terça-feira, 13 de julho de 2010

Alguns Dilemas de 2010 (ou “a pesada herança socialista”) Parte I

Portugal está preso num labirinto perigoso do qual ninguém sabe exactamente como sair, e não se podem nem desconhecer nem muito menos iludir as responsabilidades políticas que criaram e mantiveram com manipulações grosseiras esta vizinhança do abismo. Pressentem-se e avizinham-se as rupturas financeiras e sociais, as quebras de coesão nacional e um futuro completamente incerto para todas as gerações. Sendo certo que as novas gerações, as dos jovens de hoje e de amanhã, herdarão um pesado fardo, aquilo que se pode apropriadamente denominar “a pesada herança socialista”, para o qual não contribuíram em nada.

Vejamos agora alguns dos principais dilemas que caracterizam a situação a que Portugal chegou em 2010:

1. O Problema dos Valores
A sociedade portuguesa tem hoje uma perda de guias de orientação e de princípios e regras que pautem os comportamentos e condutas dos seus cidadãos. Desde os mais elevados cargos políticos até às inúmeras situações que se vislumbram nas escolas, nos tribunais, nos hospitais, nas estradas, nos empregos e nas empresas, deixou de existir um conjunto de valores que conduzam digna e honradamente a forma como as pessoas actuam e definem as suas vidas. Os valores, que são esses tais preceitos condutores das vidas humanas no contexto de uma comunidade nacional perderam significado e prevalência e foram reduzidos por uma narrativa pós-modernista em que tudo é relativo, vale o mesmo, é fruto de opinião e desvalorizável no seu significado social. Por isso é que hoje em Portugal falta o rigor, a transparência, a humildade, a responsabilidade individual, a assunção dos deveres, o valor da palavra dada, o sacrifício no trabalho e no estudo, o sentido da proporcionalidade nos ganhos monetários, a defesa e a afirmação permanente da autoridade legítima, o respeito pelos mais velhos, a atribuição do valor insubstituível da experiência e da sabedoria, a perfeição no trabalho individual, o sentido de comunidade, a frugalidade e a decência nos gastos públicos e privados e nas relações com os outros, e ainda um completo desvalor para com o dinheiro. Tudo isto se transmite dos líderes políticos e institucionais, nos media quase instantânea e continuamente, passa aos chefes, aos subordinados e ao povo em geral e sobretudo, o que ainda é mais nocivo, às novas gerações de jovens que farão o Portugal de amanhã. Há assim uma degenerescência cultural e social de Portugal que está patentemente expressa nos contra-valores que hoje permeiam pela comunidade nacional.

2. As Personalidades Políticas (ou a ética na política)
Todos sentimos que tem vindo a deteriorar-se o sentido da ética e o respeito pela verdade na política. A maioria dos políticos, começando pelo Governo e pelo exemplo categórico que é o do próprio Primeiro-Ministro em funções, têm hoje um muito menor respeito e escrúpulo relativamente aos princípios do que é o bom e o mau, o justo e o injusto, o certo e o errado, o verdadeiro e o falso, quando fazem as suas escolhas ou tomam ou rejeitam tomar as decisões políticas que envolvem a comunidade nacional. Mente-se hoje nos meandros mais elevados da esfera política com extrema facilidade, desvirtua-se a realidade a cada instante, manipulam-se dados e estatísticas, falta-se a promessas e a compromissos, desrespeitam-se os fundamentos do contrato de legitimidade que o povo concedeu nas urnas. Os políticos de agora preocupam-se sobretudo com as suas “carreiras”, procuram a manutenção ou o acesso ao poder, encantam-se e vivem para o dia a dia das sondagens de opinião. Falta-lhes visão e estratégia, capacidade de perspectivar o médio e longo-prazo, honradez, espírito de lealdade, e as relevantes confiabilidade e credibilidade políticas. E o actual Primeiro-Ministro é o exemplo acabado deste tipo de responsável político a que faltam a maioria destas qualidades que dão necessário sustento à ética das personalidades políticas.

3. A Economia e as Finanças Públicas
A economia portuguesa está em deterioração há praticamente uma década. Não tem existido crescimento económico desde o ano 2000 e o potencial de crescimento para os próximos anos é miserável. O país tem distribuído riqueza que não cria, aumentou enormemente o nível de impostos sobre as classes médias, e investiu preferencialmente em sectores económicos que não produzem bens e serviços para os mercados externos. Ao mesmo tempo, nos últimos anos o défice externo representa quase dez por cento do produto em cada exercício económico, o défice orçamental subiu assustadoramente nos dois últimos anos para os mais de nove por cento da riqueza, a dívida pública directa e indirecta já ultrapassa os cem por cento do PIB, e o endividamento externo total é uma brutalidade, com bancos, empresas e famílias também muito endividados (há cálculos que apontam para bem mais de trezentos por cento do PIB). As receitas do Estado representam já praticamente metade da riqueza criada anualmente, mas agora nos tempos que aí vêm, de grande aperto financeiro nos mercados de crédito internacional e de rigor nas contas públicas a situação portuguesa é de extrema dificuldade ou mesmo de gravidade ímpar. Os anos de imensos sacrifícios/austeridade serão vários, disso não podem haver dúvidas, pelo que o discurso da governação que iludiu tudo isto durante anos é política e moralmente execrável.

4. A Reinvenção do Estado e da Administração Pública
Há mais de trinta anos que se fala na reforma da administração pública. Mas agora, com a reconhecida insustentável situação das finanças públicas, não mais será possível continuar a fazer, como foi recentemente o caso com o governo socialista, umas ligeiras modificações de simplificação, ou de alterações de macroestruturas, sem repensar, remodelar, reconverter, ou no limite extinguir, muitos dos organismos e institutos que compõem o Estado imenso que temos em Portugal. Mais, impõe-se repensar as próprias funções desse mesmo Estado e fazer em Portugal o que muitos países europeus ou mesmo os EUA fizeram de verdadeiramente reformador nas suas administrações públicas. Há inúmeros exemplos de reformas profundas feitas em outros países que podem e devem ser tidas como referências para um verdadeiro exercício de reforma do Estado que agora é imperativo realizar em Portugal. E neste trabalho que será longo e exigível que seja conduzido ao mais alto nível político não podem continuar a existir dogmas ideológicos ou constitucionais que tornem impossível realizar com equilíbrio e justiça o trabalho de reinvenção do nosso Estado para este século XXI.

Nota de Leitura Compreensiva da “Política da Mentira Política”: “E se toda a gente aceitasse a mentira que o Partido impunha – se todos os documentos apresentassem a mesma versão – então a mentira passaria à História e tornar-se-ia verdade. ´Quem controla o passado´, dizia a palavra de ordem do Partido, ´controla o futuro; quem controla o presente controla o passado.`” (citado de “1984”, George Orwell, Editora Antígona).

José Pinto Correia, Economista

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