sexta-feira, 27 de março de 2009

O IVA nos Ginásios – Uma de Direito versus a da Economia

Em 2008 o Governo veio alterar o regime de incidência do IVA sobre “a prática das actividades físicas e desportivas” fazendo com que entre outras as actividades desenvolvidas com enquadramento técnico e de equipamento nos ginásios em Portugal passasse de uma incidência de taxa de 21% para uma de apenas 5%.

Com grande alarde e presunção interventora e disciplinadora das empresas o Secretário de Estado do Desporto, Laurentino Dias, aprestou-se a declarar que os consumidores daquelas actividades físicas nos ginásios seriam beneficiados por esta redução de taxa de IVA, e que essa medida que teria repercussões financeiras negativas para o Estado com a menor arrecadação de imposto visava também aumentar o consumo daqueles bens por sectores da população nisso obviamente interessados.

O Estado estaria assim a prescindir de receitas anteriores em benefício de consumidores actuais e potenciais dos ginásios portugueses. Só que esta era uma posição de um interventor público desconhecedor evidente das realidades económicas e da sua respectiva racionalidade predominante.

A economia responde, dizem os prémios Nobel da economia, aos incentivos e às dinâmicas específicas da procura e da oferta que têm óbvia tradução na própria estrutura dos mercados. E nos mercados transaccionam-se os bens e serviços aos preços que nele são determinados. A imposição de preços nos mercados por regulamentação pública/governamental pode ser feita mas tem de respeitar certos pressupostos inalienáveis e conduz a efeitos flagrantes na oferta dos bens e serviços sujeitos a essas restrições quer em redução de quantidades potenciais quer em níveis menores de qualidade.

Por isso, ao mesmo tempo que o Senhor Secretário de Estado do Desporto fazia afirmações solenes sobre o que viria a acontecer nos mercados dos ginásios portugueses eu publicava em 21 de Fevereiro de 2008 num BLOG o seguinte texto:

“Ao Estado o que é do Estado (Mais Economia e Melhor Estado no Desporto)

A situação descrita … sobre o IVA nos serviços desportivos e de actividade física, que agora fica mais perceptível, revela não uma adequada política fiscal de promoção do consumo de bens desportivos e de actividade física, mas mais uma trapalhada como muitas outras que são correntes neste país.

Diferentes tipos de consumo de bens tinham taxas diferentes, o Estado arrecadou sem cuidar de verificar da adequação legal das receitas e as empresas prestadoras actuaram da forma que entenderam e não apenas daquela que legitimamente deveriam actuar se tudo estivesse, como devia, suficientemente claro.

Entretanto, nestas com em todas as demais actividades de venda e consumo de bens e serviços numa economia de mercado, portanto em actividades económicas naturais, os empresários e os consumidores tomaram decisões de preços e de compra que se ajustaram naturalmente nas respectivas esferas de racionalidade económica. Consumidores fizeram escolhas de consumo, aceitaram orçamentalmente os respectivos preços de consumo dos bens, afectaram partes do seu tempo ao consumo e optaram por deslocações até ao respectivo local de prestação (em que a conveniência geográfica é factor de relevo para a própria actividade de consumo).

Os prestadores incluíram naturalmente no seu cálculo económico de rentabilidade os preços praticados, analisaram a concorrência geograficamente relevante e as respectivas estratégias de prestação de serviços e de preços, e qualificaram devidamente a respectiva oferta, nesta incluindo factores de diferenciação e aprimoramento para fidelização dos respectivos consumidores.

Todo este processo de ajustamento comportamental de raiz económica foi sendo consolidado ao longo do tempo em que vigoraram as respectivas condições que definiam os termos da oferta e da procura.

Seria de estranhar que agora, por um simples mecanismo legislativo, que não tem face à liberdade económica dos mercados hoje vigente uma determinação imperativa de cumprimento pelas empresas, se assistisse como que por artes da mágica extra-económica e mero voluntarismo governamental a reduções dos preços já aceites pelas partes nas respectivas esferas económicas individuais.

As empresas, naturalmente como os textos económicos e os trabalhos de investigação revelam, acomodaram nos preços a pretensa baixa de imposto de prestação de algumas actividades, uma vez que não têm incentivos (no caso negativos) que impliquem que reduzam os preços no valor do diferencial de imposto que agora se passa a verificar. E esses incentivos não existem desde logo porque os consumidores dificilmente reagirão reduzindo a procura ou deslocando o seu consumo para outra actividade ou empresa concorrente. Isto porque a maioria destes consumidores de actividades privadas desportivas têm naturalmente perfis de rendimentos que lhes possibilitam estes consumos e não reagem muito a pequenas oscilações de preços.

Os ginásios e as empresas que fornecem estes bens e serviços desportivos e de actividade física sabem que os factores determinantes da procura pelos seus consumidores são variados e neles o preço é apenas um entre outros. Para além de que a reactividade da procura ao preço destes bens pelos consumidores tem pequena elasticidade, aproximando-se, como os estudos realizados no Reino unido têm demonstrado, da quase rigidez.

Por todas estas razões não deixa de raiar a caricatura a posição do Secretário de Estado do Desporto que pretendeu (palavras suas indicavam isso) impor, juridicamente como é seu mister, às empresas prestadoras os respectivos cálculos económicos e uma “racionalidade de estatismo”, bem ao contrário da liberdade económica empresarial que desde há mais de uma dezena de anos o país conquistou.

Para fazer política desportiva o Estado tem naturalmente outros instrumentos que deve utilizar, desde logo promovendo a prática desportiva nas escolas e a ligação dos jovens ao desporto, deixando que as actividades económicas cumpram o seu papel natural dentro da racionalidade específica em que se fundamentam. Mercado é mercado, iniciativa pública e do Estado é outra coisa. O Estado e o governo que façam, pois, e é muito, aquilo que podem e devem…!” (fim de citação).

Acabou agora em Março de 2009 de ser conhecido o desfecho do inquérito que decorreu por iniciativa da autoridade de concorrência e instigação da tutela do desporto e onde se procede ao respectivo arquivamento por aquela autoridade económica entender como não provadas as práticas de concertação de preços pelos agentes económicos investigados – no caso os ginásios portugueses.

O Senhor Secretário de Estado do Desporto veio logo a terreiro demonstrar que ficou indignado, no mínimo, com semelhante desfecho dessa sua importante causa.

Pois é, a economia tem destas “coisinhas”, há leis económicas que não são necessariamente escritas a penadas de voluntarismo e estatismo nos gabinetes governamentais.

E o pior é que quem tem em Portugal a responsabilidade por definir a essência das políticas públicas deveria reconhecer que a ciência económica tem verdades que outras ciências deveriam respeitar para poderem ter eficácia na sua aplicação ao terreno próprio da economia em que se movem as empresas e as respectivas actividades económicas.

Fica aqui patente, por conseguinte, uma lição de economia dada a um voluntarioso governante do nosso desporto, lição essa que poderia ter sido tirada facilmente de qualquer texto existente nas boas bibliotecas e livrarias da capital. E nem precisaria de ser de um Nobel liberal (ou mesmo do agora nefando neoliberalismo), bem poderia ter sido aprendida no manual de economia dos Professores Samuelson ou Stiglitz, ambos claramente não atreitos ao abominável dessa raiz doutrinária – o que certamente contribuiria para reduzir o amargo de boca ao nosso Senhor Secretário de Estado do Desporto quando nessa sua consulta houvesses de convir do grau do seu engano e da desvalia de tão presunçoso voluntarismo juridicamente determinado.

E já agora valia a pena, como síntese, que em Portugal se estudasse num qualquer centro de estudos universitário, com patrocínio interessado das nossas autoridades governamentais, isso da “economia do desporto”, já que tal ficou completamente abandonado neste quadriénio governamental do desporto nacional.

José Pinto Correia, Mestre em Gestão do Desporto


Sem comentários :