A crise portuguesa não é de hoje, ela tem vindo a acentuar-se progressivamente e agora atingiu patamares inescapáveis. Tem muito de estrutural, baseia-se numa incapacidade de produzir bens e serviços com procura internacional, em fracos níveis de poupança e de produtividade e acréscimos salariais que limitam o investimento produtivo e a competitividade externa, em aumentos assinaláveis dos níveis de consumo muito baseado em bens importados, e ainda também num vasto conjunto de investimentos fracamente reprodutivos, especialmente destinados para os sectores dos bens não transaccionáveis para os quais o Estado tem direccionado ao longo de vários anos uma grande fatia dos respectivos investimentos públicos.
Portugal vive em crise económica permanente há praticamente uma década, perde empresas e empregos aos milhares e terá em final de 2010 praticamente a mesma riqueza que tinha em 2004. Em toda esta década haverá, por conseguinte, um empobrecimento absoluto dos portugueses.
A mesma riqueza terá de fazer face a encargos maiores do Estado com os chamados sectores sociais – educação, saúde, segurança social, subsídios de desemprego e outras prestações – deixando menos rendimento disponível para as famílias e as empresas. Está criada uma antecâmara para o desenrolar potencial de uma situação gravíssima que pode arrastar facilmente grandes convulsões sociais, logo que se torne impossível garantir a sustentabilidade de muitas das actuais prestações sociais a um conjunto cada vez maior de portugueses desempregados e em situação de franca debilidade ou pobreza.
Os horizontes do país são pouco animadores, estão assim muito enegrecidos, e o Governo mostra uma quase completa incapacidade de encontrar um caminho que permita renovar a esperança no futuro que aí vem. Os portugueses vão ao contrário assistindo à prática paralisia do Governo que se mostra ausente e incapaz de definir um projecto de saída desta situação insustentável.
O Governo em funções, ainda recentemente empossado, não tem uma agenda económica para Portugal que seja capaz de definir as opções de crescimento da riqueza, apontar com a iniciativa privada para um novo conjunto de projectos de investimento criadores de emprego e produtores de bens e serviços transaccionáveis, e aproveitando as oportunidades que os mercados internacionais possam ser capazes de suscitar. Bem ao contrário, o Governo tinha submetido eleitoralmente aos portugueses uma agenda económica completamente desfocada da realidade nacional e internacional e agora não se mostra à altura de pilotar estrategicamente a saída da crise estrutural do país.
Perante este quadro de referência, que exibe claramente a quase completa incapacidade e falta de iniciativa estratégica governamental, tem de aparecer na sociedade portuguesa um movimento das suas elites económicas e académicas que possa ter a missão de pensar e repensar o país, o seu futuro a médio e longo prazo, com a perspectiva de criar muita mais riqueza, projectar e fazer novos investimentos produtivos, ser capaz de atrair novo investimento estrangeiro relevante, e de procurar encontrar os caminhos de desenvolvimento económico e social que dêem esperança às novas gerações.
Tem de se por fim a um conjunto de discussões de proximidade temporal, baseadas em receitas de cosmética rápida, ou em pretensas agendas fracturantes, que têm entretido as elites políticas e os governantes de Portugal nestes últimos anos. As quais depois desembocam repentinamente num choque de realidade que o Governo inesperadamente colocou no PEC para os anos até 2013. O mesmo Governo que assobiava alegremente para o ar prometendo mundos e fundos e investimentos enormíssimos com muito discutível produtividade económica e sentido estratégico e que nesta contradição em que agora se vê contrariadamente enredado desiste de planear e realizar o crescimento económico do País.
Por isso, Portugal com o actual Governo e na linha da sua agenda política e económica tem sido incapaz de se pensar estrategicamente. Ninguém se atreve a fazer o exercício de pensar o país no médio e longo prazo, digamos num horizonte temporal de dez anos. E assim os representantes políticos e as elites económicas, empresariais ou mesmo académicas têm-se demonstrado avessas ou mesmo incapazes de fazerem um qualquer tipo daqueles exercícios de prospectiva.
Portugal não sabe qual é o seu papel na Europa (ou até mesmo na Península Ibérica), qual vai ser o seu papel no Mundo globalizado, nem sabe ou mostra desejo e vontade de perspectivar o seu desenvolvimento social e económico no médio e longo prazo. Navega à vista, sem projecto, sem visão do futuro, hipotecando recursos escassos sem orientação global para objectivos estratégicos que tivessem sido desenhados aprofundadamente. Ninguém se preocupa com cenários de desenvolvimento de Portugal no concerto possível das restantes nações mundiais. Não existem conversas estratégicas nos corredores onde pululam os actores principais da vida nacional.
Por isso, é impossível acertar vontades, clarificar caminhos e progredir num determinado empreendimento estratégico. Desconhecem-se os factores diferenciadores, aqueles que podem fazer a diferença ou o carácter único do país no jogo global das nações. Não se conhecem os sectores relevantes em que o país pode e deve apostar para se diferenciar e ter sucesso económico e geoestratégico, a não ser o predomínio quase absoluto e aterrador das energias renováveis salvadoras. Não se discute a indústria em Portugal, os seus caminhos, opções de investimentos inovadores, os seus mercados de exportação, a sua competitividade comparada com recurso aos diferentes factores de produção. Nem se discutem agendas de renovação empresarial com os empresários deste importantíssimo sector da vida económica nacional, incontornável na criação de riqueza e emprego e na afirmação competitiva de Portugal na Europa e no Mundo globalizados.
Portugal não discute estas questões, reduz-se permanentemente ao imediato ou ao acessório, e os portugueses estarão assim condenados a um futuro que os ultrapassa e lhes cairá em cima inevitavelmente. E esse futuro, nos seus contornos fundamentais, escapará, desse modo, a quadros mentais e de acções desenhados e escolhidas por vontade e interesses próprios. Mas terá contornos sociais e financeiros gravíssimos, os quais já hoje estão aí indisfarçáveis e patentes nas contas do endividamento externo, do défice público, da dívida pública e da perda de muitas empresas e milhares de empregos.
Portugal como projecto, com esperança e ambição conhecidas e partilhadas pelos portugueses jovens e maduros não existe, está aí nesta Europa sem saber ou cuidar do seu destino nacional. Sem ter uma estratégia nacional de desenvolvimento económico e social, sem ser capaz de realizar um profundo reconhecimento das grandes linhas de evolução mundiais, sem diagnósticos e cenários de evolução autónomos.
Portugal estará entregue assim, com esta incapacidade governamental e das suas elites, nesta segunda década do milénio a repetir o mesmo nível de desempenho económico e social dos últimos dez anos, num cenário mundial mais incerto, complexo e competitivamente globalizado, onde emergem novos centros de poder excêntricos à Europa (vide China, Índia e Brasil).
Da crise permanente e estrutural profunda que hoje em 2010 o País vive virá nos próximos anos, se nada de muito significativo se alterar na condução da vida nacional, a decadência e o aprofundar do empobrecimento absoluto da vida dos portugueses. Será então praticamente certo que ao lado dos mais idosos, reduzidos nas suas condições de fim de vida contrariando as expectativas que lhes foram criadas pelo regime democrático sucessivamente alimentadas por uma narrativa providencial que vem de há três décadas (desde Abril de 1974), naufragarão também as futuras gerações de portugueses, inundadas em dívidas colossais deixadas pelas anteriores gerações.
Neste caldo de degenerescência económica, social e política, é difícil que se mantenham os equilíbrios actuais e não se degradem progressiva e inevitavelmente muitas das principais instituições do regime. Há mesmo já na actualidade exemplos flagrantes dessa deterioração, cujo caso mais paradigmático é o do sistema de justiça, mas a que também já não vão escapando o da saúde e o da educação.
Portugal tem uma perspectiva de futuro pouco brilhante, de quase certa decadência e de cada vez maior afastamento dos níveis de vida da Europa, na qual estará também numa posição tendencialmente mais periférica, perdendo poder de atracção económica e de fluxos de capital e investimentos. Por isso mesmo, a estratégia portuguesa tem de ter também uma vertente tradicional atlântica, explorando todas as potencialidades da relação com a África e as Américas, as quais possibilitarão sempre ao País uma maior afirmação geoestratégica e geopolítica e a complementaridade económica absolutamente indispensável ao reforço do papel mundial da Nação portuguesa.
A natureza estrutural da crise portuguesa provavelmente não acabará com a retoma económica mundial e europeia e a saída desta crise internacional que agora se abateu sobre praticamente todos os cantos do mundo. Os factores específicos da crise portuguesa manter-se-ão e impedirão Portugal de se reaproximar dos níveis médios de desenvolvimento económico europeu. Escamotear aqueles factores intrínsecos da crise nacional é condenar o País a mais anos de medíocre crescimento económico e ao correspondente empobrecimento relativo, com as consequentes conflitualidades e aumento das injustiças e da pobreza. E condenar também as classes médias a um inevitável empobrecimento ou mesmo desaparecimento progressivo.
Tudo isto torna inadiável a concretização de um largo e profundo exercício de pensar Portugal no Mundo neste século XXI. E também numa Europa que tem inúmeros factores de perda de poder global perante a emergência de um conjunto de novos centros de poder mundial.
Este repensar de Portugal exige pois a construção de cenários de evolução, a distinção das respectivas competências distintivas e das apostas estratégicas únicas e diferenciadoras em que o País deve investir as suas capacidades e recursos especiais. Exige também uma estratégia de afirmação da iniciativa privada nacional e estrangeira vocacionada para a produção de bens e serviços inovadores e atractivos para os mercados internacionais com que Portugal trabalhará no âmbito da sua visão e ambição geoestratégica. Portugal tem de construir o seu caminho de desenvolvimento único, centrado no que de melhor tiver para desenvolver e oferecer ao mundo global e competitivo. Tem de ter uma visão nacional, um pensamento estratégico assente na identificação clara e inequívoca das suas diferenças e capacidades distintivas e explorar esses seus atributos na cena internacional em que se terá de movimentar como país autónomo.
Mas todo este exercício de pensar e repensar de Portugal para as próximas décadas tem de passar também por uma nova concepção do papel e dimensão do Estado, o qual terá de ser forte na regulação e na orientação estratégica, mas também muito menos presente como empresário e mais amigo da iniciativa privada geradora de riqueza e de emprego. O Estado terá de ser o piloto de uma estratégia de afirmação de Portugal, deixando à iniciativa da sociedade, em todas as suas expressões, o espaço para que surjam dela os projectos e os instrumentos de realização dessa nova ambição e estratégia que corporizem um verdadeiro projecto nacional de desenvolvimento para as próximas décadas deste século XXI.
José Pinto Correia, Economista
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