quinta-feira, 5 de março de 2009

Do Tratado da Crise (I)

Do diálogo do pai Zé e do seu menino Alfredinho no meio de uma longa e discutida visita à exposição sobre Darwin na nossa estimada e cultural Gulbenkian:
“Paizinho o que é a crise? E veio de onde? Foi a cegonha que a trouxe da América não foi? E a mãezinha não a viu a bater à nossa porta? E a maninha quando vai chegar?”

A crise é o quê, então? Um papão, um cabo tormentoso inventado pelos poetas, um tabu repentinamente caído no meio de um oásis? Uma graçola americaníssima, um desvio da rota dos argonautas lusos, ou um teste ao sentido de leveza, insustentável e pródiga, do nosso timoneiro chefe?

Até há um, dois mesinhos essa enfermidade não era, inexistia, não tinha corpo, era pura perda de tempo e de saliva, coisíssima nenhuma para entreter os “mentideros alienígenas” (“FMIs, Bruxelosos” e quejandos, entenda-se). O nosso quadradinho, este querido e benfazejo “mundinho”, cá dentro e circunscrito de luz e esplendor, era outro, mais dado às efabulações magnânimas dos nossos queridos mandadores ministeriais económicos e financeiros – sempre bem escorados no “Banco dos Bancos” e no seu bondoso e inestimável feitor.

Aos tropeções, esmagados pelo estremunhar violento de um sonho rosáceo e claríssimo, os mesmos intérpretes deram com o “Mostrengo” – e vai de tentar esconjurar tal criatura, que ela era de outros, lá do quinto dos infernos das Américas, pois então. Cá não, somos todos bonzinhos, empregados e outros, sempre fazedores das obras superiores, e bem dirigidos, que ao leme vai só quem sabe das estrelas e da arte da navegação, mesmo que sem essas modernices tontas que para aí vão proliferando – os tais de GPS (não confundir com aquela “Gente do Dito”…).

O quê também aí debaixo dos nossos canteiros há umas flores ornamentais em jeito de fenecerem? Uns tais banquinhos de uns tantos senhores importantíssimos, ministeriais de antanho e sapientíssimos fazedores de fortunas? Que coitados tiveram uns azares, de pequena monta como se sabe lá no Ministério, quando o que queriam obviamente era produzir riqueza e alimentar as famílias do burgo (a nossa malta, portanto). Se os há, desses prestamistas generosos e regeneradores da ditosa, e que os há afinal parece que os há, então para quê discutir amendoins. A Pátria é grande, sempre foi como reza a história, vamos lá puxar pelos cordões da bolsa, que ela existe é para ajudar os necessitados, não é mesmo? E o povão, essa gentinha miúda que vota de quatro em quatro anos (e agora está perto de o voltar a fazer) ainda vai agradecer tanta generosidade, tanta presciência governativa, porque afinal a caridade é um sentimento tão profundo e humano – e não obstante as obras esconsas de uns tantos, a santa igreja manda que todos continuemos a dar aos outros o que não nos falta.

É assim que se faz. Os grandes visionários, os verdadeiros e carismáticos líderes, são capazes de tudo. Enfrentam de peito aberto as balas da ignomínia e as tramas quaisquer que elas sejam e venham de onde vierem. Não há nada que impeça estes intrépidos e sagazes comandantes de por “grandes obras e feitos da lei da morte se irem libertando” – e de ficarem mais uns anitos ao leme, pois que a gente é graciosa, veneradora e sabe reconhecer quem lhe faz o bem. Bem, bem, bem público, pois claro, que o público reconhece em qualquer tenda, oferenda, inauguração, “gadget”…

Há depois para aí uns críticos, mal cheirosos, que lhes apraz registar desavenças, más obras, empurrões, e amizades despretensiosas. São uns invejosos, uns traiçoeiros, cabalistas, uns urdidores sabujos – merecem umas “malhas” para verem se aprendem a não se meterem com os fazedores. Comam da vossa maldade, encharquem-se na vossa incapacidade, na volúpia do “bota-abaixismo”, que é a única coisinha em que se entretêm por manifesta falta de comparência no teatro da obra nacional.

“Free quê?” “Os cães ladram e a rosa cheira, ai não que não…”. Não se metam porque como lá disse, em épocas sempre actualizáveis, o demiurgo sempiterno, quem se mete…!

A crise é por isso um enormíssimo fantasma, um cisne negro como agora para aí se comenta, uma chatice, um cabo das tormentas, isso é que é!

“Once in a lifetime…” – disse o melhor dos melhores, o mais de nós, o visionário excelentíssimo.

Uma mudança temporária dos cenários, porque os intérpretes esses são do melhor que a nobre gesta produziu. Jamais, jamais, jamais (leia-se também afrancesadamente “jámé”) e nunca tantos como estes serão demais. Todos são poucos, por conseguinte.

E por consequência? Os nossos filhos, os que ficarem no quadradinho solarengo e à beira plantado, e os filhos deles, hão-de confirmar como tudo foi bem feito, e como melhor seria impossível. Então não seria…?


José Pinto Correia, Mestre em Gestão do Desporto

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