terça-feira, 6 de julho de 2010

O Socialismo em Portugal: Fixe e Eterno?

Nos últimos dias têm surgido na cena pública as afirmações de Mário Soares de que Portugal deveria fazer uma qualquer espécie de frente unida com Espanha contra os senhores que vêm comandando a União Europeia, pois que só a “união ibérica” dos socialistas governantes, Sócrates e Zapatero por agora, poderia enfrentar com devido vigor o neoliberalismo vigente lá nos centros europeus (não esqueçamos que também Saramago afinava por praticamente idêntico diapasão).

Também segundo a visionária declaração do doutor Soares, Portugal e Espanha até deveriam, imagine-se, vir a realizar conselhos de ministros conjuntos para afinarem as suas posições estratégicas no mundo europeu e extra-europeu – entenda-se como foi dito pelo próprio na América Latina (que incluiria o Brasil, obviamente). E em Portugal também diz, ao mesmo tempo, o doutor Soares, não existe alternativa ao governo do PS.

Sobre a conjugação dos interesses entre Portugal e Espanha aí está o negócio da PT/VIVO/Telefónica no Brasil para ilustrar a provada conformidade dos mesmos; já sobre a não existência de alternativa ao governo do PS aí estarão os portugueses democraticamente, e provavelmente mais cedo do que tarde, para o definirem em eleições.

Aliás, é este mesmo insubstituível Partido Socialista que também vem dizendo, pela voz do seu líder parlamentar, que na intemporal e inexcedível “Constituição da República Portuguesa” não se toca, que os seus fundamentos e a definição dos alicerces do regime de 1974 são para ficar tal como estão, possivelmente para a eternidade, e sempre assim deverá ser mesmo que seja contra a vontade de parte significativa das actuais ou das novas ou futuras gerações de portugueses.

Portugal está assim, portanto, bem entregue e no “glorioso caminho para o socialismo”, mesmo que não se veja ou se assuma nitidamente nas políticas do dia a dia do governo socialista em funções que pressurosamente se submeteu algures em Maio passado aos ignominiosos ditames neoliberais de Bruxelas.

Só existe para estes arautos plenipotenciários das virtudes inigualáveis da esquerda socialista europeia um governo possível em Portugal, o do PS, e também, evidentemente, uma organização política e social de sentido único, bem como o regime da “Constituição de 1974” (com as adaptações custosamente consentidas por essa mesma esquerda). E há que estender esta magnificência histórica, primeiro a uma qualquer e indefinida “união da Ibéria”, que pretendem os seus arautos que seria provavelmente na Europa de hoje a pátria remanescente desse socialismo, o qual depois, em segundo patamar, se estenderia a toda uma nova Europa federal. Portugal e Espanha seriam, por esta via socialista, os redentores da Europa e como isso também o Partido Socialista obteria a sua completa sagração em Portugal.

A Europa seria, pois, no final de uma imensa caminhada histórica, o repositório das imensas narrativas do século vinte, organizada segundo um modelo federal e também a grandiosa pátria do socialismo democrático.

Só que tem de existir um outro caminho para Portugal, que o retire do empobrecimento consecutivo em que tem caído nestes últimos quinze anos, da falta de esperança económica, que afirme a construção de uma sociedade mais livre económica e politicamente, sem baias constitucionais inultrapassáveis, e capaz de conceder as oportunidades devidas para as novas gerações de portugueses que com maiores níveis de qualificação querem ter sucesso e fazer as suas vidas neste país que é o seu.

O futuro de Portugal não pode ficar preso do passado das últimas décadas, das visões únicas de organização e também de uma narrativa de redenção socialista que tem sido inábil e completamente incapaz de conduzir Portugal a um patamar de riqueza e bem-estar condizente com a pertença a uma Europa mais desenvolvida, mais livre e mais democrática. Não é mais aceitável que Portugal fique amordaçado a uma única visão do seu futuro, preso da pretensão de uma superioridade reverencial da esquemática ideológica da esquerda socialista.

Além do mais, em nenhum outro país europeu, a começar pela própria Espanha, tais narrativas constitucionais ou de regime político e social são toleradas e aceites. Estamos já hoje 36 anos depois de Abril. É mais que tempo de caírem as tentações de encaixotar Portugal numa gaiola constitucional e política de que tem todo o direito de se libertar. A liberdade plena dos portugueses exige-o hoje e amanhã ainda mais. Porque se assim não for os portugueses de ontem e os de amanhã ficarão prisioneiros de um condicionamento tendencialmente totalitário. Não pode existir uma via de sentido único para a realização das aspirações da comunidade nacional e nem o socialismo que está indesmentivelmente traduzido na actual “Constituição Portuguesa” deve ser essa totalizante forma de organizar a nação secular portuguesa.

Portugal tem a obrigação de construir uma estratégia própria de afirmação na Europa e no Mundo, onde a sua indesmentível e histórica vocação atlântica saia reforçada, e na qual o triângulo essencial que reúne a complementaridade geopolítica e geoestratégica da Europa, da África e do Brasil seja estruturada e devidamente gerida.

Aliás, aos que agora vêm afirmar tão categoricamente a afinidade dos interesses e das vocações da Espanha e Portugal bastará citar-lhes, para que meditem e reconheçam a sua limitada visão histórica e estratégica, a seguinte tese do doutor Joaquim Aguiar, que esteve na durante vinte anos na casa civil de dois Presidentes da República (Eanes, primeiro, Mário Soares, depois), exposta no final do seu livro referencial onde descreveu, já em 2005, exaustivamente as causas da nossa crise política e económica estrutural:

"O cenário ibérico está associado ao que se encontra no cenário europeu. Quanto mais fraca for a racionalização europeia, mais forte será a tendência para a centripetação ibérica num espaço regional (em correspondência ao que acontecerá noutras regiões europeias, na medida em que essa fraca racionalização europeia irá estimular a fragmentação da União Europeia em espaços regionais, cada um com o seu centro próprio). Mas este cenário ibérico também estará associado ao que se encontrar no cenário português.
Quanto mais tempo durar a fase de vizinhança da descontinuidade, com o sistema político português a operar longe do equilíbrio, mais fácil e mais inevitável será a penetração de interesses espanhóis no espaço português.
Neste ponto, nem mesmo a fragmentação de Espanha em poderes autonómicos será favorável à defesa da autonomia portuguesas porque, na perspectiva do centro ibérico, a compensação para a fragmentação em autonomias será a inclusão de mais uma «autonomia», com a correspondente gestão conjunta deste sistema regional articulado." (citação do livro "Fim das Ilusões, Ilusões do Fim: 1985-2005", página 444, Editora Aletheia).

Pode assim constatar-se a natureza de submissão estratégica de Portugal subjacente às posições iberistas que defendem a intimidade e o estreitamento relacional entre Portugal e Espanha, incluindo a realização de Conselhos de Ministros comuns. Pode ver-se, ainda mais, ao que vêm e ao que poderão conduzir nesta fase crítica de Portugal e da União Europeia a concretização destas ideias. Mas não é de espantar que a ideologia socialista junta com a do federalismo europeu sejam um caldo de apagamento completo e suicidário de Portugal numa Ibéria, primeiro, e numa Europa indefinida, por último.

Nota Importante: Claro que todo o livro de Joaquim Aguiar demonstra a impossibilidade de manter a narrativa fundadora do regime, da distribuição continuada que tem tradução no tal Estado monstruoso e impagável, e por isso ele define que o estado das coisas já em 2005 era a da proximidade de um ponto de ruptura e descontinuidade. Só que os socialistas deste regime nunca leram ou vão querer ler as teses elaboradíssimas de Joaquim Aguiar (muito embora ele tenha trabalhado na casa civil do próprio Mário Soares ao longo dos seus dois mandatos).

José Pinto Correia, Economista

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