terça-feira, 20 de julho de 2010

Alguns Dilemas de 2010 (ou “a pesada herança socialista”) Parte II


Portugal está preso num labirinto perigoso do qual ninguém sabe exactamente como sair, e não se podem nem desconhecer nem muito menos iludir as responsabilidades políticas que criaram e mantiveram com manipulações grosseiras esta vizinhança do abismo. Sendo certo que as novas gerações, as dos jovens de hoje e de amanhã, herdarão um pesado fardo, aquilo que se pode apropriadamente denominar “a pesada herança socialista”.

Esta enorme herança traduz-se, para além dos já enunciados na primeira parte deste artigo, em mais os seguintes dilemas que caracterizam a situação a que Portugal chegou em 2010:

5. A Educação Pública (ou “o sistema educativo”)
Portugal faz hoje um esforço financeiro, humano e infra-estrutural enorme na educação pública. O nível financeiro está mesmo situado em níveis percentuais do produto interno bruto semelhantes aos mais elevados dos países que compõem a União Europeia ou a OCDE. Mas os resultados académicos dos estudantes portugueses são francamente insuficientes, o que tem sido constatado nas avaliações internacionais comparativas a que o nosso sistema educativo tem sido exposto (os conhecidos estudos PISA), ou mesmo referenciado por muitos docentes do ensino secundário ou superior que avaliam bem mal o nível de conhecimentos médios dos estudantes (ainda agora uma vez mais confirmados também pelos resultados francamente negativos dos exames nacionais do ensino básico e secundário de 2010 em várias disciplinas fundamentais dos respectivos currículos). Fala-se hoje cada vez mais insistentemente nas responsabilidades que para esta flagrante mediania/mediocridade educativa portuguesa têm as denominadas pedagogias românticas e facilitistas que invadiram o Ministério da Educação há décadas – o conhecido hoje já sem meios-termos pela designação comum de “eduquês”. Por outro lado, este Ministério da Educação português é uma máquina gigantesca que interfere em quase todos os aspectos e factores de organização da vida escolar, num dirigismo inconcebível que está completamente fora de tempo e que tolhe a capacidade de afirmação de um regime de liberdade e responsabilidade que as escolas, os professores e os pais deveriam ter na organização da vida escolar e nos próprios projectos pedagógicos dos estudantes. Depois, em consequência deste centralismo e absolutismo dirigista do Ministério há uma correspondente máquina sindical igualmente dirigista e centralista que impõe permanentes negociações de estatuto docente e matérias relacionadas, as quais praticamente impossibilitam que sejam pensadas e implementadas pelos sucessivos governos políticas educativas flexíveis e conducentes a alcançarem as melhorias de resultados escolares que os portugueses mereciam e o regime democrático de um país europeu exigiria. Este tem sido o sistema de governação do ensino que conduziu a gastos enormes e a resultados escolares permanentemente medíocres, e onde imperam os gigantismo e dirigismo das estruturas ministerial e sindical que têm sido completamente incapazes de transformarem um estado de coisas inaceitável do ponto de vista do interesse público dos pais e estudantes do Portugal democrático. Porque os portugueses, cidadãos e contribuintes, mereciam um muito melhor sistema público de ensino para os seus filhos e netos, e não o tendo o país vai continuar a condenar as novas gerações de filhos dos portugueses mais desfavorecidos que não têm alternativas educativas a serem no futuro as novas gerações de trabalhadores mal remunerados e sem capacidade de ascensão social.

6. A Pobreza e o Estado Social (as novas políticas sociais)
Portugal chegou a 2010, trinta e seis anos depois de Abril de 1974, com mais de dois milhões de pobres. Muitos destes pobres foram trabalhadores uma vida inteira e hoje recebem as reformas insuficientes que se conhecem – de duzentos ou trezentos euros mensais. Mas também há muitos outros portugueses, muitos milhares mesmo, que recebem praticamente o mesmo tipo de rendimentos mensais sem nunca terem trabalhado arduamente, sem saberem o que é cumprir horários de trabalho, as ordens de patrões, terem de encolher as despesas dia a dia para pagarem as rendas de casa ou para darem estudos aos filhos para quem querem um futuro melhor que o seu. Os apoios sociais tornaram-se, por isso, em muitos casos indesejavelmente injustos e iníquos, contribuindo para alimentar os contravalores da falta de ambição e luta pelo trabalho digno e valioso de muitos milhares de portugueses. Por isso, os recursos escassos que o país vai ter nos anos futuros, numa economia em perda de capacidade de crescimento, têm de ser dirigidos com extrema eficácia e efectivamente para as pessoas que deles têm absoluta carência para viverem dignamente, se tiverem idades que já não lhes permitam trabalhar, se ficaram temporariamente impossibilitadas de proverem ao seu sustento e vida digna, ou se forem portadoras de graus de deficiência e invalidez que os inibam de ter uma vida activa e autónoma. Mas a justiça destes apoios sociais implicará também, e ao mesmo tempo, para todos aqueles a quem os apoios forem concedidos com carácter transitório que a todos seja exigido num determinado prazo a frequência de acções de formação e de envolvimento profissionalizante que lhes aumentem as suas competências profissionais de modo a facilitar-lhes que retomem com a brevidade possível a sua vida de trabalho e de tentativa de auto-sustentação pessoal e familiar. Estas políticas de apoio social mais exigentes e moralmente selectivas têm pois de contribuir para melhorar efectivamente a situação de vida dos que continuariam pobres sem esses apoios e que não terão autonomia para por si gerarem o seu sustento digno, mas também, por outro lado, estas políticas pela sua maior selectividade e rigor devem contribuir para aliviar os encargos com aqueles a quem pode ou deve ser exigido que iniciem ou retomem uma vida de trabalho capaz de prover ao seu sustento digno. Essas serão as novas políticas sociais que a justiça efectiva para com a pobreza inultrapassável de muitos portugueses exige que Portugal ponha em acção no futuro próximo.

7. O Contrato Democrático Intergeracional
A situação económica, financeira e social em que Portugal se encontra em 2010 limita fortemente as possibilidades e as expectativas de bem-estar e qualidade de vida das jovens gerações que se sabe serem genericamente mais qualificadas que as anteriores. A vida dos jovens que hoje acabam os seus cursos secundários ou superiores está extraordinariamente dificultada desde logo no acesso ao primeiro emprego – onde as taxas de desemprego são praticamente o dobro da taxa geral do país (acima dos 20 por cento, por conseguinte). É também facilmente perceptível que as leis do trabalho que dificultam a contratação de jovens, as recentes alterações do regime de pensões que diminuem enormemente as retribuições desses regimes para as novas gerações, ou mesmo a maior dificuldade do acesso ao crédito para habitação própria dos jovens e a provável ascensão das taxas de juro no futuro, todos estes aspectos relevantes da vida pessoal e familiar estão conformados já hoje e ainda se agravarão potencialmente mais nos anos futuros de modo a preterir as camadas jovens da população portuguesa. Portugal está também a deixar para essas novas gerações, fruto de várias de decisões políticas que têm vindo a ser tomadas nos últimos dez anos, um conjunto enormíssimo de encargos que tornarão as vidas profissionais dessas novas gerações provavelmente ainda muito mais sobrecarregadas com impostos. Basta a este respeito ver as previsões de encargos para depois de 2014 das denominadas parcerias público-privadas já realizadas e das que ainda agora, e significando muitos milhares de milhões de euros, se anunciam com as novas infra-estruturas rodoviárias e ferroviárias de alta-velocidade. É tempo de as gerações mais velhas que hoje decidem os destinos do país pensarem em termos intergeracionais e reduzirem as dificuldades de acesso ao emprego ou apoiarem os novos projectos empresariais de jovens, e assumirem as responsabilidades devidas e transparentemente pelos encargos que transmitem para serem pagos por novos impostos por essas próximas gerações. Porque estas provavelmente não perdoarão que essa contabilidade estrita e rigorosa não seja feita e assumida pelos mais velhos que actualmente detém as rédeas do poder político e económico em Portugal e que não podem nem considerar-se nem intitular-se como donos de Portugal. E porque também não são nem justa nem moralmente aceitáveis que os governantes ao mais alto nível de hoje usem no espaço público os argumentos impróprios e irresponsáveis de que é necessário deixar às próximas gerações tudo aquilo que ainda não existe e que esses detentores do poder de hoje acham que deve ser feito. As gerações que hoje governam não têm o direito de condicionar ou mesmo capturar de uma forma tão esmagadora o futuro das futuras gerações que devem ter o espaço de liberdade para afirmarem com pleno vigor as suas escolhas e os seus projectos de organização da vida social, económica e política do Portugal de amanhã. A contabilidade intergeracional, que a equidade e justiça entre as gerações impõe que agora seja feita, exige aos decisores de hoje o rigor ético de não se constituírem nos captores do futuro dos jovens de agora que lhes vão suceder. Essa exigência ética é inerente e intrínseca à capacidade de as novas gerações terem a efectiva liberdade de decidirem as suas vidas e construírem o Portugal do futuro.

Nota de Leitura Compreensiva da “Política da Mentira Política”: “Saber e não saber, ter uma noção de absoluta veracidade enquanto se dizem mentiras cuidadosamente elaboradas, defender simultaneamente duas opiniões que se anulam reciprocamente, sabendo-as contraditórias e acreditando em ambas, usar a lógica contra a lógica, repudiar a moral ao mesmo tempo que se reclama a moral, acreditar na inviabilidade da democracia e que o Partido é o guardião da democracia, esquecer o que quer que fosse necessário esquecer, para depois o trazer de volta à memória quando necessário, e em seguida de novo esquecê-lo prontamente…” (citado de “1984”, George Orwell, Editora Antígona).

José Pinto Correia, Economista

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