Publicamos em seguida o nosso texto de opinião editado hoje no Jornal "O Primeiro de Janeiro" com o título indicado.
O desporto é tradicionalmente na Europa e também em Portugal uma actividade que se caracterizou por se basear em estruturas organizativas de cariz voluntário e onde, portanto, não tem existido habitualmente uma base racional, organizacional e gestionária de cariz lucrativo.
Por isso, as organizações desportivas mais importantes e nas quais se baseou o desenvolvimento do desporto competitivo, designadamente as federações desportivas, assentam tradicionalmente em lideranças e estruturas de gestão voluntárias que pouco têm a ver com os modelos e instrumentos habitualmente utilizados na gestão das empresas ou das organizações lucrativas.
Só que o desporto de competição tem tido uma evolução muito rápida e cada dia mais exigente, sendo-lhe necessário mudar quadros de funcionamento e modelos de organização e governação para acompanhar as novas e mais frequentes exigências dos organismos estatais financiadores, dos patrocinadores e de todo um diverso conjunto de outras entidades e interessados nas respectivas actividades e resultados desportivos.
As federações desportivas organizam e gerem desportos cada vez mais sujeitos a actores económicos e mediáticos, envolvendo mais e maiores recursos económico-financeiros, profissionalização de atletas e de competições desportivas, tudo estruturado numa nova e mais valiosa cadeia de valor que implica maior complexidade organizacional e de gestão.
Será que as nossas federações desportivas têm podido acompanhar esta sofisticação económica da actividade desportiva com uma idêntica preparação das suas capacidades organizacionais e de gestão que lhes permitam prestar melhores serviços e dar ao desporto que governam o consequente maior valor económico e social?
Têm o Governo e o movimento associativo federado demonstrado preocupação e iniciativa em mudar o nível da respectiva gestão desportiva, de modo a melhorarem o seu desempenho organizacional e desportivo?
O que é verdadeiramente espantoso neste nosso “mundo desportivo” em Portugal é constatar ano após ano que nem o Governo através da Secretaria de Estado do Desporto, nem o seu Instituto do Desporto de Portugal (IDP) com um académico presentemente a dirigi-lo, nem o movimento federativo como o Comité Olímpico de Portugal (COP) agora inequivocamente à cabeça, se interessam minimamente pela gestão do desporto e pela sua melhoria em Portugal.
Não houve, por isso, e tal é prova mais que suficiente da falta de interesse e completa omissão daquelas entidades que governam os destinos do nosso desporto federado, em todos estes anos recentes, qualquer tentativa de impulsionar o nível da gestão praticada no nosso desporto.
Ninguém nestas organizações de topo do nosso sistema desportivo se lembrou de lançar um “programa de modernização das federações” que tivesse o apoio científico e académico da gestão como é frequente constatar em outros países (exemplos do Reino Unido, da Austrália e da Nova Zelândia, para só referir estes).
E é esclarecedor, “a contrario senso”, o facto de o actual Presidente do IDP, o doutor Luís Sardinha, se ter lembrado de impulsionar um programa com várias instituições universitárias envolvidas entre as quais a de que ele mesmo é professor catedrático, que tem a ver com os seus interesses académicos e científicos (diagnosticar a capacidade dos jovens para praticarem actividade física) e que não vai trazer nada de novo ao modo como é gerido e avaliado no seu desempenho desportivo nacional e internacional o nosso desporto competitivo federado.
E as federações e o Comité Olímpico não exigem porquê um “programa de apoio e formação em gestão” que possa ser mobilizador de novos métodos de organização e processos de gestão e do aparecimento de jovens quadros academicamente preparados no domínio da própria gestão do desporto? Será que a melhoria da gestão das organizações desportivas é assim tão despicienda e descartável?
Porque não exigem as federações e o Comité Olímpico um programa desta natureza com apoio financeiro público do Governo que apele para as capacidades académicas e científicas já existentes em Portugal e outras eventualmente também disponíveis e igualmente relevantes?
Será que tanto o Governo como os dirigentes federativos e o do Comité Olímpico estão completamente desinteressados da evolução da gestão desportiva nacional e apenas se preocupam em garantir novas instalações e mais recursos financeiros para serem usados e geridos como até aqui como os mesmos níveis de gestão e avaliação?
Os sistemas desportivos, como qualquer outro sistema, evoluem através da adopção de outros modelos de organização e gestão, caracterizados por novos padrões de exigência mas também pela melhoria da formação dos respectivos recursos humanos.
O capital humano nas organizações, como tem vindo a ser cada vez mais intensamente reconhecido pelos investigadores e teóricos das organizações, é considerado actualmente o único factor insubstituível e o que maiores potencialidades de mudança e desenvolvimento fornece, sobretudo aquelas organizações que cada vez mais intensamente estão submetidas à competição internacional como é indiscutivelmente o caso das federações desportivas.
O desporto em Portugal há-de certamente merecer e querer “mais e melhor gestão das organizações desportivas” e para o conseguir tem de ter programas de formação em gestão desportiva que saibam reconhecer as principais insuficiências e ultrapassá-las com acção determinada.
É tempo de Portugal investir na formação em gestão desportiva, mobilizando recursos públicos num programa específico que permita melhorar o nível da gestão das nossas federações desportivas, à semelhança do que fazem outros países que depois demonstram internacionalmente com resultados desportivos esse nível gestionário que construíram. E o QREN 2007-2012 poderia e deveria ser um adequado meio de promover este tipo de iniciativa que teria efeitos multiplicadores no desporto federado, agora que se anunciam em diversos municípios várias infra-estruturas novas para promoção do desporto de alta competição.
Ou será que vamos continuar como até “ontem” a querer melhores resultados desportivos a nível internacional independentemente da base de conhecimento da gestão organizacional das nossas instituições federativas…?
José Pinto Correia, Mestre em Gestão do Desporto