terça-feira, 20 de abril de 2010

Abril, Abril (36 Primaveras depois)!

Portugal hoje, em Abril de 2010, não é um mar de rosas. Vive-se um clima de apodrecimento do regime com casos e sinais cada vez mais intensos e frequentes. Perderam-se mitos dos valores estruturais da democracia. A humildade, a generosidade, a dedicação à causa pública, a verdade na forma de fazer política, a sobriedade nos gastos públicos, a separação entre negócios e Estado, a dignidade dos representantes do povo, todos estes valores que estiveram como adquiridos durante uma significativa parcela do nosso percurso democrático aviltaram-se e hoje são completamente postergados e irreconhecíveis.
Agora que estamos em Abril, que vamos mais uma vez tentar relembrar os sonhos de um povo criados com uma revolução benévola e florida, vejamos com alguns poucos exemplos do que é hoje a nossa circunstância como Nação o quão prostituído está o nosso ambiente democrático.

1. Taguspark
Quando foi pensado lá pelos anos oitenta do século passado no seio da Universidade Técnica de Lisboa (era então seu Reitor uma professor inigualavelmente imbuído do espírito de serviço público), o objectivo era criar um parque de ciência e tecnologia que catapultasse a ligação entre a Universidade e as empresas interessadas em fazer investigação científica que pudesse ser utilizada em novos negócios empresariais, ou mesmo em fazer aparecer novas empresas mais evoluídas tecnológica e cientificamente. Agora, como se sabe, o Parque foi tomado de assalto por meninos do poder rosa para a seu belo prazer e desmando pagarem campanhas partidárias, comprando apoio político de um futebolista a peso de ouro. Restará saber como foi possível que a administração do Taguspark fosse completamente entregue a estes intérpretes do chamado socialismo moderno, sendo que um deles até já tinha sido Presidente da nossa RTP e o outro foi o menino brilhante do governo na PT.

2. O ministro da Economia e a Economia
É espantoso que o ministro da economia vá à televisão e sobre a evolução económica do país para os próximos anos não consiga dizer nada de mais significativo do que tentar ver nas entrelinhas do PEC que a economia portuguesa também lá está devidamente contemplada. E que ainda consiga dizer que não percebe como se formam os preços dos combustíveis em Portugal (sendo que mais de metade do preço é em regra impostos para o Estado que ele representa). Mas lá vai repetindo que a grandiosa obra económica nacional é a das energias renováveis. Sobre os restantes sectores económicos, a estratégia para criar mais empresas ou para criar condições de atracção de investimento estrangeiro, ou as linhas de acção do combate ao desemprego massivo de sectores tradicionais em perda, o Senhor Ministro disse nada, zero. Estratégia económica, portanto, no Ministério da Economia é coisa de que nem vale a pena falar.

3. O ministro das Finanças e o estado de negação
O Doutor Teixeira dos Santos apresentou em Bruxelas um documento contabilístico, uma espécie de orçamento com mais receitas e menos despesas, para tentar demonstrar como pode vir a ser feita a redução do défice orçamental enorme de 2009 até ao ano de 2013. Obteve lá da Burocracia Comunitária (e do Eurogrupo) umas palavras de acolhimento e de incentivo da máquina tutelar, mas esqueceu, obviamente, alguns reparos que lhe foram feitos. E cantou vitória aqui no cantinho como se já estivesse no fim da linha da realização do seu compromisso. Por isso, ficou escandalizado quando vieram certas vozes económicas habilitadas, que não se encantam facilmente com as engenharias portuguesas, lembrar a verdadeira situação de imparável insustentabilidade do financiamento dos défices e das contas nacionais. Claro que o bom Doutor Teixeira zurziu logo nessas almas desnaturadas como se elas fossem membros dos partidos da oposição. Mas não são infelizmente. Representam aqueles que não têm votos a ganhar em Portugal e que conseguem ver a nossa gravíssima situação não apenas hoje como ainda mais no futuro próximo. Que é de morte lenta e anunciada da nossa economia e de sarilhos enormes nas finanças nacionais e na solvabilidade do Estado. Mas o nosso Senhor dos Santos nega obviamente, está na primeira fase de um processo de choque que é comummente apelidado como o estádio da negação (mas os portugueses vão sentir nas suas vidas nos anos próximos o valor intrínseco dessa negação empenhada do Ministro, embora seja difícil confirmar que ele ainda estará na pilotagem da nau em 2013).

4. Face Oculta e quejandos
Ele há muitas faces conhecidas que têm andado ocultas. De vez em quando saltam do anonimato onde prosperam e fazem prosperar os íntimos e os amigalhaços e o povo vê as escâncaras do regime. Proliferam os favores, as consultorias de negócios, as pagas de projectos que logo avançam, as licenças camarárias que se emitem, e os financiamentos partidários que se compram com facilidades dos titulares de poderes diversos. Há obras, ideias, pareceres, favores e favorezitos, nomeações e renomeações, tudo pago por uns a muitos outros a bem da vidinha de regalo e abastança. O Zé, esse que vota de quando em vez, trabalha de dia e dorme à noite, mantêm-se em silêncio à espera da justiça, que é cega como convém, e paga cada vez mais impostos para o mealheiro gigante onde comem os filhos dos deuses maiores. A camaradagem dos ditos negócios ou está no poder, bem representada como sói ser, ou tem telefones directos para esses seus apoderados. Vive-se bem nestas andanças, e lá está algures a senhora Dona Constança, encartada também para Portugal e aquém e além-mar…

5. Peque, Peque, Peque e…Pum!
Portugal agora tem um PEQUE. De agora até 31 de Dezembro de 2013. Vamos conseguir arranjar mais de onze mil milhões de euros. As famílias, as empresas, estarão lá na linha da frente da salvação da Pátria. E darão o seu dinheirinho ao nosso Estado. O Estado em 2013 terá também vendido várias das suas empresas de sempre. E feitas as contas talvez continuemos a ter como nosso Salvador o mesmo Estado governador dos cinquenta por cento da nossa riqueza nacional. Claro que as famílias e as empresas estarão talvez mais magrinhas, mas o Estado, esse ente supremo e superlativo da nossa vida, continuará poderoso como convém à República socialista e laica. No fim do PEQUE não se sabe como estarão os nossos empregos, os nossos salários e pensões, a saúde, a educação, a economia e as empresas, mas provavelmente estaremos redimidos com um défice orçamental de menos de três por cento do Produto. Se calhar no fim do PEQUE faremos um grande e estrondoso PUM. Mas isso que interessa agora quando temos que mostrar a Bruxelas que a nossa engenharia financeira cabe dentro dos critérios apertadinhos do Pacto de Estabilidade.

6. E em 25 de Abril de 2010…!
Neste domingo de Abril serão muitos nas ruas da nossa Pátria a levantar a sua voz em coro contra a falta de decoro destes desmandos, destas vergonhas que nos aviltam as consciências e tentarão também chamar à ribalta as recordações de que tem de haver outro caminho para a nossa democracia. Uma outra trajectória que combata ferozmente estas negociatas escandalosas que pululam nos corredores e meandros do poder, que fazem às escâncaras e sem vergonha a corrupção do Estado, que vendem e revendem cargos e prebendas, que distribuem entre uns quantos amigos e apaniguados os lugares disponíveis nas empresas e nos institutos públicos e que também nomeiam e renomeiam filhos, afilhados, enteados e conhecidos para os lugares bem pagos da administração pública. Que assim protegem rapidamente e num inominável emaranhado os familiares de uns e de outros. E que gastam sem pudor os dinheiros públicos sem qualquer preocupação com a sobriedade, a parcimónia, a eficácia, o rigor e o valor que esses recursos do país exigiriam.
Não, a continuar nesta caminhada intolerável a democracia e o regime desta 3ª República terão dias muito difíceis e sombrios. E chegará rapidamente o dia em que muitos dos que compõem o povo anónimo, cansado de esperar a regeneração dos que deviam servir a Nação e a dignidade da República e da democracia, entenda que é chegada a hora de colocar termo a esta impunidade desgraçada.

José Pinto Correia, Economista

Sem comentários :