quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Pequim 2008 e o Ciclo Olímpico 2012-2016

Passamos a publicar o nosso texto editado hoje no Jornal "O Primeiro de Janeiro" sob o título acima indicado.

“Nunca se viveu tanto como quando se pensou muito”, Bernardo Soares “Livro do Desassossego (1ª Parte)

Os Jogos Olímpicos de Pequim foram segundo se disse nas instâncias governamentais e do dirigismo máximo olímpico os melhor preparados e mais bem financiados para assegurar a condigna presença competitiva do desporto nacional naquele mais relevante evento desportivo mundial.

O Comité Olímpico de Portugal assumiu um protagonismo único nessa preparação, beneficiou de e geriu um importante pacote financeiro negociado com o Governo e assumiu com este compromissos e objectivos que incluíam a obtenção de um certo número de medalhas olímpicas.

Os resultados da participação portuguesa são já conhecidos, sobre eles muito se tem dito e continuará provavelmente a dizer, e importa fazer deles uma séria e ponderada avaliação, submetida a critérios objectivos e rigorosos que incluam, nomeadamente, a autoavaliação das federações envolvidas, dos atletas e treinadores e dos dirigentes aos diferentes níveis da comitiva olímpica.

Claro que com o final de Pequim 2008 e do seu respectivo “Ciclo Olímpico” as “coisas olímpicas” começaram, obviamente, a mexer e agitaram-se as águas e alguns dos pretensos protagonistas da próxima eleição para o Comité Olímpico de Portugal (COP).

Desde logo veio para a ribalta mediática a manifestação pronta do Secretário de Estado do Desporto a pedir contas, melhor um relato devido e circunstanciado, da Missão Pequim 2008 ao COP – e a dizer com relevo que essa exigência já tinha dois meses de vida e que tinha sido transmitida em devido tempo ao próprio Comité. Isto já depois de o mesmo governante da tutela ter deixado entender que criticava condutas e declarações extemporâneas do Comandante Vicente Moura em Pequim, ainda com atletas em competição, e que haveria coisas para alterar para o futuro contrato de preparação do novo “Ciclo Olímpico”.

Antes mesmo destas “nuances”, era a primeira página do Expresso a lançar a parangona da “guerra Governo COP e a candidatura mediática da Rosa Mota”. Na sequência da qual esta ex-atleta olímpica lançava, já na rampa adequada (ainda que bem sentada), as primeiras farpas ao Comandante do COP (caído finalmente, ao que parece, em desgraça) e aos dirigentes federativos que usariam em fins “paralelos” as verbas para a preparação dos respectivos atletas – ainda que ela logo amenizasse como sendo apenas “um palpite” (imaginoso no mínimo, diga-se).

Entrementes, com Pequim ainda em curso, o COP aproveitou a boleia do Ministro da Presidência e da tutela do desporto sobre a intenção em continuar o “Programa para Londres 2012” e vai de entregar a nova proposta (tríplice) para o “Ciclo de 2012-2016”.

Portanto, esta nova proposta do COP surge sem se que se conhecessem os resultados alcançados em Pequim, e sem que sobre essa participação tivessem sido realizadas quaisquer análises e avaliação – sendo assim, por consequência, completamente independente dos resultados do “Ciclo Pequim 2008”.

Mas mais estranho ainda é o facto de no documento do COP, nas suas 19 páginas de extensão que compõem o referido “Projecto”, se verificar que sobre estratégia e desenvolvimento do desporto, da respectiva estruturação sistémica, da liderança, reorganização e gestão federativas, da renovação e redefinição dos processos de trabalho, da melhoria das condições de preparação dos treinadores e atletas, nada é dito.

Desse documento apenas continuam a constar (como no passado) as regras, muitas e muitas regras de inclusão e de exclusão das bolsas olímpicas, níveis e níveis de pagamentos, os vários estipêndios possíveis aos atletas e treinadores e imagine-se, apenas no final do documento, como “solução de cartola”, a constituição, sob a alçada da Comissão Executiva do COP como tinha de ser, de uma “Direcção do Programa Olímpico” profissionalizada e composta por 3 a 4 técnicos a recrutar especialmente e que vai fazer, além do mais, o acompanhamento do planeamento das federações e dos clubes (há também ainda um “Núcleo de Acompanhamento Médico” composto por 2 a 3 médicos para várias valências de apoio).

Portanto, sobre o conteúdo deste novíssimo “Programa de Preparação para 2012-2016”, é mais do mesmo, regras e regras e verbas para o que interessa, mas ainda assim mesmo com um aumento da verba total de 11% relativa à de Pequim 2008.

Não há neste documento e nesta proposta do COP, não poderia haver, e pelos vistos nem interessa fazer a avaliação sobre o que correu e como correu até Pequim e nos próprios Jogos.

Todo o novel “Projecto até 2016” é, assim mesmo, independente de qualquer exercício de reflexão quer sobre o sistema de alta competição que temos e o que queremos para Londres, quer também sobre os processos e resultados até e de Pequim 2008.

Para planeamento e organização de um "Projecto" desta envergadura e importância nacional e desportiva convenhamos que é indefensável e incaracterístico – já para não dizer incompetente.

Isto porque mandam os bons manuais de preparação de projectos que não se prepare um que seja continuação e renovação de outro que termina e tem idêntica natureza sem se fazer a devida e crítica avaliação do que se realizou entretanto – e como este já se concluiu sempre se pode, no caso em apreço, fazer a avaliação total quer do durante quer do pós-projecto.

É inaceitável, por isso, que se avance para um novo “Ciclo Olímpico” sem conhecer com exactidão o que se quer realizar com o nosso desporto de alta competição e sem que se conheçam os propósitos/objectivos que se pretendem atingir.

Porque os meios financeiros, o denominado envelope financeiro do “Projecto”, não podem ser transformados nos próprios fins – o que seria uma completa perversão de método de projectar e planear; pois que os recursos financeiros serão sempre apenas um instrumento de concretização de uma determinada estratégia e objectivos dela derivados.

No planeamento, num projecto de grande dimensão, os fins/objectivos/resultados são os determinantes da respectiva concepção e estruturação – nunca o são os recursos financeiros como acontece neste “Projecto 2012-2016” entregue de forma completamente extemporânea e insuficiente pelo COP ao Governo.

O Governo, e através dele todos nós portugueses que por ele somos representados constitucionalmente pelo menos, exigem mais do COP, e desde logo um Relatório substancial da participação em Pequim que inclua expressão a voz alta e em discurso directo de vários intervenientes – dirigentes federativos, atletas, treinadores, representantes de clubes desportivos de atletas olímpicos. E que detalhe e ilustre não apenas o que correu bem e conforme previsto, mas sobretudo o que correu menos bem e abaixo ou longe do que estava previsto. Este Relatório tem de ser um útil instrumento de trabalho e reflexão que permita fazer mais e diferente, facilitando escolhas e definição de novas prioridades organizativas e de acção para o novo “Ciclo de 2012-2016”.

O que agora se exige é, por isso mesmo, não apenas um dos habituais relambórios do COP avalizados pormenorizadamente pela respectiva Comissão Executiva, com muitos quadros e números para todos os gostos, mas um relato com substância que permita avaliar qualitativamente o que foi feito, o que foi melhor e novidade, as mudanças estruturais, organizativas e de gestão; mas que destaque também o que nesses mesmos termos da equação correu menos bem ou mal, e aponte, em conclusão e propositura, caminhos de melhoria, renovação, reorganização e reorientação – que permitam delinear estratégias e opções de trabalho num elevar do patamar de desenvolvimento desportivo de alta competição para 2012-2016.

Este Relatório deveria mesmo ter a participação activa de consultores de gestão e organização exteriores ao COP e às federações que validassem independentemente as respectivas conclusões e propostas – porque assim passaria a ser um útil instrumento de preparação do Projecto do novo "Ciclo de 2012-2016" quer para o Governo quer mesmo para as entidades federativas e clubes nele envolvidos.

Ao país, ao desporto de alta competição em Portugal, não interessam mais os mesmos arrazoados inócuos e majestosamente benevolentes dos dirigentes olímpicos. Nem muito menos os prontos cronistas/opinadores mediáticos de jornais afectos que se apressam desinteressada e independentemente (?) a fazer o “Balanço dos Jogos de Pequim” em 60 pequenas linhas condenando inefavelmente como “…vampiros, abutres e necrófagos sempre à espreita” quem se atreva a pôr em causa o magnífico e indiciado vital e relevante trabalho do COP antes e em Pequim; e até o do Governo que aqui passava também no exame por uma vez exemplarmente (vide “A Bola” de 28 de Agosto).

Melhorar implica e impõe, desde logo, outros processos de avaliação do trabalho – a começar pelo dos dirigentes de topo e da sua capacidade de liderança.

Os sistemas evoluem muitas vezes em ruptura com pessoas, processos, estruturas e exigem nesses processos de mudança que apareçam novos protagonistas, sobretudo quando os actuais se perpetuam há demasiado tempo nos órgãos cimeiros. E os líderes são quem está “ao leme e indica o sentido da navegação”, e para serem transformadores têm de ser capazes de protagonizar visões de desenvolvimento e estratégias que as concretizam, nunca se acomodando a situações pretensamente consensuais mas deterioradas.

Estas visões e estratégias corporizadas pelos líderes implicam muito trabalho de reflexão, prospectiva, discussão alargada e profunda – porque elas só se tornam eficazes se forem devidamente partilhadas e implementadas ao longo do seu horizonte temporal respectivo. A liderança trabalha sobre o sistema, enquanto que a gestão trabalha dentro do sistema. Por isso, a liderança tem de possuir uma visão clara do que quer fazer e uma vontade de criar a mudança, pois sem isso será fácil retirar-lhe o poder e reclamar da sua condução e acusá-la das insuficiências. Liderar exige poder, mas este tem de estar assente em relações de confiança e legitimidade permanente e inquestionável.

Não há também visão e estratégia sem a devida e indispensável implementação e esta depende das vontades, das motivações e das acções concretas dos diferentes actores relevantes – dirigentes, atletas, treinadores, nomeadamente.

Se existir vontade de criar mudança significativa nos resultados tem de existir mudança nas atitudes e comportamentos, nos métodos e nas técnicas, mas também, e sobretudo, nos modelos mentais que definem e percebem a realidade.

Como bem dizia Einstein “Os problemas significativos que nós enfrentamos não podem ser resolvidos pelo mesmo nível de pensamento que os criou”.

Para termos outros resultados, outra organização, outros modelos e estruturas desportivas, temos de fazer diferente do que estamos habituados a fazer. A evolução exige novos modos de pensar e agir, e muitas vezes novos protagonistas no topo das respectivas estruturas organizacionais e de poder.

Como muito bem refere Stephen Covey “Algo menos do que um compromisso consciente com o importante é um compromisso inconsciente com o não importante”. E o desporto de alta competição de Portugal exige de todos nós, e dos seus dirigentes de topo e do Governo em primeiro lugar, esse compromisso consciente com o que é importante efectivamente.


José Pinto Correia, Mestre em Gestão do Desporto


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