Os grandes clubes desportivos são hoje organizações muito complexas e que actuam em contextos altamente voláteis como o são as competições desportivas nacionais e internacionais. O sucesso dessas organizações depende desde logo dos seus resultados desportivos anuais nas competições em que disputam a sua superioridade competitiva, a qual tem quase obrigatoriamente de se evidenciar. Os grandes clubes são, pois, e acima de tudo, verdadeiras máquinas de vitória desportiva, de que dependem a sua saúde financeira e económica.
As grandes organizações clubísticas repousam na obtenção continuada de sucessos, desde logo também, do grau de eficácia das suas lideranças e do nível de desempenho das suas estruturas organizacionais.
E na afirmação competitiva nacional e internacional em que se movem permanentemente, os grandes clubes desportivos têm de ser capazes de adaptar-se continuamente às condições mutáveis da cena competitiva e às estratégias dos seus principais concorrentes.
Portanto, em síntese, os grandes clubes desportivos dependem da capacidade das suas lideranças em adaptarem e integrarem os principais factores que definem a concorrência competitiva em que têm de actuar do ponto de vista desportivo e empresarial.
A situação desportiva do Benfica nos últimos dez anos, pelo menos, é um bom caso de estudo para quem quiser analisar em profundidade a capacidade organizacional e estratégica de um clube desportivo de grande dimensão.
Depois de uma situação financeira praticamente insustentável e de “falência técnica”, o Benfica já com a actual Direcção concentrou-se como SAD na resolução dos problemas financeiros, valendo-se de vários instrumentos reorganização e de lançamento de negócios e da exploração do potencial de marketing que a marca Benfica em termos nacionais permitiu explorar.
Esta recentragem estratégica nos domínio financeiro e negocial, que advém dos constrangimentos fortes de partida e da natureza específica da SAD como empresa que é, foi deixando a uma certa míngua a capacidade de orientação estratégica e de organização do próprio futebol, desde o profissional ao das camadas jovens, que se traduziu ano após ano na incapacidade de apresentar sucessos desportivos palpáveis quer a nível nacional, quer por maioria de razão a nível da UEFA.
Sentiram-se ao longo destes vários anos, com diversos Presidentes em funções, e incisivamente com o actual Presidente, as múltiplas deficiências organizativas, com tradução efectiva na indefinição de estruturas intermédias de gestão, nas desorientações sucessivas na composição dos plantéis anuais, na ausência de jogadores das camadas jovens a acederem ao escalão máximo, na desprotecção “política” e organizacional dos diversos treinadores e, acima do mais, numa patente incongruência discursiva dos líderes relativamente aos objectivos fundamentais do clube em horizontes temporais relativamente amplos.
Bem ao contrário, a esta flagrante incapacidade de direcção e orientação opunham-se promessas de rápidos resultados e de sucessos desportivos que não estavam escudados e implantados em cima de estruturas organizacionais firmes e estrategicamente enquadradas. E as deficiências de organização e de estrutura tornaram-se sucessivamente evidentes, à medida que os insucessos desportivos se foram sucedendo.
Face aos sucessivos insucessos desportivos que o clube ia amealhando, acenavam-se ao mais alto nível dirigente com novas e luminosas promessas, mudanças de treinadores e de algumas caras, novas aquisições de jogadores pretensamente melhores e salvadores, campanhas de marketing que o potencial da marca permitia renovadamente, emergência de novos recursos financeiros provenientes da gestão de tipo empresarial da SAD, e mais discursos apelando a uma mística benfiquista que pudesse fazer miticamente renascer o potencial desportivo em franca perda.
Só que as grandes fragilidades de pensamento estratégico, de organização e criação de estruturas internas capacitadas para os tempos do futebol moderno de alta competição, a ausência de um discurso de liderança ordenado e motivador, a falta de capacidade de geração interna de novos jogadores provindos das camadas jovens do clube, e uma significativa ausência de “integradores culturais” que fizessem a efectiva ligação psicológica e motivacional dos jogadores externos na “alma clubista”, tudo isto veio a contribuir para uma desagregação contínua do potencial de sucesso desportivo do Benfica.
O Benfica é um clube de vitórias, tem uma história que exige permanentemente os mais elevados sucessos desportivos. Por isso, a liderança, a organização e correspondente estrutura, a estratégia desportiva, tudo tem de estar devidamente alinhado com essa exigência de vitórias desportivas no terreno.
Ora, o quase permanente nível de insucesso que o Benfica tem tido em sucessivos anos é insustentável. Este “status quo” tem um grau de profundidade e permanência visíveis que impõe mudanças estratégicas, organizativas e estruturais amplas, resultantes de um exercício de discussão interna profundo – porventura com reunião de contributos científicos e técnicos exteriores ao próprio Benfica.
O Benfica tem absoluta necessidade de se repensar como organização futebolística profissional que tem imperiosa necessidade de regressar às vitórias desportivas. Essa reflexão estratégica deveria ter um horizonte temporal mínimo de cinco anos, onde o procurar dos caminhos para a reorganização e reorientação referidas e o fixar dos correspondentes resultados desportivos pudessem decorrer dessas profundas linhas de mudança.
O Benfica não poderá continuar a comprometer a sua refundação organizacional com exercícios de curto prazo movidos por exigências de apresentação de sucessos desportivos rápidos mas potencialmente efémeros e que não decorram de soluções estruturais que já se tornaram imprescindíveis. O curto prazo não pode nem deve comprometer o novo futuro de sucessos do Benfica, que esteja assente numa reorientação estrutural e estratégica consequentes.
Em síntese, o futuro de vitórias no Benfica e o Benfica organizativo do futuro dependem, portanto, de um novo pensamento estratégico e da afirmação consequente de uma liderança de projecto que esteja definida para um horizonte temporal de médio prazo.
José Pinto Correia, Mestre em Gestão do Desporto