quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

FIM do Regime e FMI do Regime (Parte I)


“Portugal hoje és nevoeiro, sem missão, sem valores, sem justiça, sem moral. Amanhã tem de ser de outro modo, de muitos novos modos mesmo para revoltares ao teu destino…!”

O que é o nosso Portugal neste final de 2010, a primeira década deste novo século e milénio, com trinta e muitos anos de um dado “Regime”, que muitos caracterizam como democrático, imensamente progressista e o gerador do País dos direitos constitucionalmente conquistados/adquiridos?

Um atento observador deste “Regime”, das suas voltas e meandros, das cenas e bastidores, dos seus actores e agentes, e dos seus milhões de governados, eleitores, cidadãos quanto baste, das suas conquistas e perdições, pode ver muito, muito e muitas mesmo destas seguintes benemerências regimentais:

Os episódios e as cenas caricatas e desavergonhadas, as sucessões de trafulhices impunes, os despropósitos sucessivos e as incúrias repetitivas, as irresponsabilidades dos maiorais e os muitos irresponsáveis promovidos aos topos, as promoções indecorosas dos afilhados e correligionários partidários, as corrupções enormes de milhões e as corruptelas disseminadas intocadas, as negociatas multimilionárias de favores e obras, as múltiplas promiscuidades entre os grandes negócios e a política/políticos, as transumâncias inúmeras e vertiginosas entre ambos os lados da “coisa deles”, as juras e conjuras das várias redes ocultas de poderes e apoderados, o mando e desmando dos mandadores sem lei, a lei que nada pune e se esvanece na flagrante injustiça, a ribalta cinemática dos centos de figurões, a tragédia e a miséria de milhões, as centenas de obras de encher olho pagas a várias multiplicações de dinheiros, a deseducação computorizada dos futuros herdeiros, a desfamilarização e desorganização da vida social, a obsolescência categórica do modelo económico, o definhamento grotesco da economia, a mendicância e o tráfico dos valores, a despatrialização da Nação, a desavergonhada governação dos trutas rosados, a apagada tristeza e redução a Oráculo do Presidente e Comandante em Chefe: isto tudo e mais ainda são hoje o desnorte completo de Portugal, que assim mesmo caminha imparavelmente para o “FIM do Regime e FMI do Regime”!

Mas existem ainda vários outros factores fortes que enviam Portugal para um fortíssimo abalo sistémico e uma nova década deste milénio que ou será novamente de perdição e ditará o “FIM do Regime” ou será, ao seu invés, marcada por um prolongado ciclo de rupturas amplas com aquelas benemerências pestilentas do “Regime” que tem dado também num pronunciado apodrecimento e estrangulamento económico, social e político.

Romper com esta mendicância situacionista e com os seus actores principais para, com ímpeto e vontade e espírito de servir o futuro nacional, poder ir reconstruindo com essas mudanças profundas um renovador período de regeneração e de renascimento da Nação, essa é que deve ser a nova condição da vida política, económica, social e cultural de Portugal nesta nova década do século XXI.

Enumeremos pois então esses vários factores que a nossa vontade e alma lusíadas têm de defrontar e vencer para podermos aspirar como Nação e como Povo a um futuro mais benevolente e esperançoso:

1. Um Estado Colossal e Perdulário (O Estado Social)
Estes trinta anos assistiram a um crescimento e predominância absurdas do Estado sobre a Nação. Um Estado que é imenso, está em todo o lado, distribuiu e alimentou milhões de cidadãos, domina amplamente na economia e está em falência há muitos anos, e é despreocupada e insensivelmente gastador e perdulário. E que deixou agora uma dívida imensa que terá de ser paga pelas futuras gerações e coloca em causa o denominado Estado Social que terá de ser reconfigurado. O Estado é um dos grandes obstáculos e inimigos de criação de uma renovada Nação portuguesa. Sem uma correcção profunda deste Estado avassalador Portugal estará condenado ao empobrecimento continuado e à incapacidade de suportar uma cidadania e sociedade civil dinâmicas e geradoras de riqueza.

2. Uma Economia Fraca e Improdutiva
Nestas últimas décadas o país não foi capaz de criar uma economia produtiva competitiva internacionalmente, porque não enfrentou decidida e estrategicamente a marcha da globalização e se defendeu no seio da Europa nos sectores industriais e extractivos em que podia e devia ter apostado diferenciadamente. A economia é pouco produtiva, refugiou-se em sectores económicos isentos de concorrência e desarticulou o aparecimento de actividades criadoras de riqueza e bens consumíveis internamente e comercializáveis externamente. O nosso modelo económico está esgotado e é completamente incapaz de fazer sobreviver uma sociedade de bem-estar e com os actuais níveis de prosperidade que são iminentemente virtuais e alimentados por crédito e dívida externas.

3. Um Sistema Político Medíocre
O nosso sistema político é praticamente igual há décadas. Não se reformou, não tem os mecanismos internos de regeneração e as dinâmicas virtuosas que lhe permitam enfrentar os gravíssimos desafios que se impõem neste novo ciclo nacional. Há anos e anos que se tentam reformas parciais desse sistema político sempre sem sucesso. E as respostas que o sistema assim inerte e ineficaz tem dado ou augura vir a dar para as situações de degenerescência da vida nacional são no mínimo completamente ausentes e despreocupadas ou no máximo primam pela mais absurda inutilidade.

4. Uma Partidocracia Impreparada e Absolutista
O País construiu um sistema político completamente absorvido e dominado pelos partidos. Fora destes a sociedade não tem praticamente vida política. Os partidos do poder e do governo dominam absolutamente a máquina e os mecanismos do Estado, e em muitas situações partidarizam mesmo esse mesmo Estado em vários dos seus domínios e institutos. A sociedade civil é por isso muito frágil e incipiente, não dispõe nem de organização, nem de recursos, nem de capacidade política para se afirmar como seria exigível numa sociedade democrática adulta e de iniciativa descentralizada e de empreendimentos geradores de riqueza, bem-estar e dignidade da cidadania.

5. Um Presidente Ineficaz e Expectante
O nosso sistema político e constitucional gerou uma Presidência menorizada nos seus poderes efectivos e que se pode reduzir a ela mesma a uma figura praticamente decorativa, vulgarmente apelidada de magistratura da influência e do valor da palavra. O Presidente pode mesmo reduzir-se em grande parte do seu mandato a inaudíveis diálogos de salão com o Governo sobre os destinos do país, e de quando em vez aparecer ao Povo que o elegeu a discursar e a gerar imediatamente as assassinas interpretações dúbias e multíplices das suas palavras e mensagens. O nosso Presidente da República, e deste “Regime”, quase que se transforma mesmo no “Oráculo Supremo do Regime”, dito de “Supremo Magistrado” e a quem os portugueses elegeram por voto secreto e universal mas que como cidadãos e eleitores têm muitíssima dificuldade em perceber quais são a eficácia e a estratégia inerentes na acção presidencial e os respectivos resultados destas sobre a vida da Nação.

(A Continuar)

José Pinto Correia, Economista

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