Sonhar no Olimpo
Volta e meia, cá pelo burgo ou em quaisquer outras paragens deste mundo global e cada vez mais interligado, somos estremunhadamente acordados para a possibilidade de o nosso “Portugal Imperial” se lançar nessa nova grande empreitada lusíada, sonhada futurista e virtuosamente pela sempre nova (re)ínclita liderança máxima da geração desportiva – a aventura magnífica dos “Jogos Olímpicos de Lisboa”.
Porque “quando o Homem sonha o mundo pula e avança” como bem nos lembra o poeta, e não é o vulgar dos mortais que tem esse carisma de desvendar o futuro das pátrias, de as reavivar e de fazer comungar a gesta numa nova aventura de descoberta(s). De aligeirar as penas materiais e de lançar as sementes da eterna grandiosidade e feitos da memória.
Sonhar é transfigurar a realidade, é entrar numa nova dimensão, transpor barreiras incomensuráveis, saltar para um cavalo alado e desaparecer na láctea transparência de Juno. Só os Deuses têm fortalezas para cavalgar nas intempéries dos comuns e salvar os seus preciosos tesouros dos possíveis naufrágios e maus augúrios.
Por isso aos Deuses, a esses sempiternos seres e espíritos, está reservado um lugar especialíssimo: o Olimpo. Apenas um de todos eles governa esse oásis e guarda as chaves da porta da entrada. Vela por tudo e todos, escolhe quem o acompanha e em que afãs e viagens, e marca “o tempo e o modo” do Olimpo. Só ele sonha os sonhos de todos, só ele é forte e presciente para antecipar as guerras a travar e os vencedores de cada peleja. Só ele distribui os favores da sorte aos intrépidos e súbditos. O Olimpo pertence-lhe, ora e outrora e possivelmente “por todo o Sempre”.
Portugal, este destino térreo imenso e imperial, bafejado pela mansidão de um Oceano vastíssimo e transterritorial, país de descobridores e de dadores de “Novos Mundos ao Mundo”, tem consigo um desses “Deuses Sonhadores”. Um imenso privilégio que a roda da fortuna quis que assim soesse.
E pagar os Sonhos na Terra
Quando estes “Deuses Sonhadores” dão asas aos seus neurónios flamejantes consideram que actualmente os custos da realização de uma edição dos Jogos Olímpicos pode custar a módica quantia de 10 biliões de euros como em Atenas 2004 ou de, neste momento, 7 biliões de libras para Londres 2012?
Sendo que este último valor que tem vindo a subir vertiginosamente desde que o Reino Unido ganhou a parada é, entenda-se, o correspondente a praticamente 2.000 milhões de contos pela nossa moeda antiga e a cerca de metade do QREN 2007-2013, que afirma o nosso Presidente da República (por referência menos Deus, mais mortal e dedicado às ciências do “vil metal”) ser a última oportunidade de Portugal se aproximar dos níveis médios da tal UE.
Claro está que isto é de somenos e inimportante quando os Deuses pairam e “verbis dixit” nos intimam: “Mantenho esse sonho, embora compreenda que actualmente as dificuldades talvez sejam maiores do que nunca…” mas “continuo a lamentar que não se faça, sobretudo pela visibilidade que isso traria…” e acrescentando “Uma candidatura hoje em dia é virtual, é um dossier mais ou menos virtual com um conjunto de intenções…”.
Um sonho, ainda que virtual e reduzido a meras intenções, rodeado de umas tantas dificuldades e desejável sobretudo pela visibilidade que traria.
Convenhamos que para um sonho virtual, poder o mesmo transformar-se em encargo efectivo da ordem de metade dos 21.5 mil milhões de euros de transferências da UE a que corresponde Quadro Comunitário de Apoio de 2007 a 2013 (hoje denominado de QREN), aproximadamente dez Euros 2004, 80% de um TGV de linhas várias, de 3.5 Aeroportos OTA, é colossal pesadelo para Lisboa e para os seus habitantes – lembremo-nos dos habitantes de Montreal que ficaram a pagar os Jogos de 1976 durante trinta anos com impostos adicionais ano a ano (acabaram de os pagar apenas em 2006). Depois é também obviamente um potencial dilúvio de euros para todo o Portugal, que cresce e cria riqueza minguadamente na Europa, e para todos nós e os nossos filhos e netos que pagaríamos essa tresloucada factura por uma grande parte deste século.
Se quisermos ainda melhor entender o que poderia estar em causa basta lembrar que o investimento total da Ford-Volkswagen de Palmela ascendeu a apenas 450 milhões de contos, dos quais 90 milhões foram de incentivos dados pelo Estado português, e durante anos considerado por muitos dos outros empresários como um apoio exagerado. Mas hoje todos sabemos o que aquela fábrica dá para o Mundo, o que gera de receitas e PIB, os empregos directos e indirectos que criou e mantém, e a organização de um novo sector industrial de alto valor acrescentado que foi possível estruturar em seu redor, tudo isto em Portugal.
Só que para o “Sonho dos Jogos” era necessário que este nosso “Portugalíssimo dos Deuses Olímpicos” fosse generoso ao ponto de doar à “festa universal” vinte vezes o que tão esforçadamente meteu em Palmela. “Uma obra e peras”, portanto, só digna dos “Altíssimos e Reverenciados Deuses” e intrépidos “Sonhadores”.
“Sonhos” destes, possíveis de se transformarem em gigantescos pesadelos, quais “Adamastores” engolindo de uma vez naus e marinheiros e toda a gesta que tenta sobreviver nesta nova era global, não obrigado!
Deuses destes são autênticos Demónios. A que olimpicamente o povo, este Zé-Povinho tem de dar a resposta conveniente e a nossa “Santa Madre Igreja” tem de excomungar porque são incaracterísticos da cristandade, da cruz e do tesouro Templário (guardado na sede da nossa bem-fadada Rua Augusta).
Devem, portanto, “sair” desse Olimpo, de onde tão insensatamente querem governar a nossa capacidade de sonhar, para nosso sossego e defesa de haveres de hoje e dos amanhãs. Que isso dos “amanhãs que cantam” foi fogo ardido que já nem aquece nem queima como soía.
È tempo de se “Sonhar outrossim Portugal de Desporto”! A bem do “Desporto de Todos para Todos” – crianças, pais e avós iguais em direitos e oportunidades! Que os míseros 23% desde há anos e anos (quantos e por quantos mais?) é de indignar – esse direito que um Santo nos conferiu e que cada vez é mais imperativo que se use…!
Mas e perguntar pelos custos e demais dos Sonhos (“Porque os almoços não são grátis!”)
Os simples mortais desse mesmíssimo Portugal, aqueles para quem os “Deuses” assim sonham olimpicamente, hão-de perguntar-se ou pedir a alguém que com eles pergunte:
1. Quanto custam uns Jogos Olímpicos? Quais as receitas? E que impactos económicos e desportivos têm os Jogos?
2. Quanto custa fazer apenas uma candidatura, mesmo que seja (admita-se por simplicidade) meramente virtual (“para COI ver”)?
3. Quem pagaria os diferentes custos da mera e simplesmente virtual candidatura?
4. Como poderia a cidade de Lisboa realizar os investimentos necessários para os Jogos – desportivos e não-desportivos?
5. Que outros investimentos deixariam de ser feitos em Lisboa e no País para concretizar os das infra-estruturas desportivas e não-desportivas dos Jogos?
6. Como financiaria o Estado esses investimentos desportivos em Lisboa quando destina a todo o desporto nacional os valores orçamentados para 2008?
7. Como se justificaria num País com prática desportiva exígua (uma das mais baixas de toda a UE) a realização do maior evento desportivo mundial?
8. Que estratégia de desenvolvimento do desporto (da base ao topo do sistema desportivo) está ou estaria subjacente a tal Projecto?
9. Quantas medalhas estaria o sistema desportivo de competição de Portugal capacitado para arrecadar nesses Jogos de Lisboa?
10. Que capacidades organizacionais desportivas nacionais existem ou existiriam para realizar eficazmente os Jogos Olímpicos?
11. Como se compatibilizaria a afectação de recursos para os Jogos com as necessidades financeiras e organizacionais de apoio e fomento do desporto de base (social, escolar ou comunitário)?
Porque estas respostas são decisivas e inultrapassáveis com meros “Sonhos mais ou menos ou mesmo Devaneios”! Será que os Deuses pensaram nestas misérias pequenas? Se não pensaram, então como bem dizia o título cinematográfico: “Os Deuses devem estar loucos”.
Só para estabelecer uma comparação, que para aqui releva, deve dizer-se que quem no Reino Unido ao longo de mais de uma década defendeu a realização dos Jogos Olímpicos de Londres 2012 (e havia consenso partidário desde 1997 e social e até desportivo) não apenas teve de encarar e encontrar as devidas respostas para algumas destas questões, como ainda agora, já depois de adquirida a realização do evento, continua afanada e criticamente a dar as respostas a estas e outras questões que a sociedade coloca todos os dias sobre os Jogos.
E também se registe que mesmo os britânicos “compraram” os Jogos por menos de 4 biliões de libras – que era o valor que figurava no estudo oficial publicado em 2002 ainda na fase inicial da candidatura – e agora, desde há cerca de três meses, já depois de adquirirem o “acontecimento”, sabem que vão ter de pagar qualquer coisa que estará muito próxima dos 7 biliões de libras.
Mas como bem diz a nossa gente no seu aforismo bem entendido “Com os problemas dos outros pode a gente bem…!”.
terça-feira, 30 de outubro de 2007
Desporto Olímpico num Portugal dos Pequeninos: dos Sonhos e dos Pesadelos
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