minguadamente na Europa, e para todos nós e os nossos filhos e netos que pagaríamos essa tresloucada factura por uma grande parte deste século.
Se quisermos ainda melhor entender o que poderia estar em causa basta lembrar que o investimento total da Ford-Volkswagen de Palmela ascendeu a apenas 450 milhões de contos, dos quais 90 milhões foram de incentivos dados pelo Estado português, e durante anos considerado por muitos dos outros empresários como um apoio exagerado. Mas hoje todos sabemos o que aquela fábrica dá para o Mundo, o que gera de receitas e PIB, os empregos directos e indirectos que criou e mantém, e a organização de um novo sector industrial de alto valor acrescentado que foi possível estruturar em seu redor, tudo isto em Portugal.
Só que para o “Sonho dos Jogos” era necessário que este nosso “Portugalíssimo dos Deuses Olímpicos” fosse generoso ao ponto de doar à “festa universal” vinte vezes o que tão esforçadamente meteu em Palmela. “Uma obra e peras”, portanto, só digna dos “Altíssimos e Reverenciados Deuses” e intrépidos “Sonhadores”.
“Sonhos” destes, possíveis de se transformarem em gigantescos pesadelos, quais “Adamastores” engolindo de uma vez naus e marinheiros e toda a gesta que tenta sobreviver nesta nova era global, não obrigado!
Deuses destes são autênticos Demónios. A que olimpicamente o povo, este Zé-Povinho tem de dar a resposta conveniente e a nossa “Santa Madre Igreja” tem de excomungar porque são incaracterísticos da cristandade, da cruz e do tesouro Templário (guardado na sede da nossa bem-fadada Rua Augusta).
Devem, portanto, “sair” desse Olimpo, de onde tão insensatamente querem governar a nossa capacidade de sonhar, para nosso sossego e defesa de haveres de hoje e dos amanhãs. Que isso dos “amanhãs que cantam” foi fogo ardido que já nem aquece nem queima como soía.
È tempo de se “Sonhar outrossim Portugal de Desporto”! A bem do “Desporto de Todos para Todos” – crianças, pais e avós iguais em direitos e oportunidades! Que os míseros 23% desde há anos e anos (quantos e por quantos mais?) é de indignar – esse direito que um Santo nos conferiu e que cada vez é mais imperativo que se use…!

Mas e perguntar pelos custos e demais dos Sonhos (“Porque os almoços não são grátis!”)
Os simples mortais desse mesmíssimo Portugal, aqueles para quem os “Deuses” assim sonham olimpicamente, hão-de perguntar-se ou pedir a alguém que com eles pergunte:
1. Quanto custam uns Jogos Olímpicos? Quais as receitas? E que impactos económicos e desportivos têm os Jogos?
2. Quanto custa fazer apenas uma candidatura, mesmo que seja (admita-se por simplicidade) meramente virtual (“para COI ver”)?
3. Quem pagaria os diferentes custos da mera e simplesmente virtual candidatura?
4. Como poderia a cidade de Lisboa realizar os investimentos necessários para os Jogos – desportivos e não-desportivos?
5. Que outros investimentos deixariam de ser feitos em Lisboa e no País para concretizar os das infra-estruturas desportivas e não-desportivas dos Jogos?
6. Como financiaria o Estado esses investimentos desportivos em Lisboa quando destina a todo o desporto nacional os valores orçamentados para 2008?
7. Como se justificaria num País com prática desportiva exígua (uma das mais baixas de toda a UE) a realização do maior evento desportivo mundial?
8. Que estratégia de desenvolvimento do desporto (da base ao topo do sistema desportivo) está ou estaria subjacente a tal Projecto?
9. Quantas medalhas estaria o sistema desportivo de competição de Portugal capacitado para arrecadar nesses Jogos de Lisboa?
10. Que capacidades organizacionais desportivas nacionais existem ou existiriam para realizar eficazmente os Jogos Olímpicos?
11. Como se compatibilizaria a afectação de recursos para os Jogos com as necessidades financeiras e organizacionais de apoio e fomento do desporto de base (social, escolar ou comunitário)?

Porque estas respostas são decisivas e inultrapassáveis com meros “Sonhos mais ou menos ou mesmo Devaneios”! Será que os Deuses pensaram nestas misérias pequenas? Se não pensaram, então como bem dizia o título cinematográfico: “Os Deuses devem estar loucos”.
Só para estabelecer uma comparação, que para aqui releva, deve dizer-se que quem no Reino Unido ao longo de mais de uma década defendeu a realização dos Jogos Olímpicos de Londres 2012 (e havia consenso partidário desde 1997 e social e até desportivo) não apenas teve de encarar e encontrar as devidas respostas para algumas destas questões, como ainda agora, já depois de adquirida a realização do evento, continua afanada e criticamente a dar as respostas a estas e outras questões que a sociedade coloca todos os dias sobre os Jogos.
E também se registe que mesmo os britânicos “compraram” os Jogos por menos de 4 biliões de libras – que era o valor que figurava no estudo oficial publicado em 2002 ainda na fase inicial da candidatura – e agora, desde há cerca de três meses, já depois de adquirirem o “acontecimento”, sabem que vão ter de pagar qualquer coisa que estará muito próxima dos 7 biliões de libras.
Mas como bem diz a nossa gente no seu aforismo bem entendido “Com os problemas dos outros pode a gente bem…!”.

quinta-feira, 25 de outubro de 2007

“Para Salvar os Náufragos da Educação em Portugal Mais do Mesmo? (Não Obrigado!)”

No dia de ontem o País assistiu pela primeira vez da nossa história recente à divulgação de um “ranqueamento” das escolas nacionais, públicas e privadas, baseado nos resultados dos exames dos respectivos alunos no 9º ano de escolaridade, o último da afamada “escolaridade obrigatória”. Convém lembrar que a justificação substantiva de um ensino obrigatório por parte do Estado corresponde à noção de que tal educação é fundamental para os cidadãos nacionais ao longo de toda a sua vida em sociedade. Uns e a outra retirarão dessa educação benefícios vultuosos. Ora, os resultados que estiveram em liça, como agora mais detalhada e indisfarçavelmente se demonstrou (porque os dados são conhecidos e estão disponíveis para a sociedade), apresentam-nos, e confirmam o que em voz baixa se dizia, um imenso “oceano de náufragos”– filhos, escolas e pais incluídos. Que esses filhos serão, mais tarde ou mais cedo, e vem aqui enormemente ao caso, os futuros trabalhadores da nossa “sociedade do conhecimento e tecnologicamente vanguardista em construção” (“governamentalmente dixit!”).
Por isso, quem ontem viu e assistiu, em mais um “remake” de outros filmes passados, ao tom lamentoso e monocórdico com que a “Nossa Senhora Ministra da Educação” se exprimiu sobre os insucessos e as dissemelhanças entre as escolas, um tom e teor discursivo ideologicamente bolorento, que ajuda à passividade e ao cruzar de braços perante a “má-sorte” dos pobres interiorizados e dos potenciais excluídos das periferias das cidades, tem de indignar-se. Porque o “reino da pequenez” continua nu, ainda que algumas cambiantes possam ir num sentido justificado (a avaliação do desempenho ou as provas de acesso à carreira docente são exemplos).
Exige-se, temos todos que exigir, e sobretudo os mais bafejados pela “roda da fortuna” de entre os nossos concidadãos que obrigar a actuar sobre o “estado de coisas” o Ministério e a “Nossa Senhora” que nele impera, as Direcções Regionais (para se justificarem como entes vivos), as Direcções das Escolas, as Autarquias e os pelouros de Educação respectivos, para em prazos curtos (dois/três anos no máximo), apresentarem outros resultados nos alunos em potencial risco de naufrágio e exclusão. Actuações que prescrevam metas concretas para atingir, impondo padrões de resultados mínimos nos exames nacionais, e com taxas de progresso ano a ano desses mesmos padrões. E se forem necessários recursos e instrumentos excepcionais para realizar no terreno essas metas, eles são mais que exigíveis e justificados.
Cada aluno que fica para trás é menos um adulto a chegar aos patamares que a democracia e a cidadania activa impõem.
Discursos como o de ontem são, por isso mesmo, inaceitáveis e intoleráveis. O tempo da autocomiseração e das “desculpinhas mornas e medíocres”, ideologicamente correctas, para cima dos insucedidos e mais pobres, tem de ser atacado de raiz e denunciado. Portugal tem a obrigação moral de preparar as suas crianças e jovens para a vida deste século – que todos sabemos que não vai ser nada fácil…!

domingo, 14 de outubro de 2007

“Portugalmente”: As estórias do seu mesmamente pretérito devir



I. “Um estado de espírito”
Portugal, o “Portugalmente” que aqui nos convoca, sempre mesmamente determinado nas suas raízes e conquistas, fundado no seu pretérito consistentemente prolongado no seu futuro. Um país de ontem e de hoje, mesmamente. Sempre em redor da sua pequenez, do seu miserabilismo e da incapacidade e corruptibilidade fácil e tacanha das suas elites. Um país de Eça, decadentista com Pessoa, onde campeavam e agora se perpetuam as suas e mesmamente abomináveis e características personagens, e onde se diz, à falta de mais e melhor, que a Igreja obscurecia e continua obscurecendo as mentes eternamente.
Um país com medo de si-próprio, sem ensino sério e amplo, sem indústria capaz e sem governos com projecto.
Foi assim também no início do século vinte e deu, primeiro em bandalheira, e depois, consequentemente, em ditadura salvífica e absurdamente castradora.
Sempre o mesmo terreno da ignorância, vergonha, medo, secretismo, inveja, e muita, muita cobardia intelectual das pequenas elites estrangeiradas e esmagadoramente francófonas. Ou também, por vezes e ocasiões, anglofonamente subjugadas.
O mesmo país de hoje, ainda, onde a economia é incapaz, fora de tempo, onde as Universidades existem em si, para si, e governadas corporativamente. Um cantinho pretensamente europeu e moderno em que as luminárias políticas mentem descaradamente, onde o povo se diverte com telenovelas diárias, a justiça é folclore e inexiste, e o ensino é um embuste geracional de quem o comanda para quem o recebe.
Sobram as obras de regime, pretensamente o tutano governativo, discutidas no mesmo país que fecha tudo para os que pouco tinham, e abre auto-estradas para os caixeiros e para os cruzados do imobiliário.
Um país com uma “capital” a cair de podre e de dívidas, campeã da incúria e do desmazelo, onde se tropeça em cada buraco, se vive ao abandono e se a despovoa.
Um “Portugal com medo de existir”, triste e abandonado, sem alma e sem vontade de si.
E cada vez mais encruzilhado numa Europa que não se sabe bem o que é, o que vai ser, e para onde vai…!

II. Uma Cultura de Menos
A obra de David Landes “ A Riqueza e a Pobreza das Nações” (do domínio da história económica), pode fundamentar o reconhecimento e alargar o espaço de discussão do nosso retardamento económico e cultural. A este respeito uma grande parte da obra daquele professor de Harvard é dedicada a explicar o atraso da outrora poderosa China (um potentado ímpar até aos séculos das descobertas ocidentais) que teria adormecido durante séculos num contexto marcadamente cultural e pouco presenciado pela influência da religião segundo aquele autor. Lembre-se também a este respeito que existem historiadores portugueses como o professor Hermano Saraiva (vide “História Concisa de Portugal”, Publicações Europa América) que radicam a nossa decadência logo depois das descobertas e “do reino despovoado e gasto o dinheiro da canela” (cantado poeticamente como recordamos). Também seria útil tentar uma compreensão lata e não meramente eclesial do nosso atraso elucidando-a com a obra de Tocqueville ("A Democracia na América", Edições Principia) que se surpreendeu com o que naquele “Novo Mundo” foi encontrar, a de Max Weber que destrinça categoricamente a valia da ética protestante na criação do espírito capitalista, ou as mais recentes de Fukuyama (Confiança: Valores Sociais e Criação de Prosperidade, Gradiva) que exalta as diferentes culturas e respectivos valores sociais na criação das condições da prosperidade nacional, e a seminal de Michael Porter, também de Harvard, que desenvolve comparativamente os modelos de criação nacional de “(A) Vantagem Competitiva das Nações”. Pode então pensar-se a estas luzes mais científicas, embora sociais, e menos enfeudadas tão só em pressupostos ateístas, porque esses também já eram os dos republicanos do início do século vinte, em discutir amplamente como foi possível no passado, é e continuará a ser provavelmente no futuro que estamos a preparar colectivamente (dizemos nós como pessimistas inveterados e adeptos da formulação categórica do "decadentismo pessoano"), que Portugal exiba os patamares económicos, educacionais e culturais que nos apoucam no concerto da Europa, pelo menos.
Porque a 1ª República foi esmagadoramente laica e persecutória da Igreja, e depois de Abril o Estado é laico, o ensino foi sempre durante todo o século vinte esmagadoramente público, e depois de 1974 vincadamente não confessional, mas os valores predominantes que marcam e estruturam a organização social, cultural e económica, ontem sob o Salazarismo e desde da ruptura de há trinta anos, continuam marcadamente antiliberais, pouco ou quase nada capitalistas no sentido de Smith, Hayek ou Freedman, tanto no povo descapitalizado em capital humano como nas ricas elites educadas profissionais, académicas ou empresariais.
Discuta-se sobre as cercanias da liberdade e a exigência devidamente medida e avaliada na educação a todos os níveis, sobre a pontualidade e a produtividade nas empresas e nos serviços públicos, sob a devolução da riqueza à sociedade que a facilitou a quem aí a obteve em verdadeiros exercícios de filantropia e responsabilidade social, sobre a assunção e prémio dos riscos e dos fracassos da iniciativa individual e a aceitação dos erros e insucessos como novas oportunidades de os mesmos virem a empreender de novo no futuro, sobre a responsabilidade e a prestação efectiva de contas do Estado e dos seus mais relevantes agentes e actores políticos perante os cidadãos, sobre os níveis de exigência destes sobre os seus representantes eleitos e a responsabilização destes perante os primeiros, sobre a auto-organização da sociedade civil para empreendimentos sociais ou para a criação de espaços de discussão profunda de políticas públicas sectoriais (os conhecidos “think thanks” saxónicos) e o que encontramos neste Portugal?
Discuta-se libertando as energias criadoras e inovadoras mas mude-se e estruture-se a vida económica e cultural (em sentido lato) de acordo com os princípios orientadores dessa análise crítica!
Seria tal empreendimento possível? E a quantos e a quem interessariam estas mudanças culturais?
Por isso a nós convém-nos que radicar tudo do nosso reconhecido atraso e subdesenvolvimento cultural, social e económico, ou mesmo político, simplesmente nos malefícios históricos centenários da igreja católica é parca explicação intelectual e culturalmente enquadrada para tanta insuficiência de nos governarmos organizada e estrategicamente como nação e como País, quer no passado quer, como fácil e entendidamente se antevê, nos próximos decénios!

III. A Economia Pública ou “A Tal e Tanto Mais da Coisa Deles” (Uns Lembretes)
Quando desde há anos, longos e repetidos exaustivamente, vamos falando sobre as "derrapagens das obras públicas" (das privadas não rezamos aqui porque essas são pagas privadamente por accionistas e/ou clientes), que começam ainda nas terraplanagens e até mesmo mais remotamente nos próprios esquiços arquitectónicos, tendemos a não chamar em abono da explicação racional – isto é da “ratio” que substancia esses desvios financeiros vultuosos – uma escola do pensamento económico, já devidamente nobilitada pela sueca academia, que define os parâmetros decisionais dos agentes da chamada “escolha pública” (“public choice”, em original). Ora, as escolhas e acções dos agentes públicos que definem, autorizam e pagam as obras públicas (em nome do nosso “Super-Estado”), e que carecem, aos mais altos níveis, de ser reeleitos de acordo com os calendários dos respectivos ciclos eleitorais democraticamente estabelecidos, obedece fundamentalmente à "alma mater" que é a garantia (ou tentativa denodada) da sua reeleição atempada. Assim, entre nós portugueses, vindos de um regime ditatorial em que ninguém contestava o Estado e as suas autoridades e decisões, para um regime desbragado de Estado magnânimo e “socialisticamente” definido e dirigido – os fracassos do liberalismo em Portugal são de todo o século XX (vide crónicas e textos de Vasco Pulido Valente) – as responsabilidades desse mesmo Estado esplendoroso e dos seus agentes ficaram sempre “na gaveta da história”. Não é pois possível ainda hoje, já neste novo Milénio, apresentar orçamentos para cumprir, vigiá-los e atribuir quaisquer responsabilidades que contem – é ver sobre isso, muito recentemente, as lágrimas derramadas pelo Presidente do Tribunal de Contas do nosso “Cantinho”. E quanto maiores são as obras maiores são os milhões de euros de derrapagens, agora recentemente realimentadas na legislação revista, depois de grandes debates retóricos no burgo, e que permite para futuro tanto maior percentual de desvio quanto maior for o orçamento de adjudicação de cada pública obra.
Claro está que o nosso actual querido “Ministro das Públicas Obras” estava há poucos dias telegenicamente satisfeito por ter seguramente mais uma inauguração para fazer, porque ela é-lhe fundamental a ele e ao seu Primeiro-Ministro para a reeleição de 2009. Os custos astronomicamente voadores, o vil metal, essa “dinheirama” que não se sabe de quem era e de onde provém, nada disso entra muito na história. Nesta, que é de há anos de "apagada e vil tristeza", ficará o “Senhor Ministro” (se entretanto sobreviver no Gabinete) e ainda mais o seu “Primeiro”, nobilitados por concluírem tão grande projecto para o devir da populaça. Um verdadeiro projecto de “economia subterrânea” (como se nomeia nos livros esta parte da economia que passa fora das contas habituais que nós fazemos em casa) – este do Metro até ao comboio de Santa Apolónia como muitos outros do passado e muitos e muitos outros no futuro (desde logo os imensos TGV e OTA/Alcochete). Um projecto, este do “Metro”, mais um, pago principescamente ao quilómetro.
Acontece também que os milhões destas “derrapagens”, que nos deixam carecas como os pneus das viaturas quando submetidos às imensas pressões da tracção a que rodam, estarão em bolsos grandes, tão eloquentemente engrandecidos, das empresas de construção que assim medram, medram, medram até não caberem cá no Jardim e arejarem por essas Europas e Áfricas.
Será que se pode terminar em Portugal com estes verdadeiros “tesourinhos deprimentes”?
A nós parece-nos que os interesses estabelecidos, aqueles que decidem e dirimem estas contendas, estão envolvidos de tanta maneira e vontade neles que, como sabiamente diz a “teoria económica da escolha pública”, estabelecerão o denominado “interesse público” do modo como a legislação recentemente revista tão eloquentemente acautelou.
Aos pagadores de impostos desta e das próximas gerações – porque estas últimas sem o seu acordo e consciência já estão submergidas nas taxas a liquidar por muitos e bons ou maus anos vindouros – só lhes restará a “revolta” decorrente da respectiva contínua indignação.

IV. Pensar e fazer, ou sobre o pensar para fazer…!
Enquanto em Portugal o nosso “Governo-Ama” se entretém a fazer e desfazer, ora hoje fechando e amanhã reabrindo, ontem para a Ota em força daqui a meses logo se verá o Alcochete e o Portela só ou mais um, lá pelos saxónicos mudam o primeiro-ministro e as decisões são em catadupa. A grande maioria delas pensadas com tempo e madureza e concretizadas de imediato e sem solavancos e arrecuas. O nosso “Governinho”, ao mesmo tempo e de “penada-só” nem sabe se quer exames no ensino e se os resultados das avaliações dos alunos devem efectivamente ser considerados para gerir estrategicamente a educação das próximas gerações de portugueses que serão os responsáveis de amanhã. O défice é agora o único objectivo de que se conhece a meta real e o prazo constritivo para a sua concretização – isto significa em "bom socialismo” que “a vida para além do défice está pela hora da morte”. A modernidade, melhor a modernização, seja lá o que isso possa ser em cada domínio, é a palavra-chave do Primeiro-Ministro e "engenheiro da 2ª República". E a tecnologia serve para tudo, é o faz tudo, o “constructo da salvação”.
Por isso mesmo, não se estanhará que em matérias como as de “Estratégia” (com maiúscula), com metas na educação e para os resultados educativos, ou nos diversos sectores económicos, para captação de investimentos nacionais e estrangeiros que gerem empregos para os nossos melhores jovens, essa seja minúscula e todos esses "quejandos problemas" sejam coisas de somenos de que poucochinho ou praticamente nem se fala.
Todo este denodado empenho de progresso no burgo enquanto no tal mundo anglo-saxónico, no Reino de Sua majestade, o “Governo Majestático” recentemente empossado, e que já vem com obra continuadamente feita de quase dez anos, sucessivamente exibida e reportada à sociedade, já está envolvido num exercício global de pensar o Reino para daqui a dez anos. E não o está a fazer longe da sociedade, está a fazê-lo na frente dos cidadãos, apenas à distância de um clique de rato e de um ecrã de computador – o tal do “Plano Tecnológico” na versão do trabalhismo “very british”. Porque ali a tecnologia é – como diz Manuel Castells – um instrumento poderoso ao serviço das políticas e das mudanças, e um promotor enorme do pensar e do fazer, aprendendo sempre e cada vez mais…!

V. “A educação dos filhos das nossas aldeias”
Por vezes torna-se absolutamente espantosa a defesa intransigente dos nossos citadinos intelectuais relativamente à ruralidade ancestral encravada nenhures. Nós próprios convivemos toda a vida com familiares que aí viviam e vivem antes e depois de Abril. Defender até às últimas que os filhos e netos das classes sociais campesinas ou que habitam "espaços eminentemente ruralizados e interiores", pobres e deserdadas cultural e educacionalmente, continuem a ser ensinados longe de meios mais dinâmicos e ricos, é uma vez mais cegueira ideológica enviada para cima daqueles que geracionalmente continuariam a ficar para trás na “roda da história”. E lamentar que as crianças dessas classes sejam transportadas para algures fora do “seu sítio” (e “cadeia de valor não-acrescentado”!) é o mesmo que defender a sua futura exclusão. Porque sempre chegará um tempo do seu eventual percurso escolar em que estas crianças terão necessariamente de procurar outros ambientes. Mas nós achamos mal em Portugal que as famílias possam escolher as escolas dos seus filhos, não é? Liberdade de escolha é igual a zero, excepto para os que podem pagar o ensino privado. Por isso ninguém o exige ao Governo, como se fazem em “outras Europas”!
Num mundo globalizado, em que todos deverão ser “cidadãos do mundo” para melhor sobreviverem e prosperarem, como podemos ter intelectuais, opinadores, professores e políticos a defenderem para os filhos dos outros, e mais pobres, aquilo que quase de certeza não querem para os seus filhos ou netos ?
Ninguém gostará mais da paisagem bucólica, da mansidão das paisagens e do bater das horas, da suavidade das cavadelas de uma enxada a penetrar a terra-mãe, ou do doce e lamuriento apascentar de um rebanho, que nós próprios que temos vários familiares vivos que o fizeram outrora. E era ver os seus filhos, hoje os pais de uma nova geração muito mais exígua, a caminharem com as botas enlameadas e encharcados nas invernias a caminho das minúsculas escolinhas “salazaristas” da aldeia. Na mesma aldeia beirã que hoje todos os dias do calendário lectivo anual , ainda que situada a meio caminho entre duas sedes de concelho, recebe numa enorme e moderna escola, construída há cerca de oito anos, umas centenas de alunos desses concelhos e filhos desses interiores outrora completamente campesinos. E todos os dias essas crianças chegam em transportes especiais a esse “centro de conhecimento e de intimidade humana”. Qual poderia ser o benefício das duas a três crianças dessa aldeia se estivessem circunscritas a uma pequena sala de aula, na “mesma escolinha salazarista” que lá subsiste, vendo-se todos os dias repetidamente e envoltos pela mesma professora, ali sós e entregues a si-próprios e aos seus laços e capacidades?
Esse é que é o dilema em discussão! E não se diga que há contrariedades em deslocar estes alunos dessas escolinhas sem se clarificarem quais são elas e que prejuízos acarretam para os futuros escolares e profissionais dessas mesmas crianças! Que não há escolha das escolas nós sabemos e estamos bem conscientes dos seus malefícios sobretudo para os mais pobres (como o confirmam estudos realizados em vários países da Europa e nos Estados Unidos onde essa opção é praticada). Nem esperamos que este Ministério e “Governo-Patrão” venham a dar qualquer passo nesse sentido. Porque se existisse essa liberdade das famílias, muita desta demagogia ternurenta em torno destas já não faria provavelmente sentido…!
Nem existe, por outro lado, e ao mesmo tempo, poder efectivo dos municípios, porque se a descentralização fosse real, e não meramente retórica neste Estado eternamente centralizador, já as comunidades locais estariam a governar as escolas. E então as famílias saberiam a quem pedir responsabilidades efectivas pelos despautérios educativos... Com as respectivas responsabilidades sem morrerem eternamente solteiras como é timbre há uma imensidão!
Deixem, por isto, e pelos valores da equidade social, que estas crianças se abram ao mundo e se libertem das “cadeias” em que os seus ascendentes viveram e morrerão! E para que assim, na sua perfeita liberdade e prova de capacidades individuais, possam também eles serem dos melhores e mais capazes! Porque o País agradecerá, tirará frutos dessa marcha, e os seus pais e avós ficarão em paz com o seu destino e pagos do seu labor!
“As pessoas têm dificuldade em aceitar que a realidade seja diferente daquilo que pensam sobre ela”. Estão longe de crer e aceitar em função disso que a realidade e a verdade que ela transporta sejam aceitáveis. Introduzem então juízos de valor sobre o que lêem na realidade, no que constitui as manifestações objectivas da tal realidade. E dessa forma posicionam-se como agentes de transformação do “status quo”. Indignam-se com o que vêem, com os principais agentes fautores dessa realidade, nomeiam-nos e desvendam-lhes as respectivas idiossincrasias e até possíveis predilecções ideológicas.
Um passo mais seria o de reconhecer que os agentes ministeriais – tal como bem explica a “teoria económica da escolha pública” – representam os seus próprios interesses e a sua perpetuação no eixo central do sistema educativo que querem continuar, natural e obviamente, a comandar. Daqui que a consequência primacial desta confrontação ideográfica devesse ser a de lançar o repto de indagar, não no domínio das crenças (como a do papel insubstituível do Estado central na educação), mas das realizações concretas e dos resultados do sistema educativo: “Para que serve efectivamente ao País, incluindo as famílias e os alunos, o Ministério da Educação?”.
Neste exercício poderia e deveria partir-se de um cenário de inexistência do próprio Ministério, partindo do nada, num conceito radical de “reengenharia” em que nada existe à partida, como se fosse uma “folha completamente em branco”.
Um exercício como este talvez trouxesse algumas aclarações inesperadas sobre a organização e funcionamento do sistema educativo, contribuindo para elucidar aquilo que são crenças e tabus insofismáveis e o que são ou podem ser as realidades diversas das actuais.

VI. Políticas Educativas, Estratégia e Gestão do Sistema de Ensino
Quem conhece a evolução das políticas e do pensamento ordenador do nosso sistema de ensino desde há décadas tem de reconhecer, quando compara os níveis de envolvimento conceptual e de sistematização e participação social daquelas com as que dominam em países como o Reino Unido ou os nórdicos como a Suécia e a Dinamarca, que em Portugal impera o eduquês como apologética ideológica da nomenclatura ministerial e o improviso e a impreparação dos governantes, estes últimos como resultado manifesto da ausência de reflexão estratégica relevante partidária sobre a educação e os seus principais desafios e objectivos. Quantas vezes ao longo destes anos longos de sucessivas reformas foi possível a sociedade e os seus actores civis relevantes discutirem sobre um documento ministerial proponente de uma estratégia de longo prazo para a educação e o seu sistema educativo? Perdemo-nos sempre, e sucessivamente, em intermináveis discussões jurídicas sobre leis de bases, ignorando imperialmente – no “império majestático estatista da educação” – os desafios do país e das famílias, os objectivos e resultados a obter, as avaliações dos mesmos e respectivas correcções e novas ambições. Foi ensurdecedor o silêncio ministerial e a conivência partidária e governamental sobre os dados sucessivos do projecto Pisa que colocavam comparativamente os “nossos filhos” nos piores lugares na Europa, sobre a quase completa falta de avaliação dos alunos e das escolas, sobre a absoluta ausência de metas e objectivos anuais e de legislatura ou superiores para o sistema educativo.
Acresce que ainda agora se não discute em Portugal, contrariamente ao que é prática corrente na Suécia e Dinamarca, e vai passar a ser também proximamente no Reino Unido, a liberdade de escolha das escolas pelas famílias. Na Suécia e na Dinamarca já há anos o Estado (social-democrata e omnipresente) entregou aos pais o cheque educação e possibilitou o aparecimento de escolas financiadas por fundos públicos mas geridas privada ou socialmente – em óbvia concepção de um "Estado garantia e regulador" e não majestático e ineficaz. No Reino Unido, no último documento estratégico sobre a educação (de 2006), posto à discussão pela sociedade no seu todo e não na cortina férrea dos gabinetes ministeriais como entre nós, o “Governo-Educativo”, conhecendo detalhadamente os níveis de sucesso das escolas e dos seus respectivos alunos – avaliados rigorosamente -, colocava a hipótese de entregar as piores escolas à gestão das melhores, as quais têm gestores praticamente profissionalizados, sendo dirigidas por professores mas com a designação de “reitores”. As melhores escolas, em razão dos seus níveis de sucesso, poderiam vir a constituir autênticas “redes de escolas” por integração gestionária das com piores níveis de sucesso educativo. Ao mesmo tempo que também era admitida a possibilidade de as piores escolas, findo um período de recuperação concedido sem êxito, serem encerradas – por constituírem más opções para as famílias e o País, obviamente.
Só mais uma pequena nota. Tal como em Portugal não existem centros de estudos universitários que se dediquem às temáticas da "gestão e economia do ensino superior", também não existirão centros dedicados ao estudo consequente da "economia da educação". Isto é particularmente revelador do interesse que estas temáticas relevantes para uma adequada governação dos dois sistemas despertam entre nós. No Reino Unido estes centros proliferam e trabalham, os mais reputados, para os respectivos Ministérios, sendo financiados pelos respectivos “research councils”. Só que em Portugal comparar políticas públicas (as denominadas “public policies” não as “politics” que essas abundam execravelmente no “Ministério da Má-Educação”) ainda é ou blasfémia ou ousadia.

VII. Políticas Públicas Desportivas: Os casos Reino Unido e Portugal
O modelo europeu do desporto, como habitualmente vem sendo denominado, implicou e implicará uma intervenção activa do Estado/Governo, muitas vezes até constitucionalmente enquadrada, no âmbito da definição de políticas públicas desportivas que fomentem quer as práticas desportivas de base e cariz comunitário quer as de elite, envolvendo nestas níveis de desempenho competitivo adequado e internacionalmente comparado e aferido.
O Estado ou o Governo, como neste último caso se prefere designar no mundo anglo-saxónico (vide “Government”), tem intervenção activa no domínio do “sistema desportivo”, procurando conduzir estrategicamente o seu “rumo” (o “steering” do sistema), delimitando necessariamente os seus “grandes objectivos de mudança e melhoria”, os quais consubstanciem uma alteração do denominado “nível desportivo”. Este projecto de mudança tem de partir de um levantamento e diagnóstico da situação desportiva – a denominada “situação desportiva” – e traduzir um aumento devidamente quantificado dos níveis de participação populacional no desporto, ao longo de um horizonte temporal de planeamento considerado suficiente para a consolidação da “visão inspiradora de desenvolvimento” que lhe subjaz, o que tem tradução necessária no consequente atingimento dos “grandes objectivos estratégicos da mudança”.
Por conseguinte, o “processo de definição das políticas públicas desportivas” deve iniciar-se com um amplo e consolidado “diagnóstico da situação de partida”, envolver depois um abrangente “exercício de planeamento estratégico” que inclua os principais organismos e actores do sistema desportivo (organismos governamentais, movimento associativo desportivo, “desporto escolar”, autarquias e regiões, academia, etc.). Tal incluirá ainda a representação institucional dos desejos e vontade dos denominados interessados do sistema aos seus diferentes níveis (os denominados “stakeholders”). Neste processo de definição das políticas serão encontrados os correspondentes objectivos estratégicos, definido o sub-processo de implementação da estratégia concebida, os horizontes temporais relevantes, os respectivos “alvos (“targets”)” a atingir, bem como considerados devidamente os “factores críticos de sucesso” (“critical success factors”) e os “indicadores chave de desempenho” (“key performance indicators”).
As políticas públicas desportivas deverão assim contribuir decisivamente para a conceptualização e efectivação das “dimensões estratégicas de evolução do sistema desportivo” – o que os anglo-saxónicos denominam habitualmente como o “steering process” – e tornarem possível também uma “avaliação estratégica do desempenho do sistema” aos seus diferentes níveis e agentes. Esta avaliação permitirá, por sua vez, uma contraposição entre recursos e resultados, por um lado, e uma perfeita percepção da cadeia de intervenção sistémica que vai dos “inputs”, passa pelas actividades, conduz a outputs e, a final, aos respectivos impactos/resultados (“outcomes”).
Estes modelos relativamente inovadores de fundamentação e concepção das políticas públicas desportivas poderão estar em apreciação comparativa entre países, como por exemplo nos casos do Reino Unido e de Portugal, exemplificados com as intervenções governamentais de condução estratégica do sistema desportivo (“steering processes”), com as missões e instrumentos de intervenção de agências e organismos públicos do sector desportivo, com as análises de instrumentos de governação e planeamento global, regional e sectorial, e com os instrumentos de fomento financeiro quer dos organismos federativos quer do desporto comunitário desenvolvido ao nível regional, e local/comunitário.
As “novas políticas públicas desportivas” resultam também das mudanças substanciais de configuração da intervenção pública nas sociedades modernas ocidentais europeias – derivadas do movimento da “nova gestão pública (“new public management”) – que impõe uma maior e mais transparente prestação de contas (“accountability”), contratualidade de acções e planos de intervenção de agentes, e as análise de "custos-benefícios" e de "custos-eficácia" nas intervenções públicas modernas (“mecanismos de avaliação”). Estes diferentes factores e instrumentos de apreciação intervêm, assim, nos tempos actuais, decisivamente na configuração e avaliação das políticas públicas desportivas.
Um último e relevante aspecto de formatação das políticas públicas desportivas é o de elas se deverem também basear num conhecimento aprofundado do “significado e importância económicos do desporto”, o qual permite uma cabal percepção da componente económica do denominado “valor do desporto” – sendo que este último é multidimensional por natureza.
Todo este contexto e conteúdo das políticas públicas desportivas faz ressaltar as diferenças de substância e de amplitude de alguns dos instrumentos e processos supra referidos na definição e concretização das políticas públicas desportivas no Reino Unido e em Portugal, de modo a que essas diferenças podem constituir um exemplo de um adequado “processo de comparação estratégica e operacional” (um “strategic and operational benchmarking”, portanto).

VIII. Desporto, “Saúde e Exercício” e Políticas Desportivas em Portugal
Em Portugal nos últimos anos, para aí nos circunscrevermos, já com este Governo em funções, se tentarmos ver objectivamente o que foi feito pela promoção activa do "Desporto de base" em todo o País pouco ou nada há para referir. Continuou-se apenas a acompanhar governamentalmente o desporto de competição, mantendo todo o programa nacional de preparação Olímpica – incluindo o correspondente pacote de financiamento – sob o arbítrio decisional do Comité Olímpico, situação “sui generis” vinda do anterior governo e que desresponsabiliza o Estado pela condução efectiva do desporto de competição nacional. E quanto ao "Desporto de base" (ou “grassroots sport” como é denominado no Reino Unido) se formos procurar programas de promoção activa no território nacional, estudo sistematizado e recolha de elementos de caracterização da prática desportiva no todo nacional, definição de quadros estratégicos de desenvolvimento desportivo local, parcerias locais entre clubes e escolas, lançamento de quadro de competições desportivas escolares nacionais, programas de formação de treinadores, de captação e formação de voluntários, não se vê praticamente nada.
Bastará dizer também que nestes anos nos submergimos uma vez mais, como é nosso timbre “francófono-dependente”, numa nova discussão de uma agora rebaptizada “lei de bases do desporto e da actividade física”, enquanto as estratégias de acção no terreno desportivo na base, sobretudo a escolar e comunitária, ficaram “no tinteiro” e nem dos discursos oficiais e oficiosos constaram.
Para comprovar estes factos bastará visitar os nossos bem portugueses sites do "Instituto do Desporto de Portugal" e da "Secretaria de Estado do Desporto" e ver o que neles consta efectivamente de verdadeiras “políticas de promoção do desporto” - entendendo-se por estas estratégias de desenvolvimento estruturadas em objectivos e metas, estruturas de concretização e respectivos pacotes de financiamento. Para além de que também é fácil e objectivo verificar que nenhum daqueles entes governamentais liderantes do nosso desporto tem sequer um documento que elabore sobre a estratégia de desenvolvimento do desporto em Portugal para os próximos anos (no mínimo que fosse: uns cinco).
Portanto, quem quer que queira conhecer e discorrer sobre as evoluções que estão projectadas para o nosso desporto fica sem saber o que analisar e como avaliar do nível e graus de realização ao longo dos anos que se vão sucedendo. Avaliação e crítica dos resultados são, por conseguinte, impossíveis entre nós neste "sistema desportivo" assim governado e gerido. O que também exime, correlativamente, às responsabilidades pela necessária evolução e progresso do desporto as principais autoridades governamentais da área.
Por isto mesmo é possível constatar em Portugal duas singulares situações. Primeira, a de que o Instituto do Desporto de Portugal, organismo com especiais atribuições sobre o desporto entre nós, até parece que progressivamente vem a deslocar o seu foco para a "actividade física e o exercício e saúde", faz disso já hoje inequívoco alarde no seu "site", ao mesmo tempo que praticamente esquece o importante documento da UE sobre desporto neste momento em discussão (o “Livro Branco sobre o Desporto na UE”), e apenas se refere explicitamente ao desporto num programa minúsculo que por falta de melhor (provavelmente?) sugestivamente apelida de “Mexa-se”. Em segundo lugar, na nossa outrora vibrante Secretaria de Estado do Desporto o pensamento sobre desporto, no seu respectivo e apenas mediático "site", reduz-se às pouco mais que “duas ou três linhas” que já constavam há anos do então "Programa do Governo" hoje em funções.
Um “reino” pequeno de franciscana pobreza, que campeia incriticado porque as “redes de conhecimento” sobre desporto parecem inexistir, o que possibilita uma ausência impune de pensamento estratégico e de gestão sobre o nosso desporto. Há apenas algumas vozes, conhecidas de há tempos, a lutar contra esta “maré vazia” que invade o desporto em Portugal. Será tolerável que esta incapacidade e ausência de estudo profundo e reflexão estratégica sobre o desporto continue até quando?
Convenhamos que já era tempo de em Portugal se estudarem experiências estrangeiras de governação do desporto (exemplos do Reino Unido e Austrália estão à distância de alguns cliques de computador e recomendam-se por isso mesmo) para se desenvolverem autênticas "políticas desportivas" da base ao topo da pirâmide do sistema desportivo.
Poderíamos e deveríamos conhecer, em primeiro lugar, exactamente os níveis de prática desportiva em todo o território nacional, estudar os modelos de governação do desporto escolar e federativo, desenvolver critérios de avaliação do desempenho das modalidades e federações desportivas, preparar estruturas intermédias locais de promoção do desporto, estudar o desporto amador de cariz voluntário e conhecer as respectivas necessidades de promoção e apoio público, monitorizar e desenvolver programas e projectos de formação de vários tipos de agentes desportivos (líderes seniores e juniores, treinadores, voluntários, agentes de desenvolvimento desportivo escolar e comunitário, etc.).
Por outro lado, têm de estudar-se as diversas implicações de ordem social, económica e mesmo política do desporto, sabendo quais são as suas contribuições para o tecido social e económico ao nível nacional e regional, quer ao nível do desporto amador e voluntário quer do denominado desporto profissional. E também para se verificarem os imensos benefícios económicos e financeiros que o País teria a retirar dessas "políticas de desenvolvimento do desporto", nomeadamente para as despesas actuais e futuras do próprio sistema nacional de saúde, por exemplo.
Neste último aspecto lembrar-se-ia o documento de 2003 do Reino Unido que apresentou a estratégia para o desporto daquele País num horizonte de 20 anos – feito por uma comissão especial coordenada pela unidade de estratégia que apoia o primeiro-ministro do Reino – documento em que, para além da extensa análise e definição da estratégia de desenvolvimento do desporto, estavam devidamente cifrados, mediante diversas simulações, os benefícios económicos para o País advenientes do aumento crescente da prática desportiva. Só que este último aspecto, apenas um entre os muitos em que o referido documento é rico, respeita à denominada “economia do desporto”, ramo recentemente em evolução mas que entre nós tem uma ou no máximo duas pessoas a trabalhar – posto o que sobre isso sabemos é praticamente igual a zero. Basta referir que em Portugal não existe ao nível universitário uma única disciplina de licenciatura de “economia do desporto”.
Acresce ao que antecede que em Portugal também não temos ainda hoje um documento deste teor estratégico, não sabemos exactamente quais são os níveis regionais de prática desportiva, não temos em funcionamento regular e devidamente orientado parcerias locais desportivas (os denominados “local strategic partnerships” dos britânicos) que impulsionem adequadamente a prática em termos geográficos amplos e abrangentes do espaço nacional. Também não temos, por tudo isto, nem em rigor poderíamos ter, quaisquer metas quantitativas e qualitativas como as que tem o Reino Unido de até 2012 – ano dos Jogos Olímpicos de Londres – fazer chegar ao desporto mais dois milhões de britânicos. Nessa data alguns atletas de eleição irão ainda assim representar-nos e ao nosso desporto nos Jogos de Londres, continuaremos alegremente a falar muito e a vender imensos jornais desportivos em volta quase exclusivamente do futebol (menor no espaço europeu alargado em que se insere), e também de “exercício e saúde” e "actividade física", quer nalgumas das conhecidas “Faculdades de Desporto” quer no nosso Instituto do Desporto, a continuar o actual panorama e inércia dos “amantes do desporto” que não põem a nu “o rei”. Tudo isto num Portugal em que a respectiva população será cada vez mais idosa, sedentária e obesa, e sujeita a taxas elevadas de doenças coronárias, osteoporose, cancro e quejandas, aumentando ainda mais o esforço e pressão financeira com o sistema nacional de saúde.
E nas nossas Faculdades de topo ligadas ao desporto por história e tradição provavelmente continuará despreocupadamente a imperar o tradicional “modelo pedagogista da educação física” aliado a um pós-moderno “exercício e saúde”, em que o desporto tem de pedir autorização para entrar , e onde alguns dos mesteirais continuarão a apelar ao moderno slogan : “do desporto nem pensar”…!
Por tudo isto, o desporto tem de seguir um caminho pronunciadamente diferente, com mais pensamento estratégico, definição de projectos de desenvolvimento da base ao topo, de horizonte temporal alargado, reforçando o estudo e investigação das temáticas de gestão e organização do sistema desportivo, fazendo emergir lideranças de projecto e missão organizacional no âmbito do desporto escolar e do federado.
Ao mesmo tempo que se aposta na formação de treinadores para as diferentes modalidades desportivas, de agentes locais e escolares de desenvolvimento desportivo, para tornar possível a emergência de autênticas “redes de desenvolvimento de conhecimento e acção”. Estas “redes” poderão e deverão aproveitar de estudos comparativos de experiências internacionais de países relevantes, promovidos no domínio académico universitário por fundos públicos adequados – por exemplo obtidos em concursos competitivos lançados pelo Instituto do Desporto de Portugal.
As políticas públicas de desenvolvimento desportivo devem, por conseguinte, resultar deste esforço conjugado dos principais actores do sistema, de estudos aprofundados que possibilitem rigorosos diagnósticos, de comparações internacionais com outros sistemas desportivos, e, como resultante evidente, de concretização efectiva (eficaz e eficiente) de "quadros de desenvolvimento estratégico" (chamem-se “planos”, ou simplesmente, como em outras latitudes, “estratégias de desenvolvimento”).

IX. Conselho Nacional do Desporto, Estratégia e Políticas Desportivas (exemplar)
A Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto (Lei nº 5/2007, de 16 de Janeiro) incluiu como entidade coadjutora do membro do Governo com a tutela do sector desportivo um Conselho Nacional do Desporto, cujas funções foram recentemente definidas legalmente – o que, aliás, decorre do texto da própria Lei de Bases.
O desenvolvimento do desporto em Portugal exigiria que este órgão nacional pudesse ser um efectivo centro de apoio à definição e implementação das "Políticas Públicas Desportivas" de que o país carece, ultrapassando debates estéreis em torno de questões meramente administrativo-jurídicas e financeiras de certos sectores do desporto que têm tido primazia quase absoluta no passado da orgânica directiva do desporto nacional.
As Políticas Públicas Desportivas necessárias para concretizar um efectivo desenvolvimento do desporto e da prática desportiva no todo nacional exigem uma intervenção de “condução estratégica do Estado/Governo” – o que os anglo-saxónicos designam por “steering” - que se traduza em processos de planeamento e estratégias de médio prazo, articulados num conjunto de objectivos essenciais a alcançar, os quais devem ser concretizados em objectivos e metas para as quais existam efectivamente recursos e programas de aplicação territorial, tal como acima se destacou.
O desenvolvimento integrado do desporto em Portugal exigiria, por conseguinte, um enorme esforço de planeamento e definição de uma estratégia de desenvolvimento que ultrapassasse um certo improviso e um excessivo enfoque em questões administrativo-jurídicas em que tem estado envolto. Impunha-se uma “nova perspectiva de governação do desporto nacional", onde o papel do Estado/Governo é primacial, mas que exige deste uma nova filosofia de intervenção e regulação capaz de articular os grandes princípios estratégicos de desenvolvimento do desporto, em partenariado, com a generalidade dos agentes mais ou menos formais que intervêm no mundo do desporto, articulando o desporto nas suas diferentes implicações sociais, envolvendo múltiplos departamentos governamentais que têm de trabalhar conjugadamente (educação, saúde, juventude e desporto, por exemplo) – e originando, dessa forma, uma indispensável “interdepartamentalidade do desporto”.
Por outro lado, as Políticas Públicas Desportivas de que o país desportivo carece implicam um grande trabalho de levantamento, análise e concepção baseado em estudos detalhados da situação desportiva em todo o território nacional, onde se evidenciem clara e inequivocamente as principais fragilidades do sistema e se fundamentem as correspondentes e consequentes opções de política concreta de desenvolvimento do "nível desportivo do país".
Para que o desenvolvimento do desporto se concretize com um destino e um planeamento que dê origem a equilíbrios territoriais e, numa perspectiva de equidade, à inclusão dos mais diversos estratos populacionais, as Políticas Públicas têm de decorrer de conhecimento sistemático das realidades, única forma de sobre as mesmas actuar de forma racionalizada e projectada.
Ora, é neste fio condutor da intervenção pública no desenvolvimento do desporto que deveria ter enquadrado a missão e as correspondentes funções e trabalho efectivo do Conselho Nacional do Desporto, enquanto coadjutor do Governo (tutela do sector desportivo, entenda-se).
Por isso, era de esperar que o Conselho Nacional do Desporto se envolvesse, desde o seu início de funcionamento, num grande esforço de reflexão de planeamento e de definição estratégica do desporto e do respectivo sistema desportivo nacional num horizonte temporal alargado, esforço que fosse capaz de se traduzir no projectar de uma “visão do desporto para a próxima década”. Este empenhamento permitiria ultrapassar a “tendência jurídico-administrativista” que tem presidido nos últimos anos às intervenções governamentais no desporto, a qual reduz as políticas públicas quase em exclusivo à intervenção normativa e à resolução de problemas desse mesmo jaez dela ocasionados.
Porque a intervenção do Estado/Governo na governação do sistema desportivo, para ser consequente e concretizar objectivos estratégicos previamente definidos, tem de ter efectiva tradução em Políticas Públicas concretas que seleccionam objectivos e metas e os procuram empenhadamente – com recursos e programas correspondentes – atingir.
Essas mesmas políticas públicas desportivas traduzem compromissos de efectivo desenvolvimento do desporto, sendo que este só o é se der origem a acréscimos de prática desportiva nas modalidades e práticas estrategicamente definidas, na base e na elite desportiva, nos estratos populacionais mais desafectos da prática (perspectiva de inclusão) e em todas as regiões do território nacional.
Este racional que explicitámos tem subjacente um reajustamento do “Modelo Europeu do Desporto” que o adapte às novas realidades económicas sociais e políticas que envolvem o mundo do desporto, aonde a intervenção inteligente do Estado/Governo é, simultaneamente, factor de equidade e gerador de externalidades positivas, ao facilitar e promover a prática desportiva pela população, independentemente dos níveis competitivos desses praticantes.
Assim, a sociedade, os agentes desportivos quaisquer que sejam, devem exigir que o Estado/Governo seja um actor competente e visionário do papel do desporto na sociedade e desenvolva ao máximo as respectivas capacidades de condução estratégica do sistema desportivo no seu todo, através da concepção de políticas públicas desportivas racionais e eficazes que ultrapassem as circunstâncias sociopolíticas e os interesses meramente pessoais ou institucionais de protagonismo mediático e ineficaz.
O desporto tem de ser entendido como uma questão nacional, pelo que se esperaria que o novo Conselho Nacional do Desporto pudesse ser um órgão influente neste “processo de condução estratégica” do desporto e das respectivas responsabilidades que caberão tanto à sociedade civil como ao Estado/Governo de Portugal.
Mas a era de progresso e de nova economia e progresso que o País virtualmente vive está presentíssima quando “vemos, ouvimos e lemos (“e não podemos ignorar”) no site oficial da nossa eloquente Presidência da UE as "quatro linhas magníficas e grandiloquentes" que estabelecem as prioridades portuguesas para o Desporto na União.
Não podemos estranhar, posto isso, que cá no burgo sejam desconhecidas quaisquer opções estratégicas relevantes para a matéria do desenvolvimento desportivo. Por isso, é com enorme falta de ilusão que registamos as normas que enquadram a actividade do magistral Conselho Nacional do Desporto onde pontificam, por recentes indigitações e nomeações, todos os reputadíssimos "donos da bola" (sem excepção de monta), enfeitados com alguns outros residentes que pouco ou nada poderão fazer para aligeirar o fardo deste "Desporto Nacional Porreirista". Queríamos ser mosquinhas para apreciar ao vivo e a cores as amenas cavaqueiras protagonizadas pelos melhores e mais insignes representantes do "futebolismo desportivo pátrio". E as profundíssimas análises do nosso "Comando Geral Olímpico" sobre o extenso Livro Branco do Desporto expostas em “su site” - que essas são de fazer desmaiar qualquer académico dos mais prezados do "Cantinho" pela redução a que os submetem, talmente é a complexidade e energia radical inovadora dessas dissertações. Uma verdadeira multidão de conhecedores encartados e omniscientes e omnipresentes, os mesmos de há muitos e longos Invernos – com as excepções dos enfeites que se salvam da perdição se não levarem a sério, obviamente, as respectivas chamadas às inenarráveis lides.
Sempre resultarão de tanto esforço e labuta de linguarejar desses insignes algumas linhas que abrilhantarão os ínfimos discursos de ocasião das entidades que se dizem governar o "desportismo lusitano". E no meio das etéreas brumas do Atlântico, esse que nos bordeja e acalenta os destinos da história pátria, que nos banha de graça e engraçadamente, emergirão da nebelina uns Évoras e umas Naides, e porventura também mais um Obikwelu, para garantirem os banquetes de sempiternos líderes dos quadriénios representacionais da nossa "alma desportiva". No resto de todo este resto, como sempre, "enquanto durar a festa pá", um Portugal com crianças velhas de panças redondas e flácidas, num arrastar penoso e doentio pela vida futura, sedentos de justiça às vidas que não tiveram e não poderão ter...!

Um “Portugalmente” assim, mesmamente como há séculos foi sendo, e assim, tal qual, continuará… desportivamente engalenado para as festanças das circunstâncias epocais!



*Alguns destes textos resultaram de contribuições de colegas com quem temos trabalhado academicamente nos últimos anos (particularmente os que respeitam ao desporto e suas políticas públicas).