terça-feira, 18 de janeiro de 2011

FIM do Regime e FMI do Regime (Parte II)


“O Portugal de amanhã tem de renascer com novas vontades, novos intérpretes, novos rumos, novas esperanças e outras formas de governar os seus destinos!”

Portugal está presentemente submerso numa maré de desesperança e descrença colectivas, governado continuadamente pela mentira política e pela ilusão de uma abundância e enriquecimento inexistentes. Na cena política abundam os intérpretes partidários e uma partidocracia desprendida da Nação, incapazes de afirmarem uma vontade e um projecto nacionais moralmente inatacáveis, antes conduzindo o País a uma encruzilhada trágica sem rumo claro e definido.

Portugal voga sem destino claro e realista, desmoralizado por anos de falta de valores e a afirmação despudorada de propaganda disfarçada de política séria e por escolhas eleitoralistas falsamente dadas como decisivas e salvadoras.

Agora, em Janeiro de 2011, atingiu-se o ponto da ruptura em que já não é possível continuar a disfarçar a trágica situação nacional, em que se tornam eminentes as novas e diferentes soluções que sejam profundas e estruturais e possam trazer realmente uma nova esperança e futuro para as actuais e novas gerações de portugueses que queiram viver em Portugal.

Só que para que tal renovação do nosso projecto colectivo como Pátria e como Nação possa vir a ocorrer é indispensável que todos nós em conjunto de vontades e acções ultrapassemos mais um outro conjunto de armadilhas que se têm constituído em obstáculos permanentes desde há pelo menos duas décadas ao renascimento e projecção da riqueza nacional num mundo globalizado cheio de desafios e de ameaças.

Enumeremos pois então essas várias armadilhas que são outros factores que se juntam aos já anteriormente enunciados (ver Parte I deste artigo) e que a nossa vontade e alma lusíadas têm de defrontar e vencer para podermos aspirar como Nação e como Povo a um futuro mais benevolente e esperançoso:

6. Um Capitalismo Frágil e Defensivo
A ideologia que dominou todo o nosso século vinte, e se reafirmou constitucionalmente depois de 1974, nunca foi suficiente e claramente favorável ao capitalismo. Por isso mesmo, o País nunca foi capaz de criar um ambiente social e económico ou mesmo político que favorecesse a criação de empresas fortes e criadoras de riqueza e de empregos qualificados. O capitalismo português foi sempre dependente do Estado poderoso e patrimonialista, sem suficiente autonomia e capital próprio que lhe permitisse ser próspero e gerador de riqueza na Nação que pudesse suportar a prosperidade da maioria dos trabalhadores e cidadãos.

7. Um Sindicalismo de Classe Fora-de-Tempo
O sindicalismo português foi sempre maioritariamente enfeudado às perspectivas marxistas de raiz comunista que viam e continuam a ver as empresas em economia de mercado como centros de manifestação da luta de classes entre proprietários capitalistas exploradores e trabalhadores oprimidos e explorados. Esta perspectiva ideologicamente enfeudada do nosso sindicalismo foi possível manter-se inalterada pela extrema fragilidade das empresas e do nosso capitalismo, dos baixos níveis salariais e da produtividade das empresas, e pela incapacidade de geração de rendimento e riqueza da maioria esmagadora dessas empresas nacionais de pequena e média dimensão. Assim, ao lado de um sindicalismo fortemente ideológico e anticapitalista conviviam as empresas portuguesas muito débeis dos pontos de vista económico, tecnológico e financeiro, com trabalhadores pouco qualificados e bastante mal remunerados. Deste sindicalismo radicalmente anticapitalista também nunca podiam ter surgido como não surgiram soluções inovadoras para as nossas empresas que alimentassem um novo empresariado mais dinâmico e gerador de riqueza e emprego qualificado.

8. Um Governo Mau e Tacticista
Não subsistem dúvidas agora em 2011 que o Governo dos últimos seis anos foi incapaz de enfrentar os grandes défices e debilidades estruturais de Portugal. Nestes anos mais recentes a governação alimentou ilusões enormes sobre a real situação do País, enalteceu e gerou expectativas insustentáveis, e gerou encargos imensos que as futuras gerações terão de suportar. O Governo em funções fez política através da mentira política, viveu sucessivamente da táctica política e eleitoral para manter o poder, alimentou enormes ilusões a centenas de milhares de cidadãos, distribuiu à exaustão o que a economia portuguesa já não criava, e deixou o País e a economia nacional sem uma visão e uma estratégia de afirmação na Europa e no Mundo mais competitivos e globalizados.

9. Uma Elite Fracassada/Desistente
Nestas décadas recentes pode concluir-se que a elite política, económica, cultural fracassou na sua tentativa de criar um Portugal mais forte e mais equilibrado. Chegamos a esta nova década do século XXI com fragilidades sociais e culturais imensas, com mais de dois milhões de pobres, com várias regiões do País em franca regressão demográfica, económica e empresarial, com desequilíbrios marcantes entre o interior e o litoral. Não surgem neste horizonte de empobrecimento e decadência nacionais dirigentes e actores capazes de expressar os novos alvos e cenários de desenvolvimento da Nação, que consigam fazer a união entre os bens e valores do passado e as novas construções e pontes do futuro. Falta uma elite que conduza Portugal pelos caminhos estreitos e periclitantes destas novas décadas e que transmita esperança e confiança aos seus concidadãos, baseadas num estatuto moral respeitado, credível e inatacável.

10. Uma Educação Incapaz
Hoje já quase não subsistem dúvidas de que o maior dos fracassos dos últimos trinta anos de regime democrático foi o da nossa educação. A melhoria da qualidade de vida de um País depende da capacidade das suas novas gerações, da sua instrução e dos conhecimentos que se mostram capazes de verter e transportar para as suas exigentes e múltiplas vidas profissionais. Neste aspecto decisivo do sistema educativo, as fraquezas portuguesas são imensas e sucessivamente confirmadas e mantidas. Ora, sabe-se que a transformação próspera das sociedades nacionais é um processo lento e para ser conduzido de modo ininterrupto por várias gerações. Por isso mesmo, a debilidade enorme da nossa educação, que não tem vindo a transferir para muitos milhares dos nossos jovens as indispensáveis capacidades e conhecimentos para enfrentarem uma vida profissional exigente e internacionalmente competitiva, causa grandes angústias sobre as possibilidades de construção de um futuro mais promissor e próspero para o País.

11. Uma Justiça Bloqueada
A justiça portuguesa atingiu uma situação completamente inaceitável que se traduz em atrasos inenarráveis, em procedimentos labirínticos incompreensíveis, em manobras e expedientes dilatórios patrocinados pelos agentes do sistema, ou no final de muitos anos de processo e de julgamento em penas ou absolvições que já não traduzem justiça ou a memória dos factos. Para além disso, parece ser já insuportável a tendência corporativa no seio do sistema judicial, que é manifesta no corpo das magistraturas do ministério público e judicial, a que acresce o facto de serem ambas servidas por sindicatos que tendem a exercitar a limites imparáveis essa tendência de funcionamento corporativo. Uma sociedade complexa, de economia de mercado e de afirmação efectiva da liberdade individual, democrática em substância, não pode conviver com uma justiça em estado de completa descredibilização e quase anarquia, como é a que presentemente se vive no País. Com um sistema de justiça como o actual, prática e inequivocamente bloqueado, Portugal perde imensa capacidade de criação de riqueza, de manutenção dos níveis adequados de coesão e confiança entre as pessoas e nas instituições, e pode mesmo vir a transitar inelutavelmente para formas de conflito incomportáveis dentro dos limites da convivência social habitual.

12. Nenhuma Visão e Estratégia de Futuro
Portugal não tem hoje uma autêntica visão e estratégia de futuro. Não se conhecem as grandes apostas económicas, culturais e as abordagens geoestratégicas do País. As forças políticas e partidárias, as que agora governam e as que se lhe opõem, não têm exprimido convenientemente as escolhas estruturais e de médio e longo prazo que a Nação devia prosseguir no espaço das duas próximas décadas. Não existe verdadeiro e profundo pensamento estratégico hoje em Portugal. Tudo parece discutir-se ano a ano, no máximo, e com pronunciado foco no ciclo eleitoral seguinte. Por isso, Portugal navega em mar alteroso e no seio de uma enorme tormenta, sem visão e caminho definido, sem conhecer um projecto nacional que possa ser maioritariamente esclarecido e comungado. E assim, sem mais e melhor política, estratégia, e vontade empenhada da cidadania, o nosso futuro colectivo como Pátria e Nação seculares não pode ser ambicioso e promissor.

Conclusão
Portugal tem de mudar imenso, fazer transformações políticas, ideológicas, partidárias, económicas, educativas e de justiça que permitam sair deste ciclo de definhamento e decadência em que tem vindo a viver toda esta primeira década do século XXI. E essa mudança tem de ser tão profunda que permita terminar com muitas das fragilidades, dos bloqueios e mitos que se firmaram numa narrativa político-ideológica que limitou o crescimento da riqueza e da prosperidade nacionais e reduziu as sucessivas governações a distribuir o que foi havendo e que cada vez menos se foi produzindo. Essas narrativas estavam no passado e têm de ser ultrapassadas em nome de um outro futuro para os portugueses de todas as idades. Tudo isto será certamente o “FIM do Regime” e o também provável “FMI do Regime”!


José Pinto Correia, Economista

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