quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

O Estado e o Desporto: Mão Visível vs. Autonomia

O Estado na Europa e em Portugal tem, sempre teve e continuará ter no futuro, um papel determinante na organização e funcionamento do desporto. O Estado é, dessa forma, quer ao nível central quer local, não apenas o grande financiador como o regulador essencial do desporto naquilo que está obviamente para além da capacidade de auto-regulação e governação autónoma deste último.

O exercício da função de regulação tem mecanismos, regras, processos e procedimentos que devem obedecer ao “princípio de ouro” de que essa intervenção e supervisão se reconduz a assegurar o respeito pelos princípios legais e pela salvaguarda da boa governação das organizações a que essa mesma função de regulação se aplica.

A regulação está, assim, eminentemente ligada a preceitos éticos e de eficácia e eficiência que devem proteger o normal funcionamento das instituições e organizações sobre as quais se exerce e recai. E um desses pressupostos éticos fundamentais é o de que os poderes de regulação do Estado não devem, não podem, colocar em causa os princípios constitucionais da autonomia e da liberdade de associação que possibilitam e promovem a intervenção e agregação dos indivíduos em actividades que lhes interessam ou à própria sociedade. Esta agregação de vontades é acautelada juridicamente pelo Estado e tem e produz valor para os indivíduos e também para a comunidade nacional em que se manifesta.

No desporto, na sua organização internacional, na Europa, em todos os principais documentos internacionais de orientação da actividade desportiva europeia, prevalece o princípio da autonomia e da liberdade de governação e funcionamento do movimento desportivo, que se conjuga com o princípio da subsidiariedade que vislumbra ganhos de eficácia e eficiência em organizações de nível inferior ao estadual.

Ora na “Constituição Portuguesa” existem normas básicas sobre a liberdade de associação que inibem as intervenções despropositadas do Estado no seu funcionamento e organização. O que deveria ser justificação suficiente para impedir a possibilidade de por poderes de regulação se deixar margem a uma suspensão das próprias actividades associativas desportivas autónomas como é o caso manifesto que agora passará a ocorrer com a aplicação do dispositivo constante da alínea f) do nº2 do artigo 21º do Regime Jurídico das Federações Desportivas.

Trata-se de estender a longa mão interventora e coerciva do Estado a mais um dos poucos espaços de intervenção autónoma da denominada sociedade civil, sem que as razões invocadas no nº 1 do mesmo artigo possam justificar a desproporção da alínea f) do nº2 e fazendo tábua rasa dos princípios constitucionais que nos regem.

É sem qualquer dúvida mais uma redução do espaço de liberdade da sociedade portuguesa, trocada por uma nova e despropositada interferência do Estado que se passa a arrogar o direito de fazer cessar as actividades de federações sem intervenção judicial e por mera decisão administrativa da tutela do desporto – que resulta da disposição inserida na alínea f) do nº2 do artigo 21º do Regime Jurídico das Federações Desportivas.

Não sendo jurista quero crer, contudo, que nos poderes administrativos de tutela não estarão (não poderão estar, por óbvia desconformidade e desproporção) os de fazer cessar as actividades de espaços associativos constitucionalmente consagrados como sendo livres e autónomos.

O que não se compreende, não se pode entender nem aceitar, é o silêncio absoluto das federações desportivas, do movimento desportivo, do Comité Olímpico de Portugal e mesmo do próprio Conselho Nacional do Desporto perante aquilo que parece ser um óbvio e absurdo atentado à autonomia e à liberdade associativa desportiva em Portugal, passando por cima do enquadramento da própria Constituição da República que ainda é, até prova em contrário, a “lei das leis”.

O que isto parece revelar é o reforço de uma tendência manifesta para estender a longa e sufocante “mão visível do Estado” por sobre as cabeças dos intérpretes do movimento desportivo federado. E se traduz, óbvia e indisfarçavelmente, num preocupante enviesamento ideológico-legal para uma intensificação da estatização do desporto em Portugal.

José Pinto Correia, Mestre em Gestão do Desporto

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Mundial de 2018: Estratégias de Espanha e Portugal (I)

As Federações de Futebol de Espanha e Portugal comprometeram-se há dias com a apresentação de uma candidatura conjunta para a realização do Campeonato do Mundo de Futebol em 2018 (ou mesmo em 2022, como alternativa).

Há pouca discussão e análise crítica em Portugal sobre esta “empreitada conjunta” e ainda que aqui não seja a oportunidade de detalhar os elementos de avaliação económica dessa candidatura, ou mesmo sobre os benefícios desportivos e da projecção internacional de Portugal eventualmente derivados daquele evento, importa desde já lançar sobre a mesa um pequeno conjunto de elementos que estão ínsitos naquela candidatura conjunta.

Quando se quer avaliar a valia efectiva para um país como Portugal de um grande evento como o Mundial de 2018 tem de se começar por discorrer sobre os “fundamentais das estratégias nacionais” inerentes aos países que no caso de Espanha e Portugal se conjugam para aquela realização desportiva.

E aqui o que se deve desde logo dizer é que a estratégia portuguesa se existe ou vai existir é e/ou será sempre dependente e está cercada pela estratégia espanhola e pelos respectivos interesses e objectivos.

Espanha tem uma estratégia dominante que terá supremacia e independente da vontade estratégica de Portugal se este a tem ou vier a ter. O evento aparecerá sempre como determinado pela vontade e pelo poder de Espanha, quer em termos financeiros, quer logísticos, quer do valor internacional comparado do desporto e do futebol dos e nos dois países.

Portugal aparecerá, por isso mesmo, sempre como um auxiliar na candidatura, um parceiro menor não determinante, com vocação e papel submetidos e determinados pelo parceiro líder e mais poderoso, e sujeito a ter de aceitar as condições negociais que lhes serão obviamente impostas por Espanha. Esta tem mais poder económico no futebol, mais valor e projecção internacional no mesmo, mais sucessos nacionais e recentes e projecção desportiva globalmente perceptível e reconhecida (vide resultados em muitas modalidades desportivas e nos Jogos Olímpicos desde Barcelona 1992 a Pequim 2008).

E a Espanha está também candidata de novo a vir a ser, na sua capital Madrid, a hospedeira dos Jogos Olímpicos de 2016; o que o Mundo, e a FIFA em particular, ficarão a saber durante o ano de 2009, ainda antes, portanto, de 2010 em que será decidido pela própria FIFA que país organizará o Mundial de 2018 (e também o de 2022).

Portugal nestas condições, e também porque apenas possui três estádios com dimensão acima de 40.000 lugares como hipotéticos palcos de jogos desse Mundial, num total necessário de 12, será sempre apenas um prestimoso é útil amparo de Espanha. As escolhas fundamentais da candidatura serão espanholas, provavelmente nem os jogos de maior dimensão que são o inaugural e a final, que exigirão estádios com 80.000 lugares, virão a ser disputáveis em território português.

E se Espanha vier a ser o país organizador dos Jogos Olímpicos de 2016, a desproporção negocial de Portugal aumentará, o que reduzirá a possibilidade de realização de número de jogos a serem disputados no país no âmbito da candidatura conjunta ao Mundial de 2018.

As condições logísticas existentes em Portugal são outra limitação forte e inultrapassável. Os estádios disponíveis para corresponderem às exigências da FIFA são apenas 3. O do Benfica e o do Sporting, em Lisboa, e o do Porto – o que nem sequer cumprirá a exigência habitual de 2 estádios por cidade. E não se venha dizer que poderá haver jogos no estádio do Algarve que apenas dispõe actualmente de 30.000 lugares.

A estas limitações acrescerá também a muito provável necessidade de realizar melhorias e adaptações nos estádios utilizáveis que terão encargos não despiciendos e que terão de ser financiadas muito provavelmente por fundos públicos. Se for assim, uma grande parte dos denominados benefícios turísticos apenas se concretizarão em duas cidades de Portugal – em Lisboa e no Porto. Ficará de fora, a não ser que seja feito um grande e adicional investimento no estádio de Loulé, o Algarve – região que poderia ser alegadamente referenciada para enaltecer os virtuosos efeitos turísticos da candidatura.

Quanto aos benefícios desportivos, sem aqui detalhar a sua análise que ficará para outra oportunidade, bastará referir que a concentração de novo de grandes recursos no futebol só poderá ser vir a ser feita num país como Portugal que tem grandes limitações nessa matéria para o desporto em geral com prejuízos manifestos (as denominadas externalidades negativas) para os outros desportos/modalidades desportivas.

E lembre-se que nesta candidatura ao Mundial de 2018 não se está a falar de 10 nem 20 milhões de euros mas de muitas vezes esses valores indiscutivelmente. Num Portugal que não chegou a gastar 10 milhões de euros com o Programa de Preparação Olímpica de Pequim.

Que se façam os estudos – que já há alguns meses nós reclamámos (vide meu BLOG pessoal e artigo no Jornal “O Primeiro de Janeiro” de 23 de Outubro de 2008) – e se verifique qual o montante de investimento (em milhões de euros) que o país terá de fazer com a candidatura a 2018, para que os portugueses e o restante desporto nacional não sejam enredados numa aventura do tipo da do EURO 2004, que agora está bem à vista e a pagamento durante muito tempo (é só ver a cidade/município de Braga como um exemplo ilustrativo e os estádios de Loulé, Leiria e Aveiro sem utilização digna).

Finalmente, olhe-se em redor do futebol e discuta-se a viabilidade económica e financeira e o terreno pantanoso em que este desporto está envolto em Portugal. E peçam-se responsabilidades e medidas efectivas aos principais responsáveis – desde logo a Federação, a Liga Profissional e o Governo (porque ao Sindicato dos Jogadores só se pode e deve pedir aquilo que está ao seu alcance).

Podem num país a Federação e a Liga Profissional de Futebol, e mesmo o próprio Governo, estar tão ausentes da realidade deste desporto em Portugal, da sua tendencial inviabilidade económica com casos de insolvência de muitos clubes de primeiro plano, dos seus escândalos sucessivos nas respectivas estruturas de governação, que não se coíbam de se apresentarem com esse mesmo padrão desportivo ao Mundo – e fazê-lo sem curarem de instaurar saúde económica e ética no futebol que querem candidatar a organizar o Mundial de 2018 (ou de 2022)?

José Pinto Correia, Mestre em Gestão do Desporto.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

O Relatório do COP de 2005-2012: discutir ou esquecer?


O Relatório agora apresentado pelo COP (Comité Olímpico de Portugal) sobre o Projecto de 2005-2012 para o desporto de competição olímpica em Portugal mereceria uma ampla discussão e análise em evento específico que bem poderia ser – deveria mesmo ser – uma Conferência numa Universidade ou Escola Universitária ligada ao Desporto para a qual fossem convidados académicos, dirigentes e os próprios órgãos do Comité Olímpico de Portugal e da Administração Pública Desportiva como o IDP e mesmo representantes qualificados da Secretaria de Estado da Juventude e Desporto.

Porque aquele Relatório é um insubstituível e ímpar elemento documental sobre o qual e a partir do qual se podem e devem discutir os objectivos e os processos de organização, planeamento e gestão, mesmo de governação, do nosso desporto de competição olímpico. Mais até, sobre todo o nosso sistema desportivo, o que incluiria a própria discussão sobre o conteúdo, a eficácia e eficiência das próprias políticas públicas desportivas que têm tradução destacada no Programa de Preparação dos Jogos Olímpicos agora sob jurisdição plena do nosso Comité Olímpico.

Talvez das parcelas do Relatório que mais mereceriam essa discussão e análise aprofundadas, e devendo ser feita por intervenientes não apenas interessados mas sobretudo produtores de conhecimento sobre o desporto, é aquela em que o COP apresenta as respectivas conclusões/recomendações. Porque nestas estão consubstanciadas as linhas de diagnóstico do que funcionou bem e também daquilo que seria necessário modificar, criar de novo, inventar, quer em matéria de sistemas de organização quer de métodos e processos.

E aqui apetece-me destacar pela sua estranha novidade aquela afirmação do Relatório em que o nosso COP reconhece que o Reino Unido deve ser o exemplo a seguir na Europa em matéria de organização e gestão do desporto escolar e universitário.

Será que esta afirmação – que eu particularmente me tenho desunhado em defender com apresentações várias das políticas desportivas do Reino (ver site do Fórum Olímpico de Portugal e o meu BLOG pessoal) – é mesmo para levar com a devida seriedade?

É que se assim for vamos ter de ver o COP empenhado rápida e finalmente em garantir o estudo detalhado e devidamente comunicado das experiências da governação desportiva do Reino Unido, criando grupos de trabalho e estudo sobre essas experiências que são vastíssimas e têm um manancial de informação e documentação que começa na década de 60 do século vinte.

Ou será que esta vistosa (mas acertada quanto a nós) afirmação e reconhecimento é apenas para português ver/ler e não terá qualquer consequência – ficará votada ao abandono e cairá no “túnel do esquecimento”.

Vamos então aproveitar na Universidade para debater este Relatório do COP, convidando os próprios órgãos desse Comité, para se tirarem lições e se discutirem caminhos de desenvolvimento do desporto, já que certamente no Conselho Nacional do Desporto esta oportunidade será completamente esquecida como é mais que provável – ali como se vê das agendas das respectivas reuniões só se têm discutido os vários diplomas legais e os problemas imensos do futebol.

Quanto ao resto do desporto, das políticas de desenvolvimento desportivo, daquilo que é possível ver-se e saber-se, naquele Conselho Nacional é zero.

E obviamente há, isso sim um grande e estridente coro em uníssono – de que os jornais desportivos e os outros media vão amplificando – a suspirar por um Mundial de futebol lá para 2018, servindo a estratégia de afirmação e poder da Espanha, como convém aos veneradores e obrigados (“governantes madailizados”, recentemente convertidos à causa seja lá qual ela for!).