Aqui publicamos o nosso texto de opinião editado hoje no Jornal "O Primeiro de Janeiro" com o título acima indicado.
O desporto de alta competição vive da realização de eventos desportivos associados às diferentes modalidades. Em Portugal tem-se apostado muitas vezes nos anos recentes na promoção da realização de eventos desportivos, alguns mesmo de grandes dimensões como foi o EURO 2004, alegando-se, além do mais, que eles são uma boa oportunidade para dar dimensão e visibilidade internacional ao nosso desporto.
Nestes eventos desportivos aparecem regularmente entidades públicas e governamentais a atribuir apoios financeiros à realização dos mesmos sem que, depois, e consequentemente, se analisem os respectivos benefícios e impactos económicos que deles resultam. Portanto, não têm existido em Portugal análises sistemáticas da rentabilidade de utilização dos financiamentos públicos canalizados para a realização destes eventos desportivos.
Ora, a realização desse tipo de análises é um imperativo que urge para tornar possível escrutinar da valia para a sociedade dos investimentos que a mesma faz, através das autoridades públicas e governamentais, nesses eventos desportivos, bem como para servirem de critérios de decisão de afectação dos recursos a novos eventos desportivos previstos. A permanente escassez dos recursos públicos disponíveis impõe esses critérios, pois a escolha e as prioridades a definir na sua adequada utilização têm de basear-se na correspondente boa e rendível aplicação, única forma de os cidadãos contribuintes se certificarem do valor gerado com o uso desses meios de financiamento nos respectivos eventos desportivos.
No Reino Unido, como vamos seguidamente passar a descrever, essas análises existem desde há muitos anos e permitem conhecer com algum rigor a forma como os dinheiros públicos investidos nos eventos desportivos reproduzem benefícios económico-financeiros para a sociedade. Vejamos então, em detalhe, a experiência britânica quanto à avaliação dos impactos e benefícios dos eventos desportivos.
No Reino Unido a entidade encarregada de avaliar as candidaturas internas para a realização de eventos desportivos, bem como a que tem procedido à medição efectiva dos impactos económicos de muitos desses eventos que no país se têm vindo a realizar, é o UKSport. Esta agência de natureza não-governamental é também a líder da concretização das políticas de fomento e de desenvolvimento do “desporto de elite do Reino Unido”, conduzindo também, por isso mesmo, o processo de financiamento da participação Olímpica do país.
O UKSport definiu uma “tipologia geral dos eventos desportivos” aliando o seu carácter regular ou irregular, por um lado, às respectivas capacidades de gerarem impacto económico significativo ou não, quer numa base diária quer no global da duração temporal dos eventos. Assim, passou a referenciar os quatro seguintes tipos de eventos:
1. Eventos do Tipo A: são eventos de grande dimensão e internacionais centrados nos espectadores e geradores de significativa actividade económica e interesse mediático, por exemplo os Jogos Olímpicos ou o Campeonato do Mundo de Futebol;
2. Eventos do Tipo B: são grandes eventos centrados nos espectadores gerando significativa actividade económica e interesse mediático e são parte de ciclo doméstico anual, por exemplo a Final da Taça de Futebol;
3. Eventos do Tipo C: eventos únicos de carácter irregular centrados quer nos espectadores quer nos competidores e gerando um nível incerto de actividade económica, por exemplo os Grandes Prémios de Atletismo;
4. Eventos do Tipo D: eventos de grande dimensão centrados nos competidores gerando pouca actividade económica e fazendo parte de um ciclo anual, tais como os Campeonatos Nacionais da maioria dos desportos.
O UKSport tem como sua estratégia global quanto aos eventos desportivos a de apoiar aqueles que tenham relevância estratégica e que produzam, ao mesmo tempo, um conjunto de benefícios duradouros de carácter desportivo, económico e “social-cultural”.
Esta estratégia de promoção dos eventos desportivos teve antecedentes no Relatório publicado em 1995 pela então denominada “National Heritage Commission” que à data considerava: “É claro que as candidaturas para hospedar grandes eventos desportivos…[podem] operar como um catalisador para estimular a regeneração económica mesmo se eles no final não provarem ser bem sucedidos” (citação).
Este mesmo Relatório utilizava os casos das cidades de Sheffield e Manchester para enaltecer os impactos regeneradores dos eventos desportivos e referia que: “…uma vez que o desenvolvimento inicial teve lugar, a existência de instalações de alta qualidade significa que as cidades referidas são capazes de atrair outros eventos desportivos. O impacto contudo não pára aqui. Muitas das instalações são adequadas para outras utilizações tais como conferências e concertos. Em acréscimo a publicidade favorável pode seguir-se de um evento bem sucedido e aumentar a atractividade da cidade, elevar o seu perfil no estrangeiro, e torná-la capaz de atrair um número crescente de turistas” (citação).
O UKSport usa uma definição de impacto económico que é a seguinte: “O impacto económico de um evento desportivo é a mudança económica líquida na economia local resultante do acolhimento do evento. O efeito económico líquido pode ser expresso como a despesa adicional local, o emprego adicional local, ou o rendimento adicional local gerados pelos visitantes do evento provenientes de fora da economia local. O impacto económico total de cada evento é composto por três componentes: o impacto directo, o impacto indirecto e o impacto induzido”.
Ou se quiser definir de um modo mais simples os impactos económicos correspondem, também para o UKSport, a: “O montante total de despesas adicional gerada dentro de uma cidade de acolhimento, ou área, que poderia ser directamente atribuída ao acolhimento de um determinado evento desportivo”.
Portanto, nesses impactos económicos só são consideradas as despesas de visitantes exteriores como elegíveis para inclusão nos cálculos respectivos de impacto económico, uma vez que se considera que as realizadas pelos habituais residentes da área de acolhimento seriam sempre dispendidas independentemente da realização do evento em apreço. Às despesas realizadas pelos residentes é mesmo atribuído o conceito de “despesa de peso-morto” (“deadweight expenditure”, no original).
Os impactos económicos dos eventos e a sua possível previsão são também considerados elementos fundamentais ao processo de apreciação dos eventuais financiamentos públicos a atribuir a esses eventos desportivos. Trata-se obviamente de fundamentar o financiamento no denominado “valor criado para a sociedade” (o denominado “Value for Money”), princípio básico da atribuição de fundos públicos a quaisquer projectos, e que serve também de instrumento de validação dos critérios de afectação e de prestação de contas do uso dos recursos à sociedade e aos respectivos contribuintes (a denominada “Accountability”).
O UKSport avaliou cerca de 16 eventos desportivos realizados entre 1997 e 2003, tendo para o efeito estabelecido uma “Metodologia Comum” que assenta, nomeadamente, num “Questionário Standard”. Assim, é possível proceder à comparabilidade dos diversos resultados e eventos desportivos num conjunto de elementos caracterizadores e de impacto.
Nas análises que foram efectuadas para vários eventos realizados nos últimos anos (especialmente entre 1997 e 2003) revelou-se uma forte correlação entre o número de espectadores admitidos e o impacto económico absoluto de um evento, o que sugere que o número absoluto de espectadores é um influenciador chave do impacto económico (também denominado de “key driver”). Por outro lado, a despesa média realizada pelos representantes dos “media” que fazem a cobertura do evento é mais elevada do que a dos restantes intervenientes nos eventos – designadamente dos atletas, treinadores, juízes.
O que também acontece nestes resultados de impactos é que grande parte dos mesmos corresponde apenas a uma redistribuição do dinheiro dentro da economia do Reino Unido, a qual não apresenta por isso alterações relevantes no seu PIB total decorrentes desses eventos desportivos.
Entretanto, dos vários estudos de impacto conduzidos com metodologia uniforme concluiu-se que por cada libra de financiamento atribuído pela National Lottery (um dos grandes financiadores do desporto no Reino Unido) para esses eventos foi possível originar, em média, uma despesa adicional nas economias de acolhimento de 7.3 libras (dado este que foi baseado na avaliação detalhada dos impactos de 10 de 11 eventos financiados através da Lottery). Este é um decisivo indicador do “valor do dinheiro” que anteriormente mencionámos ser um importante princípio de avaliação da despesa pública de investimento no Reino Unido.
O UKSport desenvolveu também um “Modelo de Previsão Económica” para prever o impacto económico de eventos desportivos antes de eles se realizarem. A fiabilidade das previsões originadas com aquele modelo tem variado entre os 64 e os 79% dos valores reais “a posteriori”.
Os elementos recolhidos nestes estudos permitiram também apresentar, nomeadamente, elementos como os seguintes:
- Quadro de Impacto dos Eventos: com os anos dos eventos, localização respectiva, nº de dias de duração, impacto em libras e impacto médio por dia;
- Tipologia dos Eventos Desportivos: de acordo com a definição dada pelo UKSport para os diversos eventos;
- Gráfico dos Impactos: apresentando os diferentes impactos dos diversos tipos de eventos;
- Gráfico dos Impactos Diários: apresentando os impactos médios diários dos diferentes eventos;
- Gráfico das Despesas de Visitantes e da Organização: relacionando as despesas dos visitantes com a da organização dos próprios eventos (indicador de escala, portanto);
- Gráfico de Espectadores e de Impacto Económico Bruto: relacionando o número de espectadores admitidos nos eventos e os respectivos impactos económicos brutos (a qual apontou para um coeficiente de correlação de .90, por conseguinte revelador da grande relação entre o número de espectadores e a dimensão dos impactos produzidos pelos eventos desportivos);
- Padrões de Despesas por Grupos Chave: apresenta os diferentes padrões de despesa dos diferentes grupos envolvidos nos eventos (atletas, treinadores, repórteres dos media, juízes e árbitros, visitantes externos, nomeadamente).
O UKSport gere, por outro lado, um “Programa de Eventos de Classe Mundial” (“World Class Events Programme”) que tem o objectivo estratégico essencial, que converge com a política de desenvolvimento até 2020 afirmada pelo Governo para o desporto (inscrita no documento denominado “Game Plan” publicado em 2002”), de exponenciar o valor económico originado com os eventos desportivos nacionais e internacionais realizados no Reino Unido.
A promoção dos eventos desportivos, designadamente os de grande dimensão e projecção mundial como os Jogos Olímpicos ou o Campeonato do Mundo de Futebol surge, assim, naturalmente integrada na própria política de desenvolvimento do desporto no Reino Unido.
(a continuar)
José Pinto Correia, Mestre em Gestão do Desporto