Quando regressou a Portugal depois de um dos seus périplos recentes, mais especial e apropriadamente o de Moçambique onde proliferaram as voluntariosas intenções de sempre, saída do País que foi muito oportunistamente atempada para coincidir com o período de tempo de trabalhos forçados de preparação do PEC pelo abandonado Ministro Teixeira (dizer que ele tem também como apelido “dos Santos” é obviamente pecado), o “Nosso Senhor dos Aflitos”, o superior engenheiro da nossa regeneração financeira (de Caeiro, o heterónimo “Engenheiro da Almas” de Pessoa, nem a simples aba do chapéu usa como facilmente se vê nas imagens), deu uma conferência de imprensa, sem direito a contraditório como conveio, em que anunciava as suas (??) medidas da salvação da Nação até 2013.
E logo aí destacou “Sua Sapiência” a medida bem socialista de apropriar aos ricos da Pátria, caída de supetão no último mês e tal em dificuldades não previstas, não apenas os habituais 42 mas os salvíficos 45% de imposto de rendimento. Disse também o “Nosso Patrono Regenerador”, em súbita e inesperada conversão à aflição nacional, que não havia mais qualquer aumento de impostos, mas apenas e só umas mexidas nas deduções e umas justíssimas quebras nos custosos e iníquos benefícios fiscais.
O “Senhor Engenheiro” dava agora à luz da ribalta uma prova de verdadeiro socialista, sem dúvida de estreitamento da sua relação ao flanco radical da dita, porque ia resolver grande parte dos problemas em que a República tinha inesperadamente acabado de cair e que não estavam previstos nem no seu Programa Eleitoral nem no mais recente Programa de Governo, pois ia fazer com que esses inumeráveis ricos do burgo pagassem tudo aquilo que indiscutivelmente era devido ao “Grande Estado Socialista”, mandador de sempre e ditador com lei.
Sua Excelência ia agora tornar-se um fautor da mais séria e afirmativa justiça, combateria as desigualdades extremas e faria de Portugal uma Nação digna de um humanismo ímpar, de fazer inveja aos maiores desse Mundo capitalista iníquo e extremo.
No PEC, lembremo-nos de relance, só para que aqui passe de lembrete, estavam agora previstos os tais cerca de dez mil milhões de euros que repentinamente ficaram a faltar à ditosa Pátria amada do “Senhor Engenheiro” para aquela se cumprir na “Europa do Euro”.
Imagine-se então a rigorosa palavra de “Sua Excelência” à Nação, cujos destinos diz comandar de forma séria, intrépida e abençoada pelos votos, quando agora bem vistos os números (por notícia da edição de 2 de Abril do Diário Económico) todos os ricos da nossa tão rendosa Terra são em número de 3.600 famílias (correspondendo a entre 120 e 140 mil pessoas, para aí um pouco mais de um por cento de todos nós, portanto) que pagarão por esse justíssimo e indomável imposto a enorme e astronómica maquia de 30 milhões de euros por ano. Portugal estará, assim, salvo, bem a salvo de qualquer manigância dos abutres do dinheiro internacional, representativamente conhecidos nas impunes agências de rating.
Mais e melhor ainda, cada uma destas famílias com rendimentos anuais superiores à imensidão de 150 mil euros irá pagar para o prestimoso Estado a soma anual de mais 8.300 euros em sede de IRS. Isto mesmo, enquanto ao mesmo tempo os pensionistas pátrios que ganhem mais de 1.600 euros mensais pagarão, sem que sobre eles recaia o tal aumento de impostos anunciado pelo “Engenheiro Justiceiro” na conferência de imprensa, mais qualquer coisita como 100 milhões de euros por cada ano.
A notícia do referido Jornal que refere aqueles dados, citando fonte governamental do Ministério das Finanças, diz mesmo que a grandiloquente medida de fazer “pagar os ricos”, tão destacada e exaltada pela nossa afanada engenharia governamental, é a que menos renderá aos cofres do Estado de todas as medidas fiscais previstas no PEC.
Haveremos de convir que “Sua Senhoria” é de uma sagacidade invulgar; e faz umas contas e uns anúncios extraordinários. Até nos faz acreditar que para arranjar os tais dez mil milhões é muito mais merecedor das trombetas da propaganda canhestra dizer que os trinta milhões dos ricos valem muitíssimo mais do que uns míseros cem milhões que os pensionistas da classe medianamente rendosa vão entregar nas mãos do “Grande Estado”. A engenharia socialista moderna tem destas aritméticas relativas, talvez influenciada pelas doutrinações dos cientistas da educação que entendem que dois e dois até podem ser quatro mas serão outras coisas também.
De tudo isto sobram da chalaça e da propaganda e visível demagogia senhorial, conveniente para aliviar as consciências de algumas almas radicais justiceiras, algumas verdades como as seguintes:
Em mais de trinta anos de democracia o nosso cantinho só conseguiu criar 3.600 famílias com rendimentos declarados superiores a 150 mil euros anuais (temos um capitalismo quase sem ricos, mas com muitas empresas de regime bem enriquecidas);
Os ricos portugueses vão pagar a mais de imposto qualquer coisa como aquilo que poderá ser entre um meio ou um quarto de cada uma das revisões de preços de auto-estradas a construir nos próximos anos (anunciadas há uns tempos nos jornais);
Trinta gestores nomeados pelo Governo para várias empresas, usando o exemplo da época do administrador valioso da PT, poderiam economizar, se deixassem de receber o respectivo bónus milionário anual, o mesmo que pagarão para a salvação do Estado socialista todos os grandes e ricos da Pátria (ou até 7 salários anuais de Presidente da EDP já chegariam para tal efeito).
Uma coisita no final deste “Rosário de 2010” parece óbvia e claríssima, o “Governo do Senhor Engenheiro”, com as suas capacidades e vontade inexcedíveis, com a sua enorme e inquebrantável determinação, não tem a poção mágica de fazer nascer em cada esquina como cogumelos os tais ricos da Nação, porque se para tal empreendimento tivesse suficiente engenho ainda ia fazer nascer “a tal ditosa Pátria Sua amada” de que muito recentemente se afirmou ser dilecto.
Nota de Causa Maior: É esta mesma “engenharia socialista” que tem preenchido a administração pública nos gabinetes ministeriais de muitos e muitos assessores, jovens na sua esmagadora maioria, entre os vinte e tais e os trinta e picos anos de vida, saídos em inúmeros casos da respectiva juventude partidária, e que começam a ganhar nas suas valiosas funções de Estado tanto ou mais do que ganham os assessores no topo de carreira que fizeram vários concursos públicos de promoção ao longo de praticamente trinta anos de funções públicas. E se se for verificar os apelidos desses meninos e meninas constata-se que eles coincidem em muitos casos com os de ministros, deputados, membros seniores do mesmo partido, ou são aparentados e amigos de outros senhores do bem-aventurado socialismo republicano e laico. Mas também se pode verificar que no Orçamento de Estado para 2010 as despesas correntes dos gabinetes ministeriais não sofrem danos com cortes ou congelamentos de verbas. Esses esforços são para os outros, os “filhos de deuses menores” que há anos vão estando ao serviço da mesma administração pública, porque aos mandantes que tomaram conta do Estado e da República só se pode, felizmente e ao luar, dar e dar a beber alegremente do “leitinho derramado dos impostos”. Até porque só assim “esses abençoados da governação” poderão fazer-se à vida, bem vestidos (de Armani, de preferência, ou de aparentados), e melhor transportados por terra e ar, seja em carrinhos alemães ou franceses dos mais luzentes, seja nos aviõezinhos especiais para as visitas de negócios da Pátria amada.
Este é o lamaçal da República, socialista e laica, em que somos obrigados a viver. Que está longe, muito longe mesmo, do que nos fez a muitos exultar em 25 de Abril de 1974 nas ruas de Lisboa de manhã até ao fim da noite, gritando e batendo no chaimite que levava para o exílio o dono do regime ditatorial que abominávamos. Agora o que temos nesta 3ª República é, como dizia há mais de cem anos Manuel Laranjeira (citado recentemente por Vasco Graça Moura), “Uma organização mentirosa, sem estabilidade, sem unidade, uma ficção de engrenagem civilizada, encobrindo a torpeza de um parasitismo desenfreado e impudente”. E acrescente-se com propriedade, um arregimentado apodrecimento onde impera muita mentira e uma enorme falta de credibilidade no topo da governação, e também uma vil e indisfarçável ganância do poder, sem visão e sem projecto para Portugal.
José Pinto Correia, Economista