quinta-feira, 7 de maio de 2009

10 Anos de Crise em Portugal

Portugal vai ter praticamente 10 anos ininterruptos de crise. Chegaremos muito provavelmente ao ano de 2010 com os mesmos níveis de riqueza que tínhamos lá para o ano de 2004 quando o então Primeiro Ministro Durão Barroso anunciou o “Portugal de tanga”.

Até 2004 tinha havido uma espécie de bebedeira colectiva no consulado do anterior governo socialista de António Guterres (que vinha de 1996), possível pela criação das condições da nossa adesão ao Euro que reduzira enormemente a inflação e o custo do crédito, e também pelos muitos milhões de contos que diariamente chegavam de Bruxelas (só estes representavam quase 2% do nosso PIB anual). E os portugueses tinham entrado alegremente no que consideravam uma época dourada, enriquecidos portanto, sem que tivessem feito os investimentos e os negócios na sua economia que motivassem essa nova condição de vida. Riqueza, dinheiro, bens, artificialmente criados e mantidos, por conseguinte.

Desde aí, desde “a fuga ao pântano” do Primeiro Ministro Guterres, estiveram ao leme três governos. Respectivamente o de Durão Barroso que abandonou o “barco” ao fim de apenas dois anos para ir presidir em Bruxelas à Comissão Europeia, o de Santana Lopes rapidamente despedido pelo então Presidente da República Jorge Sampaio e o actual socialista, de novo, chefiado pelo Engenheiro José Sócrates e que já leva quase quatro anos de mandato. Portanto, Portugal nos últimos doze anos foi em cerca de dez governado pelo partido socialista.

Depois de findada a grande ilusão da governação de Guterres, Portugal desde o ano de 2004, já no mandato do actual Governo, endividou-se numa conta esmagadora que praticamente corresponde a 100% do seu PIB, e todos os anos saem do país mais 10% da sua riqueza criada, porque o que todos o país gasta é nessa conta superior ao que produz. A riqueza nacional esvai-se, dessa forma, para além fronteiras, numa cadência imparável que só pode ter como principal consequência o empobrecimento cada vez maior dos portugueses. Haverá certamente um momento, já muito próximo no tempo, em que os bens nacionais começarão a ser vendidos ao estrangeiro e a preços nada recomendáveis.

Os impostos nos últimos quatro anos cresceram flagrantemente para darem cobro ao enorme défice do Estado que andou sempre muito acima dos comportáveis 3%. E o mesmo Estado já hoje gasta cerca de metade da riqueza criada pelo país. Num país que não cresceu economicamente nestes anos o seu Estado tem-se vindo a apropriar ano a ano de uma parcela cada vez maior da riqueza criada, portanto. Um peso já agora esmagador e que reduz a margem de liberdade da sociedade civil, nela incluída a dos indivíduos e das empresas necessariamente.

A quebra desse défice orçamental para os apenas 2.6% do PIB em 2008 foi conseguida com um enorme aumento da nossa carga fiscal nos últimos três anos deste actual Governo, o que nos aproxima dos níveis mais elevados de carga fiscal da União Europeia, ainda que tenhamos, objectivamente, dos mais baixos níveis de rendimento médio por habitante e portanto as pessoas fiquem mais aprisionadas pelo Estado com esses mesmos níveis de impostos.

Por outro lado, a dívida externa da República (a conhecida dívida pública) cresceu vertiginosamente nos últimos três anos, e anda já hoje também próximo dos setenta por cento do PIB, representando aquilo que é transferido de encargos acumulados pelo nosso Estado para as próximas gerações. Só os juros dessa dívida pagos anualmente já se aproximam do valor do investimento público anual (os cerca de 3% do PIB).

Desde 2004 até hoje, e uma vez que já está anunciada uma queda de 3.5 % do PIB em 2009, a riqueza do país é praticamente a mesma. Portanto, em média e com os efeitos da inflação descontados, os portugueses, cada português de Portugal, tem menos rendimento real anual à sua disposição em 2009 do que aquele que terá tido em 2004. E quando não se cria riqueza, mesmo que se redistribua alguma, os habitantes não podem ficar melhor. Na União Europeia, Portugal nesta década foi o país que mais perdeu relativamente aos níveis médios de crescimento da riqueza.

O país tem assim empobrecido sistematicamente ao longo de toda a primeira década deste século XXI. Em crescendo está como não podia deixar de ser a pobreza aliada a uma grande desigualdade social e económica, que é das maiores na Europa onde estamos integrados, e tem tradução nos cerca de 2 milhões de portugueses pobres. A que se associam muitas centenas de milhar de outros com pensões e reformas que os colocam praticamente nos mesmos níveis de pobreza relativa ou em limiares de grandes carências de alimentação, cuidados de saúde e dignidade humana.

Tudo isto no Portugal que recebeu e continua a receber muitos milhares de milhões de euros que têm vindo dessa mesma Europa desde que nela nos integrámos em 1986.

Por outro lado, a cadência de investimentos estrangeiros significativos diminuiu acentuadamente ao longo de toda esta década, quer por questões de periferia do país relativamente ao centro europeu que se deslocou progressivamente para leste, quer porque há inúmeros factores que tornam Portugal muitíssimo desinteressante para os grandes negócios internacionais. E à cabeça destes factores negativos estão a completa ineficácia da justiça, o baixo nível de qualificações da maioria dos trabalhadores portugueses, a falta de competitividade do contexto nacional para os negócios internacionais (os agora denominados “custos de contexto”).

O papel do Estado na sociedade portuguesa é um destes mais poderosos factores desincentivadores do investimento produtivo, quer porque está presente em demasia, directa e indirectamente, nas actividades económicas, e em alguns sectores mesmo em concorrência com as empresas privadas, quer porque a sua actuação através da administração pública que dirige é muitas vezes pouco transparente, demorada e geradora de favorecimentos e corrupções várias. O Estado português é grande demais e muito ineficiente e ineficaz e nem no seu papel importantíssimo de regulador ele se pode considerar modelar, disso se queixando muitíssimas empresas sujeitas a esses maus poderes regulatórios do Estado.

Ao mesmo tempo, o país tem assistido também a perdas acentuadas de capacidades produtivas no sector agrícola e mesmo em subsectores industriais, nestes últimos em segmentos de baixa qualificação e com baixos factores de diferenciação produtiva e níveis de produtividade e organização empresarial débeis. O país tem exageradamente escolhido um modelo económico que privilegia os serviços, abandonando a agricultura e a indústria. E estas escolhas têm óbvias consequências na produtividade, competitividade, criação de riqueza e captação de mercados e investimentos internacionais. Investiram-se grande parte dos recursos disponíveis e obtidos externamente em sectores de bens que não podem ser trocados e vendidos nos mercados internacionais, o que impede o país de obter receitas de exportações que possam diminuir as cadências de saída de riqueza para o exterior todos os anos.

Portugal está hoje em 2009, no final da primeira década deste século, numa encruzilhada histórica, acumulando um decénio de empobrecimento e estagnação económicos. O país é vítima de uma crise interna estrutural com inúmeros factores específicos e que perduram e de uma crise internacional gravíssima que, entretanto, se veio adicionar ao triste panorama próprio.

Mas a crise externa não pode fazer esquecer, nem elimina todos os factores da crise estrutural portuguesa que caracterizam a nossa economia e situação financeira e que certamente perdurarão se não forem eficazmente combatidos. E esse combate efectivo é o que se verá se vai acontecer nos próximos anos quaisquer que sejam os governantes – tal só se fará se existir um projecto nacional e uma consequente estratégia de crescimento económico e de diminuição do endividamento externo.

José Pinto Correia, Mestre em Gestão do Desporto

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