quarta-feira, 29 de abril de 2009

Portugal nos Jogos Olímpicos de Londres 2012

“É uma falta de cortesia com os outros ser sempre o mesmo à vista deles; é maçá-los, apoquentá-los com a nossa falta de variedade”, Fernando Pessoa (Páginas de Pensamento Político).

Os Jogos Olímpicos de Pequim foram segundo se disse nas instâncias governamentais e do dirigismo máximo olímpico os melhor preparados e mais bem financiados de sempre.

O Comité Olímpico de Portugal (COP) assumiu um protagonismo único na sua preparação, tendo gerido o respectivo pacote financeiro negociado com o Governo. Chegou mesmo a assumir também compromissos públicos que incluíam a obtenção de um certo número de medalhas olímpicas.

Os resultados da participação portuguesa são conhecidos desde Agosto de 2008, e sobre eles muito se disse, comentou e criticou. O COP fez também o seu habitual “Relatório da Missão Olímpica” onde avaliou a prestação e participação em Pequim. Pode-se discutir, e nós já o fizemos em outra ocasião, a qualidade, a profundidade analítica e o grau de consequência daquela auto-avaliação e o que ela provavelmente pouco contribuirá para introduzir melhorias estruturais, organizacionais e de processos, desde logo de planeamento estratégico, na preparação do novo “Ciclo Olímpico de Londres”.

Já depois de Pequim conheceram-se as posições oficiais do Secretário de Estado do Desporto pedindo contas, ou melhor um relato devido e circunstanciado, da Missão Pequim 2008 ao COP. Isto já depois de o mesmo governante da tutela ter criticado o conjunto de condutas e declarações extemporâneas do Comandante Vicente Moura em Pequim, ainda com atletas em competição. Mas disse o mesmo governante, sobretudo, que haveria coisas para alterar para o futuro contrato de preparação do novo “Ciclo Olímpico”.

Entrementes, com Pequim ainda em curso, o COP aproveitou a boleia do Ministro da Presidência e da tutela do desporto sobre a intenção em continuar o “Programa para Londres 2012” e fez a entrega da nova proposta de financiamento e gestão para o denominado “Ciclo de 2012-2016”.

Portanto, esta nova proposta do COP surgiu sem que se conhecessem ainda os resultados alcançados em Pequim.

Ora compulsando aquele documento do COP, das suas 19 páginas de extensão que compõem o referido “Projecto”, estão completamente ausentes quaisquer referências à estratégia de desenvolvimento do desporto, à sua respectiva estruturação sistémica, aos modelos de governação e liderança, eventualmente apoios para a reorganização e gestão federativas, ou sobre a renovação e redefinição dos processos de trabalho e as condições necessárias à melhoria das condições de preparação dos treinadores e atletas.

Desse documento, como dissemos em outra oportunidade, “apenas continuam a constar (como no passado) as regras, muitas e muitas regras de inclusão e de exclusão das bolsas olímpicas, níveis e mais níveis de pagamentos, os vários estipêndios possíveis aos atletas e treinadores e imagine-se, apenas no final do documento, como “solução de cartola”, a constituição, sob a alçada da Comissão Executiva do COP como tinha de ser, de uma “Direcção do Programa Olímpico” profissionalizada e composta por 3 a 4 técnicos a recrutar especialmente” (sic).

Mas deste documento não deixa de constar obviamente um aumento do nível de financiamento dos anteriores 14 milhões de euros para os 16,4 milhões, isto é, um aumento da verba total de 17% relativa à de Pequim 2008.

Sabe-se que está agora a ser preparado a nível governamental o contrato para Londres 2012, com praticamente um ano passado sobre a participação em Pequim, num silêncio de gabinete ensurdecedor, provavelmente com base naquela insuficientíssima e extemporânea proposta apresentada pelo COP. Mas também já se sabe que não vão ser estabelecidos objectivos de medalhas para Londres. Restará saber que tipos de objectivos vão estar contemplados no contrato de preparação que será uma vez mais gerido pelo COP. E que reflexão e análise vai estar subjacente aos resultados e à organização de Pequim na formulação deste novo enquadramento para Londres 2012. Porque se assim não acontecer então assiste-nos a razão de retomarmos o que oportunamente dissemos: “Todo o novel “Projecto até 2016” é, assim mesmo, independente de qualquer exercício de reflexão quer sobre o sistema de alta competição que temos e o que queremos para Londres, quer também sobre os processos e resultados até e de Pequim 2008” (sic).

Grandes dúvidas, por conseguinte, perpassam sobre a natureza e a qualidade exigível de planeamento e organização do “Projecto Londres 2012”, cuja envergadura e importância nacional e desportiva é enorme e única.

Toda esta situação que envolve a preparação do novo contrato de preparação da nossa participação nos Jogos Olímpicos de Londres tem desde já inaceitáveis insuficiências e fragilidades. Vejamos algumas das mais relevantes e que também marcam a actual governação nacional na área do desporto:

1. Um novo projecto deve preparar-se a partir da consequente avaliação de outro que sendo da mesma natureza o antecedeu;

2. Um novo “Ciclo Olímpico” tem de basear-se no conhecimento com exactidão daquilo que se quer realizar com o nosso desporto de alta competição, da sua estratégia de desenvolvimento e dos respectivos e indispensáveis objectivos que se pretendem atingir;

3. Os meios financeiros, o denominado envelope financeiro do “Projecto”, não podem ser transformados nos próprios fins, o que seria uma completa perversão de método de projectar e planear; pois que os recursos financeiros serão sempre apenas o instrumento de concretização de uma determinada estratégia e objectivos;

4. No planeamento de um projecto de grande dimensão, os fins/objectivos/resultados são os determinantes da respectiva concepção e estruturação (nunca o são os recursos financeiros como acontece neste “Projecto 2012-2016” entregue de forma completamente extemporânea e insuficiente pelo COP ao Governo);

5. O Governo tem de apresentar uma visão de desenvolvimento do desporto olímpico que baseie o contrato de preparação a celebrar com o COP, porque não se pode governar sem se saber o que se quer e aonde se vai chegar.

Ao país, ao desporto de alta competição em Portugal, interessam sistemas que evoluem muitas vezes em ruptura com estilos de liderança, processos ineficazes, estruturas subdesenvolvidas e pouco profissionais. E exigem-se processos de mudança em que os líderes sejam aqueles que estão efectivamente “ao leme e a indicarem o sentido da navegação”, capazes de protagonizar visões de desenvolvimento e estratégias que as concretizam, nunca se acomodando a situações pretensamente consensuais mas insusceptíveis de acrescentarem progressos e resultados valiosos.

Como bem dizia Einstein “Os problemas significativos que nós enfrentamos não podem ser resolvidos pelo mesmo nível de pensamento que os criou”.

Para melhor desporto e outros níveis de resultados olímpicos em Londres 2012 há que poder pôr no terreno mais e melhor organização, novos e mais eficientes modelos e estruturas desportivas. Teremos, portanto, de fazer diferente daquilo que estamos habituados a fazer. A evolução exige novos modos de pensar e agir nos protagonistas do topo das respectivas organizações desportivas e do poder governamental.

Portugal tem de exigir do COP e da Secretaria de Estado do Desporto muito mais do que aquilo que têm feito. Mais pensamento estratégico, melhor liderança e governação, e outros níveis de prestação de contas do seu trabalho. Por isso, se tem de exigir já que o novo contrato de preparação olímpica para Londres 2012 preencha todos estes requisitos, ultrapassando as limitações acima referidas e que se mantidas neste novo Ciclo Olímpico farão de 2012 uma “nova oportunidade perdida para o desporto nacional”.

José Pinto Correia, Mestre em Gestão do Desporto

terça-feira, 21 de abril de 2009

“Um ar funesto na cidade”


Há um ar funesto a descer sobre a cidade. Sente-se já o cheiro de uma certa podridão a invadir as nossas narinas. O Sol parece que vai desaparecer e abandonar-nos na volta dos dias que estão para vir. O bulício das crianças já se desvanece numa quietude que nos inquieta e abre fragas nos sentidos.

Os rostos que passam deixam transparecer um olhar baço e uma tez arreganhada. Sentem-se as preocupações e palpita-se a desconfiança. Vem-se a nós a desesperança e o abandono das conquistas no futuro. Este lê-se prenhe de desvarios e de escuridão. A luz apaga-se a cada instante que nos perpassa. Não se vê um amanhã novo, um horizonte radioso. Dá-se-nos a vontade de fechar as janelas e soltar um grito – lancinante de dor e de raiva.

As ruas estão inundadas de ignomínia, de luxúria, de sofreguidão insana pelo vil metal, de despreocupação com os infortúnios e a miséria. A injustiça é flagrante e adensa-se a corrupção das mentes e dos corpos. Tresandam-se as rosas e os canteiros, neles fenecem as sementes da boa fortuna. No rio há um imenso lodaçal, nem os peixes se podem salvar já, de tanta podridão. Consomem-se as almas, soam as desventuras, invade-se a inteligência com medos, campeia já a lassidão e a indiferença doentia. Socialmente rareiam os princípios, a dignidade e a respeitabilidade. Soam atrozes as ilusões e as mentiras, ribombam as trombetas da propaganda. Na cena, no espaço central da “polis”, vagueiam as mesmas sombras – da arrogância, da altivez, do desvario, do insuportável manobrismo.

“Chega, basta, que a canga está demais” – grita um alguém de lá de baixo, cheio da sua miséria longamente sofrida em silêncio!

De longe, em longe, vem-se-nos uma palpitação e um lampejo de tomar o destino nas próprias mãos. E depois? Será que isso é já? E vamos sós? Haverá quem connosco sinta semelhantemente e tenha igual destino em mente?

Dorme-se mal, sonha-se ou “pesadela-se” pior. Agigantam-se Adamastores em nosso mar e atormenta-se a nau. E os nossos filhos também nela navegam. Serão seus náufragos prováveis?

As vagas alterosas abocanham os porões. Os comandantes desprezam-nos, defendem seus coiros e séquitos. Realisticamente nem conduzem nem governam a nau e a tormenta vai-se adensando. Ouvem-se já intensamente as lamúrias e os gritos de medo e angústia. A revolta vem no ar e soerguem-se as suas vozes.

“Haja quem lute que o destino somos nós que o fazemos” – é a palavra da desordem que se entoa lenta e compassadamente. Os passos apressam-se, as gentes reúnem-se e gritam a palavra. Daqui a pouco será uma turba conduzida numa cruzada assim nascida – do tudo e do nada.

Parece que ao longe o Sol recomeça a querer reentrar no horizonte. Já se poderia pressentir com ele uma nova claridade que irrompesse das nuvens densas que nos toldam.

E os rostos como estarão nessa data? Franzidos de genica e vontade de mudar? E reabrindo-se ao sorriso de quem já vê e começa a construir outro devir?

Talvez aí então as crianças, os filhos destes homens e mulheres, já cantarolem e saltitem, abrindo-se ao mundo que há-de ser deles. E singelamente farão “reandar” a roda das gerações e das suas estórias. Porque o mundo nunca acaba já amanhã – ele renasce perpetuamente e avança “sempre que o homem sonha…como bola colorida entre as mãos de uma criança”!

Os tempos, esses, em todo e a todo o tempo, mudam-se por vontade e engenho dos homens, para que estes tenham direito a serem dignos e felizes no mundo e na cidade que são os seus.

José Pinto Correia, Mestre em Gestão do Desporto