segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Mundial de 2018: Estratégias de Espanha e Portugal

Aqui publicamos o nosso texto de opinião editado hoje no Jornal "O Primeiro de Janeiro" que retoma um tema já aqui anteriormente tratado ainda que nesta ocasião o seja de uma forma mais completa. Por isso, considerámos útil renovar a sua divulgação.

As Federações de Futebol de Espanha e Portugal comprometeram-se há apenas alguns dias com a apresentação de uma candidatura conjunta para a realização do Campeonato do Mundo de Futebol em 2018 (ou mesmo em 2022, como alternativa).

Há pouca discussão e análise crítica em Portugal sobre esta “empreitada conjunta” e ainda que aqui não seja a oportunidade de detalhar os elementos de avaliação económica dessa candidatura, ou mesmo sobre os benefícios desportivos e da projecção internacional de Portugal eventualmente derivados daquele evento, importa desde já lançar sobre a mesa um pequeno conjunto de elementos que estão ínsitos naquela candidatura conjunta.

Quando se quer avaliar a valia efectiva para um país como Portugal de um grande evento como o Mundial de 2018 tem de se começar por discorrer sobre os “fundamentais das estratégias nacionais” inerentes aos países que no caso de Espanha e Portugal se conjugam para aquela realização desportiva.

E aqui o que se deve desde logo dizer é que a estratégia portuguesa se existe ou vai existir é e/ou será sempre dependente e está cercada pela estratégia espanhola e pelos respectivos interesses e objectivos.

Espanha tem uma estratégia dominante que terá supremacia e será praticamente independente da vontade estratégica de Portugal se este a tem ou vier a ter. E duvida-se mesmo que Portugal e a sua FPF (com apoio implícito do próprio Governo através do Secretário de Estado do Desporto) tenham alguma estratégia própria para o evento que não seja apenas uma visão oportunista de aproveitarem uma “boleia espanhola”. O evento aparecerá, por conseguinte, sempre determinado pela vontade e pelo poder de Espanha, quer em termos financeiros, quer logísticos, quer pelo valor internacional comparado do desporto e do futebol dos e nos dois países.
Portugal aparecerá, por isso mesmo, sempre como um auxiliar na candidatura, um parceiro menor não determinante, com vocação e papel submetidos e determinados pelo parceiro líder e mais poderoso, e sujeito a ter de aceitar as condições negociais que lhes serão obviamente impostas por Espanha. Esta tem mais poder económico no futebol, mais valor e projecção internacional no mesmo, mais sucessos nacionais recentes e projecção desportiva global perceptível e reconhecida (vide os respectivos resultados em muitas modalidades desportivas de equipa e nos Jogos Olímpicos desde Barcelona 1992 a Pequim 2008).

E a Espanha está também candidata de novo a vir a ser, na sua capital Madrid, a hospedeira dos Jogos Olímpicos de 2016; o que o Mundo, e a FIFA em particular, ficarão a saber durante o ano de 2009 por decisão do Comité Olímpico Internacional (COI), ainda antes, portanto, de 2010 em que será decidido pela própria FIFA que país organizará o Mundial de 2018 (e também o de 2022). E acresce que a ser decidida favoravelmente a candidatura espanhola de Madrid aos Jogos Olímpicos de 2016, em que a candidatura espanhola é repetente, o que estatisticamente e pelo passado recente das decisões do COI aumenta as suas hipóteses de sucesso, reduzirá ainda mais a visibilidade portuguesa na candidatura à realização do Campeonato Mundial de Futebol de 2018 (ou 2022), por um lado, ou desvalorizará mesmo de todo a possibilidade de a Espanha poder manter-se interessada na mesma, quer porque num pequeno espaço de tempo ser-lhe-iam exigidos dois enormíssimos níveis de investimento desportivo, quer porque a possibilidade de vencimento da candidatura (ainda que sendo ibérica) se desvalorizaria aos olhos da própria FIFA.

Portugal nestas condições, e também porque apenas possui três estádios com dimensão acima de 40.000 lugares como hipotéticos palcos de jogos desse Mundial, num total necessário de 12, será sempre apenas um prestimoso é útil amparo de Espanha. As escolhas fundamentais da candidatura serão espanholas, provavelmente como a FIFA agora vem confirmando nem os jogos de maior dimensão que são o inaugural e a final, que exigirão estádios com 80.000 lugares, virão a ser disputáveis em território português.

E se Espanha vier a ser o país organizador dos Jogos Olímpicos de 2016, a desproporção negocial de Portugal aumentará, o que reduzirá a possibilidade de realização de número de jogos a serem disputados no país no âmbito da candidatura conjunta ao Mundial de 2018.

Espanha terá sempre a palavra decisiva, uma estratégia dominante não dependente em nada das pretensões e interesses portugueses. Portugal será um parceiro menor num projecto conjunto, mas em que o parceiro mais forte imporá tudo aquilo que quiser. Por isso, os benefícios económicos, turísticos, culturais e outros de que se ouve falar aos quatro ventos serão derivados não de uma estratégia própria e das respectivas margens de liberdade negocial mas, ao invés, resultado de uma aceitação daquilo que nos for oferecido por Espanha.

As condições logísticas existentes em Portugal são outra limitação forte e inultrapassável. Os estádios disponíveis para corresponderem às exigências da FIFA são apenas 3. O do Benfica e o do Sporting, em Lisboa, e o do Porto – o que nem sequer cumprirá a exigência habitual de 2 estádios por cidade. E não se venha dizer que poderá haver jogos no estádio do Algarve que apenas dispõe actualmente de 30.000 lugares, porque a FIFA já veio desdizer essa possibilidade. Portanto, nem jogo inaugural nem final em Portugal e jogos apenas em Lisboa e no Porto – o que implica que quem vier a calcular os benefícios económicos e turísticos não exagere as respectivas localizações dos mesmos a todo o país, que é o que parece ter estado nas declarações do Presidente da FPF, da Liga Profissional e do próprio Secretário de Estado do Desporto.

A estas limitações acrescerá também a muito provável necessidade de realizar melhorias e adaptações nos estádios utilizáveis que terão encargos não despiciendos e que terão de ser financiadas muito provavelmente por fundos públicos. Ficará de fora, a não ser que seja feito um grande e adicional investimento no estádio de Loulé, o Algarve – região que poderia ser alegadamente referenciada para enaltecer os virtuosos efeitos turísticos da candidatura.

Quanto aos benefícios desportivos do evento, sem aqui detalhar a sua análise que ficará para outra oportunidade, bastará referir que a concentração de novo de grandes recursos no futebol só poderá ser vir a ser feita, num país como Portugal que tem grandes limitações em matéria financeira para o desporto em geral, com prejuízos manifestos (as denominadas externalidades negativas) para os outros desportos/modalidades desportivas. O que irá para o futebol mais uma vez não poderá ir para outras modalidades e o que vai para o desporto profissional não poderá ser disponibilizado para o desporto de base e escolar, por exemplo. A candidatura a 2018 ou 2022 terá grandes custos de oportunidade (como dizem os economistas) para outros desportos que não o futebol profissional, porque os recursos económicos são limitados e quando são afectados para uma finalidade deixam de poder ser destinados para outras que sejam passíveis de serem consideradas como igualmente relevantes. Os ganhos para o futebol serão perdas potenciais para outros desportos do país.

E lembre-se que nesta candidatura ao Mundial de 2018 não se está a falar de 10 nem 20 milhões de euros mas de muitas vezes esses valores indiscutivelmente. Bastará considerar os custos da candidatura que os ingleses estimaram entre 3 e 10 milhões de libras no seu estudo de viabilidade da candidatura (feito e publicado ainda em 2007) e todos os custos de segurança interna e externa por terra, mar e ar (incluindo a anti-terrorista), de saúde e emergência a funcionar ininterruptamente no sistema nacional de saúde, do policiamento dentro e fora dos estádios, de criação e funcionamento dos centros de imprensa, para chegarmos rapidamente a muitas dezenas de milhões de euros que teriam de ser suportados por verbas públicas. Num Portugal que não chegou a gastar 10 milhões de euros com o Programa de Preparação Olímpica de Pequim.

Que se façam os estudos – que já há alguns meses nós aqui reclamámos (vide meu artigo no Jornal “O Primeiro de Janeiro” de 23 de Outubro de 2008) – e se verifique qual o montante de investimento (em milhões de euros) que o país terá de fazer com a candidatura a 2018 ou 2022, para que os portugueses e o restante desporto nacional não sejam enredados numa aventura do tipo da do EURO 2004, que agora está bem à vista e a pagamento durante muito tempo (é só ver a cidade/município de Braga como um exemplo ilustrativo e os estádios de Loulé, Leiria e Aveiro sem utilização digna).

Finalmente, olhe-se em redor do futebol e discuta-se a viabilidade económica e financeira e o terreno pantanoso em que este desporto está envolto em Portugal. E peçam-se responsabilidades e medidas efectivas aos principais responsáveis – desde logo a Federação, a Liga Profissional e o Governo (porque ao Sindicato dos Jogadores só se pode e deve pedir aquilo que está ao seu alcance).

Podem num país as autoridades do futebol como a Federação e a Liga Profissional de Futebol, e mesmo o próprio Governo, estar tão ausentes da realidade actual deste desporto em Portugal, da sua tendencial inviabilidade económica com casos de insolvência de muitos clubes de primeiro plano, dos seus escândalos sucessivos nas respectivas estruturas de governação, que não se coíbam de se apresentarem com esse mesmo padrão desportivo ao Mundo – e fazê-lo sem curarem de instaurar saúde económica e ética no futebol que querem candidatar a organizar o Mundial de 2018 (ou de 2022)?

José Pinto Correia, Mestre em Gestão do Desporto

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