terça-feira, 10 de março de 2009

Do Tratado da Crise (II)


O Alfredinho e o pai Zé lá continuavam na sua demorada e atraente visita à exposição da Gulbenkian, essa mesma onde tudo que tem a ver com a origem das espécies, quaisquer que elas sejam, se aclareia cientificamente como se impõe, desde as grandiosas viagens do navio Bigle que passaram pelas esplendorosas ilhas das Galápagos com o tal de Charles Darwin tomando notas de tudo quanto era delas merecedor para os seus caderninhos que iriam, depois, permitir dar luz certa sobre tudo o que é a e da vida.

Claro está que o menino Alfredinho a quem extremosamente seu pai tentava explicar a criação da crise estava a ficar confuso e com um olhar parado digno de “choque e espanto”.

Então o Darwin não tinha previsto que as mutações das espécies se dão por adaptação às condicionantes ambientais e que só os organismos mais capazes sobrevivem e prosperam? Isso mesmo, que a selecção natural a actuar no seu melhor só deve deixar à tona e com vida própria os melhores e os verdadeiros e insofismáveis portentos da mãe natureza?

Mas e em Espinho nesta eternidade (vai para lá uma intemporal semana, portanto)? Também actuaram as forças imanentes da natureza?

Obviamente que sim, os óptimos, os maiores, os insuperáveis, estiveram lá. Que grande selecção, tão imensamente natural, só verdadeiras forças dessa natureza rosácea que se transmuta em coriácea, capaz das maiores proezas e venturas.

Haja quem esteja ao leme e a nau navegará sem parança, e não importa que destino – esse está há muito escrito nas estrelas (ou no teletexto, que é muito mais modernaço, pois então)!

Espinho foi o sítio, o verdadeiro caldeirão da seiva inicial, a luz da luz, a desenvoltura da modernidade e do reformismo, a grande força da mudança. A energia era transbordante, magnética a figura central, a oratória infalível e certinha ao minuto – para entrar em todos os lares e atingir todos os que terão as suas armas à boca de urna lá mais para diante quando as trombetas clamarem.

Zé (o outro que não o pai do Alfredinho), querido e inefável líder, tu és fantástico, melhor que tu só mesmo inventando-te, “que o poeta é um fingidor…que até finge a dor que deveras sente” e que “quem não se sente…”. Realmente, grandes são teu espírito, audácia, coragem, intrepidez, tudo virtudes únicas – nada nem ninguém, mesmo essa gentalha das parangonas, obscuras e ignóbeis, te vai abater. “O povo é quem mais ordena” e não tarda, volta que não torna, tudo será possível por mais um ciclo. Vai pois serenamente ao teu destino, camarada-chefe, “cumpre este Portugal”.

A esquerda é o contrário da direita, e “estar viva é mesmo, só pode mesmo ser, o contrário de estar morta”. Causas, desenterrem-se umas “causas nossas”, flagrantemente fracturantes que unam o nosso povo de esquerda – moderna, democrática e socialista, como agora importa que se enalteça. Porque isso de parecer é mesmo muito melhor que ser. “Ser ou não ser” para que te quero. “Só sei que nada sei” já dizia o nosso émulo e homónimo lá nas calendas gregas.

Isso da modernidade é que é o nosso “must”. Há mesmo é que subir nos “rankings” do governo electrónico, dos “gadgets Magalhães” educativos para as nossas criancinhas, da empresa na hora (quando abre e quando fecha, pois não), das penhoras electrizantes, dos casamentos de todos com todos, das estradas à pressão e cerimoniosamente comunicadas, dos novos hábitos (ou do “habituem-se” como disse o verdadeiro guru) e costumes civilizacionais, das bandas largas e das “mãos largas” (para a banca, a banquinha, e quejandos necessitados).

Não venham lá com essas pieguices ultrapassadas e paroquiais do desemprego, dos pais e mães que ficam estraçalhados, dos pobrezinhos e dos velhinhos desvalidos, das pequenas e médias não sei quantas (ou como diz a outra senhora: “das piquenas e médias…”), dos IVAs e IRCs e IRSs que fazem falta sabe-se lá para quê.

Dêem-se hossanas, muitas e longas palmas, uma grandiloquente aclamação, ao querido líder – o nosso profeta e estratega-mor, o clarividente, o criador do nosso céu e da nossa santa e amada terrinha.

Viva o nosso querido líder, viva o nosso clube, viva a Rosa, viva Espinho – a vitória nem é difícil e será nossa, por uma grande e fulgurantemente moderna maioria. E Portugal, como cantava o Chico da Holanda, “ainda vai tornar-se um imenso Portugal”.

“Ser ou não ser” de novo uma vez mais – “that´s the question once in a lifetime!” já ali ao virar do próximo Verão.

José Pinto Correia, Mestre em Gestão do Desporto


Sem comentários :