quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Análise Económica de Eventos Desportivos (II)

Passamos a publicar o nosso texto editado hoje no Jornal "O Primeiro de Janeiro" que continua a tratar da temática da análise económica dos eventos desportivos e que se concluirá num próximo texto.

Sobre os estudos de avaliação económica de eventos desportivos e as recomendações de política pública desportiva que desses trabalhos circunstanciados têm resultado vamos apresentar elementos que permitem, por um lado, realçar as insuficiências praticamente absolutas nestas matérias existentes em Portugal e, por outro, servir de lições de boas práticas e de quadro de referência para o colmatar dessas fragilidades nacionais no futuro, se essa vier a ser a vontade assumida pelas respectivas autoridades governamentais e dirigentes federativas do nosso sistema desportivo.

Como referimos no artigo anterior o UKSport gere no Reino Unido, para além do desporto de alta competição de que é a agência para-governamental responsável, também um “Programa de Eventos de Classe Mundial” (o denominado “World Class Events Programme”) que tem o objectivo estratégico essencial, convergente com a política de desenvolvimento até 2020 afirmada pelo Governo para o desporto (inscrita no denominado “Game Plan de 2002”), de exponenciar o valor económico originado com os eventos desportivos nacionais e internacionais realizados no Reino Unido – com a salvaguarda dos princípios de valor para os financiamentos que lhes vierem a ser atribuídos através da National Lottery e da definição de parâmetros para a medição do respectivo grau de sucesso nessa matéria.

O “Programa de Eventos” do UKSport tem também, por outro lado, o intuito claramente assumido de “aumentar o perfil internacional do Reino Unido ao trazer os benefícios destes eventos para os atletas internos, para o próprio sistema desportivo e para a nação como um todo” (citação em tradução nossa).

Um elemento relevante e que importa destacar é o de na metodologia de avaliação dos impactos utilizada pelo UKSport não serem usados os denominados “multiplicadores keynesianos”, habitualmente patentes em muitos estudos de impacto macroeconómico de eventos desportivos – por exemplo em muitas edições dos Jogos Olímpicos ou dos Campeonatos do Mundo de Futebol e no EURO 2004 em Portugal – por o UKSport ter considerado que eles “são relativos a cada economia em particular, e da sua utilização resultar a comparação entre economias e não apenas entre os eventos em si-mesmos” (citação).

Trata-se, portanto, de o UKSport ter tomado uma opção por uma metodologia de avaliação de cariz mais microeconómico que tenta captar as especificidades de cada um dos eventos e evitar modelizações mais abstractas e generalistas como as que resultam da utilização dos multiplicadores incorporados nas conhecidas “matrizes input-output”.

A documentação do UKSport ainda refere a este propósito o seguinte: “Mais, a informação necessária para estabelecer um multiplicador para uma determinada economia local não está muitas vezes rapidamente disponível. Como resultado, historicamente, os consultores têm usado multiplicadores altamente técnicos e ambiciosos que não são empiricamente baseados e são frequentemente “emprestados” de outros sectores (ex: construção), ou de outras economias. Este tipo de multiplicadores “emprestados” só pode ser considerado uma pobre aproximação no melhor dos casos e as conclusões são assim a maior parte das vezes erróneas” (fim de citação).

Lembremos que esta avaliação através dos multiplicadores foi precisamente a base da metodologia utilizada em Portugal para medir os impactos económicos do Campeonato da Europa de Futebol de 2004 (o EURO 2004), e conduziu a determinados indicadores que exaltavam impactos económicos que hoje são desmentidos face à incapacidade de vários estádios então construídos gerarem retornos financeiros positivos.

Donde se pode, portanto, concluir que os estudos realizados pela agência britânica UKSport são acerca da comparação dos impactos de eventos e não de economias, como poderia resultar da utilização indiscriminada dos aludidos multiplicadores.

Vejamos agora em seguida algumas das principais conclusões do UKSport para os estudos de medição de impactos no conjunto de eventos apreciados entre 1997 e 2003:

Na avaliação dos eventos realizados entre 1997 e 2003 o maior impacto foi o originado pela Maratona de Londres (que destaca as características do próprio evento onde quer os participantes quer a assistência familiar e de visitantes externos foi relevante);

Os eventos de Tipo C (de acordo com a própria tipologia definida pelo UKSport) são caracterizados por terem impactos económicos e previsões incertos. Realisticamente estes são os eventos que o Reino Unido e o UKSport são mais capaz de atrair para o país;

Não há necessariamente uma ligação entre a extensão do impacto económico absoluto dos eventos e o seu significado desportivo. Grandes eventos em termos económicos podem não ter, portanto, grandes efeitos e implicações de carácter desportivo;

O valor médio para a despesa de organização dos eventos é de 13%, e de 87% para as despesas dos visitantes. O significado desta conclusão é o de que para os eventos incluídos na amostra estudada a esmagadora maioria dos impactos económicos, mais de 80%, é causada pelos visitantes dos eventos;

A despesa organizacional destes eventos foi sempre pequena porque todos eles decorreram em instalações e infra-estruturas já existentes. Não houve necessidade de construir ou melhorar as instalações existentes e assim praticamente toda a despesa dos organizadores foi em itens necessários para a realização operacional dos eventos;

O coeficiente de correlação entre os espectadores admitidos nos eventos e os impactos económicos gerados é de .90, o que representa uma forte relação existente entre o número de espectadores e os impactos económicos respectivos. Por isso, pode concluir-se que o impacto económico é uma importante consideração na determinação de apoiar ou não um evento e que o número de espectadores é o principal determinante desse mesmo impacto;

A conclusão 6 contrasta com os eventos de Tipo A (por exemplo Jogos Olímpicos ou Campeonatos Mundiais de Futebol) onde frequentemente as instalações têm de ser construídas ou melhoradas para um determinado evento e a despesa organizacional pode ser de muitos milhões de libras. Geralmente para eventos do Tipo B ou C é raro que sejam necessárias melhorias infra-estruturais de grande vulto e assim, em síntese, a maioria de qualquer impacto económico será nestes gerada pelos respectivos visitantes;

Num evento de Tipo B pode pois dizer-se que um elevado nível de impacto económico é o resultado de esse evento ter o apoio de altos contingentes de adeptos. É o mesmo que dizer que um dos subprodutos de atrair grande número de pessoas para um evento desportivo é o de estimular a actividade económica na área em que o evento tem lugar;

Dos 11 eventos analisados o retorno do investimento dos recursos provenientes da “National Lottery” ultrapassa o rácio de 8 para 1, o que significa que por cada libra investida existe um retorno económico gerado de 8 libras. O indicador médio dos eventos foi, aliás, de 7.23 libras para cada libra investida. Este indicador representa o acréscimo típico da despesa local adicional gerada com cada libra investida pela “Lottery” na realização dos eventos desportivos no Reino Unido. Todavia, este indicador apenas considera a parte do financiamento proveniente da “Lottery” e se forem consideradas outras fontes de financiamento o indicador global passa a ser menor – por exemplo de 5.59 libras por cada uma investida no evento de triatlo, contra o registado de 41.66 libras por cada libra investida nele pela “Lottery”. Na Austrália é referido que os promotores de eventos não considerarão a renovação de apoio a um evento a não ser que ele alcance um retorno de 8 libras australianas por cada libra de investimento público recebido como apoio;

O rigor alcançado através das previsões pré-evento do “Modelo de Previsão Económica” concebido variou ente os 64% e os 79%. As previsões mais rigorosas, respectivamente correspondentes a 72% e a 79%, tendem a ser a dos eventos mais pequenos e as menos rigorosas são comuns aos maiores eventos. Foram identificadas as duas principais razões para a falta de rigor das previsões: as variações de despesa média (“rate variance”) e as variações de quantidades nos respectivos intervenientes nos eventos (“volume variance”).

Algumas indicações importantes de política de promoção dos eventos foram também retiradas, entre as quais se enunciam as seguintes:

Em “desporto de elite” e eventos desse desporto aqueles que forem direccionados para espectadores (os denominados “spectator-driven events”) são mais capazes de gerarem impactos económicos maiores em termos absolutos do que os eventos direccionados para os competidores (apelidados de “competitor-driven events);

A maioria dos espectadores dos eventos – especialmente dos do Tipo C – vêm de fora da área local onde eles se realizam e isso confirma a afirmação de que o impacto económico absoluto está criticamente dependente do número de espectadores que participam nos eventos. Tal é enfatizado pelo factor de correlação entre admissões de espectadores “não-locais” e o impacto absoluto ser também significativo, de .87 precisamente.

Um outro aspecto também relevante da análise dos impactos económicos destes eventos é o que respeita ao denominado “efeito líquido de exportação do evento”. Este efeito corresponde à diferença entre as exportações e as importações relativas ao evento, e é, portanto, um efeito líquido.

A este particular respeito pode ser argumentado que por as exportações representarem um genuíno influxo de fundos para o país, a “qualidade” dos impactos de um evento que são derivados das exportações é mais elevada do que nos casos em que os impactos económicos são gerados apenas no interior do mesmo país.

A razão para esta afirmação é a de que os eventos que repousam na geração doméstica do impacto económico não afectam o PIB, eles apenas direccionam a despesa de uma área do país para outra (beneficiando a que hospeda o evento respectivo). E ainda que isso possa constituir benefício para uma cidade ou localidade que receba o evento não existe benefício adicional para o país como um todo. Por isso, a capacidade de um evento desportivo gerar exportações deveria também ser vista como um indicador de “valor acrescentado” do evento para o país hospedeiro.
Nota: O “Game Plan” é o documento orientador da estratégia de desenvolvimento do desporto do Reino Unido até 2020, e foi elaborado conjuntamente pela “Unidade Estratégica” que actua junto do primeiro-ministro do Reino e o DCMS (Departamento para a Cultura, Media e Desporto) num trabalho de cerca de 18 meses. A denominação do Relatório final produzido é a seguinte: “Game Plan: a strategy for delivering Government´s sport and physical activity objectives” (Dezembro de 2002).
José Pinto Correia, Mestre em Gestão do Desporto

Sem comentários :