Anunciaram-se na passada semana os primeiros estudos de toda a legislatura sobre o desporto português. O que é espantoso mesmo é a administração pública desportiva finalmente, ao final de toda uma legislatura, fazer estudos e eles não estarem de imediato e gratuitamente, como bem público puro que deveriam ser, na Net, nos sites do Governo ou do IDP.
E isto acontece num Governo que até se ilustra de ser tecnologicamente da linha da frente, o que é no mínimo contraditório ou mesmo lamentável. Assim, neste momento ainda só é possível dispor da débil e muito sintética informação que sobre aqueles estudos foi veiculada pelos media (que não foram os jornais desportivos como se poderia justificadamente supor).
Mas como dizíamos, o Governo e as autoridades da Administração Desportiva não entenderam razoável e eficiente colocar de imediato nos seus sites aqueles estudos públicos, pagos com os dinheiros dos contribuintes nacionais certamente. E dessa forma expedita e não discriminatória colocarem o conhecimento assim produzido ao dispor de toda a comunidade interessada no desporto e na sua evolução e desenvolvimento.
Bastaria a estas autoridades desportivas nacionais que governam o nosso desporto irem ver o que se faz em todos os países que compõem a Grã-Bretanha, onde existe nos sites oficiais das várias organizações governamentais públicas ou para-públicas todo um vastíssimo conjunto de estudos que são feitos em permanência e aí utilizados para darem forma devida, apostada nas evidências reais, às respectivas políticas públicas desportivas.
Mas aí, no Reino Unido, será, penso eu modestamente e sem ser o intérprete mais avisado, outro socialismo mais fiel e em íntima relação à comunidade e aos desportistas e eleitores/contribuintes. Governação também aí mais exigente e rigorosa, mais transparente, mais escrutinada pública e mesmo privadamente, com revelação de maior responsabilidade em prestar contas à sociedade das políticas e dos usos dos dinheiros públicos.
Lembre-se também a este propósito que em Portugal durante os últimos anos o IDP e a Secretaria de Estado não promoveram quaisquer outros estudos sobre as realidades desportivas nacionais.
E eu que até gosto do desporto como área de estudo e de investigação fiquei em branco nesse importantíssimo imperativo de quem governa e administra publicamente o desporto nacional. E pelos vistos vou ainda ter de pagar o livro que editará os estudos agora concluídos, que dizem que será dado à estampa lá para Setembro próximo pelo nosso governo socialista.
Os estudos são indispensáveis, obviamente que sim, mas muitos e permanentemente, incluindo as boas bases estatísticas que permitam ir avaliando temporalmente as diferentes características fundamentais do desporto nacional. É que as boas políticas públicas têm de se fundar nas evidências que a realidade apresenta e apontarem para o futuro, numa perspectiva de melhoria qualitativa e quantitativa.
Partamos então do bom princípio e da boa fé de que os estudos agora finalmente chegados são valiosos, mesmo muito valiosos como defenderão já os seus óbvios interessados governantes e também aqueles que possivelmente neles foram parte activa.
Se é assim, se tal é o seu valor e relevância para a política desportiva, então como esteve a ser orientada a respectiva estratégia até aqui sem que fossem feitos tais estudos? E porque nunca foi dado o respectivo destaque à encomenda de tais estudos pelo Secretário de Estado e pelo IDP?
Quem conhece o que eu escrevo desde há anos sabe que sou grande defensor dos estudos, porque eles permitem fundamentar as políticas, no caso as desportivas. Tal como os estudos comparativos permitem conhecer os níveis de sofisticação da governação/governança, das estruturas organizacionais e das práticas de gestão em países diferentes.
Que eu saiba não foi nunca conhecido nesta legislatura, agora a terminar, qualquer documento estratégico produzido pela Secretaria de Estado ou pelo IDP. Melhor dito, no IDP chegou a estar patente no respectivo site durante alguns dias um PowerPoint sobre as linhas de desenvolvimento/estratégia do financiamento federativo (se bem me lembro ainda) mas depois desapareceu, nunca mais vi notícia posterior sobre a sua utilização efectiva nos financiamentos negociados com as federações desportivas nacionais.
Obviamente a estatística é uma técnica fundamental para ser utilizada a benefício da concepção e implementação de políticas e estratégias de desenvolvimento e por isso mesmo os estudos estatísticos como os agora anunciados têm a sua relevância.
Mas a estatística, tal como a aprendi no ISCTE (na licenciatura de Gestão de Empresas quando frequentei as respectivas cadeiras de Estatística Descritiva e Analítica lá nos idos anos de setenta do século passado), e depois fui utilizando muitíssimas vezes no âmbito das minhas actividades profissionais, é apenas isso mesmo, uma técnica e um instrumento que, por permitir evidenciar a realidade, deve ser usada para as decisões essenciais que são sempre as de carácter político e estratégico.
As estratégias de desenvolvimento desportivo e os planos estratégicos institucionais, como as que por exemplo foram publicadas no Reino Unido em 2002 pelo Departamento de Cultura, Media e Desporto (DCMS) que tutela o desporto ou pelo Sport England que corresponde ao nosso IDP mais recentemente, é que moldam o nível desportivo de um país e o grau de importância e de profundidade com que o desporto é encarado, desde logo, e em primeira instância, pelo Estado/Governo e a Administração Desportiva.
Mas essas estratégias, que partem da análise da situação presente e da consciência dos dirigentes principais de um determinado “fosso estratégico” que permitirá “fazer mais e melhor” e que pode ser preenchido pela condução no terreno dos objectivos definidos, essas estratégias, dizíamos, têm de ser conhecidas, publicadas, discutidas e realmente implementadas. E delas fazem parte os principais objectivos, que no desporto federado têm de passar por resultados competitivos estabelecidos.
Depois, mais lá para diante é necessário fazer a avaliação do desempenho. E só se pode avaliar aquilo que foi reconhecidamente estabelecido “a anteriori” das efectivas realizações. E a eficaz medição do desempenho tem de assentar em critérios rigorosos, padrões previamente definidos, já que “só se obtém aquilo que se mede” (como bem dizem habitual e incisivamente os gestores).
Podem claro numa legislatura, pela actividade governamental e com o uso dos fundos públicos afectos ao desporto, construir-se novas instalações desportivas. E dizer-se em concomitância que se fez obra. E muito milhares de metros quadrados de novas edificações. Mas como política desportiva, como estratégia de desenvolvimento do desporto isso é obviamente pouco!
Porque o desenvolvimento do desporto exige mais. Por exemplo, que se façam chegar muitas mais pessoas à prática regular do desporto, em todas as idades, locais, e estratos sociais. Que se aumentem os níveis de prática federada em muitas modalidades desportivas. Que se tenham meios e programas específicos que evitem o abandono do desporto nas idades de transição da escola para a vida activa. Que se criem estruturas que mobilizem os jovens para a prática do desporto e para o voluntariado. Que se façam acções de promoção de líderes desportivos nas escolas secundárias de todo o país. Que se seleccionem professores da área do desporto para serem agentes de desenvolvimento desportivo. Que se escolham escolas secundárias, se apelidem de escolas desportivas, bem apetrechadas para dinamizarem redes desportivas com escolas de outros ciclos incluindo as primárias. Que se crie um verdadeira Fundação do Desporto Juvenil que mobilize asa energias da juventude para a prática do desporto. Que existam programas públicos de apoio a estas acções de promoção da prática desportiva. E que o Governo possa comprometer-se não apenas em construir instalações mas, sobretudo, em fazer chegar mais duzentos, trezentos mil jovens ao desporto numa legislatura.
E também exige que os estudos e as estatísticas, ou melhor as bases estatísticas do desporto, sejam realizadas por uma instituição permanente com académicos que se dedique a efectuar os estudos necessários para projectar todo aquele desenvolvimento do desporto, e que essas estatísticas assim produzidas de forma sistemática possam depois confirmar que a estratégia e os objectivos previamente estabelecidos e conhecidos publicamente foram efectivamente conseguidos.
Porque sejamos claros não existe em Portugal nenhum “Centro de Estudos”, universitário e/ou da administração pública desportiva, que tenha a missão de fazer aqueles estudos sistematicamente, a bem da boa fundamentação das políticas públicas desportivas.
P. S. 1: Há mais de ano e meio onde escrevo habitualmente lamentei a ausência de estudos sobre desporto em Portugal e até identificava um conjunto de temas onde essas carências eram visíveis e deveriam ser supridas (nas áreas da economia e gestão do desporto, mais exactamente).
P. S. 2: É pena que nas recentes discussões na União Europeia sobre a criação das bases estatísticas uniformes para o desporto europeu não tenha estado presente nenhum representante português. As actas das reuniões demonstram-no. E é muita pena tanto mais que essa é uma missão que resulta do Livro Branco sobre Desporto da UE que também infelizmente quase não é discutido em Portugal.
José Pinto Correia, Mestre em Gestão do Desporto
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