quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Liderança e Gestão no Desporto em Portugal


O nosso sistema desportivo de competição, que é aquele sobre que aqui nos debruçaremos, padece de lamentáveis ausências e incapacidades de liderança, gestão e estratégia que se exprimem em diversas situações hoje facilmente verificáveis e que impedem o seu nível competitivo e organizativo de alcançarem outros patamares.

Vejamos várias dessas situações que se verificam actualmente e que exemplarmente ilustram aquilo que impede o nosso desporto de ter maiores níveis de sucesso internacional e de melhor ser liderado e gerido.

1. A interrupção do financiamento para Londres 2012
Quando terminaram os Jogos Olímpicos de Pequim 2008, as entidades governativas do nosso desporto de competição, incluindo o Comité Olímpico de Portugal (COP) e o Governo e o seu Instituto do Desporto de Portugal (IDP) que tinham negociado o Programa de Preparação Olímpica, deram-se conta que os atletas com percurso olímpico firmado iriam ficar sem apoios financeiros para continuarem a sua actividade natural e contínua de preparação atlética e de competição. Foi preciso ir a correr preparar a publicação já em 2009 de despachos do Secretário de Estado do Desporto para resolver a posteriori e com efeitos retroactivos uma situação que qualquer planeamento e gestão eficaz e minimamente profissional teria acautelado – isto é, uma gestão da transição de um ciclo olímpico para outro que imediatamente tem o seu início e decorre da normal e continuada actividade de preparação e competição dos atletas olímpicos.

2. Apresentação pelo COP do “Programa para o Ciclo de 2012-2016”
Antes mesmo da realização dos Jogos Olímpicos de Pequim em 2008 o COP apressou-se a remeter para o IDP e a tutela do desporto um novo Programa de Preparação para 2012-2016, que não continha nem poderia conter qualquer avaliação dos resultados do Programa de 2008 nem, muito menos, qualquer reflexão estratégica e organizacional sobre o desporto de competição. Como instrumento de gestão este novo Programa era despropositado, extemporâneo e ineficaz e ineficiente, portanto, dando conta de uma falta de competência gestionária do próprio COP que teria ou terá repercussões sistémicas no desporto de competição olímpica – aguarda-se agora, vários meses passados, qual vai ser efectivamente o Programa para 2012 com os atletas já em trabalho corrente de preparação e competição.

3. Planeamento estratégico
Nem a Secretaria de Estado do Desporto ou o seu IDP nem o COP têm publicado ou realizado estudos e reflexões que permitam introduzir no desporto de competição um sentido estratégico da sua evolução e desenvolvimento. Esta é uma incapacidade e uma insuficiência gritante e que denota um nível frágil e insuficiente de governação do próprio sistema desportivo de competição. E que permite que prevaleça uma linha de politização no interior do sistema, e que abrange os seus topos governamental e do movimento desportivo, que permite validar todas e quaisquer opções, projectos ou decisões, sem que possa sobre elas existir uma avaliação e escrutínio social e de cidadania sobre o seu valor e adequação.

4. Visão e liderança
Os líderes em qualquer organização ou sistema afirmam-se pela respectiva capacidade em definirem a visão e objectivos de desenvolvimento que envolvem os respectivos projectos e participantes organizacionais. No desporto de competição faltam essas visões sistémicas e organizacionais que são substituídas inúmeras vezes e ao mais alto nível da gestão por omissões, anúncios grandiloquentes, conflitos entre pessoas, exigências permanentes de mais recursos, isenções à assunção das responsabilidades individuais, perpetuação de pessoas nos órgãos dirigentes, ou mesmo a afirmação inequívoca de projectos de poder pessoal ou de grupo. Tal é assim em muitas lideranças de topo do sistema desportivo como no Governo e na Administração Pública Desportiva. E a sociedade não pode, não reúne e não está em condições, de alterar este estado de coisas que fragiliza a gestão e o funcionamento do desporto de competição.

5. Modelo de Financiamento das Federações
Quando se realizou o Congresso do Desporto no início deste mandato governamental ainda se referenciou a necessidade de definir um modelo de financiamento das federações desportivas que tivesse um racional conhecido e fosse plurianual, permitindo dessa forma um desenvolvimento estratégico das referidas federações e dos desportos que elas “governam”. Ora, o IDP que é o braço operacional da política desportiva governamental ainda esboçou timidamente a concretização de um tal quadro orientador do financiamento federativo nacional. Mas essa tentativa não passou, provavelmente por ser desinteressante para a discricionariedade política que a sua ausência flagrantemente permitia e continuaria a permitir, de um mero “PowerPoint” que esteve durante algumas semanas exposto no site do IDP e que, depois, oportunamente dele e da agenda política foi rasurado. Por conseguinte, as negociações de financiamento para as federações continuaram e continuarão toda esta legislatura a fazer-se sem nenhum quadro orientador claramente assumido e conhecido. O que deixa margens para tudo e mais alguma coisa e desfaz quaisquer pretensões de boa gestão e planeamento no desporto federativo – a gestão dos desportos nas federações estará sempre no “fio da navalha financeira” ao dispor do Governo e do IDP como estes entenderem ano a ano.

6. Objectivos, metas e resultados no “desporto Olímpico”
A participação portuguesa nos Jogos Olímpicos de Pequim esteve nas bocas do mundo e nas páginas dos jornais durante o Verão porque o COP tinha assumido a obtenção de resultados nos Jogos – estimativa de medalhas e pontos, como decorria do contrato que o Comité firmara atempadamente com o Governo aquando da assinatura do Programa de Preparação para Pequim 2008.
Aconteceu o que aconteceu em Pequim, os resultados prometidos foram inferiores e logo o actual Secretário de Estado acorreu em defesa do COP para dizer que se fosse com ele não existiriam objectivos pré-fixados para os Jogos Olímpicos. Ora, aquilo que em qualquer organização e sistema é o essencial para avaliar do seu grau de sucesso e desempenho, que são os objectivos, as metas e os respectivos resultados, passava a não ter qualquer significado.
A ser assim, a estratégia, o planeamento e a gestão e avaliação deixam de fazer sentido no desporto olímpico porque o sistema passa a funcionar e a ser financiado e dotado de recursos independentemente de definir quaisquer objectivos, metas e resultados para alcançar ou realizar. Gerir assim um sistema desportivo altamente competitivo a nível mundial é completamente ineficaz, será porventura muito ineficiente, não avaliável no desempenho e não mensurável nos níveis de desperdício ou de incompetência organizacional.

7. Avaliação do desempenho e competitividade do desporto nacional
A melhoria de qualquer sistema e organização desportiva depende da sua capacidade de avaliação de desempenho e da sua competitividade internacional. Por isso, o desporto de alta competição, incluindo neste o que compete nas edições dos Jogos Olímpicos, tem de ser permanentemente submetido a processos de avaliação e de comparação internacional.
Um sistema desportivo necessita de se confrontar em permanência com indicadores de desempenho, graus de atingimento de determinados padrões, e com a gestão e organização de outros sistemas nacionais que com ele se confrontam continuadamente na cena mundial.
Ora, isto está bem longe de acontecer em Portugal, desde logo a nível do próprio Governo/Secretaria de Estado do Desporto que demonstra uma total falta de vontade e de iniciativa em criar centros de produção de conhecimento académico e científico sobre a gestão do desporto. Não existe, assim, em Portugal um único “centro de estudos sobre economia e gestão do desporto” – e essa iniciativa poderia e deveria provir do Governo (através do IDP, por exemplo). Por isso, são inexistentes em Portugal estudos e análises sobre o desempenho desportivo e sobre a comparação de políticas e sistemas de governação desportiva – sabendo-se que a análise comparativa é hoje um dos processos mais eficazes de produzir conhecimento sobre políticas públicas e sistemas organizacionais dos países.

Conclusão
Se Portugal quiser vir a ter um sistema desportivo federado, incluindo o do “desporto olímpico”, que seja capaz de lhe vir a dar mais e melhores resultados desportivos e organizacionais precisa de uma mudança radical das actuais perspectivas de liderança, gestão e enquadramento político e estratégico. Essa caminhada pode ser longa e implicar a emergência de novas lideranças e mesmo intérpretes que se mobilizem em torno de processos racionais de funcionamento, financiamento e desenvolvimento estratégico desportivo.

José Pinto Correia, Mestre em Gestão do Desporto

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