terça-feira, 27 de julho de 2010

Portugal, Europa e o Mundo no Século XXI

Durante os últimos cinquenta anos do século vinte o Mundo assistiu a uma evolução constante e profunda em muitos domínios. Foi a grande mudança das tecnologias, entre as quais as da comunicação e informação e as da medicina, como a ascensão de muitos países a regimes políticos democráticos.

Lembremo-nos que o Muro de Berlim, que dividia o leste do ocidente ruiu em 1989, dando-se desde então início a uma era em que deixaram de existir os dois blocos de poder rivais. Estava findado um período de mais de quarenta anos, desde o fim da segunda guerra mundial em que se defrontaram duas concepções antagónicas de organização política, social e económica do Mundo – o capitalismo democrático e liberal do ocidente liderado pelos Estados Unidos da América contra o comunismo colectivista e de democracia popular do leste comandado pela União Soviética.

Neste período de meio século, o Mundo tinha-se quase unificado por um renovado processo que agora se denomina de globalização competitiva. Todos os países e lugares da Terra passaram a ser interdependentes, porque as tecnologias da comunicação e da informação, dos transportes terrestres e aéreos, as produções das grandes empresas e o seu poder económico global, os computadores e as suas potencialidades sem fim, reduziram as distâncias entre os lugares e as pessoas e ligaram-nas numa verdadeira “cadeia universal”. Morreu a distância, fluidificaram-se as fronteiras nacionais, reconfiguraram-se os espaços regionais, nacionais e locais, apertou-se o tempo, mudaram-se as rotinas e os instrumentos pessoais.

Os países ficaram deste modo menos isolados sobre si-próprios e tenderam a estabelecer relações de mais íntima cooperação geográfica e interdependência. Nasceram as modernas organizações supra-nacionais que agrupam países em áreas continentais, de modo a facilitarem as respectivas relações económicas, sociais, culturais e políticas.

O exemplo mais avançado desta congregação de interesses e vontades entre países é a agora denominada União Europeia (que anteriormente se denominara de Comunidade Económica Europeia e de Comunidade Europeia). Nesta União existe já hoje um elevado grau de integração económica e uma colaboração e cooperação política também assinalável que tem permitido à Europa viver um dos seus mais longos períodos de paz e crescimento económico. A União Europeia (UE) já hoje inclui 27 estados membros e constitui o maior espaço económico e comercial do Mundo, dotada recentemente de um novo quadro institucional que foi projectado para os novos desafios que a construção europeia parecia determinar.

Todavia, em 2001 com o atentado às Torres Gémeas de Nova Iorque houve uma alteração radical na forma de ver e governar o Mundo. Este atentado, perpetrado pela organização terrorista global Al-Qaeda, de inspiração islâmica fundamentalista, veio desestabilizar o equilíbrio que se tinha vindo a criar a nível global depois da queda do Muro de Berlim. Há um Mundo antes e outro depois do onze de Setembro, no qual a forma de organização da vida ocidental está colocada em risco pela determinação fanática deste novo tipo de extremismo de inspiração religiosa.

O terrorismo global de inspiração islâmica é hoje uma ameaça séria ao regular e pacífico viver do denominado “Mundo Ocidental” e também a muitos dos países árabes e muçulmanos onde imperam regimes de cariz não fundamentalista que têm mantido nas últimas décadas maiores níveis de intimidade com o Ocidente. Provavelmente neste Mundo pós guerra-fria vai permanecer durante muitos anos uma nova guerra latente e insidiosa que alguém já chamou de “Guerra das Civilizações”, na qual a inspiração religiosa fundamentalista e bárbara de um islão deturpado nos seus fundamentos teológicos vai perturbar a salutar convivência entre povos, que todos pareciam desejar e o Mundo mais justo e próspero mereceria.

Neste novo enquadramento internacional em que têm vindo a emergir novos centros de poder económico e geopolítico, com destaque para a China, a Índia ou o Brasil, a situação relativa da Europa apresenta desde há praticamente uma década um conjunto identificável de fragilidades estruturais flagrantes. Desde logo em matéria demográfica o continente europeu está em franco declínio, com fracas taxas de natalidade e franco grau de envelhecimento médio da respectiva população. O que, aliado a taxas médias de crescimento económico muito inferiores às das dos decénios mais auspiciosos do século vinte, coloca enormes constrangimentos ao desenvolvimento económico, à coesão social e à capacidade de sobrevivência dos actuais modelos de estado social criados nesses ambientes anteriores de grande crescimento económico e populacional.

O continente europeu está, portanto, em franco declínio de afirmação de poder económico, social e político à escala global. Já hoje é possível prefigurar a deslocação da supremacia da importância económica para o continente asiático e o oceano pacífico, a par da importância tradicional dos EUA que mantém a sua situação privilegiada nesse mesmo oceano, e com perda altamente provável da relevância secular da Europa que se manifestou ininterruptamente ao longo dos últimos três séculos (desde a denominada revolução industrial).

Acresce também que a Europa perdeu capacidade de afirmação militar por ter dedicado á sua defesa militar um muito menor esforço relativo do que os EUA com quem manteve a sua ligação primordial no âmbito da NATO, o que hoje impede que esta mesma Europa seja tida na devida consideração quanto à resolução de conflitos que se passam em áreas geográficas que lhe são próximas e nas quais teria óbvios interesses geopolíticos e geoestratégicos. Um exemplo claríssimo desta fraqueza europeia diz respeito ao conflito do médio oriente, no qual estão em causa interesses relevantes para a Europa e o seu papel é reduzido praticamente a uma mera intermediação financeira das parcelas palestinianas afectadas pelo conflito em presença.

As forças principais que definirão a balança de poderes mundiais nas próximas décadas deste novo milénio jogam, nestas condições, francamente em detrimento da Europa, que terá de encontrar estratégias próprias de reposicionamento e de reconfiguração dos seus potenciais, sob pena de vir a tornar-se, como muitos analistas insuspeitos já hoje afirmam, um continente despiciendo no jogo mundial de poderes geopolítico e geoestratégico deste século vinte e um.

Conhece-se a grave crise económica e financeira em que o mundo ocidental está mergulhado presentemente. A Europa tem tido uma enorme dificuldade em traçar uma estratégia consequente de afrontamento da sua situação débil, a qual é muito afectada pelos enormes défices e dívidas públicas de muitos dos seus países, mas também pela patenteada ausência de uma vontade única e coerente de definir uma estratégia económica e política de médio prazo capaz de enfrentar a gravíssima crise que afecta toda a União Europeia.

Mas por isso mesmo há um enorme desafio aos líderes europeus para toda esta segunda década do século vinte e um. O qual se traduz na imprescindibilidade de esses líderes encontrarem concertadamente um caminho de crescimento económico visível garantindo uma melhor estrutura das respectivas contas públicas dos estados nacionais e, ao mesmo tempo, a projecção de uma nova capacidade de afirmação do continente no concerto mundial.

Mas este desafio ímpar para a Europa só se fará, por um lado, com a indispensável negociação multilateral das regras da globalização competitiva num horizonte temporal alargado (duas décadas, pelo menos) que possa salvaguardar um crescimento económico significativo e a correspondente capacidade de defender os adquiridos de direitos sociais conquistados ao longo de várias décadas pelos europeus, e, por outro lado, com a reafirmação de uma parceria estratégica de carácter transatlântico com os EUA que possibilite a defesa da economia de mercado e a junção de valores de democracia e de respeito pelos direitos humanos nos diferentes espaços do mundo.

Portugal tem a sua afirmação nacional ligada simultaneamente à Europa e aos espaços da lusofonia, que estão na África e no Brasil e em outros países da América Latina. Está, assim, e por consequência, muito interessado nesta evolução do potencial da Europa no mundo globalizado. Mas pela sua vocação histórica atlântica que manteve a sua afirmação identitária ao longo de séculos deve, por isso mesmo, fazer da sua estratégia de desenvolvimento para as próximas décadas deste século uma síntese dinâmica dos potenciais de benefícios económicos, políticos e geoestratégicos que resultarão desta “trilateralização de política externa” com os vértices da Europa, da África e do Brasil e América Latina.

Só apostando equilibrada e consequentemente nestas diversas frentes geográficas, Europa, África, Brasil e América Latina, Portugal poderá escapar a uma desvalorização da sua individualidade histórica e nacional, que resultaria de se circunscrever exclusivamente a qualquer um desses três vértices da nossa estratégia para as próximas décadas deste novo milénio. Um período extremamente exigente e que se desenha, tal como acima referenciámos, como tendo os contornos de um nítido prejuízo geoestratégico e geopolítico para a Europa no âmbito do concerto das regiões mundiais.

José Pinto Correia, Economista

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