sexta-feira, 20 de março de 2009

Do Tratado da Crise (III)


Alfredinho estava muito tenso já praticamente no fim do périplo pela exposição real da evolução das espécies na Gulbenkian de Lisboa. Seu pai Zé chegou-se-lhe mais para ele e perguntou-lhe: Alfredinho estás baralhado, há coisas que não compreendes nesta história longa da evolução?

Alfredinho continuava ali mesmo encostado a um canto, sem palavras, mudo e cada vez mais quedo, praticamente imobilizado.

O estado de crise é assim mesmo, quando se torna claro e indisfarçável apavora os mais intrépidos, os combatentes e pressurosos cavaleiros da modernidade. E estes então passam a duvidar, sempre e sobretudo dos outros, daqueles que são díspares e diferem do diapasão maior e absolutamente inquestionável, grande portento dessa natureza pródiga em dar luz aos incontestados e clarividentes.

E então mesmo os imensos, os maiores de todos titubeiam, os generais da coisa pública desfazem-se em volteios e agitações, fazem que cogitam grandes reparações, propagandeiam soluções, tornam-se rápida e diversamente próximos e chegam-se à populaça aflita.

Os grandes passam a parecer-se com os demais, de carne e osso e com coração na boca. São então uns amigos do peito, ostentam compaixão e sofrem empaticamente com os pobrezinhos, mesmo os que da classe média ficaram reduzidos nos tempos últimos a poucos cêntimos ao final de cada trintena mensal.

Devolvem-se impostos que até aqui enchiam o orçamento do estadão e minoravam défices imensos, Bruxelas há-de ser compreensiva e agradecida ao novo impulso solidário e distributivo – estas são as novas palavras de ordem, dos auto-denominados contra-cavaleiros do apocalipse.

Agora é hora do Estado, do novo Estado, aquele que tem capacidade, forças e todo o dinheiro do mundo e fundo para regenerar o “capitalismo de casino” perdido e exausto na sua ganância e perfídia, pois então. O Estado tem de se chegar à frente, à primeira linha, e apascentar as almas descoroçoadas.

Ajudam-se os compatriotas aflitos e estes ajudam o Estado e quem manda nele e o habita de lés a lés. É tudo uma simples questão de retribuição justa, de dar a quem nos deu, ou de devolver a gratidão a quem tão prestimosamente nos ajuda. Não é nem preciso um grande esforço, basta mesmo é descarregar um pedacito de papel com uma cruz santificada no sítio certo, algures no próximo Verão/Outono.

Depois, sabe-se, é só esperar por mais um renovado quadriénio de bem aventuranças, com o leme bem seguro e o porto ali tão perto, ai não que não…

Que outros nas travessas apagadas e vis falem dos maus augúrios, esses são os habituais e maledicentes arautos da desgraça, os alaranjados e vermelhos escuros do bota-abaixismo, que só parece que se interessam pelos endividamentos pátrios, pela negatividade da dívida pública, ou pela desavergonhada distribuição na hora, na santa horinha, dos milhões de milhões para o BPN e BPP, ou dos previsíveis muitos e muitos centenários de milhões para TGV e Aeroporto – e que vai de lá passam também a falar dessas despiciendas pequenas e médias empresas.

O que importam essas bagatelas, essas minudências de vil metal, num grande, imenso e inesgotável canto luso com um timoneiro sapientíssimo ao leme. Esse ungido recentíssimamente pela tertúlia rósea que quer, afincadamente, com espírito de combatente invulnerável, em estado de guerra contra ventos e marés, modernizar tudo quanto vê e toca e que tão afanosamente apenas vê aquilo que é grande, enorme, imensamente projectável.

Há-de lá haver dúvidas, alguns poucos números que não batam com a perdigota, quais 150.000, três por cento de mais PIB, não a mais impostos, isso são apenas murmúrios lamentosos, cabalas e urdiduras useiras e sempre mesmissimamente obscenas.

Era só o que faltava. A muralha está, vai estar ali mesmo a barrar o caminho a quantos queiram atravessar-se nesta caminhada. O sentido pleno da história está traçado – nada nem ninguém o impedirá, a bússola e o GPS já disseram tudo quanto tinham que dizer.

Ali ao virar da esquina e de mais uma página deste rosário só pode estar um imenso Portugal. Uma nova e grandiosa Pátria, agradecida por ter ao seu dispor e condução tão grandes estrategas, sábios, clarividentes, luminosos – aqueles a quem foi dada a graça de verem tudo quanto os velhos do Restelo eram completamente incapazes de vislumbrar. Longa vida, pois, aos nossos maiores.

Demos graças ao Senhor por nos ter abençoado com este grande e inesgotável líder nesta curva da nossa história.

Alfredinho, esse estava dolorido e muito pálido, cada vez mais cabisbaixo e a desfalecer. A crise estava a chegar ao seu âmago e as consequências seriam?

Lá para Outubro, a um minutinho de TGV (o “Trem da Grande Vidinha”), portanto, a crise já foi, esvaneceu-se, e o “povo é sereno” – tudo será calmaria e o quartel-general estará de novo no seu sítio (Abrantes/Lisboa)!

José Pinto Correia, Mestre em Gestão do Desporto

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