quarta-feira, 24 de junho de 2009

O Benfica do Futuro e o Futuro do Benfica


Os grandes clubes desportivos são hoje organizações muito complexas e que actuam em contextos altamente voláteis como o são as competições desportivas nacionais e internacionais. O sucesso dessas organizações depende desde logo dos seus resultados desportivos anuais nas competições em que disputam a sua superioridade competitiva, a qual tem quase obrigatoriamente de se evidenciar. Os grandes clubes são, pois, e acima de tudo, verdadeiras máquinas de vitória desportiva, de que dependem a sua saúde financeira e económica.

As grandes organizações clubísticas repousam na obtenção continuada de sucessos, desde logo também, do grau de eficácia das suas lideranças e do nível de desempenho das suas estruturas organizacionais.

E na afirmação competitiva nacional e internacional em que se movem permanentemente, os grandes clubes desportivos têm de ser capazes de adaptar-se continuamente às condições mutáveis da cena competitiva e às estratégias dos seus principais concorrentes.

Portanto, em síntese, os grandes clubes desportivos dependem da capacidade das suas lideranças em adaptarem e integrarem os principais factores que definem a concorrência competitiva em que têm de actuar do ponto de vista desportivo e empresarial.

A situação desportiva do Benfica nos últimos dez anos, pelo menos, é um bom caso de estudo para quem quiser analisar em profundidade a capacidade organizacional e estratégica de um clube desportivo de grande dimensão.

Depois de uma situação financeira praticamente insustentável e de “falência técnica”, o Benfica já com a actual Direcção concentrou-se como SAD na resolução dos problemas financeiros, valendo-se de vários instrumentos reorganização e de lançamento de negócios e da exploração do potencial de marketing que a marca Benfica em termos nacionais permitiu explorar.

Esta recentragem estratégica nos domínio financeiro e negocial, que advém dos constrangimentos fortes de partida e da natureza específica da SAD como empresa que é, foi deixando a uma certa míngua a capacidade de orientação estratégica e de organização do próprio futebol, desde o profissional ao das camadas jovens, que se traduziu ano após ano na incapacidade de apresentar sucessos desportivos palpáveis quer a nível nacional, quer por maioria de razão a nível da UEFA.

Sentiram-se ao longo destes vários anos, com diversos Presidentes em funções, e incisivamente com o actual Presidente, as múltiplas deficiências organizativas, com tradução efectiva na indefinição de estruturas intermédias de gestão, nas desorientações sucessivas na composição dos plantéis anuais, na ausência de jogadores das camadas jovens a acederem ao escalão máximo, na desprotecção “política” e organizacional dos diversos treinadores e, acima do mais, numa patente incongruência discursiva dos líderes relativamente aos objectivos fundamentais do clube em horizontes temporais relativamente amplos.

Bem ao contrário, a esta flagrante incapacidade de direcção e orientação opunham-se promessas de rápidos resultados e de sucessos desportivos que não estavam escudados e implantados em cima de estruturas organizacionais firmes e estrategicamente enquadradas. E as deficiências de organização e de estrutura tornaram-se sucessivamente evidentes, à medida que os insucessos desportivos se foram sucedendo.

Face aos sucessivos insucessos desportivos que o clube ia amealhando, acenavam-se ao mais alto nível dirigente com novas e luminosas promessas, mudanças de treinadores e de algumas caras, novas aquisições de jogadores pretensamente melhores e salvadores, campanhas de marketing que o potencial da marca permitia renovadamente, emergência de novos recursos financeiros provenientes da gestão de tipo empresarial da SAD, e mais discursos apelando a uma mística benfiquista que pudesse fazer miticamente renascer o potencial desportivo em franca perda.

Só que as grandes fragilidades de pensamento estratégico, de organização e criação de estruturas internas capacitadas para os tempos do futebol moderno de alta competição, a ausência de um discurso de liderança ordenado e motivador, a falta de capacidade de geração interna de novos jogadores provindos das camadas jovens do clube, e uma significativa ausência de “integradores culturais” que fizessem a efectiva ligação psicológica e motivacional dos jogadores externos na “alma clubista”, tudo isto veio a contribuir para uma desagregação contínua do potencial de sucesso desportivo do Benfica.

O Benfica é um clube de vitórias, tem uma história que exige permanentemente os mais elevados sucessos desportivos. Por isso, a liderança, a organização e correspondente estrutura, a estratégia desportiva, tudo tem de estar devidamente alinhado com essa exigência de vitórias desportivas no terreno.

Ora, o quase permanente nível de insucesso que o Benfica tem tido em sucessivos anos é insustentável. Este “status quo” tem um grau de profundidade e permanência visíveis que impõe mudanças estratégicas, organizativas e estruturais amplas, resultantes de um exercício de discussão interna profundo – porventura com reunião de contributos científicos e técnicos exteriores ao próprio Benfica.

O Benfica tem absoluta necessidade de se repensar como organização futebolística profissional que tem imperiosa necessidade de regressar às vitórias desportivas. Essa reflexão estratégica deveria ter um horizonte temporal mínimo de cinco anos, onde o procurar dos caminhos para a reorganização e reorientação referidas e o fixar dos correspondentes resultados desportivos pudessem decorrer dessas profundas linhas de mudança.

O Benfica não poderá continuar a comprometer a sua refundação organizacional com exercícios de curto prazo movidos por exigências de apresentação de sucessos desportivos rápidos mas potencialmente efémeros e que não decorram de soluções estruturais que já se tornaram imprescindíveis. O curto prazo não pode nem deve comprometer o novo futuro de sucessos do Benfica, que esteja assente numa reorientação estrutural e estratégica consequentes.

Em síntese, o futuro de vitórias no Benfica e o Benfica organizativo do futuro dependem, portanto, de um novo pensamento estratégico e da afirmação consequente de uma liderança de projecto que esteja definida para um horizonte temporal de médio prazo.

José Pinto Correia, Mestre em Gestão do Desporto

terça-feira, 23 de junho de 2009

Opções Estratégicas de Portugal (I)


Como já aqui anteriormente escrevemos, Portugal está numa encruzilhada histórica, marcada por uma crise estrutural com uma década consecutiva de não crescimento económico e de empobrecimento correspondente em termos reais. Esta encruzilhada implica que as decisões estratégicas que vierem a ser tomadas para os próximos anos podem ser decisivas para a subsistência de condições de vida dignas das actuais e futuras gerações.

Dados os profundos contornos da crise portuguesa, a partir de Outubro de 2009, depois de conhecidos os resultados das eleições legislativas, os líderes políticos eleitos e que assumirão a governação do país terão sob sua responsabilidade muitas das possibilidades de garantir a própria sustentabilidade e afirmação internacional de Portugal, pelo que a qualidade e a consequência das opções estratégicas que farão serão decisivas.

Vejamos então alguns dos elementos que deverão caracterizar as opções políticas e estratégicas de Portugal para os anos do próximo ciclo de governação que terá o seu início em 2010.

Face à gravidade da situação económica e social que Portugal está a viver estará portanto chegado um momento em que os líderes governamentais e políticos não poderão fazer escolhas que sejam susceptíveis de ainda acelerar os factores da sua crise estrutural e que tornem insustentável o futuro. O país tem indiscutivelmente de progredir, criando mais riqueza para poder distribuir melhor os frutos desse crescimento económico.

Portugal terá de usar todos os seus recursos económico-financeiros, que são escassos e cada vez mais custosos se obtidos nos mercados internacionais, em projectos que sejam inquestionavelmente produtivos e competitivos à escala internacional. Não podem deixar de alocar-se todos os recursos financeiros e mesmo humanos, cada vez potencialmente mais caros, em projectos de investimento que tenham repercussões líquidas significativas no PIB ou acresçam o seu potencial futuro.

Os projectos de investimento públicos têm de ter, por isso, taxas de rentabilidade bem acima do custo intertemporal dos respectivos capitais a eles afectados. Têm de criar mais riqueza do que aquela que neles foi e será gasta ao longo da respectiva vida útil. E contribuírem para a balança comercial com saldos líquidos de exportações, dinamizando novos negócios empresariais na competição global internacional em que Portugal estará imerso indiscutivelmente.

Nos projectos de investimento privados devem ser privilegiados e devidamente estimulados os projectos que apostem na produção de bens e serviços exportáveis ou naqueles que possibilitem reduzir a factura energética ou importações que tenham significado na respectiva balança comercial. Os projectos industriais devem ser especialmente acarinhados, procurando dar-lhes condições e apoios que aumentem o respectivo nível de qualificação dos recursos humanos e a inovação dos produtos e processos.

O capital humano, as pessoas com as respectivas qualificações e conhecimentos, portanto a educação a todos os seus níveis, a investigação científica e o investimento na inovação de produtos, processos e de métodos de gestão empresarial, têm de estar na primeira linha das prioridades de afectação dos recursos nacionais. Porque a batalha do crescimento económico e da riqueza nacional que será enorme ganha-se com as pessoas, com todos os portugueses, e com as suas capacidades, motivações e projectos individuais de vida.

Não havendo dúvidas de que são as empresas que competem na cena internacional, que vendem bens e serviços e que conseguem transferir riqueza externa para a nossa economia e o nosso país, para se crescer economicamente tem de se pensar e apostar sobretudo nas empresas nacionais, em todas elas e principalmente nas que exportam bens e serviços para mercados externos em qualquer parte do mundo.

Uma economia mais capaz de criar riqueza e empregos qualificados e bem retribuídos implica um Estado amigo dos negócios, que favoreça o respectivo ambiente e a criação de novas empresas e use a diplomacia económica em favor da captação de mercados externos para essas mesmas empresas.

Portugal necessitará sobretudo de um Estado que facilite a criação de riqueza e de novas actividades económicas, que esteja ao lado das empresas, que se reinvente na forma e modo de actuar e que tenha uma estratégia económica para o país nesta era de globalização competitiva.

E ao mesmo tempo de um Estado que saiba reinventar-se, mudando as suas formas de organização e gestão, planeando e fixando objectivos de desempenho, abandonando espaços de intervenção que não criam valor para a sociedade, colocando os cidadãos no centro das suas actividades e objectivos e avaliando continuamente os seus resultados.

Portugal tem também de conceber uma estratégia global no concerto das nações e dos espaços geoeconómicos e geoestratégicos em que se movimentam as suas actividades e interesses, que seja devidamente corporizada pelo Estado e pelas organizações empresariais e da sociedade civil. Esta grande estratégia deve estar orientada para e ser capaz de fazer uso da situação geoeconómica do país, que é simultaneamente europeia e atlântica.

Portugal como país atlântico pode e deve ser uma eficaz plataforma de relação entre continentes – Europa, África e América. Tal como o foi no momento mais brilhante da sua longa história, na época áurea dos descobrimentos, e a que no futuro tem indubitavelmente de saber regressar. Porque o projecto nacional, como a sua história sempre demonstrou, não se esgota nem pode circunscrever-se apenas à Europa.
José Pinto Correia, Mestre em Gestão do Desporto

segunda-feira, 15 de junho de 2009

A “Santa Aliança” no Futebol


O “mundo do futebol” em Portugal é esquisito e muito pouco justificável para quem quer ter dele e da sua estrutura económica e negocial uma visão racional. Procuremos então vislumbrar a insensatez contraditória em que vivem os principais actores do tal “mundo do futebol” nacional.

O que há de facto em Portugal à roda do futebol profissional é uma espécie de “Santa Aliança” que não quer obviamente discutir sobre a viabilidade económico-financeira desse desporto entre nós. Esta “Santa Aliança” tem actores privilegiadíssimos e poderosos. O Governo desde logo, a Federação Portuguesa de Futebol, logo a seguir, a Liga Profissional a continuar e, no final da rede, os jornais desportivos incapazes de escreverem praticamente uma linha sobre a crise estrutural que inunda o futebol.

Continuam todos nesta sagrada “Aliança”, por isso, numa estratégia de dissimulação a falar alegremente da indústria do futebol como sendo a melhor das indústrias portuguesas, aquela que melhores resultados competitivos à escala internacional vai conseguindo, mas desinteressam-se de discorrer sobre a possibilidade da sua sustentabilidade económico-financeira, sobre a contínua irracionalidade dos fundamentos económicos em que se baseia e mesmo mais decisivamente sobre as possibilidades da sobrevivência a prazo do seu actual modelo organizativo e gestionário.

Por isso, para encontrar alguma discussão dos reais problemas económicos e financeiros do futebol temos de percorrer as páginas dos jornais generalistas e económicos e sair dos meandros de intervenção daquela “Santa Aliança”. E aí, nesses “interessados externos ao futebol”, poderemos então encontrar dados sobre os prejuízos anuais dos maiores clubes, sobre os seus enormes passivos acumulados, sobre a sua situação de falência técnica.

Sobre tais elementos caracterizadores da real situação económico-financeira do futebol português poderemos então verificar que só de passivo acumulado pelos três grandes clubes estamos a falar de 440 milhões de euros e que para repor os níveis mínimos de capital social se fala em necessidades de financiamento de 90 milhões de euros, para além dos prejuízos anuais em todos eles e que só no Benfica ultrapassarão os 20 milhões de euros em 2009.

Por conseguinte, nos fundamentais económico-financeiros, os nossos grandes clubes de futebol são insustentáveis e praticamente condenados à falência se não forem uma vez mais socorridos por capitais bancários ou similares. O que não solucionará obviamente a questão fundamental que é a da sua demonstrada insustentabilidade negocial.

O negócio do futebol tal como se encontra modelado é ruinoso. Acarreta decisões época a época desportiva que hipotecam vultuosos recursos económico-financeiros sem se traduzirem em correspondentes receitas. Assim, os custos totais da actividade são sempre superiores às respectivas receitas normais e só ocasionalmente com receitas extraordinárias de vendas de jogadores no mercado internacional poderá haver algum equilíbrio. Equilíbrio que será sempre ocasional e muito incerto, senão mesmo falível em muitas situações, bastando para tal que os mercados de jogadores se retraiam e haja dificuldades de colocar os jogadores mais valiosos em clubes estrangeiros. Para também não falar da dependência flagrante em cada exercício económico das receitas eventuais provenientes da participação nas competições da UEFA. As quais mesmo no Futebol Clube do Porto, que tendo sido substanciais, não têm eximido o clube de apresentar prejuízos anuais quase permanentemente.

Na estrutura económica que define o futebol na actualidade há, portanto, uma inadequação permanente entre os custos e as receitas da exploração, sendo os primeiros sempre potencialmente superiores ou mesmo muito superiores às segundas. O que significa que ao ter-se transformado o futebol num negócio empresarial como os demais, esse negócio não é rentável e a prazo tende para a insolvência (ainda que possa ser socorrido durante muitos anos, o que tem acontecido, por entidades bancárias externas).

E é este facto hoje inquestionável, face aos dados económicos e financeiros das várias SAD que vão sendo conhecidos, que a Santa Aliança do futebol quer evitar discutir. O que daqui a pouco tempo terá efeitos devastadores para a denominada indústria do futebol e para aqueles intérpretes privilegiados do futebol que deixarão de ter negócio para gerir ou espectáculo sobre que discorrer em parangonas habituais.

Claro que o Governo já disse que não quer ser tido nem achado para crise do futebol profissional. Mas como se sabe os Governos e os governantes respectivos passam.

Mas então quando chegar proximamente o Inverno económico-financeiro ao futebol profissional que ficarão a fazer a FPF, a Liga Profissional e os jornais desportivos?

É que a continuar tudo igualmente como nos últimos anos é certo que o futuro do futebol profissional tal como está estruturado não será nem longo nem risonho!
José Pinto Correia, Mestre em Gestão do Desporto

terça-feira, 9 de junho de 2009

Decadência e Repensar de Portugal


Portugal vive em crise económica permanente há praticamente uma década. No final de 2010, o país terá, muito provavelmente, a mesma riqueza que tinha em 2004. Isso quererá dizer que todos ficarão pior do que estavam no início do século em termos reais. Portugal terá passado toda uma década sem qualquer progressão económica visível e adensará os factores de crise para as décadas que virão. Entre esses factores mais perigosamente deteriorados estarão o endividamento brutal de mais de cem por cento do PIB, o aumento enorme da dívida pública para os cerca de oitenta por cento do PIB, a reemergência de um défice do Estado elevadíssimo na casa dos seis ou mesmo sete por cento do PIB, uma taxa de desemprego nos dois dígitos (com mais de quinhentos mil desempregados) e mais de dois milhões de pobres na população.

Os horizontes do país não são nada animadores, estão muito enegrecidos, e os portugueses descrêem dos partidos políticos e afastam-se progressivamente da política.

Perante este quadro de referência que fazem as nossa elites políticas, económicas e académicas? Pensam o país, o seu futuro a médio e longo prazo como interessaria às actuais e novas gerações? Não, não fazem nada disso ou algo que se lhe possa aproximar! Entretêm-se em discussões de proximidade temporal, em receitas de cosmética rápida, ou em pretensas agendas fracturantes.

Por isso, Portugal é incapaz de se pensar estrategicamente. Ninguém se atreve a fazer o exercício de pensar o país no médio e longo prazo, digamos num horizonte temporal de vinte anos. Os representantes políticos e as elites económicas, empresariais ou mesmo académicas são incapazes de fazerem um qualquer tipo daqueles exercícios.

Portugal não sabe qual é o seu papel na Europa (ou até mesmo na Península Ibérica), qual vai ser o seu papel no Mundo globalizado, nem sabe ou mostra desejo e vontade de perspectivar o seu desenvolvimento social e económico no médio e longo prazo. Navega à vista, sem projecto, sem visão do futuro, hipotecando recursos escassos sem orientação global para objectivos estratégicos desenhados aprofundadamente. Ninguém se preocupa com cenários de desenvolvimento de Portugal no concerto possível das restantes nações mundiais. Não existem conversas estratégicas nos corredores onde pululam os actores principais da vida nacional.

Por isso, é impossível acertar vontades, clarificar caminhos e progredir num determinado empreendimento estratégico. Desconhecem-se os factores diferenciadores, aqueles que podem fazer a diferença ou o carácter único do país no jogo global das nações. Não se conhecem os sectores relevantes em que o país pode e deve apostar para se diferenciar e ter sucesso económico e geoestratégico.

Portugal não discute estas questões, reduz-se permanentemente ao imediato ou ao acessório, e os portugueses estarão condenados a um futuro que os ultrapassa e lhes cairá em cima inevitavelmente. E esse futuro, nos seus contornos fundamentais, escapará, desse modo, a quadros mentais e de acções desenhados e escolhidas por vontade e interesses próprios.

Portugal como projecto não existe, está aí nessa Europa sem saber ou cuidar do seu destino nacional. Sem estratégia, sem reconhecimento das grandes linhas de evolução mundiais, sem diagnósticos e cenários de evolução autónomos, Portugal estará entregue ao mesmo nível de desempenho dos últimos dez anos, num cenário mundial mais incerto, complexo e competitivamente globalizado, onde emergem novos centros de poder excêntricos à Europa (vide China, índia e Brasil).

Da crise permanente e estrutural profunda virá a decadência e o empobrecimento. Naufragarão as futuras gerações de portugueses, inundadas em dívidas colossais deixadas pelas anteriores gerações, e dificilmente subsistirão as anteriores com o nível de satisfação das suas expectativas elevadas, sucessivamente alimentadas por uma narrativa providencial que vem de há três décadas (desde Abril de 1974).

As elites actuais, políticas, económicas e académicas, terão responsabilidades imensas nessa incapacidade de repensar Portugal neste século XXI. Em primeiro lugar, por serem incapazes de traduzir em bem-estar a narrativa constitucional dos direitos, que formatou enormes expectativas sociais e pessoais e que provavelmente se esboroarão numa realidade que tornará impossível acalentar a “distribuição de ilusões” impossíveis de manter. O que acarreta uma desilusão profunda com o papel salvífico do Estado que era o actor central na narrativa fundadora do actual regime político-constitucional.

Neste caldo de degenerescência económica, social e política, é difícil que se mantenham os equilíbrios actuais e não se degradem progressiva e inevitavelmente muitas das principais instituições do regime. Há mesmo já na actualidade exemplos flagrantes dessa deterioração, cujo caso mais paradigmático é o do sistema de justiça, mas a que também já não vão escapando o da saúde e o da educação.

Portugal tem uma perspectiva de futuro pouco brilhante, de quase certa decadência e de cada vez maior afastamento dos níveis de vida da Europa, na qual estará também numa posição tendencialmente mais periférica, perdendo poder de atracção económica e de fluxos de capital e investimentos.

A natureza estrutural da crise portuguesa provavelmente não acabará com a retoma económica mundial e europeia e a saída desta crise internacional que agora se abateu sobre praticamente todos os cantos do mundo. Os factores específicos da crise portuguesa manter-se-ão e impedirão Portugal de se reaproximar dos níveis médios de desenvolvimento económico europeu. Escamotear aqueles factores intrínsecos da crise nacional é condenar o país a mais anos de medíocre crescimento económico e ao correspondente empobrecimento relativo, com as consequentes conflitualidades e aumento das injustiças e da pobreza. E condenar também as classes médias a um inevitável empobrecimento ou mesmo desaparecimento progressivo.

Tudo isto torna inadiável a concretização de um largo e profundo exercício de pensar Portugal no Mundo neste século XXI. E também numa Europa que tem inúmeros factores de perda de poder global perante a emergência de um conjunto de novos centros de poder mundial.

Este repensar de Portugal exige a construção de cenários de evolução, a distinção das respectivas competências distintivas e das apostas estratégicas únicas e diferenciadoras em que o país deve investir as suas capacidades e recursos especiais. Portugal tem de construir o seu caminho de desenvolvimento único, centrado no que de melhor tiver para desenvolver e oferecer ao mundo global e competitivo. Tem de ter uma visão nacional, um pensamento estratégico assente na identificação clara e inequívoca das suas diferenças e capacidades distintivas e explorar esses seus atributos na cena internacional em que se terá de movimentar como país autónomo.

Este grande exercício de pensamento nacional só pode ser, e deve ser, feito pelas suas elites políticas, económicas e académicas. E no mais imediato possível, pois a situação é difícil e o tempo é escasso para que uma nova visão dos desafios e das oportunidades para o país seja devidamente construída e posta rapidamente em acções rigorosas e devidamente concertadas pelos principais actores políticos, económicos e académicos portugueses.

José Pinto Correia, Mestre em Gestão do Desporto