terça-feira, 16 de março de 2010

O Portugal Rosa Morreu (ou existiu)?

Vai para cinco anos que vivemos num Portugal pretensamente milagroso onde impera a multiplicação ininterrupta das rosas. Ao leme da navegação e como santo milagreiro vai, dizem as crónicas regimentais, um homem corajoso, imparável, sapiente, um mágico da obra secular. Ele desejou e deu à luz do dia um Portugal moderno, cheio da mais nova tecnologia, movendo-se em rupturas civilizacionais, perpassado de lés a lés por um progressismo inigualável. E sempre, em cada semana envolto em muitas obras monumentais, lançadas umas e inauguradas outras numa cadência imparável.

Um verdadeiro país de maravilhas e de sonhos de perpétua riqueza e abastança, conduzido por uma liderança invulgarmente activa e determinada, no caminho para um futuro radioso, com muitos projectos grandiosos capazes de mobilizarem as grandes empresas e muitos milhares de milhões de euros.

Foi assim que Portugal emergiu como um País em que as décimas ou as centésimas de ponto significavam tudo, faziam a grandiloquência gestionária de uma governação que nos conduzia para o reino da abundância, da salvação dos nossos destinos da tradicional apagada e vil tristeza.

Um país moderno, muito moderno, na crista da onda mundial, com direito a tudo o que pudesse ser imaginável. Um futuro brilhante à espera de todos nós portugueses, lá no fim de uma transformação imensa, brilhantemente encenada e inúmeras vezes anunciada.

No meio desta gesta maravilhosa e inolvidável, a engenharia financeira ministerial magistralmente conduzida havia de levar a uma perpétua solução do défice orçamental, que nunca por nunca houvera de ter sido feita com tanta decisão e eficácia.

O País estaria, por conseguinte, salvo para longos anos das suas finanças públicas, finalmente, como em trinta e muitos anos nunca estivera. O número mágico e cabalístico dos três por cento de excesso de despesa do Estado sobre a sua arrecadação anual seria realizado ou mesmo superado por obra e graça do sábio e ímpar Governo. O Estado passaria a respirar saúde por todos os poros, salvar-se-ia a finança e a vida nacional, por consequência.

E lá pelo meio e ao mesmo tempo a economia já cresceria, criaria milhares de empregos, exportaria tecnologia como nunca, e a energia renovável safaria o endividamento externo, essa coisa de somenos que estava ao alcance de uma governação tão estrategicamente pensada.

O País renovava-se ferozmente, as torres das energias renováveis enxameariam de norte a sul, de leste a oeste. Tudo renovadamente criado e recriado, uma indústria novíssima e altamente exportável para o mundo inteiro. Uma chave imensa de progresso ia chegar e inundar Portugal. Lá para 2020 ninguém igualaria a nossa energia renovável.

O círculo virtuoso da riqueza nacional estaria, assim mesmo, encontrado e fechado, não faltaria energia limpa e inextinguível para abraçar uma renovada era de prosperidade económica nacional.

Ao mesmo tempo coexistiriam o turismo e milhares e milhares de viagens de avião no novo aeroporto e nos comboios de alta velocidade de Lisboa para a Europa e para o Norte de Portugal e da Ibéria. Tudo possível através de um aeroporto internacional de Lisboa novo e de comboios de topo de gama chegadinhos de fresco a um País em ebulição e febre de modernidade, resultantes dos grandes investimentos do século para um Portugal imenso e progressivo.

Seria possível pedir mais, tanta presciência, tanto engenho e obra pública, público-privada, e uma tamanha era de progresso imenso e indiscutível?

Portugal era assim, ia nesta inolvidável caminhada até Dezembro de 2009. Quem descresse desta jornada de bonança era maldito, catastrofista ou bota-abaixista.

Mas agora está aí o Programa de Estabilidade e Crescimento (o malfadado PEC imposto por Bruxelas e pelos conhecidos “abutres do crédito”) apresentado pelo Governo liderado pelo mesmo Primeiro-Ministro, e também com o mesmo Ministro das Finanças na sua pele de principal arauto e apresentador.

E é justo que se pergunte onde anda o Primeiro-Ministro nestes dias, a propósito? Estará ainda em Moçambique ou noutras paragens da estranja a assinar acordos e a firmar protocolos? Onde está Sua Excelência nestes dias de outras novas (que o PEC contém)?

O País que o PEC descreve e no qual se propõe intervir para corrigir rotas é outro, não é certamente o “Portugal Rosa” que andavam a vender-nos. Não é mais o tal País onde pululavam aquelas magnificências governamentais, a maravilhosa história da modernidade e do progresso, da riqueza renovável, dos empregos para os jovens qualificados, e das benfeitorias imprescindíveis das grandes obras públicas e público-privadas.

Então como fica e onde está a honradez, a credibilidade, a confiabilidade, o carácter, a veracidade e a legitimidade dos governantes de Portugal que agora desdizem tão categoricamente tudo quanto foi o seu discurso e promessas de vários anos e ainda propaladas há pouco mais de dois meses?

O Portugal Rosa Morreu? Será que ele alguma vez existiu ou foi antes uma montagem propagandística monstruosa que serviu para iludir a Nação e sacar votos nas eleições legislativas de Setembro último, quando os tais catastrofistas e bota-abaixistas já diziam que o futuro de Portugal não era nada rosa ou sequer risonho mas antes muito triste e sombrio?

Por isso mesmo, por estes dias, porque se aperceberam da real situação a que o País foi conduzido, muitos milhares de portugueses já saem de Portugal em busca de melhores oportunidades em diversas partes da Europa de do Mundo, tal como muitos outros saíram no longo regime ditatorial de Salazar.

Trinta e cinco anos depois de Abril, e com uma governação socialista praticamente desde o meio dos anos noventa do século passado, é triste, muito triste, este destino a que os portugueses foram de novo conduzidos.

A miséria e o empobrecimento que está no horizonte do País para os próximos anos desta segunda década do século XXI, e que trazem a desesperança no futuro, desmentem categoricamente o mito vergonhoso de um “Portugal Rosa” que nunca existiu realmente, mas ao invés consistiu num embuste vergonhoso que agora os portugueses que ficarem no País vão pagar duramente nas suas vidas de trabalho, pessoais, familiares e empresariais durante vários anos.

Nota sobre o PEC: Estado, Estado e mais Estado, substituto para tudo, chegando a todo lado, era o discurso do Governo até há semanas. E obras, grandes obras, grandes projectos de investimento salvadores, para algumas empresas arregimentadas. Distribuir, distribuir e atirar com dinheiro para problemas foi também a opção. Estratégia, pensamento estratégico, foi coisa que este Governo nunca conheceu ou quis sequer tentar, porque a palavra de ordem era a de que era preciso agir, fazer, fazer qualquer coisa que fosse. Por isso, vem agora o mesmo Governo (e talvez também o mesmo Primeiro-Ministro, embora esteja desaparecido da frente de combate), numa aflição completa, acabar com o tal Estado omnipresente e omnipotente, adiar as grandes obras, esmagar com impostos a classe média, e fingir que diminui as despesas correntes e de estrutura do Estado congelando os vencimentos dos funcionários públicos. E anuncia também a venda a eito de empresas e partes de empresas em que é empresário sem qualquer enquadramento na definição real da dimensão e funções do Estado, tudo antes e apenas numa óptica financeira para obter receitas para diminuir temporariamente a cavalgada da dívida pública que tanto tem promovido nos últimos cinco anos. No final das contas o Estado talvez fique verdadeiramente com uma estrutura praticamente intocável e capaz de ainda vir a gastar mais do que os cinquenta por cento da riqueza nacional que hoje já gasta. Porque sobre a estrutura do Estado nem uma palavra é dita. E sobre a estratégia e as formas de promover o crescimento económico, que é a essência para a criação de nova riqueza e progresso das pessoas, famílias, empresas e até do próprio Estado, sobre isto que é primacial para o Portugal de hoje o Governo no PEC diz umas frases soltas, nada mais.

José Pinto Correia, Economista

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