terça-feira, 17 de novembro de 2009

O Estado contra o futuro de Portugal


Quem ler e ouvir muitos dos discursos recentes de políticos e governantes ou mesmo de comentadores económicos fica uma vez mais em Portugal com a perspectiva de que será o Estado, o nosso omnipotente e omnisciente Estado, o de sempre e de todos os tempos, que solucionará os gravíssimos problemas de Portugal. Os problemas que, já se vai entendendo consensualmente, se traduziram numa década de definhamento económico e de empobrecimento relativamente à UE, num défice orçamental gigante, numa progressão assustadora da dívida pública, e num nível de endividamento exponencial – já para nem falar no desemprego massivo e nas centenas de falências de empresas que eram parte da nossa estrutura produtiva formada nas últimas décadas do século vinte.

O Estado, diz aquela narrativa prevalecente, vai de novo salvar-nos, como sempre afinal assim parece ter feito, portanto, nos dizeres absolutos dos arautos/oráculos do dia, dos desmandos do mercado, da ganância capitalista, das empresas nacionais e multinacionais rapinas, dos negociantes bolsistas que campearam impunes, e que detinham esmagadoramente as rédeas económicas do país.

Nesta primeira década do novo milénio, como em todo o século vinte, o Estado parece que não existiu, apagou-se, morreu, por conseguinte. Foi, terá sido, sempre entidade menor, sem poder efectivo, sem as correias e instrumentos que definiram a economia e a vida social e cultural de Portugal.

Ora, em abono de alguma da nossa história que alguns teimosa mas minoritariamente não obliteram, nem na primeira República, que acabou na bagunça e no desvario e sem poder pagar as pensões dos quantos a elas tinham direito, nem na ditadura estatal salazarista do condicionamento industrial e do policiamento das consciências individuais, nem no período revolucionário das nacionalizações que desmantelou os grupos económicos e os centros racionais de produção de riqueza, nem no do cavaquismo financiado a peso de ouro por Bruxelas que se concentrou nas infra-estruturas e nos desmandos da formação profissional, e muito menos no consulado magnânimo de Guterres em que tudo foi negociado e as corporações do regime aniquilaram recursos e mais recursos, em todos estes diversos períodos de cem anos, o Estado grandioso e interventor alguma vez desmaiou, encolheu ou deixou de ser presença acérrima e asfixiante.

Não, em Portugal parece que a reescrita dos governantes do dia que dominam neste novo século faz pensar que houve foi sempre Estado a menos e excesso de liberalismo económico, social e cultural, ou mesmo para uns tantos mais ideologicamente datados tudo se deve é ao neoliberalismo dos socialistas portugueses e europeus. Manda esta cartilha que se deve dizer e escrever que nem a educação, nem a justiça, nem a administração pública, nem a segurança ou a defesa foram deixadas para a mão fautora e reprodutiva do Estado. Porque se o fossem estaríamos hoje aqui neste cantinho da Ibéria no melhor dos mundos, e que agora com o “regresso em força” do Estado vai, dizem aos quatro ventos, construir-se o caminho do futuro radioso. Ao Estado o que é do Estado será, por conseguinte, o lema de ora em diante.

Por isso, manda a verdade dos tempos de hoje que se diga que foi mesmo a volúpia capitalista, a privatização destemperada de todos aqueles sectores sociais e da muita economia (de bens colectivos/públicos inquestionáveis) que nos condenou aos fracos resultados de crescimento económico, de emprego e bem-estar que se patenteiam quando comparamos internacionalmente o Portugal que vamos tendo.

Pois que o Estado, essa entidade suprema e superlativa, não desperdiça, não gere e gasta mal, não investe pior, os recursos escassos que tem – ainda que sejam cada vez mais e mais, pagos com os impostos dos contribuintes. Nem se diga que esse nosso Estado tem aumentado enormemente a factura dos impostos e rendimento com que fica ano após ano (pois que isso de ter chegado aos mais de cinquenta por cento da riqueza nacional é pormenor irrelevantíssimo).

Aliás, pode e deve dizer-se que o capitalismo neoliberal sem moralidade tornou mesmo absolutamente necessário ao nosso portentoso Estado nacionalizar o BPN e meter lá 3.5 mil milhões de euros da CGD. E que vai também ser necessário ao Estado, mesmo contra a inopinada opinião (mera opinião como as outras, obviamente) do Tribunal de Contas meter mais mil milhões nas obras das estradas adjudicadas ou a adjudicar aos consórcios conhecidos de longa data, estradas que são, como é demonstrado por estudos cientificamente inquestionáveis, enormemente necessárias e rentáveis para o país (e para os contribuintes actuais e futuros). Ou que será esse nosso patrono Estado a avançar para investimentos ferroviários e aeroportuários altamente reprodutivos e de muitas e muitas centenas de milhões de euros que conduzirão Portugal para o centro europeu e para uma era de modernidade com que sempre sonhámos (claro que os políticos ao leme são uns visionários e grandes estrategas e têm os mais altos conhecimentos da geopolítica e da geoeconomia de Portugal no novo milénio da globalização competitiva).

Esses são, não podem existir nem dúvidas nem tergiversações, os princípios económico-políticos, os sagrados mandamentos do nosso Estado, e não há ente ou instituições como “Ele” para resolver os problemas estratégicos de Portugal. Desta feita nada a temer porque seremos salvos sem dúvida dos dilemas que o Mundo capitalista nos impôs pelo Estado redentor.

Sim, assim será obviamente, porque esses empresários privados que levam anos e mais anos a avaliar se devem fazer um investimento de uns míseros 600 milhões de euros numa máquina de produzir papel e ainda dizem que é a maior do mundo, servem para quê? Ou aqueles, poucos, que levam anos a pensar se devem investir no turismo, na indústria, ou nas superfícies comerciais, são uns emperras, não conseguem acompanhar os passos enormes dos governantes e políticos que decidem majestosamente dia a dia.

Assim, com essa lentidão e essa preocupação minuciosa e caduca com a miseranda rentabilidade dos investimentos, o país não chega à modernidade a tempo e horas. É preciso, é indispensável mesmo, um “novo choque estatal” na economia pobre de Portugal, pois claro. E ninguém melhor do que aqueles que são o Estado, do Estado, de tudo pelo Estado e nada contra o Estado, para resolverem a singela questão da sobrevivência competitiva de Portugal durante as duas próximas décadas. Estes devem estar no poder contra aqueles retrógrados arautos da desgraça e do bota-abaixismo que não amam o Estado e não têm a presciência de vislumbrarem o novo caminho para a glória nacional.

Assim mesmo, em conclusão, tudo pelo Estado, nada contra o Estado, a bem do Estado e contra a corrente malévola de uns quantos “bota-abaixistas” sempre de mal com tudo e com todos quantos querem fazer obra, com uma inquebrantável atitude positiva. A essas Cassandras da desgraça, esses velhos do Restelo, que se atrevem a dizer que a Nação pode não sobreviver e salvaguardar um país de séculos sustentável para as próximas e inculpadas gerações, os “homens do Estado” dizem não, o caminho está traçado e não vai haver nem desvios de rumo nem recuo do Estado.

P. S.: Posso ser apelidado de bota-abaixista, de profeta da desgraça, mas penso que o sentido da navegação de Portugal, a sua estratégia de afirmação na globalização competitiva, devia ser outro bem diferente, com mais investimento privado, mais concorrência, mais indústria, mais produção para exportar; e muito mais rigor e menos compadrio na gestão pública que corrompe cada vez mais e mais…!

José Pinto Correia, Economista

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