segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Orçamento de 2010 e Estratégia Nacional


“A estratégia é o grande trabalho da organização. Em situações de vida ou morte, ela é o Tao da sobrevivência ou da extinção”, Sun Tzu em “A Arte da Guerra”.

Nestes dias frios e chuvosos da terceira e quarta semana de Janeiro de 2010 passaram a discutir-se algumas questões que têm finalmente a ver com algo do que será o futuro económico-financeiro de Portugal.

Os partidos políticos (e por seu intermédio também todos os portugueses) foram intimados, primeiro presidencialmente e depois pelas agências internacionais de “rating”, a negociarem as possíveis medidas que comporão o Orçamento de Estado de 2010 (OE 2010).

Portanto, nesta nova encenação montada no interior do “circo político e mediático”, vão-se agora discutindo as possibilidades de aumentar ou diminuir receitas e despesas do Estado, os valores de decréscimo anual do défice público seguindo orientações enquadradoras de Bruxelas, ou ainda, e também, as eventuais medidas de travagem do aumento assustador da dívida pública e do endividamento externo.

Sabemos, como sempre se foi percebendo pelas vozes do poder governamental e dos vários partidos da oposição, que sobre estes meandros do Estado e da nossa vida nacional não existem consensos fáceis, porque os diagnósticos dos partidos e as suas vontades se diferenciam nuns casos nitidamente ou noutros são mesmo inconciliáveis. Mesmo nos partidos que têm entendimentos mais próximos entre si destas questões principais de enquadramento macro do OE, as trajectórias de correcção defendidas para os padrões internacionalmente exigidos são mais apertadas nuns casos ou noutros menos (sendo este último o caso óbvio, até recentemente, do partido no poder pela voz autorizada do seu Primeiro-Ministro).

Portugal está, por conseguinte, a discutir vivamente em todas as esquinas desta 3ª República a sua situação económico-financeira, com a sua indispensável tradução no longuíssimo mecanismo orçamental em 2010 (traduzido habitualmente por centenas de artigos decretados).

Só que não se deve esquecer que esta reflexão, que tantos espíritos abrange e exalta, apenas se circunscreve a um exercício orçamental, ao seu muito limitado campo de alcance, o qual deixa completamente de fora tudo aquilo que tem a ver com o domínio bem mais abrangente das hipóteses e possibilidades de crescimento económico e da procura das novas e mais dinâmicas fontes de criação de riqueza e rendimentos.

Em face destas óbvias limitações de alcance sobre os destinos nacionais deste exercício orçamental para 2010 (o OE 2010, portanto), não seria bem mais necessário passar a analisar aprofundadamente a situação económica e a estratégia de crescimento económico de Portugal no contexto da Europa e do Mundo de globalização competitiva? Não seria essa estratégia devidamente estruturada e assumida política, económica e socialmente, a via ou o caminho que poderia conduzir o país a sair da sua prolongada anemia e definhamento da riqueza criada que tem vindo a viver nesta primeira década do século XXI?

Isto porque se sabe que discutir um Orçamento de Estado para um qualquer ano económico, ainda que ele possa perspectivar ou ter mesmo implicações em anos posteriores, é bem diferente de discutir e acertar uma estratégia de crescimento económico de um país no seu todo. E também porque se não desconhece que na concepção desta estratégia de crescimento da economia portuguesa têm, desde logo e como primeira condição de viabilidade, de estudar-se profundamente as formas e os modos de criar ou recriar riqueza nacional no âmbito da competição internacional entre as diferentes economias nacionais.

Por isso, o país para conceber esta sua estratégia de crescimento económico teria de saber escolher a forma como aceitaria promover e proteger a criação de valor e riqueza, como optaria por promover o aparecimento de iniciativas empresariais inovadoras nacionais ou estrangeiras, como decidiria investir os seus recursos escassos em projectos rentáveis e privilegiadamente produtores de bens e serviços vendáveis nos mercados, como estimularia a formação e qualificação dos seus recursos humanos e atrairia para os seus espaços territoriais outros recursos qualificados e empreendedores, como melhoraria rapidamente o funcionamento da sua administração pública e de justiça para facilitar o aparecimento de muitos novos investimentos produtivos, como decidiria investir os recursos públicos em projectos que auxiliassem e facilitassem a iniciativa empresarial em todo o território, como dinamizaria a vida económica, social e cultural nas suas cidades e faria delas as âncoras do aparecimento das iniciativas criadoras de riqueza e bem-estar.

A estratégia de crescimento tem de ter como objectivo cimeiro a criação de riqueza, como única forma de aumentar rendimentos pessoais e melhorar o bem-estar colectivo. E também deve permitir que esta riqueza nova, constituidora do fundamento do crescimento económico e da estratégia de desenvolvimento nacional, tanto possa ficar no interior do país, dinamizando o consumo e o investimento internos, como ser vendida para o exterior nos mercados internacionais para assim obter rendimentos líquidos que possam acrescentar-se àqueles que ficam entre muros e com eles se gerarem mais investimentos produtivos inovadores.

Criar esta nova riqueza, que possa e deva ter a devida tradução em empregos mais qualificados e bem remunerados, implica que as lideranças políticas, económicas e culturais de Portugal saibam quais os sectores económicos que vão estimular/privilegiar e em que novos projectos públicos e privados vão ser investidos os recursos que o país tem disponíveis pela poupança interna ou pode vir a mobilizar externamente.

Os novos investimentos que corporizem as apostas da estratégia de crescimento económico de Portugal, quer sejam públicos ou privados, devem ser evidentemente lucrativos, criadores de rendimentos líquidos e geradores de empregos qualificados, sempre que possível aproveitarem devidamente os recursos naturais próprios e diferenciadores, ou promoverem produtos e serviços com criação de valor acrescentado nacional específicos e que constituam origem de vantagens competitivas.

Todavia, aquilo a que se tem vindo a assistir nas discussões inter-partidárias sobre o OE 2010 é tudo menos uma verdadeira análise e preparação de uma estratégia de desenvolvimento de Portugal num horizonte relativamente alargado que permita avaliar o modo como o país poderá voltar a crescer economicamente durante esta nova década, enfrentando as muito difíceis condições de partida e a grande competição internacional que caracteriza o Mundo neste novo século.

O país ficará, assim, depois de concluídas as actuais negociações políticas para o OE 2010, muito provavelmente, mais uma vez sem saber quais deverão ser as suas principais apostas económicas, geoestratégicas e políticas na Europa e no Mundo globalizados, e quais os principais objectivos económicos e sociais a concretizar num horizonte temporal alargado.

E assim, repetidamente neste primeiro ano do novo decénio do século XXI, Portugal continuará a vogar ao sabor de vontades e opções ocasionais, desenquadradas de qualquer esforço sério de prospectiva e de preparação de um futuro diferente do que tem vindo a acontecer desde o final do século anterior. Ou seja, ficará de lado mais uma vez a concepção partilhada de uma verdadeira e indispensável estratégia de longo-prazo e o país dedicará agora em Janeiro de 2010, como tem vindo a fazer de há longos anos, todo o seu tempo de discussão, reflexão e pensamento críticos, a um simples e pequeno horizonte anual de natureza concentradamente financeira.

Portugal vai perder nesta sua verdadeira encruzilhada histórica em que se encontra em 2010 mais uma oportunidade de discutir seriamente os caminhos da salvação do seu futuro – ficará, como já se pode antever hoje, pelos cálculos e contas dos dinheiros de um orçamento com eventuais repercussões em outros que se lhe seguirão, mas sem ter preparado uma estratégia nacional que lhe permita ambicionar uma vida nova e melhor para os portugueses de hoje e de amanhã.

Como muito bem disse (com indiscutível conhecimento de causa) o general Nguyen Giap que conduziu as forças frágeis dos vietnamitas do norte ao sucesso perante as forças esmagadoras dos EUA: “A nossa estratégia…foi a de lutar uma batalha longamente duradoura…Só uma guerra de longo-prazo pode permitir-nos utilizar o máximo das nossas cartas políticas dissimuladoras, para ultrapassar a nossa fraqueza material, e para transformarmos a nossa fraqueza em força…”

José Pinto Correia, Economista

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