Passamos a transcrever o nosso texto de opinião publicado na edição de hoje do Jornal "O Primeiro de Janeiro" com o título original e que consta da epígrafe.
"Agora que já terminou a participação portuguesa nos Jogos Olímpicos de Pequim com os resultados que se conhecem, ouve-se com frequência falar da necessidade de repensar e reorganizar o desporto de alta competição entre nós – tal foi desde logo afirmado a quente nos Jogos de Pequim pelo próprio Presidente do Comité Olímpico de Portugal (COP).
Acontece todavia que estas afirmações carecem genericamente de substância pois não indicam quais os domínios e modelos dessa mudança, nem que opções novas seriam necessárias, que outra estratégia de desenvolvimento e organização ou mesmo que outros tipos de liderança e de líderes deveriam protagonizar tais processos de renovação desportiva.
Ora, esta incapacidade de apresentar os fundamentos racionais de reorganização e/ou renovação do nosso desporto de alta competição assenta primariamente no facto de não existirem estudos sérios e profundos sobre a realidade organizativa, de gestão ou económica desse mesmo desporto.
Não se conhecem desde há anos – e são passados mais de três com este Governo em funções – quaisquer estudos e investigações detalhadas sobre a organização e gestão ou planeamento estratégico do desporto português.
Não existem, por conseguinte, quadros de diagnóstico ou de reflexão sobre a organização, gestão e planeamento das federações desportivas, nos quais se pudessem avaliar os critérios de funcionamento das respectivas estruturas, os processos de decisão, as principais carências organizacionais e técnicas, os modelos de liderança ou, ainda mais, os métodos de planeamento estratégico e de fixação dos objectivos essenciais de desenvolvimento, por exemplo.
Por outro lado, não se conhecem igualmente estudos que se reportem aos métodos de trabalho entre as federações e os clubes desportivos, como é realizada a cooperação e coordenação dos respectivos esforços de desenvolvimento das modalidades e dos atletas e treinadores respectivos, ou mesmo sobre o modo como é feita a preparação técnica e científica dos treinadores e o apuramento metodológico do treino das modalidades.
Não se conhecem também quaisquer estudos sérios e validados cientificamente sobre gestão e planeamento estratégico das federações desportivas, sobre economia da utilização dos recursos e análises de custos-benefícios no desporto incluindo as dos grandes eventos desportivos realizados no país, ou ainda por maioria de razão sobre o próprio valor económico do desporto para o país.
E este valor económico exprime-se nomeadamente em termos de valor acrescentado e de actividade económica nos sectores e empresas ligados ao desporto (o vulgar PIB), de emprego criado e gerado pelo desporto, e ainda do cálculo de benefícios decorrentes da redução do absentismo ou do aumento da produtividade pela prática desportiva ou pela substancial redução das despesas e encargos de saúde conseguidas pela melhoria da qualidade de vida dos praticantes desportivos (sobre estes elementos a situação existente no Reino Unido é exemplar e deve ser considerada como modelo ou “benchmarking”).
Esta situação de flagrante insuficiência de estudos de gestão e organização do desporto em Portugal é tanto mais evidente quanto é certo que nem a actual Secretaria de Estado do Desporto nem o seu Instituto do Desporto de Portugal (IDP) promoveram ou publicaram nestes últimos anos qualquer estudo do teor dos acima referidos – não é possível encontrar nos sites destes entes governamentais nenhuma referência desse tipo, sendo que o IDP já há três anos que deixou de financiar a investigação em desporto que anteriormente promovia.
Portanto, o país não está hoje, e assim, em condições de reflectir com bases sólidas sobre a reorganização ou renovação do seu desporto de alta competição.
Não tem para esse empreendimento qualquer base de diagnóstico ou de análise estratégica, de planeamento e gestão ou de organização válida, onde basear a reflexão e escolher novos caminhos ou estratégia de mudança e desenvolvimento.
Por isso, quando agora se ouvem alguns a pedir a renovação do sistema desportivo é justo perguntar-se o que entendem por tal e em que baseiam a sua pretensão.
Será que querem dizer mais e melhor organização e gestão estratégica nas federações, no Comité Olímpico de Portugal e no Instituto do Desporto e Secretaria de Estado do Desporto? E estas fundamentadas em estudos sérios e cientificamente validados sobre essa organização e gestão? Ou como tem sido apanágio no passado que, na falta desses instrumentos racionais e metodologicamente convenientes, apenas tudo fique em opiniões circunstanciais despidas de contributos profundos, sistemáticos e validamente eficazes?
Agora que se abre a discussão em torno da preparação do novo ciclo olímpico de Londres 2012 e porventura como desejável mesmo até 2016, com o Governo desde logo a exigir ao COP um Relatório circunstanciado de Pequim 2008 (que se não limite aos habituais relambórios de auto-gratificação mas seja um real exercício de avaliação do Projecto Pequim 2008), é imperativo que no país se comecem a estudar e investigar as matérias que têm estreita e indispensável relação com a gestão e o planeamento estratégico do desporto, e com a organização e gestão das federações desportivas, sem esquecer as da liderança e dos líderes respectivos.
E exigir também ao Governo e ao seu Instituto do Desporto de Portugal que lancem imediatamente as investigações de gestão e economia do desporto que possam inequivocamente fundamentar as futuras políticas e opções desportivas que conduzam Portugal a um outro patamar de desenvolvimento do seu desporto de alta competição".
José Pinto Correia
(Mestre em Gestão do Desporto)
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