Aqui publicamos a última parte do nosso texto sob o título acima que foi editado ontem no Jornal "O Primeiro de Janeiro".
No Reino Unido têm havido várias cidades que adoptaram estratégias económicas baseadas na atracção de grandes eventos desportivos, considerando-os como catalisadores para estimularem a própria regeneração económica dessas cidades. Estão neste caso cidades como Sheffield, Glasgow e Birmingham – que ficaram conhecidas pela designação de “Cidades Nacionais do Desporto” (“National Cities of Sport”).
Portanto, parte-se nestes casos da consideração essencial de que o desporto e os seus grandes eventos podem ser um instrumento de regeneração económica e urbana das cidades que neles baseiam parte assinalável da sua própria estratégia de desenvolvimento económico.
Isto também significa que o negócio dos eventos desportivos tem vindo a ser considerado no Reino Unido como uma “indústria” significativa e que o país se considera cada vez mais como detentor de uma “vantagem competitiva” sobre muitas outras nações, quer na competência e experiência em hospedar e realizar esses eventos internacionais quer no estudo profundo das respectivas incidências económicas deles resultantes.
Estas ideias mereceram o consequente acolhimento na definição para a estratégia de desenvolvimento do desporto nos próximos 20 anos, inscrita no “Game Plan de 2002”, e que permitiu o consenso nacional e a enorme capacidade de marketing desenvolvida em torno da candidatura de Londres aos Jogos Olímpicos de 2012, a qual foi, como se sabe, vitoriosa, contrariando as expectativas existentes à partida para a votação final de Singapura em 2005.
Mas a todos estes elementos trabalhados pelo UKSport que vimos analisando é agora importante adicionar as principais considerações e elementos constantes do próprio “Game Plan de 2002” no que concerne aos denominados “mega-eventos desportivos”, dado tratar-se do documento fundamentador da estratégia de desenvolvimento desportivo do Reino Unido até 2020.
Desde logo, e embora o país tenha considerado na sua política desportiva a realização de eventos dessa dimensão, o documento refere explicitamente que (tradução nossa) “Nós concluímos que as evidências quantificáveis que suportam cada um dos benefícios percebidos para os mega-eventos é fraca. Os custos explícitos de hospedar um mega-evento deveriam ser cuidadosamente pesados contra os benefícios percebidos quando uma candidatura está a ser considerada, especialmente dados os riscos associados. A mensagem não é: ´não invistam em mega-eventos´; ela é antes: ´tenham a certeza que eles não sejam celebração mais do que retornos económicos´”.
Quanto a estes mega-eventos são colocadas três importantes questões que permitem esclarecer efectivamente os seus impactos e benefícios. São elas, respectivamente:
Será que os investimentos em infra-estruturas geram benefícios contínuos para as populações e as indústrias locais?
Será que estes investimentos atraem novos visitantes e/ou novas indústrias?
Será que as competências criadas através da preparação para e na hospedagem do evento dão ao local de realização uma vantagem competitiva continuada?
Quanto aos efeitos de regeneração das áreas de hospedagem dos referidos eventos que são um primeiro elemento de resposta à primeira questão, o documento esclarece que “Não há dúvida que alguma regeneração tem lugar. Contudo, existe pouca evidência estatística ou económica que sugira que esses impactos de regeneração sejam significativos na prática”. Aliás, a maioria dos estudos realizados foram anteriores à realização dos eventos ou pouco tempo após essa mesma realização, o que não permite alicerçar conclusões significativas. Para além de se poder dizer que se esses efeitos regeneradores eram importantes eles sempre seriam realizados independentemente do evento; e também que em muitos casos os recursos usados pelo evento para esse efeito poderiam ser realizados isoladamente de forma mais eficiente e económica (“o caso do segundo melhor” de Samuelson, portanto).
Quanto aos denominados “legados olímpicos” sempre se tem vindo a constatar que muitos dos estádios e instalações construídos para esses eventos têm fraca utilização posterior ou mesmo significativa subutilização (exemplos de Sydney e Atenas e também de vários estádios do EURO 2004 em Portugal), e no caso dos Jogos de Londres 2012 este “legado olímpico” tem estado na primeira linha das preocupações e decisões.
Quanto aos efeitos de turismo e de imagem, o documento clarifica referindo que “No conjunto, com a excepção de Sydney e Adelaide, todos os mercados hoteleiros na Austrália verificaram uma diminuição da ocupação em Setembro de 2000 relativamente a Setembro de 1999 apesar dos Jogos Olímpicos…”.
Finalmente, quanto aos benefícios económicos globais o documento afirma nomeadamente que os estudos de impacto podem ser problemáticos: “Não apenas os resultados de muitos estudos de impactos económicos são mal interpretados…para suportarem…crenças de políticas, mas os resultados são muitas vezes mal calculados pelos economistas, algumas vezes deliberadamente para agradarem aos patrocinadores do projecto de investigação, outras vezes sem intenção, sendo que o número de insuficiências na estimativa dos benefícios líquidos de um investimento público são numerosas”. Nestes casos estão particularmente em destaque os denominados multiplicadores e o seu valor e significado, a definição da área relevante dos impactos e a própria inflação considerada na actualização/capitalização dos valores[i].
Um outro conjunto de questões relevantes é o que concerne às relações entre o evento, a participação no desporto e o nível nacional de competição. Isto é, quais as relações entre a realização destes mega-eventos e o aumento de praticantes desportivos, por um lado, e o nível competitivo do país organizador nas diferentes modalidades desportivas. Portanto, qual a incidência destes eventos no denominado “nível desportivo” do país hospedeiro (usando a terminologia e o modelo de Castejon Paz, 1973, reafirmado por Gustavo Pires, 2005)?
Quanto à primeira relação o “Game Plan” afirma que “A evidência disponível também sugere que não existe ligação automática entre os níveis elevados de participação e o sucesso internacional… O Reino Unido tem um baixo nível de participação e um alto ranking internacional (usando o “Índice Desportivo do UKSport”). Comparado com o caso da Finlândia, em que existe um muito alto nível de participação, mas com um baixo ranking internacional. Os EUA têm um alto ranking internacional, mas relativamente baixas taxas de participação”.
No que concerne à possibilidade de correlação positiva entre os mega-eventos e o nível competitivo dos países organizadores verificaram-se contradições entre os casos da Espanha após 1992 e a Coreia após 1988 que diminuíram o seu nível competitivo após os seus Jogos, enquanto nos casos da Austrália e dos EUA se têm mantido níveis muito elevados mesmo após a realização dos Jogos de Sydney e de Atlanta, respectivamente.
Em conclusão, nestes aspectos, o que o documento afirma é o seguinte:
O sucesso internacional não conduz, por si próprio, a um aumento da participação massificada ou ao seu contrário;
Hospedar eventos não conduz necessariamente a níveis sustentáveis de sucesso internacional;
Hospedar eventos não conduz necessariamente a aumentos na participação massificada.
Por todas estas razões o “Game Plan” recomenda uma muito mais profissionalizada apreciação das candidaturas e um empenhamento activo e rigoroso das autoridades governamentais, dado que são elas em muitos casos os principais financiadores desses mesmos eventos e têm a obrigação de dar conta do emprego dos recursos públicos que são ganhos e pertença da sociedade britânica.
Esta última conclusão tem muito importante aplicação a Portugal onde os apoios públicos à realização de grandes eventos desportivos carece habitualmente dessas apreciações rigorosas sobre o efectivo retorno e rendibilidade dos recursos assim afectos, o que em muitas situações acarreta óbvias ineficiências e desperdício de meios que são, por sua própria natureza, sempre escassos e susceptíveis de outras aplicações.
Pois neste domínio dos eventos desportivos, como muito apropriadamente refere J. Martins Barata (em “Elaboração e Avaliação de Projectos, Editora Celta, 2004, pág. 211), “A avaliação social de um projecto, programa ou política económica, implica a quantificação dos benefícios e custos que acrescem aos diferentes agentes da economia nacional. Por outro lado, tanto a quantificação como o que se deve considerar benefício ou custo, pressupõe que se identifiquem quais as finalidades que se consideram ser prosseguidas pela sociedade e quais as relações que existem entre essas finalidades e os conceitos da análise económica”.
A política pública desportiva de promoção e apoio aos eventos desportivos deve, assim, ser inequívoca e indispensavelmente fundamentada na consequente análise económica; e neste particular comparando com o que acima se referiu relativamente ao Reino Unido (a experiência do UKSport desde 1997) está praticamente tudo ainda por fazer em Portugal.
José Pinto Correia, Mestre em Gestão do Desporto
[i] Ver a este respeito a Tese de Mestrado de J. Pinto Correia “Análise Económica de Eventos Desportivos. O caso dos Jogos Olímpicos”, Faculdade de Motricidade Humana (Fevereiro de 2006).
Sem comentários :
Enviar um comentário