terça-feira, 24 de novembro de 2009

A Saga do Senhor das Finanças (ou do “Nosso Senhor dos Anéis”)


Ainda estaremos todos muito bem recordados dos dados macroeconómicos de crescimento económico e da diminuição do défice orçamental em que assentava o primeiro orçamento para 2009 apresentado no final do ano transacto pelo Governo e tão galhardamente defendido pelo nosso Ministro das Finanças (o “Nosso Senhor das Finanças”, Professor Teixeira dos Santos).

Este orçamento para 2009, que foi logo tão criticado por vários quadrantes políticos e económicos da nossa vida nacional, apresentado no parlamento e ao país já depois da crise internacional ter proporções ameaçadoras continuava a prever um crescimento económico em progressão e um défice orçamental em queda para um valor que seria menos do que os 2,6 % de 2008.

E todos nos lembramos da veemência e do tom categórico com que o “Senhor das Finanças”, o doutor Teixeira dos Santos, “vendeu” no parlamento essa enorme e indisfarçável prestidigitação da realidade nacional e internacional. Nessa altura o Governo e o Senhor Ministro ainda “estavam numa” de que Portugal estava robusto e de que não senhor a crise não afectaria aqui este nosso cantinho da boa e imparável governação socialista. Visto que, segundo se afirmava nos “mentideros” do poder à data, se alguém no mundo português percebia da dimensão e do alcance da crise esses eram indiscutivelmente os ministros socialistas do Primeiro-Ministro José Sócrates.

Acontece que logo em Janeiro de 2009, depois se ter prestado com toda a quietude a esse primeiro exercício inqualificável, o “Senhor das Finanças”, com o beneplácito do seu Primeiro, apresentou no mesmo Parlamento da Nação uma rectificação de fogacho onde passava o limite do endividamento do Estado dos iniciais 7,3 para os 10,1 mil milhões de euros e, ao mesmo tempo e sem mais, o défice orçamental previsto dos singelos 2,2% do PIB (do seu magnífico e tão valentemente defendido exercício inicial) para os 3,9%.

Havemos de convir em abono da credibilidade, da legitimidade, da correcção e do rigor, e talvez mesmo da competência exigível a quem governa para o povo e em nome desse mesmo povo, que um governante como o Ministro das Finanças tem o óbvio dever de estudar a economia nacional, realizar contas rigorosas e previsões realistas, pelo que esta encenação foi desde logo imprópria e lamentável.

Mas esta “Saga do Senhor das Finanças” viria a ter mais um acto em Maio quando o doutor Teixeira dos Santos veio a ser obrigado, ao que se sabe por intervenção directa do próprio Presidente da República, a apresentar um novo orçamento rectificativo a que lapidarmente deu a denominação de “Iniciativa para o investimento e o emprego” – por existir na semântica e no léxico do Governo uma impossibilidade de chamar rectificativo ou suplementar aquilo que objectivamente se configurava como tal.

Desta penada o “Nosso Senhor das Finanças”, o grande ministro da fazenda (hoje coisa) pública nacional, passava o limite do endividamento do Estado dos iniciais 7,3 para os 10,1 mil milhões de euros, e o défice orçamental dos tais antes reconfigurados 3,9% do PIB para os 5,9% agora desta feita refundidos. E garantia Sua Excelência que esta era a sua última palavra em matéria de exercícios orçamentais, jurando a pés juntos (e talvez até pelas alminhas) que o défice público seria no final do ano naquele valor máximo.

E assim durante vários meses o Professor Doutor Teixeira dos Santos e os seus ajudantes secretários seriamente se comprometeram com tal défice máximo. Isto assim mesmo contra alguns economistas e vozes de políticos (os tais bota-abaixistas de sempre segundo as crónicas da governação) que iam dizendo de fora para dentro das Finanças que a coisa/erário públicos iam estar mais complicados no final de 2009 e seria expectável, com elevada probabilidade, que o défice orçamental disparasse para muito próximo dos 8% do PIB (lembrem-se aqui a título de exemplo o exercício de previsão em simples folhinhas de papel do Dr. Bagão Félix depois publicado em artigo no Diário Económico e o também em tempo útil protagonizado pelo líder do CDS/PP na Grande Entrevista da RTP).

Assim, durante meses, ao longo de todo o Verão, enquanto decorria o período pré-eleitoral e depois o eleitoral, o “Nosso Senhor das Finanças” mantinha a ilusão e a falsidade das contas públicas perante o país, num exercício que visava apenas escamotear dos portugueses votantes a realidade do agravamento insustentável do défice público – que só agravaria, se fosse assumida publicamente, a possibilidade já previsível de o Partido Socialista perder ainda muitos mais votos e a tão acalentada maioria absoluta.

A política, a tentação do poder, possivelmente absoluto como no anterior mandato, fizeram do doutor Teixeira dos Santos um ilusionista e um manipulador que transmitia ao povo que devia bem governar não a verdade mas uma capciosa desfiguração da mesma. E isso era feito em nome do mero calculismo político de um Governo que mais do que governar para o bem comum alimentava de todo o modo possível a falsidade que lhe possibilitasse “comprar votos” a muitos portugueses incautos para se perpetuar num novo ciclo político de poder (que se desejava escudado numa forjada maioria absoluta).

Uma monstruosidade política e económica foi portanto montada perante um circo eleitoral que estava de permeio. Agora que esse circo acabou e o “Nosso Senhor das Finanças” se mantém no leme da fazenda pública, de repente, contra tudo o que foi dito e propagandeado na campanha eleitoral, eis que o doutor Teixeira dos Santos vem refazer o seu exercício de gestão orçamental. Não, não, agora o défice afinal não será os ajuramentados e sagrados 5,9% do PIB mas muito provavelmente os tais 8% que ainda há uns dias a Comissão Europeia tinha vindo a prever. E que para tal será necessário fazer agora um novo aumento do endividamento fixando o novo limite em mais 4.900 milhões de euros – com o servil beneplácito do Parlamento da República a que o doutor Teixeira dos Santos tão maquinal quanto sibilinamente agora procura envolver.

Mas esta novidade do “Nosso Senhor das Finanças” vem agora com mais uma brilhante e importantíssima nuance, a de que agora este renovado exercício seria não um orçamento rectificativo, nem suplementar, nem corrigido, seria isso sim, imagine-se, “um orçamento redistributivo”.

Evidentemente que a dívida pública com que o país ficará vai aumentar também mais uns pontos e a Comissão Europeia, lá de longe e com a lupa gigante que tem (faz tanta falta uma lupa destas aqui no Ministério das Finanças), já prevê que passe dos 66,3% do PIB para os 77,4%, que será tão-somente o máximo de sempre. Deve também aqui dizer-se que esta mesma dívida pública era apenas de cerca de 50% do PIB em 2000 e está projectada (pela Comissão Europeia uma vez mais) chegar aos 90% em 2011.

Assim sendo, e porque se aproxima a apresentação ao Parlamento e ao país de uma nova proposta orçamental, fica agora lançada a questão se saber que tipo de exercício vai o Ministro das Finanças fazer para este novo ano de 2010. Que dados e projecções fará? Que cenário macroeconómico irá apresentar ao país? Voltaremos ao princípio desta “Saga de 2009” com um novo embuste técnico e político, que da farsa se transformará, por repetição, em tragédia nacional? Para depois durante todo o ano andar o nosso “Senhor das Finanças” a correr atrás dos números e das previsões em novos ilusionismos e maquinações?

Por isso, em face do que vão sendo as tristes previsões que instituições internacionais como a Comissão Europeia e a OCDE ou o Fundo Monetário Internacional tem apresentado sobre a economia e as finanças públicas portuguesas para os próximos anos é de exigir ao Governo e ao doutor Teixeira dos Santos que rapidamente comece a dizer ao país como vão evoluir no próximo orçamento algumas das seguintes variáveis económicas e financeiras:

Salários da função pública
Transferências sociais (subsídios de desemprego, rendimento mínimo, complemento solidário, abonos diversos)
Pensões e reformas (incluindo as de funcionários públicos)
Investimento público (vulgo PIDDAC)
Juros da dívida pública
Impostos directos
Impostos indirectos
Taxas
Receitas extraordinárias

Porque a evolução projectada pelo “Senhor das Finanças” para aquelas variáveis orçamentais em 2010 traduzirá escolhas e enquadramento para questões relevantes de estratégia económica e financeira de Portugal. E assim se ficará a conhecer alguma da verdadeira dimensão das escolhas políticas do Governo e do tal rumo e visão que o Primeiro-Ministro tanto propala aos quatro ventos que tem para Portugal.

Sendo também óbvio que uma noção profunda do sentido das escolhas do Governo exigiria que para essas questões orçamentais fosse feito um indispensável enquadramento com elementos quantitativos e/ou qualitativos numa perspectiva de médio prazo (até final da legislatura) que pudesse estar para além dos meros circunstancialismos eleitorais e da luta política de renovação ou conquista do poder (que em muitos casos servem para iludir as verdadeiras soluções daqueles problemas fundamentais). Estaríamos então já perante exercícios de prospectiva e estratégia, com uma determinada visão subjacente. Mas talvez seja mesmo pedir de mais porque o poder de governar em Portugal a tanto não está habituado nem se vai obrigando.

Todos precisamos urgentemente de saber como o país vai passar de um défice orçamental de cerca de 8% para menos de 3% até 2013 (com que o Ministro Teixeira dos Santos já se comprometeu publicamente), sem aumentos de impostos como consta do Programa de Governo e foi assumido pelo actual Primeiro-Ministro na recentíssima campanha eleitoral das legislativas. Para que não seja possível montar cenários virtuais convenientes que manipulem os valores das principais variáveis e que não venham a ter qualquer possibilidade de realização efectiva.

É isto que deve ser agora indeclinavelmente exigido ao Governo em nome da seriedade, da honradez, da credibilidade e da respeitabilidade na política e na governação de Portugal.

P. S.: O Dr. Vítor Constâncio acabou de se chegar à frente com previsões de aumentos de impostos e da desgraça do défice até 2013 quando ainda há apenas duas semanas com as previsões da Comissão Europeia na ordem do dia dizia ser muito difícil fazer previsões sobre o défice final de Portugal em 2009. Claro que ele vai ser provavelmente expatriado para o BCE onde talvez ainda vá ganhar mais umas dezenas de salários mínimos por mês do que aqueles que já recebe no Banco de Portugal. E deixará aos portugueses, que agora quer atafulhar em impostos nos próximos anos, as contas para liquidar relativas ao BPN, ao BPP e ao BCP, em que fez jus ao seu carácter seráfico e de magnífica eficácia enquanto regulador. O Dr. Constâncio regulará bem a sua vidinha a partir de meio de 2010, certamente em “Nome da Rosa”, como aliás vem tristemente sendo cada vez mais frequente ver-se aqui neste singelo cantinho da Europa.


José Pinto Correia, Economista

terça-feira, 17 de novembro de 2009

O Estado contra o futuro de Portugal


Quem ler e ouvir muitos dos discursos recentes de políticos e governantes ou mesmo de comentadores económicos fica uma vez mais em Portugal com a perspectiva de que será o Estado, o nosso omnipotente e omnisciente Estado, o de sempre e de todos os tempos, que solucionará os gravíssimos problemas de Portugal. Os problemas que, já se vai entendendo consensualmente, se traduziram numa década de definhamento económico e de empobrecimento relativamente à UE, num défice orçamental gigante, numa progressão assustadora da dívida pública, e num nível de endividamento exponencial – já para nem falar no desemprego massivo e nas centenas de falências de empresas que eram parte da nossa estrutura produtiva formada nas últimas décadas do século vinte.

O Estado, diz aquela narrativa prevalecente, vai de novo salvar-nos, como sempre afinal assim parece ter feito, portanto, nos dizeres absolutos dos arautos/oráculos do dia, dos desmandos do mercado, da ganância capitalista, das empresas nacionais e multinacionais rapinas, dos negociantes bolsistas que campearam impunes, e que detinham esmagadoramente as rédeas económicas do país.

Nesta primeira década do novo milénio, como em todo o século vinte, o Estado parece que não existiu, apagou-se, morreu, por conseguinte. Foi, terá sido, sempre entidade menor, sem poder efectivo, sem as correias e instrumentos que definiram a economia e a vida social e cultural de Portugal.

Ora, em abono de alguma da nossa história que alguns teimosa mas minoritariamente não obliteram, nem na primeira República, que acabou na bagunça e no desvario e sem poder pagar as pensões dos quantos a elas tinham direito, nem na ditadura estatal salazarista do condicionamento industrial e do policiamento das consciências individuais, nem no período revolucionário das nacionalizações que desmantelou os grupos económicos e os centros racionais de produção de riqueza, nem no do cavaquismo financiado a peso de ouro por Bruxelas que se concentrou nas infra-estruturas e nos desmandos da formação profissional, e muito menos no consulado magnânimo de Guterres em que tudo foi negociado e as corporações do regime aniquilaram recursos e mais recursos, em todos estes diversos períodos de cem anos, o Estado grandioso e interventor alguma vez desmaiou, encolheu ou deixou de ser presença acérrima e asfixiante.

Não, em Portugal parece que a reescrita dos governantes do dia que dominam neste novo século faz pensar que houve foi sempre Estado a menos e excesso de liberalismo económico, social e cultural, ou mesmo para uns tantos mais ideologicamente datados tudo se deve é ao neoliberalismo dos socialistas portugueses e europeus. Manda esta cartilha que se deve dizer e escrever que nem a educação, nem a justiça, nem a administração pública, nem a segurança ou a defesa foram deixadas para a mão fautora e reprodutiva do Estado. Porque se o fossem estaríamos hoje aqui neste cantinho da Ibéria no melhor dos mundos, e que agora com o “regresso em força” do Estado vai, dizem aos quatro ventos, construir-se o caminho do futuro radioso. Ao Estado o que é do Estado será, por conseguinte, o lema de ora em diante.

Por isso, manda a verdade dos tempos de hoje que se diga que foi mesmo a volúpia capitalista, a privatização destemperada de todos aqueles sectores sociais e da muita economia (de bens colectivos/públicos inquestionáveis) que nos condenou aos fracos resultados de crescimento económico, de emprego e bem-estar que se patenteiam quando comparamos internacionalmente o Portugal que vamos tendo.

Pois que o Estado, essa entidade suprema e superlativa, não desperdiça, não gere e gasta mal, não investe pior, os recursos escassos que tem – ainda que sejam cada vez mais e mais, pagos com os impostos dos contribuintes. Nem se diga que esse nosso Estado tem aumentado enormemente a factura dos impostos e rendimento com que fica ano após ano (pois que isso de ter chegado aos mais de cinquenta por cento da riqueza nacional é pormenor irrelevantíssimo).

Aliás, pode e deve dizer-se que o capitalismo neoliberal sem moralidade tornou mesmo absolutamente necessário ao nosso portentoso Estado nacionalizar o BPN e meter lá 3.5 mil milhões de euros da CGD. E que vai também ser necessário ao Estado, mesmo contra a inopinada opinião (mera opinião como as outras, obviamente) do Tribunal de Contas meter mais mil milhões nas obras das estradas adjudicadas ou a adjudicar aos consórcios conhecidos de longa data, estradas que são, como é demonstrado por estudos cientificamente inquestionáveis, enormemente necessárias e rentáveis para o país (e para os contribuintes actuais e futuros). Ou que será esse nosso patrono Estado a avançar para investimentos ferroviários e aeroportuários altamente reprodutivos e de muitas e muitas centenas de milhões de euros que conduzirão Portugal para o centro europeu e para uma era de modernidade com que sempre sonhámos (claro que os políticos ao leme são uns visionários e grandes estrategas e têm os mais altos conhecimentos da geopolítica e da geoeconomia de Portugal no novo milénio da globalização competitiva).

Esses são, não podem existir nem dúvidas nem tergiversações, os princípios económico-políticos, os sagrados mandamentos do nosso Estado, e não há ente ou instituições como “Ele” para resolver os problemas estratégicos de Portugal. Desta feita nada a temer porque seremos salvos sem dúvida dos dilemas que o Mundo capitalista nos impôs pelo Estado redentor.

Sim, assim será obviamente, porque esses empresários privados que levam anos e mais anos a avaliar se devem fazer um investimento de uns míseros 600 milhões de euros numa máquina de produzir papel e ainda dizem que é a maior do mundo, servem para quê? Ou aqueles, poucos, que levam anos a pensar se devem investir no turismo, na indústria, ou nas superfícies comerciais, são uns emperras, não conseguem acompanhar os passos enormes dos governantes e políticos que decidem majestosamente dia a dia.

Assim, com essa lentidão e essa preocupação minuciosa e caduca com a miseranda rentabilidade dos investimentos, o país não chega à modernidade a tempo e horas. É preciso, é indispensável mesmo, um “novo choque estatal” na economia pobre de Portugal, pois claro. E ninguém melhor do que aqueles que são o Estado, do Estado, de tudo pelo Estado e nada contra o Estado, para resolverem a singela questão da sobrevivência competitiva de Portugal durante as duas próximas décadas. Estes devem estar no poder contra aqueles retrógrados arautos da desgraça e do bota-abaixismo que não amam o Estado e não têm a presciência de vislumbrarem o novo caminho para a glória nacional.

Assim mesmo, em conclusão, tudo pelo Estado, nada contra o Estado, a bem do Estado e contra a corrente malévola de uns quantos “bota-abaixistas” sempre de mal com tudo e com todos quantos querem fazer obra, com uma inquebrantável atitude positiva. A essas Cassandras da desgraça, esses velhos do Restelo, que se atrevem a dizer que a Nação pode não sobreviver e salvaguardar um país de séculos sustentável para as próximas e inculpadas gerações, os “homens do Estado” dizem não, o caminho está traçado e não vai haver nem desvios de rumo nem recuo do Estado.

P. S.: Posso ser apelidado de bota-abaixista, de profeta da desgraça, mas penso que o sentido da navegação de Portugal, a sua estratégia de afirmação na globalização competitiva, devia ser outro bem diferente, com mais investimento privado, mais concorrência, mais indústria, mais produção para exportar; e muito mais rigor e menos compadrio na gestão pública que corrompe cada vez mais e mais…!

José Pinto Correia, Economista

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Salários e Empregos em Crise Económica


Acabo de ver referida a entrevista de hoje do Secretário-geral da CGTP ao Jornal “i”, o doutorado Manuel Carvalho da Silva, que entre outras coisas se insurge contra a declaração recente do Professor Silva Lopes de que “os aumentos dos salários são fábricas de desemprego”. E deslocada e deselegantemente manda o Professor Silva Lopes experimentar viver com o salário mínimo durante três meses para ver como é possível (até apetecia indelicadamente perguntar se aquele sempiterno sindicalista também sobrevive do mesmo salário).

Se bem me lembro, em vários dos manuais de economia, desde logo nos dos Nobel Samuelson e Stiglitz, que não podem ser tidos como liberais ou mesmo neoliberais, estão feitas as observações e figurações empiricamente confirmadas relativas às relações directas entre o aumento dos níveis de salários mínimos e do desemprego dos trabalhadores sem qualificações ou que pretendem entrar no mercado de trabalho. O que forçosamente aumenta e muito em situações de crise e depressão económica como a que actualmente se vive em toda a Europa, pelo menos.

Aliás, o aumento enorme do desemprego em Portugal tem sido visível e praticamente imparável, o que deixa imensos trabalhadores fragilizados e dependentes apenas dos subsídios de desemprego, enquanto durarem no tempo, para sobreviverem eles e os seus respectivos familiares. E acontecem ainda com maior gravidade em muitos casos do interior de Portugal em que ficaram simultaneamente sem emprego os dois líderes familiares.

Sabemos também das características de muitas e muitas empresas portuguesas de pequena dimensão em sectores tradicionais, hoje submetidos a enormes pressões concorrenciais externas de produtos similares provenientes de países orientais e da Europa de leste que praticamente são imbatíveis pelos preços. Muitas destas empresas estão praticamente asfixiadas financeiramente e perdem espaço económico para se sustentarem.

Claro está também que os níveis baixos dos salários, sejam mínimos ou outros, não se resolve nunca administrativa ou politicamente, mas apenas com maior capacidade económica e competitiva das empresas.

Porque aumentar salários sem que as empresas vendam mais, criem mais riqueza, aumentem a produtividade do trabalho, conquistem quotas de mercado, numa síntese sejam mais competitivas, pode parecer muito benevolente para tentar melhorar as condições desses trabalhadores. E essa benevolência é sempre propalada pelos arautos defensores dos denominados “interesses dos trabalhadores”, com os sindicatos e os respectivos dirigentes máximos à cabeça. Este é, sempre tem sido, o papel e o discurso do Doutor Manuel Carvalho da Silva e da CGTP.

Mas corresponderão os aumentos dos salários nesta situação aos efectivos interesses dos trabalhadores, sobretudo dos menos qualificados, que são remunerados por valores próximos do salário mínimo, nesta época de grave crise económica em que podem estar em causa os próprios empregos? Ou não será antes preferível defender a todo o custo a manutenção do funcionamento das pequenas empresas e a salvaguarda daqueles postos de trabalho que garantem as retribuições indispensáveis para manter o nível de vida familiar dos trabalhadores?

Então, em síntese, o que é mais eficaz na presente situação para a defesa dos trabalhadores: defender aumentos provavelmente incomportáveis de salários em nome de uma pretensa maior justiça social e distributiva ou procurar garantir a manutenção dos empregos enquanto durarem as condições muito difíceis da crise económica ainda que isso possa traduzir-se em menores salários temporariamente?

Sabe-se dos princípios e fundamentos da ciência económica, que a política deve respeitar para ser realista e credível, que se as empresas não tiverem a capacidade de afirmação competitiva, no final de um determinado prazo ficarão fora do mercado em que actuam e os seus trabalhadores de baixa qualificação serão os primeiros a perderem os seus empregos. E nas épocas de crise económica grave as empresas tentam sobreviver com todas as armas que têm à sua disposição, uma das quais é a dos preços. Para venderem em mercados muito concorrenciais baixam-se margens de lucro até onde é possível. Por isso, é decisivo que não aumentem muito os custos de produção e se possível melhorem os níveis habituais de produtividade. Estas são as leis da economia concorrencial, sobretudo aplicáveis a pequenas e médias empresas de sectores tradicionais submetidos a grande pressão competitiva externa e interna.

Portanto, os arautos conhecidos dos aumentos salariais em geral e do próprio salário mínimo em particular, em que porventura estava incluído o Governo que agora parece ter recentrado o discurso e estar mais moderado e cauteloso nessa defesa, devem desde logo responder aos portugueses empregados como pensam que serão efectivamente suportados esses seus empregos numa época de enorme crise em sectores produtivos tradicionais hoje em franca perda competitiva internacional e quando a concorrência ainda é muito baseada nos baixos níveis salariais (concorrência pelos preços).

Quando também é conhecido que em anos anteriores em Portugal a produtividade do trabalho não acompanhou o aumento dos níveis salariais e os novos acréscimos pretendidos irão provavelmente determinar uma nova perda de competitividade relativa, o que inviabilizará garantir externamente a salvaguarda da capacidade concorrencial das empresas nacionais, que lhes dificultará imenso exportarem os seus produtos para os mercados tradicionais da Europa.

Se tal vier a acontecer, como poderão as empresas portuguesas repor a sua capacidade concorrencial interna e externa? Sobreviverão essas empresas nesta época de grave crise? E os empregos dos trabalhadores como ficarão então?

Seria indispensável ver os defensores dos aumentos salariais nesta situação económica gravíssima explicitarem as políticas económicas que deveriam ser direccionadas para resolver os problemas dessas empresas dos sectores em risco, sabendo-se que nos sectores tradicionais muitas delas se situam em zonas geográficas longe dos poderes de Lisboa. E que são também as únicas possibilidades de emprego de muitas famílias nessas zonas em que se localizam, como tem estado infelizmente visível nos últimos meses em que o número de desempregados aí tem subido vertiginosamente.

Ninguém quer nem gosta de salários mínimos, mas a economia tem as suas leis, tem as suas estruturas empresariais, a sua história sectorial, os seus níveis de competitividade e de criação de riqueza, e desconhece-las sempre se demonstrou ser mau sobretudo para os mais fracos que acabam por pagar retóricas político-ideológicas pretensamente benévolas.

E esses trabalhadores de baixas qualificações e escolarização são, infelizmente como em inúmeras outras situações se tem visto, ao final de pouco tempo, vítimas dessa propalada extrema justiça e ficam abandonados ao desespero do seu desemprego e da pobreza das suas famílias. Contribuindo então para reforçar as cadeias de desespero e de miséria. Porque o emprego, ele sim, é nestes casos o mais eficaz antídoto para essa pobreza e exclusão.

José Pinto Correia, Mestre em Gestão do Desporto