Comemoraram-se ontem os cem anos da implantação da 1ª República, com cerimónias oficiais que habitualmente servem para os principais líderes políticos se dirigirem ao País. Foi o que ali fizeram uma vez mais o Presidente da República e o Primeiro-Ministro, nomeadamente.
O momento que atravessa hoje a República Portuguesa não é bom como agora todos ficámos recentemente a saber pelas palavras e anúncios do Governo, palavras e notícias que foram sendo sempre adiadas e negadas ao longo do último ano, pelo menos.
Aconteceu que as palavras mais ouvidas e proclamadas naqueles discursos oficiais de ontem foram as da coesão nacional, a do compromisso, a da convergência, e ainda também as do bom senso e responsabilidade.
Ao que agora se diz nos diversos cantos políticos sem excepção o momento desta nova República é bem inquietante, muito sério e, porventura, mesmo dilemático.
A ética da responsabilidade é então o conceito da ordem do dia, sem que os que a pronunciam e proclamam tenham o cuidado e o rigor de definirem com propriedade o que significam os termos do mesmo: ética e responsabilidade.
Desde logo, porque a ética tem como substância um conjunto inabalável de princípios, códigos de valorização do bem e do mal, do certo e do errado, da verdade e da mentira, da justiça e da injustiça, da equidade e da iniquidade, da honorabilidade e da desonra, da lealdade e da traição. E porque, depois, a responsabilidade que lhe vem associada significa, desde início, a capacidade de dar respostas, mas também de assumir resultados e a sua falta, os sucessos ou os insucessos, de prestar contas e fazer balanços, de agir em tempo útil, do rigor e da eficiência, e ainda o dar transparência das respectivas acções e inacções.
Acontece, contudo, que pela prática política, pelos resultados alcançados e a sua assunção, pela ocultação sucessiva de muitos dos dados da realidade nacional, em que o actual Primeiro-Ministro e o seu Ministro das Finanças, nomeadamente, têm sido pródigos, muita desta ética da responsabilidade cai que nem uma luva enorme e pesada sobre as mãos e as faces desses principais responsáveis do Governo em funções.
Desde logo e à cabeça a tal ética da responsabilidade deveria ser exigida ao actual Primeiro-Ministro e ao Ministro das Finanças, o primeiro como máximo responsável, e o segundo como o principal intérprete e actor das contas públicas nacionais e da respectiva situação financeira insustentável que o País ficou a saber agora que vive em 2010.
É pois sobre o Governo que deve recair em primeiro lugar a ética da responsabilidade, que tenha tradução efectiva na vontade de chegar a compromissos, na apologia da verdade das contas apresentadas, na transparência na prestação das acções e mandatos anteriores, e ainda também na demonstração do tal bom senso, seja lá em bom rigor e objectividade o que isso queira significar.
Agora em Outubro de 2010, mais de um ano depois das eleições legislativas que permitiram ao Engenheiro Sócrates continuar a governar como quis, quando se ouvem murmúrios troantes e vozes várias empenhadas em procurar transferir o ónus da tal ética da responsabilidade para a oposição à direita do PS, porque a da esquerda nem parece contar para esses arautos da estabilidade a todo o preço, isso parece simplesmente demais e configura uma inversão dos termos de um contrato negocial como é aquele que vai estar proximamente perante os portugueses na nossa Assembleia da República.
Não podem haver bloqueios antecipados à negociação política, que deverá ser feita democraticamente perante todos os portugueses que são os seus destinatários e alvos principais, e devem poder vir à liça as naturais diferenças de entendimento e de propostas políticas e orçamentais sobre as opções e os caminhos possíveis para Portugal nesta hora dificílima em que o Governo colocou o País. Só que para esta negociação difícil é necessário não esquecer e também ter bem presentes as características pessoais do líder do Governo que têm ficado bem visíveis nos vários anos de mandato governativo que ele já tem.
Negociação não é nem pode ser para os portugueses a imposição de um modelo único, de uma única solução, de certas medidas e não outras alternativas. Portugal merece agora nesta hora dilemática que os seus protagonistas políticos mandatados discutam as diversas soluções e caminhos que o País terá de trilhar e aceitar para ter um novo rumo de esperança no seu futuro colectivo.
O que se percebe em muitas vozes que ecoam já na praça pública, antes mesmo de ser conhecido o projecto de Orçamento de Estado que o Governo está obrigado a apresentar à Assembleia da República, é a tentativa de impor subliminarmente que este princípio de gestão da coisa nacional que de denomina como ética da responsabilidade deve vir a desaguar numa formal aprovação desse Orçamento, qualquer que seja o seu conteúdo efectivo. O qual ainda se desconhece até agora no seu essencial, pois que apenas foram anunciadas pelo Governo, no final de um Conselho de Ministros, algumas das medidas e propostas que aumentam impostos, reduzem salários e prestações sociais, ou congelam pensões. O que convenhamos, ainda que sendo tudo quanto o Governo desmentia até há bem pouco como sendo necessidades face ao PEC II aprovado em Maio passado, é mesmo assim ainda apenas uma parte do que aquele instrumento de governação do Estado tem realmente de ser.
Por isso, não podemos esquecer-nos, nesta apressada tentativa de aprovar um Orçamento para 2011, dos elementos que definem o perfil da liderança do Governo que nos tem vindo a ser apresentado pelo seu responsável máximo, o Engenheiro José Sócrates. Poucas dúvidas haverá hoje em muitos de nós de que o actual Primeiro-Ministro sofre de amplas limitações no domínio da confiabilidade, da veracidade, e até mesmo da própria legitimidade com que tem vindo a conduzir os negócios de Estado e os destinos dos portugueses.
Quem poderá hoje associar o Primeiro-Ministro aos bons e sãos princípios de uma liderança política que seriam os da lealdade, da equidade, da justiça, da integridade, da honestidade e da confiança?
Estes são os princípios que definem e orientam uma liderança política eticamente responsável e que tanto a podem fazer oscilar para o lado da estabilidade, se mantidos escrupulosamente ao longo do tempo de mandato, como para o lado da desintegração e da destruição se forem continuadamente desprezados nesse mesmo período de condução da vida política. Uma liderança eficaz a prazo implica, por conseguinte, que os líderes principais sejam portadores de princípios reconhecidos, sendo que esses princípios devem constituir os pontos cardeais da acção política desses líderes. O que se deve esperar destes líderes políticos é que se movam segundo os princípios que enunciem publicamente, que estes tenham uma base moral maioritariamente aceite, que conduzam as suas escolhas e acções segundo essas bases morais, e estejam sempre disponíveis para se sujeitarem ao escrutínio público responsabilizando-se perante os seus eleitores pelas suas escolhas e as consequências gerais que delas decorrem.
Ora, José Sócrates mostrou ser tudo menos um líder confiável, que honra os seus compromissos e propósitos, que não muda ao sabor das circunstâncias que se abatem sobre a sua intransigência e obstinação, que é capaz de lidar com a realidade quando ela desfaz dia a dia a sua ilusória vontade de agir, razões estas que são mais que suficientes para que agora o País e os portugueses lhe imponham um mandato orçamental muito exigente. E que este mandato contenha medidas e acções que estimulem e salvaguardem a economia, o nível de vida das famílias, e as condições de dignidade dos mais pobres, ao mesmo tempo que tenha elementos consequentes com a indispensável redução das despesas públicas, tão obrigatórias para que as finanças nacionais resgatem a credibilidade perdida nestes dois últimos anos de Governo e se enderecem para uma trajectória de efectiva consolidação pela redução dos encargos.
O Governo deve vir a ter aprovado um orçamento para 2011, mas um bom orçamento, que faça o que é imprescindível fazer face à situação a que se chegou, mas com a devida e rigorosa salvaguarda dos equilíbrios económicos e sociais que tentem defender as condições de vida das famílias e das empresas portuguesas – porque é da saúde e do vigor destas que dependerá a esperança de vir a ter um Portugal melhor no futuro.
Nota Explicativa: Alexis de Tocqueville, diplomata francês, analisou há mais de 150 anos a realidade democrática americana num livro que ficou como sendo um dos textos básicos da ciência política dos dias de hoje (“A Democracia na América”). Dizia ele a certa altura o seguinte: “Muita gente, na Europa, pensa sem o dizer ou diz sem o pensar, que uma das grandes vantagens do sufrágio universal é a de colocar homens dignos da confiança do povo na direcção dos assuntos públicos. O povo não seria capaz de governar-se a si próprio, dizem, mas deseja sinceramente o bem do Estado, e o seu instinto nunca falha quando se trata de designar para exercer o poder aqueles que estão animados do mesmo desejo e são mais capazes.
Quanto a mim, o que vi na América não me leva de modo algum a pensar que assim seja. Quando cheguei aos Estados-Unidos, fiquei surpreendido ao ver quanto mérito havia entre os governados, e quão pouco se encontrava nos governantes. É um facto notório que hoje, nos Estados-Unidos, os homens mais notáveis raramente são chamados a exercer funções públicas e é forçoso reconhecer que isto se foi acentuando à medida que a democracia ultrapassava todas as suas antigas limitações. É evidente que, nos últimos cinquenta anos, a raça dos homens de Estado americanos escasseia notavelmente” (A Democracia na América, Alexis de Tocqueville, Livro I, 1835).
José Pinto Correia, Economista
O momento que atravessa hoje a República Portuguesa não é bom como agora todos ficámos recentemente a saber pelas palavras e anúncios do Governo, palavras e notícias que foram sendo sempre adiadas e negadas ao longo do último ano, pelo menos.
Aconteceu que as palavras mais ouvidas e proclamadas naqueles discursos oficiais de ontem foram as da coesão nacional, a do compromisso, a da convergência, e ainda também as do bom senso e responsabilidade.
Ao que agora se diz nos diversos cantos políticos sem excepção o momento desta nova República é bem inquietante, muito sério e, porventura, mesmo dilemático.
A ética da responsabilidade é então o conceito da ordem do dia, sem que os que a pronunciam e proclamam tenham o cuidado e o rigor de definirem com propriedade o que significam os termos do mesmo: ética e responsabilidade.
Desde logo, porque a ética tem como substância um conjunto inabalável de princípios, códigos de valorização do bem e do mal, do certo e do errado, da verdade e da mentira, da justiça e da injustiça, da equidade e da iniquidade, da honorabilidade e da desonra, da lealdade e da traição. E porque, depois, a responsabilidade que lhe vem associada significa, desde início, a capacidade de dar respostas, mas também de assumir resultados e a sua falta, os sucessos ou os insucessos, de prestar contas e fazer balanços, de agir em tempo útil, do rigor e da eficiência, e ainda o dar transparência das respectivas acções e inacções.
Acontece, contudo, que pela prática política, pelos resultados alcançados e a sua assunção, pela ocultação sucessiva de muitos dos dados da realidade nacional, em que o actual Primeiro-Ministro e o seu Ministro das Finanças, nomeadamente, têm sido pródigos, muita desta ética da responsabilidade cai que nem uma luva enorme e pesada sobre as mãos e as faces desses principais responsáveis do Governo em funções.
Desde logo e à cabeça a tal ética da responsabilidade deveria ser exigida ao actual Primeiro-Ministro e ao Ministro das Finanças, o primeiro como máximo responsável, e o segundo como o principal intérprete e actor das contas públicas nacionais e da respectiva situação financeira insustentável que o País ficou a saber agora que vive em 2010.
É pois sobre o Governo que deve recair em primeiro lugar a ética da responsabilidade, que tenha tradução efectiva na vontade de chegar a compromissos, na apologia da verdade das contas apresentadas, na transparência na prestação das acções e mandatos anteriores, e ainda também na demonstração do tal bom senso, seja lá em bom rigor e objectividade o que isso queira significar.
Agora em Outubro de 2010, mais de um ano depois das eleições legislativas que permitiram ao Engenheiro Sócrates continuar a governar como quis, quando se ouvem murmúrios troantes e vozes várias empenhadas em procurar transferir o ónus da tal ética da responsabilidade para a oposição à direita do PS, porque a da esquerda nem parece contar para esses arautos da estabilidade a todo o preço, isso parece simplesmente demais e configura uma inversão dos termos de um contrato negocial como é aquele que vai estar proximamente perante os portugueses na nossa Assembleia da República.
Não podem haver bloqueios antecipados à negociação política, que deverá ser feita democraticamente perante todos os portugueses que são os seus destinatários e alvos principais, e devem poder vir à liça as naturais diferenças de entendimento e de propostas políticas e orçamentais sobre as opções e os caminhos possíveis para Portugal nesta hora dificílima em que o Governo colocou o País. Só que para esta negociação difícil é necessário não esquecer e também ter bem presentes as características pessoais do líder do Governo que têm ficado bem visíveis nos vários anos de mandato governativo que ele já tem.
Negociação não é nem pode ser para os portugueses a imposição de um modelo único, de uma única solução, de certas medidas e não outras alternativas. Portugal merece agora nesta hora dilemática que os seus protagonistas políticos mandatados discutam as diversas soluções e caminhos que o País terá de trilhar e aceitar para ter um novo rumo de esperança no seu futuro colectivo.
O que se percebe em muitas vozes que ecoam já na praça pública, antes mesmo de ser conhecido o projecto de Orçamento de Estado que o Governo está obrigado a apresentar à Assembleia da República, é a tentativa de impor subliminarmente que este princípio de gestão da coisa nacional que de denomina como ética da responsabilidade deve vir a desaguar numa formal aprovação desse Orçamento, qualquer que seja o seu conteúdo efectivo. O qual ainda se desconhece até agora no seu essencial, pois que apenas foram anunciadas pelo Governo, no final de um Conselho de Ministros, algumas das medidas e propostas que aumentam impostos, reduzem salários e prestações sociais, ou congelam pensões. O que convenhamos, ainda que sendo tudo quanto o Governo desmentia até há bem pouco como sendo necessidades face ao PEC II aprovado em Maio passado, é mesmo assim ainda apenas uma parte do que aquele instrumento de governação do Estado tem realmente de ser.
Por isso, não podemos esquecer-nos, nesta apressada tentativa de aprovar um Orçamento para 2011, dos elementos que definem o perfil da liderança do Governo que nos tem vindo a ser apresentado pelo seu responsável máximo, o Engenheiro José Sócrates. Poucas dúvidas haverá hoje em muitos de nós de que o actual Primeiro-Ministro sofre de amplas limitações no domínio da confiabilidade, da veracidade, e até mesmo da própria legitimidade com que tem vindo a conduzir os negócios de Estado e os destinos dos portugueses.
Quem poderá hoje associar o Primeiro-Ministro aos bons e sãos princípios de uma liderança política que seriam os da lealdade, da equidade, da justiça, da integridade, da honestidade e da confiança?
Estes são os princípios que definem e orientam uma liderança política eticamente responsável e que tanto a podem fazer oscilar para o lado da estabilidade, se mantidos escrupulosamente ao longo do tempo de mandato, como para o lado da desintegração e da destruição se forem continuadamente desprezados nesse mesmo período de condução da vida política. Uma liderança eficaz a prazo implica, por conseguinte, que os líderes principais sejam portadores de princípios reconhecidos, sendo que esses princípios devem constituir os pontos cardeais da acção política desses líderes. O que se deve esperar destes líderes políticos é que se movam segundo os princípios que enunciem publicamente, que estes tenham uma base moral maioritariamente aceite, que conduzam as suas escolhas e acções segundo essas bases morais, e estejam sempre disponíveis para se sujeitarem ao escrutínio público responsabilizando-se perante os seus eleitores pelas suas escolhas e as consequências gerais que delas decorrem.
Ora, José Sócrates mostrou ser tudo menos um líder confiável, que honra os seus compromissos e propósitos, que não muda ao sabor das circunstâncias que se abatem sobre a sua intransigência e obstinação, que é capaz de lidar com a realidade quando ela desfaz dia a dia a sua ilusória vontade de agir, razões estas que são mais que suficientes para que agora o País e os portugueses lhe imponham um mandato orçamental muito exigente. E que este mandato contenha medidas e acções que estimulem e salvaguardem a economia, o nível de vida das famílias, e as condições de dignidade dos mais pobres, ao mesmo tempo que tenha elementos consequentes com a indispensável redução das despesas públicas, tão obrigatórias para que as finanças nacionais resgatem a credibilidade perdida nestes dois últimos anos de Governo e se enderecem para uma trajectória de efectiva consolidação pela redução dos encargos.
O Governo deve vir a ter aprovado um orçamento para 2011, mas um bom orçamento, que faça o que é imprescindível fazer face à situação a que se chegou, mas com a devida e rigorosa salvaguarda dos equilíbrios económicos e sociais que tentem defender as condições de vida das famílias e das empresas portuguesas – porque é da saúde e do vigor destas que dependerá a esperança de vir a ter um Portugal melhor no futuro.
Nota Explicativa: Alexis de Tocqueville, diplomata francês, analisou há mais de 150 anos a realidade democrática americana num livro que ficou como sendo um dos textos básicos da ciência política dos dias de hoje (“A Democracia na América”). Dizia ele a certa altura o seguinte: “Muita gente, na Europa, pensa sem o dizer ou diz sem o pensar, que uma das grandes vantagens do sufrágio universal é a de colocar homens dignos da confiança do povo na direcção dos assuntos públicos. O povo não seria capaz de governar-se a si próprio, dizem, mas deseja sinceramente o bem do Estado, e o seu instinto nunca falha quando se trata de designar para exercer o poder aqueles que estão animados do mesmo desejo e são mais capazes.
Quanto a mim, o que vi na América não me leva de modo algum a pensar que assim seja. Quando cheguei aos Estados-Unidos, fiquei surpreendido ao ver quanto mérito havia entre os governados, e quão pouco se encontrava nos governantes. É um facto notório que hoje, nos Estados-Unidos, os homens mais notáveis raramente são chamados a exercer funções públicas e é forçoso reconhecer que isto se foi acentuando à medida que a democracia ultrapassava todas as suas antigas limitações. É evidente que, nos últimos cinquenta anos, a raça dos homens de Estado americanos escasseia notavelmente” (A Democracia na América, Alexis de Tocqueville, Livro I, 1835).
José Pinto Correia, Economista
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