quinta-feira, 25 de setembro de 2008

As Políticas Desportivas Comparadas: Portugal vs. Reino Unido (II)

Passamos a publicar o nosso texto de opinião editado hoje no Jornal "O Primeiro de Janeiro" com o título supra indicado.

O “Modelo Europeu do Desporto”, como habitualmente vem sendo denominado por anteposição ao “Modelo Norte-Americano”, implicou e implicará uma intervenção activa do Estado/Governo, muitas vezes até constitucionalmente enquadrada, no âmbito da definição de políticas públicas desportivas que fomentem quer as práticas desportivas de base e cariz comunitário quer as de elite ou alta competição, envolvendo nestas últimas níveis de desempenho competitivo internacionalmente comparado e aferido.

O processo de definição das políticas públicas desportivas deve iniciar-se com um amplo e consolidado diagnóstico da situação de partida, envolver depois um abrangente exercício de planeamento estratégico que inclua os principais organismos e actores do sistema desportivo – organismos governamentais, federações desportivas, escolas e desporto escolar, autarquias e governos locais, instituições académicas e profissionais.

Este processo de definição das políticas tem de traduzir uma visão do desporto no país, a partir da qual serão encontrados os correspondentes objectivos estratégicos, definido o plano de acção para a respectiva implementação, bem como os respectivos horizontes temporais relevantes para o alcance dos resultados e níveis de sucesso pretendidos. Tem de considerar também que se trata de um exercício longo que visa promover mudanças, as quais dependerão da partilha assumida dessa agenda evolutiva por parte de múltiplos actores organizacionais presentes nos diferentes sectores e níveis que compõem o sistema desportivo.

No nosso texto da semana anterior referíamos que “Ao invés do que acontece em Portugal desde há muitos anos, no Reino Unido e mais especificamente na Inglaterra desde o meio dos anos noventa, já com o governo do partido trabalhista liderado por Tony Blair (o denominado “New Labour” da terceira via), têm existido afirmações claras e assumidas dessas políticas e estratégias de desenvolvimento do desporto” e destacávamos que no ano 2000 passou a existir uma posição clara e oficial do partido trabalhista relativamente à estratégia e visão de desenvolvimento desportivo, através da publicação do documento “A Sporting Future for All” (Um Futuro Desportivo para Todos), prefaciado pelo próprio primeiro-ministro.

É sobre o conteúdo deste documento que nos vamos subsequentemente centrar, procurando hoje destacar apenas os elementos fundamentais que compunham respectivamente o prefácio e a introdução (sobre a visão e o plano de acção mais extensos que também compunham o documento falaremos em próxima oportunidade).

Este exercício descritivo visa por comparação elucidar as fragilidades e insuficiências que as políticas desportivas, ao mesmo tempo, têm tido em Portugal, onde nunca existiram posições oficiais tão sistematicamente articuladas e assumidas.

Passemos então a analisar sinteticamente o conteúdo do referido documento britânico, por ora apenas quanto ao seu respectivo prefácio e introdução.

1. Prefácio
Um primeiro e muito importante destaque vai para o facto de existir um prefácio subscrito pelo próprio primeiro-ministro, Tony Blair, o que concede ao desporto e aos objectivos estratégicos enunciados para o seu desenvolvimento um peso político e papel de primeiro plano a nível governamental.

De facto, é o primeiro-ministro que assume pelo seu próprio punho que “o desporto é importante… [que o desporto] inspira uma paixão e uma dedicação que representa uma parte central em muitas vidas pessoais…que o desporto é importante para todos nós – para os indivíduos, para as famílias, e para juntar as pessoas num propósito comum, para as comunidades a todos os níveis”.

E mais adiante neste mesmo prefácio ele refere que “É na escola que a maior parte de nós tem a primeira oportunidade de experimentar o desporto. É aqui que as crianças descobrem o seu talento e o seu potencial. Eles precisam da oportunidade de experimentar uma variedade de desportos, para verem aquele de que mais gostam. Eles precisam de ensino de alta qualidade nas perícias básicas. Eles precisam de oportunidades para competir a um nível que esteja de acordo com o desenvolvimento das suas capacidades”.

E também afirma logo em seguida que “O Governo não deve dirigir o desporto… [e que] por isso há um papel chave a ser desempenhado por aqueles que organizam e gerem o desporto – as autoridades locais, os clubes desportivos, as federações desportivas, os Conselhos Desportivos (“Sports Councils”) e o Governo”.

Ao mesmo tempo que refere que “Assim nós definimos planos para aumentar a clareza acerca dos seus papéis, para melhorar a coordenação e para aumentar o profissionalismo da gestão do desporto. Apenas se nós modernizarmos o modo como o desporto é dirigido nós seremos capazes de criar a mais lata participação e a maior concretização que são os nossos propósitos”.

Portanto, o envolvimento do Governo no futuro do desporto e a assunção dos seus propósitos ao seu mais alto nível pelo próprio primeiro-ministro não deixam margem para qualquer dúvida logo no início deste importante documento orientador do desenvolvimento do desporto no Reino Unido.

2. Introdução
Esta parte do documento – a introdução – tem apenas o subtítulo bem ilustrativo que dá o próprio título oficial do documento: “Um Futuro Desportivo para Todos”.

Começa logo por afirmar que o Governo tem as mais altas aspirações para o desporto no país. E refere como seus propósitos os seguintes:

Mais pessoas de todas as idades e grupos sociais a praticarem desporto;
Mais sucesso para os competidores de topo e equipas em competições internacionais.

Mais adiante são também identificados os seguintes temas chave para a melhoria do desempenho nacional no desporto:

Não existem suficientes oportunidades para as crianças e os jovens participarem;
As pessoas perdem o interesse à medida que aumenta a idade, reduzindo a participação e diminuindo o conjunto do(s) talento(s);
Existem demasiados obstáculos para o progresso daqueles que têm potencial para atingirem o topo;
A organização e gestão do desporto é fragmentada e muitas vezes não profissional.

Defende-se, por isso, que o Governo e todos quantos dirigem o desporto têm de trabalhar em conjunto para ultrapassarem as dificuldades e as insuficiências, e que esta estratégia de desenvolvimento agora definida com as suas duas partes – a sua visão e o respectivo plano de acção que a concretizará – procuram dar ao desporto um novo nível de desempenho nacional.

(a continuar)

José Pinto Correia, Mestre em Gestão do Desporto

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