Aqui publicamos o nosso texto de opinião editado hoje no Jornal "O Primeiro de Janeiro" com o título acima aposto.
Quem ler a entrevista ampla do Presidente do Comité Olímpico de Portugal, Comandante Vicente Moura, no Jornal Público de 4 de Dezembro de 2008, tem de reconhecer que o nosso desporto de alta competição encabeçado pelo COP nos últimos anos, e com o mesmo Presidente há mais de uma década ininterruptamente no cargo, tem sido servido por uma enorme falta de liderança e de visão, de pensamento estratégico, pela ausência de criação de estruturas organizacionais dotadas das capacidades e valências indispensáveis para apresentar melhores resultados e de um modelo de financiamento articulado com objectivos estratégicos previamente definidos. Do que decorre também a inexistência de uma consequente avaliação de desempenho que responda à sociedade pelos resultados alcançados e seja um instrumento útil de melhoria sistémica do desporto de alta competição.
Falta, faltou e provavelmente continuará a faltar boa e qualificada liderança, estratégia e gestão no nosso desporto de competição olímpica. Porque estes elementos de construção de um eficaz e eficiente sistema de governança do desporto estiveram sempre à margem das escolhas, das preocupações e das opções do Presidente do COP. E hoje também estão já inquestionavelmente também para além das suas próprias capacidades de liderança.
Por isso, não é estranho que em nenhum lado da extensa entrevista dada pelo Comandante Vicente Moura se perceba que existe ou existiu algures na cabeça do Presidente do COP um efectivo e planeado projecto de transformação do nosso “desporto de competição olímpica”, que havia por isso necessariamente uma visão profundamente arreigada que estabelecia as ambições e propósitos de uma liderança, pela qual de dava o exemplo de trabalho incansável e “profissional”, a “cara” e o melhor dos esforços, ou mesmo sequer um pensamento estratégico relativamente elaborado pelo qual se enquadrava o desenvolvimento das actividades, a tomada de decisões ou a escolha de opções alternativas. Ou que se estabeleciam programas de melhoria contínua e se negociavam meios físicos, processos de trabalho com as federações, atletas e treinadores e recursos financeiros com as entidades governamentais para acolher as perspectivas de evolução e afirmação competitiva do nosso desporto de alta competição no panorama mundial.
Aquela referida longa entrevista do Comandante Vicente Moura é isso sim um imenso e despreocupado exercício de “insustentável leveza”, bem retribuída pelos 2.500 euros mensais mais despesas de representação ditas como de “compensação pelo tempo perdido” sempre escondida e agora finalmente confirmada, feito desse modo ao arrepio dos próprios estatutos do COP e princípios de dirigismo benévolo do Olimpismo. E ao mesmo tempo com o alardeamento de um exercício do poder intocável e considerado pelo próprio como inquestionável por quem quer que seja, e desde logo pelos atletas que são os principais destinatários da acção do Comité, poder esse que se perpetua com base numa “cadeia de jogos de influência e dependência” em que o Comandante Vicente Moura é o respectivo elo central.
Esta centralidade ininterrupta de Vicente Moura no âmbito do nosso “desporto de competição olímpica” é fonte de poder imenso no seio da organização e estruturas do sistema federativo, e resulta ao mesmo tempo também do papel determinante que lhe foi atribuído por um Estado/Governo que alijou a responsabilidade efectiva de conduzir a política de fomento do desporto de alta competição com expressão olímpica, entregando de “mão beijada” ao COP a efectiva gestão do programa de preparação da participação nacional nos Jogos Olímpicos de Pequim (pelo menos).
Por isso, se o modelo de preparação para Londres 2012 se mantiver o mesmo – como foi intempestivamente anunciado pelos governantes da tutela desportiva – é altamente provável que o tipo de liderança transaccional fraca e potencialmente irresponsável (como esta de Vicente Moura é face às características essenciais das tipologias habitualmente definidas pelos teóricos da gestão), com a sua consequente tradução no comportamento e nos métodos de gestão, objectivos de competição e de tomada de decisão do Presidente do COP se tendam a manter inalteráveis por mais um quadriénio.
Lembremos que a liderança transaccional fraca que atribuímos a Vicente Moura se caracteriza por se limitar paulatinamente a gerir as dependências, influências e a escamotear a iniciativa de melhoria dos processos e a mudança organizacional, ao mesmo tempo que patrocina mecanismos de negociação política que tendem a esbater a conflitualidade e o grau de desordem criativa organizacional. Há, por conseguinte, neste tipo de liderança uma forte tendência para a manutenção do “status quo” instituído que fará prevalecer os habituais centros e coligações de poder e fracassar as tentativas de mudança significativa das condições existentes e habituais.
O Comandante Vicente Moura pode assim vir a recandidatar-se a mais um novo mandato no COP, mesmo que isso desdiga afirmações ocasionais noutro sentido (agora definidas pelo próprio como tendo sido feitas “a quente e antes de tempo” em Pequim 2008). E ao querer reapresentar-se para mais um mandato como Presidente do COP “a todo o custo e vapor contra ventos e marés” como ele afirma peremptoriamente, provavelmente deseja ser o candidato único de um sistema federativo que assim se demonstraria como incapaz de apresentar alternativas, exprimindo a inequívoca debilidade sistémica que o Comandante obviamente promoveu e patrocina.
O “sistema federado do desporto olímpico” tem de ser capaz de querer mais, diferente e, porventura como exigível, melhor para o desporto nacional de alta competição. E isso passa desde logo por ter uma nova liderança, mais capacitada para desvendar os caminhos de ambição de um desporto que se quer afirmar competitivamente à escala internacional. Corporizando uma visão para o “desporto olímpico”, construindo um verdadeiro projecto de competição para os Jogos Olímpicos de 2012 e 2016, desenvolvendo estratégias que concretizem esse projecto e os seus respectivos objectivos de desenvolvimento desportivo.
O movimento desportivo só pode, pois, recusar esta unicidade de candidatura, que apenas é possível se assentar num esquema eleitoral deficientemente democrático que exige aos potenciais candidatos não um bom e inquestionável currículo desportivo e profissional e um reflectido e estratégico projecto de liderança do COP que comporte uma visão de evolução/mudança do desporto de competição Olímpica mas apenas a “racionalidade e negociações frágeis e de bastidores” que não traduzem qualquer projecto e estratégia de mudança e melhoria organizacional.
O modelo de candidato único que interessa a Vicente Moura exige antes que o candidato potencial obtenha nos bastidores, sem comunicação prévia de clareza de propósitos e objectivos, o apoio negociado dos dirigentes de várias federações. Ora, este não é obviamente um sistema de eleição que se conforme com os princípios universais da democracia política que constitucionalmente vigora em Portugal. Trata-se isso sim de um modelo tutelado a partir do seu interior, democraticamente desviante e com mecanismo de blindagem contra “outsiders”, onde para se ser candidato é imprescindível obter a sanção de outros eleitos com os quais é preciso estar em estado de graça ou negociar previamente linhas de acção, facilitação de acesso aos recursos escassos, cargos na própria estrutura dirigente do COP e quejandos. O candidato único que for eleito desta forma ficará, assim, refém de compromissos e negociações e não exclusivamente de um programa e projecto de liderança e governação efectivos.
E neste esquema eleitoral o Presidente Vicente Moura é muito apto e habilidoso como ao longo de muitos anos comprovou e agora para preparação da sua eventual renovação de mandato já cuidadosamente providenciou. Tomou, por isso, como se sabe, as habituais e devidas cautelas e procurou obter compromissos de um grande número de direcções federativas com a sua eventual candidatura – a tomar por boas as notícias que circulam há algumas semanas na comunicação social desportiva.
E então aqui chegados faz sentido colocar uma interrogação cuja resposta a dar pelos agentes activos do movimento desportivo com capacidade de determinarem as prováveis e desejáveis escolhas eleitorais pode permitir discorrer sobre o que é não deve continuar a ser característico do modelo de governança das organizações desportivas federadas olímpicas em Portugal. Passemos pois a essa questão.
Pode conviver um sistema de alto desempenho atlético como o do desporto federado olímpico, onde todos os dias os atletas, os clubes, os treinadores, competem consigo e com outros para alcançarem melhores resultados, para se superarem, para fixarem outros e mais ambiciosos objectivos/metas, com um líder máximo no seu topo organizacional que demonstra tanta incapacidade e mesmo incompetência para conduzir as organizações desportivas que lidera a outros patamares de organização e de resultados? Com um líder máximo que tem um estilo de liderança transaccional e é, sobretudo, adepto da manutenção do “status quo” não transformacional e demonstradamente incapaz de perspectivar uma nova visão que exige um projecto de mudança, a melhoria contínua, a inovação e a criatividade organizacionais?
O movimento desportivo só pode vir a tornar possível a construção de uma resposta que viabilize a emergência de outras lideranças, mais afirmativas, portadoras de projectos de melhoria e novas ambições para o desporto de competição.
Se Portugal quiser vir a ter no próximo futuro um “sistema desportivo federado olímpico” que seja capaz de lhe vir a dar mais e melhores resultados desportivos e organizacionais precisa de uma mudança substancial de perspectivas e de novos intérpretes dessa caminhada que será longa e implica outro tipo de liderança. Porque a manutenção dos mesmos intérpretes, com Vicente Moura no seu topo, só trará mais uma vez o habitual: falta de visão, debilidade óbvia de liderança, tendência manifesta para a irresponsabilidade organizacional e pessoal, ausência de focagem no interesse dos atletas, incapacidade de avaliação consequente do desempenho. Em suma, portanto, mais uma “insustentável leveza de liderança”, identicamente como até aqui e novamente protagonizada por Vicente Moura.
Em conclusão, a mudança pronunciada que o “sistema desportivo olímpico” necessita não se compadece com “mais do mesmo” ou com umas alterações de pormenor que mantenham tudo o que é a essência do problema e exige de todos os intervenientes no processo eleitoral para a Presidência do COP uma consequente negativa a Vicente Moura, por tudo o que ele representa e aquilo que ele demonstra ser incapaz de protagonizar para a melhoria do nível do nosso “desporto de competição olímpica”.
José Pinto Correia, Mestre em Gestão do Desporto
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