terça-feira, 21 de abril de 2009

“Um ar funesto na cidade”


Há um ar funesto a descer sobre a cidade. Sente-se já o cheiro de uma certa podridão a invadir as nossas narinas. O Sol parece que vai desaparecer e abandonar-nos na volta dos dias que estão para vir. O bulício das crianças já se desvanece numa quietude que nos inquieta e abre fragas nos sentidos.

Os rostos que passam deixam transparecer um olhar baço e uma tez arreganhada. Sentem-se as preocupações e palpita-se a desconfiança. Vem-se a nós a desesperança e o abandono das conquistas no futuro. Este lê-se prenhe de desvarios e de escuridão. A luz apaga-se a cada instante que nos perpassa. Não se vê um amanhã novo, um horizonte radioso. Dá-se-nos a vontade de fechar as janelas e soltar um grito – lancinante de dor e de raiva.

As ruas estão inundadas de ignomínia, de luxúria, de sofreguidão insana pelo vil metal, de despreocupação com os infortúnios e a miséria. A injustiça é flagrante e adensa-se a corrupção das mentes e dos corpos. Tresandam-se as rosas e os canteiros, neles fenecem as sementes da boa fortuna. No rio há um imenso lodaçal, nem os peixes se podem salvar já, de tanta podridão. Consomem-se as almas, soam as desventuras, invade-se a inteligência com medos, campeia já a lassidão e a indiferença doentia. Socialmente rareiam os princípios, a dignidade e a respeitabilidade. Soam atrozes as ilusões e as mentiras, ribombam as trombetas da propaganda. Na cena, no espaço central da “polis”, vagueiam as mesmas sombras – da arrogância, da altivez, do desvario, do insuportável manobrismo.

“Chega, basta, que a canga está demais” – grita um alguém de lá de baixo, cheio da sua miséria longamente sofrida em silêncio!

De longe, em longe, vem-se-nos uma palpitação e um lampejo de tomar o destino nas próprias mãos. E depois? Será que isso é já? E vamos sós? Haverá quem connosco sinta semelhantemente e tenha igual destino em mente?

Dorme-se mal, sonha-se ou “pesadela-se” pior. Agigantam-se Adamastores em nosso mar e atormenta-se a nau. E os nossos filhos também nela navegam. Serão seus náufragos prováveis?

As vagas alterosas abocanham os porões. Os comandantes desprezam-nos, defendem seus coiros e séquitos. Realisticamente nem conduzem nem governam a nau e a tormenta vai-se adensando. Ouvem-se já intensamente as lamúrias e os gritos de medo e angústia. A revolta vem no ar e soerguem-se as suas vozes.

“Haja quem lute que o destino somos nós que o fazemos” – é a palavra da desordem que se entoa lenta e compassadamente. Os passos apressam-se, as gentes reúnem-se e gritam a palavra. Daqui a pouco será uma turba conduzida numa cruzada assim nascida – do tudo e do nada.

Parece que ao longe o Sol recomeça a querer reentrar no horizonte. Já se poderia pressentir com ele uma nova claridade que irrompesse das nuvens densas que nos toldam.

E os rostos como estarão nessa data? Franzidos de genica e vontade de mudar? E reabrindo-se ao sorriso de quem já vê e começa a construir outro devir?

Talvez aí então as crianças, os filhos destes homens e mulheres, já cantarolem e saltitem, abrindo-se ao mundo que há-de ser deles. E singelamente farão “reandar” a roda das gerações e das suas estórias. Porque o mundo nunca acaba já amanhã – ele renasce perpetuamente e avança “sempre que o homem sonha…como bola colorida entre as mãos de uma criança”!

Os tempos, esses, em todo e a todo o tempo, mudam-se por vontade e engenho dos homens, para que estes tenham direito a serem dignos e felizes no mundo e na cidade que são os seus.

José Pinto Correia, Mestre em Gestão do Desporto

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