quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

A Liderança pelos Princípios (e a Democracia em Portugal)

“Os princípios são os porquês de fazer; as práticas são o que e o como fazer”, adaptado de Stephen Covey (em “Principle-Centered Leadership”)

Os líderes nem sempre são escolhidos pelos liderados ou seguidores. Em muitas organizações que são estruturantes da nossa vida colectiva, como as empresas, as igrejas ou os exércitos, a escolha dos líderes é feita por mecanismos diferentes daqueles que comummente caracterizam a democracia política.

Na democracia política é regular que de tempo a tempo os liderados, cidadãos votantes, sejam chamados a escolher os seus principais líderes políticos e mesmo os seus primeiros responsáveis de Governo.

São princípios básicos de uma liderança política a lealdade, a equidade, a justiça, a integridade, a honestidade e a confiança. Estes princípios que definem e orientam uma liderança política tanto a podem fazer oscilar para o lado da estabilidade, se mantidos escrupulosamente ao longo do tempo de mandato, como para o lado da desintegração e da destruição se forem continuadamente desprezados nesse mesmo período de condução da vida política.

Uma liderança eficaz a prazo implica, por conseguinte, que os líderes principais sejam portadores de princípios reconhecidos, sendo que esses princípios devem constituir os pontos cardeais da acção política desses líderes.

O que se deve esperar destes líderes políticos é que se movam segundo os princípios que enunciem publicamente, que estes tenham uma base moral maioritariamente aceite, que conduzam as suas escolhas e acções segundo essas bases morais, e estejam sempre disponíveis para se sujeitarem ao escrutínio público responsabilizando-se perante os seus eleitores pelas suas escolhas e as consequências gerais que delas decorrem.

Os seguidores ou liderados tenderão a prazo a confiar instintivamente nos líderes que exibam personalidade fundada em princípios correctos; a legitimação dos líderes em funções é obtida por relações de íntima confiança com os liderados, as quais se vão sucessivamente obtendo com base na percepção de que os líderes respeitam os princípios moralmente aceitáveis e que publicamente prometeram cumprir.

Os princípios de uma liderança não se modificam, por isso, circunstancialmente por conveniências momentâneas; os princípios são os “marcadores dos caminhos” das lideranças, eles são auto-evidentes e constituem leis que se auto-validam.

Os líderes não podem confundir os seus liderados sobre os seus princípios que norteiam as suas opções e actividades e devem evitar que se formem confusões nos liderados sobre o rigor e a veracidade desses princípios. Não podem ao mesmo tempo deixar que se formem ou suscitem dúvidas de que os princípios que definiram não se aplicam continuadamente em todos os tempos e lugares, que esses princípios são constantes e que o seu estrito cumprimento não pode ser colocado em causa a qualquer título.

A permanência dos princípios de um líder, o seu rigoroso cumprimento e observância em toda a sua acção, é o que o enobrece, lhe dá poder de agir continuamente, e inspira confiança nas pessoas que seguem e apoiam a liderança.

No prazo relativamente alargado dos mandatos recebidos eleitoralmente, a prosperidade de uma liderança advém da fidelidade aos seus princípios, da correcção com que eles são praticados. Na raiz de muitos declínios de lideranças estão as falsidades e as práticas enganadoras relativamente aos princípios previamente definidos e que tinham uma base moral generalista.

Os princípios de uma determinada liderança devem ser os veículos portadores de valores, modos de conduta, escalas de valoração de opções, padrões de avaliação do que é bom ou mau, do certo e do errado, do proporcional e do desproporcional, do justo e do injusto, do aceitável e do inaceitável.

Nas escolhas e acções concretas dos líderes democráticos, que publicamente tenham aceitado reger-se por princípios de moralidade inquestionável, não podem ser aceitáveis condutas que desenvolvam estratégias e tácticas de manipulação com efectiva visibilidade social. Estas estratégias e tácticas de manipulação deterioram progressivamente a confiança dos eleitores e liderados e impedem a pretensão de esses líderes se manterem como inquestionavelmente legitimados e responsáveis.

A retórica dos líderes deve também ter correspondência com a realidade dos factos, sob pena de desmobilizar a legitimidade das escolhas e acções dos líderes. O discurso público das lideranças que recorra demasiado tempo a desvios da realidade ou a conjuntos de factos (ou estatísticas) que possam ser facilmente desmentidos por observadores tidos como confiáveis e avalisados é contraproducente para a manutenção da integridade da própria liderança.

Duas das melhores e mais respeitadas características dos líderes políticos são, assim mesmo, a sua autenticidade e humildade. A primeira respeita ao modo como é percebida pelos liderados a verdade das suas propostas e opções; a segunda diz respeito ao modo como os líderes aceitam os seus erros e fragilidades e as correcções sugeridas por outros. O contrário da autenticidade é a desconfiança e o contrário da humildade é a arrogância.

Um bom líder tem de ter um “centro de vida” muito forte. Nesse centro está o seu poder efectivo, e é aí que está a também a sua orientação, sabedoria e segurança, que constituem pilares da sua afirmação pessoal; é também nesse “centro de vida” que o líder tem a definição da sua missão pessoal e o substrato da sua cultura humana.

A cultura humana do líder pode apreciar-se fundamentalmente na sua integral aceitação da regra de ouro da convivência entre as pessoas: “a de tratar os outros como gostaria que os outros tratassem a ele”.

Os líderes que baseiam a sua liderança em princípios são homens e mulheres de carácter que trabalham com competência e que procuram semear e plantar para poderem colher; que constroem as suas vidas e as relações com os outros com base nesses princípios que naturalmente aceitam; e que também estabelecem os seus acordos e contratos e a gestão dos processos em que actuam com respeito por esses mesmos princípios.

Há então espaço para a definição da “confiabilidade” de uma liderança, ou seja, a medida ou grau de qualidade da confiança que se tem ou pode ter nas propostas, condutas ou escolhas de um líder. Esta qualidade da liderança ou do próprio líder é baseada no seu carácter, aquilo que ele é como pessoa, que realça desde os traços essenciais que definem a sua personalidade e a integridade das suas opções e decisões.

Na apreciação da “confiabilidade” de uma liderança intervêm juízos de valor e apreciações materiais, mas também a avaliação da competência com que os respectivos líderes desempenham os seus cargos. E no limite, quando exista deterioração dessa confiabilidade na liderança, pode estar em causa a própria avaliação e valoração sobre o carácter dos líderes.

A confiança, todos temos cabal noção disso, é a base estruturadora das relações entre as pessoas, e só ela permite o estabelecimento permanente de um fluxo claro e transparente de comunicação, da salutar empatia, e do reforço da sinergia e da interdependência entre os líderes e os liderados.

Para se confiar num líder é, assim, indispensável que os liderados ajuízem favoravelmente do seu carácter e da sua competência. E isso porque só com a manutenção da percepção do bom carácter e indiscutível competência do líder este estará em condições evidentes para manter a aceitação das suas escolhas e decisões frequentes.

O estabelecimento de um clima permanente e inultrapassável de falta de confiança entre o líder e os liderados permite ou favorece o rompimento das relações entre as pessoas e pode ser o desenlace fatal de uma liderança. Sem níveis aceitáveis de confiança num líder os liderados repudiam a sua liderança e procuram sabotá-lo ou substitui-lo o mais rapidamente possível.

E em períodos de crise, caracterizados por grandes dilemas e dificuldades, podem emergir grandes líderes. Porque estes “grandes líderes são o produto das grandes causas”.

Nota de Topo de Página: Alexis de Tocqueville, diplomata francês, analisou há mais de 150 anos a realidade democrática americana num livro que ficou como sendo um dos textos básicos da ciência política dos dias de hoje (“A Democracia na América”). Dizia ele a certa altura o seguinte: “Muita gente, na Europa, pensa sem o dizer ou diz sem o pensar, que uma das grandes vantagens do sufrágio universal é a de colocar homens dignos da confiança do povo na direcção dos assuntos públicos. O povo não seria capaz de governar-se a si próprio, dizem, mas deseja sinceramente o bem do Estado, e o seu instinto nunca falha quando se trata de designar para exercer o poder aqueles que estão animados do mesmo desejo e são mais capazes.
Quanto a mim, o que vi na América não me leva de modo algum a pensar que assim seja. Quando cheguei aos Estados-Unidos, fiquei surpreendido ao ver quanto mérito havia entre os governados, e quão pouco se encontrava nos governantes. É um facto notório que hoje, nos Estados-Unidos, os homens mais notáveis raramente são chamados a exercer funções públicas e é forçoso reconhecer que isto se foi acentuando à medida que a democracia ultrapassava todas as suas antigas limitações. É evidente que, nos últimos cinquenta anos, a raça dos homens de Estado americanos escasseia notavelmente” (A Democracia na América, Alexis de Tocqueville, Livro I, 1835).

E em Portugal em 2010? Como se vê e se sente desmesuradamente estamos mal ou pior?!

José Pinto Correia, Economista

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