Portugal vive em crise económica permanente há praticamente uma década. No final de 2010, o país terá, muito provavelmente, a mesma riqueza que tinha em 2004. Isso quererá dizer que todos ficarão pior do que estavam no início do século em termos reais. Portugal terá passado toda uma década sem qualquer progressão económica visível e adensará os factores de crise para as décadas que virão. Entre esses factores mais perigosamente deteriorados estarão o endividamento brutal de mais de cem por cento do PIB, o aumento enorme da dívida pública para os cerca de oitenta por cento do PIB, a reemergência de um défice do Estado elevadíssimo na casa dos seis ou mesmo sete por cento do PIB, uma taxa de desemprego nos dois dígitos (com mais de quinhentos mil desempregados) e mais de dois milhões de pobres na população.
Os horizontes do país não são nada animadores, estão muito enegrecidos, e os portugueses descrêem dos partidos políticos e afastam-se progressivamente da política.
Perante este quadro de referência que fazem as nossa elites políticas, económicas e académicas? Pensam o país, o seu futuro a médio e longo prazo como interessaria às actuais e novas gerações? Não, não fazem nada disso ou algo que se lhe possa aproximar! Entretêm-se em discussões de proximidade temporal, em receitas de cosmética rápida, ou em pretensas agendas fracturantes.
Por isso, Portugal é incapaz de se pensar estrategicamente. Ninguém se atreve a fazer o exercício de pensar o país no médio e longo prazo, digamos num horizonte temporal de vinte anos. Os representantes políticos e as elites económicas, empresariais ou mesmo académicas são incapazes de fazerem um qualquer tipo daqueles exercícios.
Portugal não sabe qual é o seu papel na Europa (ou até mesmo na Península Ibérica), qual vai ser o seu papel no Mundo globalizado, nem sabe ou mostra desejo e vontade de perspectivar o seu desenvolvimento social e económico no médio e longo prazo. Navega à vista, sem projecto, sem visão do futuro, hipotecando recursos escassos sem orientação global para objectivos estratégicos desenhados aprofundadamente. Ninguém se preocupa com cenários de desenvolvimento de Portugal no concerto possível das restantes nações mundiais. Não existem conversas estratégicas nos corredores onde pululam os actores principais da vida nacional.
Por isso, é impossível acertar vontades, clarificar caminhos e progredir num determinado empreendimento estratégico. Desconhecem-se os factores diferenciadores, aqueles que podem fazer a diferença ou o carácter único do país no jogo global das nações. Não se conhecem os sectores relevantes em que o país pode e deve apostar para se diferenciar e ter sucesso económico e geoestratégico.
Portugal não discute estas questões, reduz-se permanentemente ao imediato ou ao acessório, e os portugueses estarão condenados a um futuro que os ultrapassa e lhes cairá em cima inevitavelmente. E esse futuro, nos seus contornos fundamentais, escapará, desse modo, a quadros mentais e de acções desenhados e escolhidas por vontade e interesses próprios.
Portugal como projecto não existe, está aí nessa Europa sem saber ou cuidar do seu destino nacional. Sem estratégia, sem reconhecimento das grandes linhas de evolução mundiais, sem diagnósticos e cenários de evolução autónomos, Portugal estará entregue ao mesmo nível de desempenho dos últimos dez anos, num cenário mundial mais incerto, complexo e competitivamente globalizado, onde emergem novos centros de poder excêntricos à Europa (vide China, índia e Brasil).
Da crise permanente e estrutural profunda virá a decadência e o empobrecimento. Naufragarão as futuras gerações de portugueses, inundadas em dívidas colossais deixadas pelas anteriores gerações, e dificilmente subsistirão as anteriores com o nível de satisfação das suas expectativas elevadas, sucessivamente alimentadas por uma narrativa providencial que vem de há três décadas (desde Abril de 1974).
As elites actuais, políticas, económicas e académicas, terão responsabilidades imensas nessa incapacidade de repensar Portugal neste século XXI. Em primeiro lugar, por serem incapazes de traduzir em bem-estar a narrativa constitucional dos direitos, que formatou enormes expectativas sociais e pessoais e que provavelmente se esboroarão numa realidade que tornará impossível acalentar a “distribuição de ilusões” impossíveis de manter. O que acarreta uma desilusão profunda com o papel salvífico do Estado que era o actor central na narrativa fundadora do actual regime político-constitucional.
Neste caldo de degenerescência económica, social e política, é difícil que se mantenham os equilíbrios actuais e não se degradem progressiva e inevitavelmente muitas das principais instituições do regime. Há mesmo já na actualidade exemplos flagrantes dessa deterioração, cujo caso mais paradigmático é o do sistema de justiça, mas a que também já não vão escapando o da saúde e o da educação.
Portugal tem uma perspectiva de futuro pouco brilhante, de quase certa decadência e de cada vez maior afastamento dos níveis de vida da Europa, na qual estará também numa posição tendencialmente mais periférica, perdendo poder de atracção económica e de fluxos de capital e investimentos.
A natureza estrutural da crise portuguesa provavelmente não acabará com a retoma económica mundial e europeia e a saída desta crise internacional que agora se abateu sobre praticamente todos os cantos do mundo. Os factores específicos da crise portuguesa manter-se-ão e impedirão Portugal de se reaproximar dos níveis médios de desenvolvimento económico europeu. Escamotear aqueles factores intrínsecos da crise nacional é condenar o país a mais anos de medíocre crescimento económico e ao correspondente empobrecimento relativo, com as consequentes conflitualidades e aumento das injustiças e da pobreza. E condenar também as classes médias a um inevitável empobrecimento ou mesmo desaparecimento progressivo.
Tudo isto torna inadiável a concretização de um largo e profundo exercício de pensar Portugal no Mundo neste século XXI. E também numa Europa que tem inúmeros factores de perda de poder global perante a emergência de um conjunto de novos centros de poder mundial.
Este repensar de Portugal exige a construção de cenários de evolução, a distinção das respectivas competências distintivas e das apostas estratégicas únicas e diferenciadoras em que o país deve investir as suas capacidades e recursos especiais. Portugal tem de construir o seu caminho de desenvolvimento único, centrado no que de melhor tiver para desenvolver e oferecer ao mundo global e competitivo. Tem de ter uma visão nacional, um pensamento estratégico assente na identificação clara e inequívoca das suas diferenças e capacidades distintivas e explorar esses seus atributos na cena internacional em que se terá de movimentar como país autónomo.
Este grande exercício de pensamento nacional só pode ser, e deve ser, feito pelas suas elites políticas, económicas e académicas. E no mais imediato possível, pois a situação é difícil e o tempo é escasso para que uma nova visão dos desafios e das oportunidades para o país seja devidamente construída e posta rapidamente em acções rigorosas e devidamente concertadas pelos principais actores políticos, económicos e académicos portugueses.
José Pinto Correia, Mestre em Gestão do Desporto
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