quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Uma Cena da Realidade Portuguesa (Mal Vamos…!)


Hoje de manhã cheguei ainda bastante cedo ao trabalho, já depois de ter atravessado a por estes últimos dias praticamente esvaziada de carros “Ponte sobre o Tejo”. À hora a que cheguei ainda só os senhores da segurança e mais um ou outro dos meus colegas teriam também já chegado.

Trabalhei depois durante praticamente toda a manhã, até cerca das treze horas, no meu gabinete de trabalho, sentado à secretária, com computador e com o ar condicionado e as luzes de tecto acesas.

Saí para ir almoçar como habitualmente para a minha tasquinha de serviço a cerca de cinco minutos de caminhada a pé. Almocei rapidamente também.

No meio do repasto um dos habituais comensais lia o Jornal “A Bola” e exclamava: a indemnização vitalícia definida em tribunal à família do vitimado jogador húngaro de futebol do Benfica Féher podia tramar muitos patrões portugueses.

Dizia o comensal ao sócio da casa com quem falava que aquilo que tinha acontecido ao jogador não era um acidente em trabalho, porque ele não tinha caído de um andaime, não tinha levado com uma ferramenta na cabeça, não tinha caído num buraco, não tinha sido vitimado pelo trabalho mas antes pela falência do seu órgão cardíaco. E adiantava mais: que se esta decisão pegasse qualquer trabalhador que morresse com idêntica lesão podia levar o seu pequeno patrão até à falência.

Acabei o meu almoço e vim rua fora de volta até ao meu local de trabalho. Que é, lembre-se, o tal gabinete com secretária, computador, ar condicionado e luz de tecto.

Mas antes de entrar o meu portão eis que me dou com um trabalhador de obras de rua. O homem de meia-idade, mais de cinquenta anos certamente, estava a trucidar alcatrão com um martelo pneumático barulhento e avassaladoramente trepidante. O corpo do operário tremia como varas, e ele fazia imensa força física para que o aguçado cabo afiado se enterrasse alcatrão dentro.

Eis senão que do outro lado da rua um polícia se abeira do operário e lhe pergunta, uns poucos instantes depois de perceber o cenário do trabalho em que ele se movia, porque ele não usava os auscultadores que estavam dependurados numa cerca metálica envolvente da obra.

E responde-lhe prontamente o afanado trabalhador com uma acentuação linguística própria de um qualquer país de leste europeu: se for assim não consigo ouvir o martelo a chegar ao fundo e trabalhar tão rápido e eficazmente!

Do outro lado dessa mesma rua, olhei e vi um português bem vestido, trinta e tantos anos, todo vertical, com um gorro enfiado na cabeça e luvas de mão. Este estava ali mas não naquela tal obra. Estava isso sim era a arrumar carros em cima dos passeios bem ao lado do tal agente da autoridade.

Entrei o meu portão e fui sentar-me ao meu computador de secretária, com as luzes do tecto acesas, mas com o ar condicionado agora desligado porque estava quente suficientemente o ambiente, e vai de dedilhar esta historieta da nossa crua realidade nacional.

Acho que tudo isto diz imenso, é um quadro grotesco e tristemente realista da nossa situação de crise gravíssima, e diz uma enormidade sobre a nossa trágica situação económica, financeira, ética e moral.

O trabalho, como se ouve à noite na televisão quando estou de regresso ao meu lar, tem de ser digno, com direitos e bem pago. Tudo isto parece certo, muito certo mesmo. Mas não é que ainda há quinze dias o Jornal “Expresso” também dizia que há empresas industriais do norte de Portugal à procura de empregados/trabalhadores em áreas geográficas cheias de desempregados e que não conseguem encontrar candidatos.

Não sei se aquele operário estrangeiro da frente do meu portão ganharia muito mais que o famosíssimo salário mínimo. O que concluí desta cena da realidade viva deste Natal de 2010 é que aquele operário estava a trabalhar duramente e que a sua dignidade excessiva até lhe impunha que se martirizasse mais do que seria necessário em nome da sua ética pessoal de trabalhar rápida e eficazmente.

Logo à noite quando me voltar a sentar em frente da televisão a ver os Telejornais diários vou retornar provavelmente a ouvir um qualquer dirigente sindical dos catedráticos do regime a zurzirem contra os patrões e o Governo por termos tantos desempregados e tão baixos salários. É ponto assente que essa narrativa reaparecerá algures numa qualquer notícia do dia nesse meu serão, depois de mais um dia em que Portugal se endividou outros vários milhões de euros aos prestamistas externos.

E agora que acabo este escrito ainda continuo a ouvir lá fora ao relento e sem tampões nos ouvidos o tal operário cinquentão a martelar o alcatrão, tremendo vigorosamente por todo seu corpo pela força imensa do pneumático. Ah! o arrumador protegido de barrete e luvas lá continua, agora uma centena de metros mais abaixo, a ganhar a moeda de cada dia um pouco mais distanciado do polícia que continua impávido e sereno no mesmo lado da rua: o lado contrário do tal operário (que da maneira como eu me situo na cena é o meu lado esquerdo, vulgarmente conhecido também como o do coração e o do trabalhadores de condição moral inequívoca e de esforço árduo).

José Pinto Correia, Economista

terça-feira, 28 de dezembro de 2010



A vida tem um sentido superior que agora vamos celebrar. Nesta época natalícia lembremos os valores superiores que essa nossa vida tem de expressar. Podemos estar próximo do Senhor desta bandeira que aqui ressuscitava. Podemos segui-lo ou acompanhá-lo, mas nunca poderemos estar indiferentes ou adormecidos para a sua grandeza e mensagem inolvidável. Festejemos pois esta nossa caminhada junto de todos quantos nos querem bem e de todos os outros que merecem a nossa carinhosa simpatia.

Feliz Natal e Bom Ano Novo!

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

PORTUGALMENTE: Mais Primeiros de Janeiro para Portugal Futuro!


Texto publicado na edição comemorativa do aniversário do Jornal "O Primeiro de Janeiro", em 1 de Dezembro de 2010.
“I. “Um estado de espírito”
Portugal, o “PORTUGALMENTE” que aqui nos convoca, sempre mesmamente determinado nas suas raízes e conquistas, fundado no seu pretérito consistentemente prolongado no seu futuro. Um país de ontem e de hoje, mesmamente. Sempre em redor da sua pequenez, do seu miserabilismo e da incapacidade e corruptibilidade fácil e tacanha das suas elites. Um país de Eça, decadentista com Pessoa, onde campeavam e agora se perpetuam as suas e mesmamente abomináveis e características personagens, e onde se diz, à falta de mais e melhor, que a Igreja obscurecia e continua obscurecendo as mentes eternamente.

Um país com medo de si-próprio, sem ensino sério e amplo, sem indústria capaz e sem governos com projecto.

Foi assim também no início do século vinte e deu, primeiro em bandalheira, e depois, consequentemente, em ditadura salvífica e absurdamente castradora.

Sempre o mesmo terreno da ignorância, vergonha, medo, secretismo, inveja, e muita, muita cobardia intelectual das pequenas elites estrangeiradas e esmagadoramente francófonas. Ou também, por vezes e ocasiões, anglofonamente subjugadas.

O mesmo país de hoje, ainda, onde a economia é incapaz, fora de tempo, onde as Universidades existem em si, para si, e governadas corporativamente. Um cantinho pretensamente europeu e moderno em que as luminárias políticas mentem descaradamente, onde o povo se diverte com telenovelas diárias, a justiça é folclore e inexiste, e o ensino é um embuste geracional de quem o comanda para quem o recebe.

Sobram as obras de regime, pretensamente o tutano governativo, discutidas no mesmo país que fecha tudo para os que pouco tinham, e abre auto-estradas para os caixeiros e para os cruzados do imobiliário.

Um país com uma “capital” a cair de podre e de dívidas, campeã da incúria e do desmazelo, onde se tropeça em cada buraco, se vive ao abandono e se a despovoa.

Um “Portugal com medo de existir”, triste e abandonado, sem alma e sem vontade de si.
E cada vez mais encruzilhado numa Europa que não se sabe bem o que é, o que vai ser, e para onde vai…!

II. “Uma Cultura de Menos”
A obra de David Landes “ A Riqueza e a Pobreza das Nações” (do domínio da história económica), pode fundamentar o reconhecimento e alargar o espaço de discussão do nosso retardamento económico e cultural. A este respeito uma grande parte da obra daquele professor de Harvard é dedicada a explicar o atraso da outrora poderosa China (um potentado ímpar até aos séculos das descobertas ocidentais) que teria adormecido durante séculos num contexto marcadamente cultural e pouco presenciado pela influência da religião segundo aquele autor.

Lembre-se também a este respeito que existem historiadores portugueses como o professor Hermano Saraiva (vide “História Concisa de Portugal”, Publicações Europa América) que radicam a nossa decadência logo depois das descobertas e “do reino despovoado e gasto pelo dinheiro da canela” (cantado poeticamente como recordamos).

Também seria útil tentar uma compreensão lata e não meramente eclesial do nosso atraso elucidando-a com a obra de Tocqueville ("A Democracia na América", Edições Principia) que se surpreendeu com o que naquele “Novo Mundo” foi encontrar, a de Max Weber que destrinça categoricamente a valia da ética protestante na criação do espírito capitalista, ou as mais recentes de Fukuyama (Confiança: Valores Sociais e Criação de Prosperidade, Gradiva) que exalta as diferentes culturas e respectivos valores sociais na criação das condições da prosperidade nacional, e a seminal de Michael Porter, também de Harvard, que desenvolve comparativamente os modelos de criação nacional em “A Vantagem Competitiva das Nações”.

Pode então pensar-se a estas luzes mais científicas, embora sociais, e menos enfeudadas tão só em pressupostos ateístas, porque esses também já eram os dos republicanos do início do século vinte, em discutir amplamente como foi possível no passado, é e continuará a ser provavelmente no futuro que estamos a preparar colectivamente (dizemos nós como pessimistas inveterados e adeptos da formulação categórica do "decadentismo pessoano"), que Portugal exiba os patamares económicos, educacionais e culturais que nos apoucam no concerto da Europa, pelo menos.

Porque a 1ª República foi esmagadoramente laica e persecutória da Igreja, e depois de Abril o Estado é laico, o ensino foi sempre durante todo o século vinte esmagadoramente público, e depois de 1974 vincadamente não confessional, mas os valores predominantes que marcam e estruturam a organização social, cultural e económica, ontem sob o Salazarismo e desde da ruptura de há trinta anos, continuam marcadamente antiliberais, pouco ou quase nada capitalistas no sentido de Smith, Hayek ou Friedman, tanto no povo descapitalizado em capital humano como nas ricas elites educadas profissionais, académicas ou empresariais.

Discuta-se sobre as cercanias da liberdade e a exigência devidamente medida e avaliada na educação a todos os níveis, sobre a pontualidade e a produtividade nas empresas e nos serviços públicos, sob a devolução da riqueza à sociedade em verdadeiros exercícios de filantropia e responsabilidade social, sobre a assunção e prémio dos riscos e dos fracassos da iniciativa individual e a aceitação dos erros e insucessos como novas oportunidades de os mesmos que inicialmente fracassaram virem a empreender de novo no futuro, sobre a responsabilidade e a prestação efectiva de contas do Estado e dos seus mais relevantes agentes e actores políticos perante os cidadãos, sobre os níveis de exigência destes sobre os seus representantes eleitos e a responsabilização destes perante os primeiros, sobre a auto-organização da sociedade civil para empreendimentos sociais ou para a criação de espaços de discussão profunda de políticas públicas sectoriais (os conhecidos “think thanks” saxónicos) e o que encontramos neste Portugal?

Discuta-se libertando as energias criadoras e inovadoras mas mude-se e estruture-se a vida económica e cultural (em sentido lato) de acordo com os princípios orientadores dessa análise crítica!

Seria tal empreendimento possível? E a quantos e a quem interessariam estas mudanças culturais?
Por isso, a nós convém-nos que radicar tudo do nosso reconhecido atraso e subdesenvolvimento cultural, social e económico, ou mesmo político, simplesmente nos malefícios históricos centenários da igreja católica é parca explicação intelectual e culturalmente enquadrada para tanta insuficiência de nos governarmos organizada e estrategicamente como nação e como País, quer no passado quer, como fácil e entendidamente se antevê, nos próximos decénios!” (fim de citação).

O texto anterior foi escrito em Outubro de 2007 para iniciar o meu BLOG pessoal, www.portugalestrategico.blogspot.com, é aqui e agora propositadamente retomado pois nele se dá aprofundado testemunho das muitas das nossas fragilidades e actuais angústias como País multissecular que somos.

Portugal tem uma história de feitos e defeitos, de promessas e vitórias, de desventuras e derrotas, de sonhos e devaneios, de aventuras e ensimesmamentos, de grandezas e misérias. Mas tal como teve passado, esta Nação terá futuro e nunca morrerá!

Aos muitos portugueses de hoje e aos que hão-se vir a fundar e refundar esta nossa ditosa Pátria, que foi a de Camões e de Pessoa, Ela há-de continuar a dar frutos e guarida para os seus trabalhos e canseiras, sonhos e devaneios, esperanças e visões.

E que nesta continuada gesta lusitana, “O Primeiro de Janeiro”, em cada primeiro dia de cada ano novo, em cada um dos demais que se lhe sigam em cada um desses muitos anos que marcarão o futuro deste Portugal imorredoiro, esteja aqui, ali e acolá, a prestar o seu preito vocabular e imagético a essa tragédia humana grandiosa e enorme de um Povo que mesmo na sua pequenez sempre será capaz de se mostrar tão ou mais que os melhores!

José Pinto Correia, Economista