quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

PORTUGALMENTE: Mais Primeiros de Janeiro para Portugal Futuro!


Texto publicado na edição comemorativa do aniversário do Jornal "O Primeiro de Janeiro", em 1 de Dezembro de 2010.
“I. “Um estado de espírito”
Portugal, o “PORTUGALMENTE” que aqui nos convoca, sempre mesmamente determinado nas suas raízes e conquistas, fundado no seu pretérito consistentemente prolongado no seu futuro. Um país de ontem e de hoje, mesmamente. Sempre em redor da sua pequenez, do seu miserabilismo e da incapacidade e corruptibilidade fácil e tacanha das suas elites. Um país de Eça, decadentista com Pessoa, onde campeavam e agora se perpetuam as suas e mesmamente abomináveis e características personagens, e onde se diz, à falta de mais e melhor, que a Igreja obscurecia e continua obscurecendo as mentes eternamente.

Um país com medo de si-próprio, sem ensino sério e amplo, sem indústria capaz e sem governos com projecto.

Foi assim também no início do século vinte e deu, primeiro em bandalheira, e depois, consequentemente, em ditadura salvífica e absurdamente castradora.

Sempre o mesmo terreno da ignorância, vergonha, medo, secretismo, inveja, e muita, muita cobardia intelectual das pequenas elites estrangeiradas e esmagadoramente francófonas. Ou também, por vezes e ocasiões, anglofonamente subjugadas.

O mesmo país de hoje, ainda, onde a economia é incapaz, fora de tempo, onde as Universidades existem em si, para si, e governadas corporativamente. Um cantinho pretensamente europeu e moderno em que as luminárias políticas mentem descaradamente, onde o povo se diverte com telenovelas diárias, a justiça é folclore e inexiste, e o ensino é um embuste geracional de quem o comanda para quem o recebe.

Sobram as obras de regime, pretensamente o tutano governativo, discutidas no mesmo país que fecha tudo para os que pouco tinham, e abre auto-estradas para os caixeiros e para os cruzados do imobiliário.

Um país com uma “capital” a cair de podre e de dívidas, campeã da incúria e do desmazelo, onde se tropeça em cada buraco, se vive ao abandono e se a despovoa.

Um “Portugal com medo de existir”, triste e abandonado, sem alma e sem vontade de si.
E cada vez mais encruzilhado numa Europa que não se sabe bem o que é, o que vai ser, e para onde vai…!

II. “Uma Cultura de Menos”
A obra de David Landes “ A Riqueza e a Pobreza das Nações” (do domínio da história económica), pode fundamentar o reconhecimento e alargar o espaço de discussão do nosso retardamento económico e cultural. A este respeito uma grande parte da obra daquele professor de Harvard é dedicada a explicar o atraso da outrora poderosa China (um potentado ímpar até aos séculos das descobertas ocidentais) que teria adormecido durante séculos num contexto marcadamente cultural e pouco presenciado pela influência da religião segundo aquele autor.

Lembre-se também a este respeito que existem historiadores portugueses como o professor Hermano Saraiva (vide “História Concisa de Portugal”, Publicações Europa América) que radicam a nossa decadência logo depois das descobertas e “do reino despovoado e gasto pelo dinheiro da canela” (cantado poeticamente como recordamos).

Também seria útil tentar uma compreensão lata e não meramente eclesial do nosso atraso elucidando-a com a obra de Tocqueville ("A Democracia na América", Edições Principia) que se surpreendeu com o que naquele “Novo Mundo” foi encontrar, a de Max Weber que destrinça categoricamente a valia da ética protestante na criação do espírito capitalista, ou as mais recentes de Fukuyama (Confiança: Valores Sociais e Criação de Prosperidade, Gradiva) que exalta as diferentes culturas e respectivos valores sociais na criação das condições da prosperidade nacional, e a seminal de Michael Porter, também de Harvard, que desenvolve comparativamente os modelos de criação nacional em “A Vantagem Competitiva das Nações”.

Pode então pensar-se a estas luzes mais científicas, embora sociais, e menos enfeudadas tão só em pressupostos ateístas, porque esses também já eram os dos republicanos do início do século vinte, em discutir amplamente como foi possível no passado, é e continuará a ser provavelmente no futuro que estamos a preparar colectivamente (dizemos nós como pessimistas inveterados e adeptos da formulação categórica do "decadentismo pessoano"), que Portugal exiba os patamares económicos, educacionais e culturais que nos apoucam no concerto da Europa, pelo menos.

Porque a 1ª República foi esmagadoramente laica e persecutória da Igreja, e depois de Abril o Estado é laico, o ensino foi sempre durante todo o século vinte esmagadoramente público, e depois de 1974 vincadamente não confessional, mas os valores predominantes que marcam e estruturam a organização social, cultural e económica, ontem sob o Salazarismo e desde da ruptura de há trinta anos, continuam marcadamente antiliberais, pouco ou quase nada capitalistas no sentido de Smith, Hayek ou Friedman, tanto no povo descapitalizado em capital humano como nas ricas elites educadas profissionais, académicas ou empresariais.

Discuta-se sobre as cercanias da liberdade e a exigência devidamente medida e avaliada na educação a todos os níveis, sobre a pontualidade e a produtividade nas empresas e nos serviços públicos, sob a devolução da riqueza à sociedade em verdadeiros exercícios de filantropia e responsabilidade social, sobre a assunção e prémio dos riscos e dos fracassos da iniciativa individual e a aceitação dos erros e insucessos como novas oportunidades de os mesmos que inicialmente fracassaram virem a empreender de novo no futuro, sobre a responsabilidade e a prestação efectiva de contas do Estado e dos seus mais relevantes agentes e actores políticos perante os cidadãos, sobre os níveis de exigência destes sobre os seus representantes eleitos e a responsabilização destes perante os primeiros, sobre a auto-organização da sociedade civil para empreendimentos sociais ou para a criação de espaços de discussão profunda de políticas públicas sectoriais (os conhecidos “think thanks” saxónicos) e o que encontramos neste Portugal?

Discuta-se libertando as energias criadoras e inovadoras mas mude-se e estruture-se a vida económica e cultural (em sentido lato) de acordo com os princípios orientadores dessa análise crítica!

Seria tal empreendimento possível? E a quantos e a quem interessariam estas mudanças culturais?
Por isso, a nós convém-nos que radicar tudo do nosso reconhecido atraso e subdesenvolvimento cultural, social e económico, ou mesmo político, simplesmente nos malefícios históricos centenários da igreja católica é parca explicação intelectual e culturalmente enquadrada para tanta insuficiência de nos governarmos organizada e estrategicamente como nação e como País, quer no passado quer, como fácil e entendidamente se antevê, nos próximos decénios!” (fim de citação).

O texto anterior foi escrito em Outubro de 2007 para iniciar o meu BLOG pessoal, www.portugalestrategico.blogspot.com, é aqui e agora propositadamente retomado pois nele se dá aprofundado testemunho das muitas das nossas fragilidades e actuais angústias como País multissecular que somos.

Portugal tem uma história de feitos e defeitos, de promessas e vitórias, de desventuras e derrotas, de sonhos e devaneios, de aventuras e ensimesmamentos, de grandezas e misérias. Mas tal como teve passado, esta Nação terá futuro e nunca morrerá!

Aos muitos portugueses de hoje e aos que hão-se vir a fundar e refundar esta nossa ditosa Pátria, que foi a de Camões e de Pessoa, Ela há-de continuar a dar frutos e guarida para os seus trabalhos e canseiras, sonhos e devaneios, esperanças e visões.

E que nesta continuada gesta lusitana, “O Primeiro de Janeiro”, em cada primeiro dia de cada ano novo, em cada um dos demais que se lhe sigam em cada um desses muitos anos que marcarão o futuro deste Portugal imorredoiro, esteja aqui, ali e acolá, a prestar o seu preito vocabular e imagético a essa tragédia humana grandiosa e enorme de um Povo que mesmo na sua pequenez sempre será capaz de se mostrar tão ou mais que os melhores!

José Pinto Correia, Economista

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