terça-feira, 7 de julho de 2009

Opções Estratégicas de Portugal (II)


Após Outubro de 2009, depois das eleições legislativas, Portugal estará confrontado com escolhas que serão decisivas para a sua capacidade de criação de riqueza e bem-estar na próxima década. A primeira década deste século, que está próxima de terminar, será, como sabemos já hoje, completamente perdida em termos do crescimento económico e da competitividade internacional do país.

A economia portuguesa tem fragilidades acumuladas flagrantes que a tornam quase incapaz de crescer, pois reduziu a menos de um por cento o seu potencial de crescimento, e de ser ponto de destino de fluxos de investimento internacional moderno e tecnologicamente evoluído que possam produzir bens exportáveis para mercados externos. Em todas as outras décadas desde os anos vinte do século anterior Portugal cresceu bastante mais do que agora tem conseguido nesta primeira década do século XXI. A economia portuguesa perdeu capacidade de produzir riqueza e não se reformou suficientemente para fazer face aos embates actuais da globalização competitiva, perdendo competitividade para outros países europeus do leste que se integraram mais recentemente na União Europeia.

O país tornou-se manifestamente um destino não favorável para aqueles investimentos estrangeiros que poderiam contribuir para equilibrar os enormes défices comerciais e o endividamento galopante que o têm atingido há mais de uma década. Os sucessivos défices comerciais arrastaram esse nível de endividamento para próximo dos cem por cento do PIB transformando Portugal num dos países mais endividados do mundo. E a dívida pública entretanto acumulada, que se aproxima vertiginosamente dos oitenta por cento do PIB, será também a maior de que há memória estatística.

Portugal importa maciçamente um variado conjunto de bens que necessita, desde automóveis a electrodomésticos, produtos alimentares, aviões, equipamentos tecnológicos de ponta, bens industriais de elevado valor acrescentado, e não produz actualmente aqueles que poderiam contrabalançar esses níveis e tipos de procura externa que a sua população suscita em termos de consumo. E os níveis de consumo dos portugueses subiram assustadoramente no último decénio, aproveitando das taxas de juro baixas e da enorme facilitação do acesso ao crédito.

Ao mesmo tempo o país perde sucessivamente muito do seu potencial industrial instalado há muitos anos, o qual era baseado em sectores industriais de mão-de-obra desqualificada e barata e que visava abastecer a preços e qualidade competitivas países europeus mais desenvolvidos e com os quais mantinha relações económicas preferenciais desde os anos sessenta do século anterior.

Portugal está portanto enormemente endividado, continua a consumir enormes volumes de bens importados, perde capacidade industrial e agrícola, e competitividade internacional e necessita de enormes volumes de crédito externo.

Neste enquadramento económico base o país só poderá vir a tornar-se cada vez mais pobre e a ver aumentarem os níveis de pobreza e injustiça social. Porque um país que é incapaz de criar mais riqueza e de produzir bens para serem vendidos a outros países da cena mundial não pode aspirar a fazer viver melhor a generalidade dos seus cidadãos. Um país onde já existem mais de dois milhões de pobres e onde várias centenas de milhar de outros dependem de pensões e reformas que os colocam em patamares de mera subsistência.

Acresce que o funcionamento de vários dos seus sistemas de organização social onde o Estado tem uma predominância avassaladora, como a educação, a saúde e a justiça, nomeadamente, tornam Portugal incapaz de se enfrentar com a concorrência dos países da União Europeia. Nem os níveis médios de educação são equivalentes aos da generalidade dos países da EU e mesmo da OCDE como o atestam os sucessivos exercícios internacionais de comparação, nem os de assistência médica e hospitalar são em muitos aspectos também comparáveis e o funcionamento da justiça é já praticamente insustentável, sucedendo-se casos perfeitamente inaceitáveis para um país europeu e desenvolvido.

Portugal tem, por conseguinte, um imperativo inultrapassável que é o de colocar a sua economia a crescer a níveis bastante mais elevados dos da última década, constituindo uma base empresarial voltada para as exportações, baseada em novos projectos de maior nível tecnológico e de mais elevada qualificação da mão-de-obra. E para o fazer tem de cativar os investidores nacionais e internacionais que tenham essa capacidade, dominem as tecnologias respectivas e detenham as valências e competências organizacionais e de gestão susceptíveis de competirem eficazmente nos mercados globalizados e exigentes.

Chegados ao próximo mês eleitoral de Outubro, os portugueses estarão confrontados com uma situação económico-financeira insustentável que vai exigir escolhas restritivas de carácter orçamental durante vários anos e que também implicará uma selecção extremamente criteriosa e exigente dos gastos públicos. Certamente que a EU voltará a exigir que Portugal retome uma trajectória de redução do défice do Estado, daí em diante já não mais possível com novos aumentos de impostos porque a carga fiscal foi nos últimos anos sensivelmente aumentada e está agora próxima ou mesmo já acima do suportável, e as restrições de financiamento à economia no seu todo, para um país que está com um dos mais elevados níveis de endividamento do mundo, tornarão os créditos externos não só mais difíceis de obter como certamente mais onerosos.

Ao Estado português, que já hoje despende metade do PIB do país, e aos respectivos decisores políticos governamentais por maioria de razão, terá de ser exigido um rigoroso planeamento das despesas, ministério a ministério, ordenando-se prioritariamente aquelas que derivem das funções e objectivos estratégicos, tenham resultados sociais e económicos indispensáveis e sejam possíveis de serem devidamente avaliadas. A cada um dos ministérios da orgânica governativa deverá ser exigida a apresentação de exercícios rigorosos de planeamento das despesas que sejam resultado dessas funções e objectivos estratégicos. Isto é, o Estado deve planear e programar estrategicamente as suas despesas, ordenando as respectivas prioridades nos diferentes sectores e funções sociais e económicas onde actua, e ser submetido em todas as suas áreas de intervenção a amplos exercícios de avaliação dos resultados e dos impactos das despesas efectivamente realizadas. Esta é uma metodologia de orçamentação do Estado que nunca foi praticada em Portugal mas que foi colocada em cena no Reino Unido há quase uma década (já no âmbito dos actuais governos trabalhistas de Blair) com efeitos benéficos hoje reconhecidos.

É também praticamente certo que nos próximos anos haverá que fazer escolhas entre despesas de carácter social e despesas correntes do Estado. As restrições orçamentais serão enormes, não apenas por exigências de diminuição do défice público para próximo do objectivo dos três por cento do PIB, como também por não haver crescimento económico significativo donde resultem aumentos sensíveis das receitas orçamentais. O Estado atravessará, por conseguinte, uma situação de selectividade nas suas despesas, havendo naturalmente que garantir em primeiro lugar aquelas que assegurem a melhoria da equidade e da justiça para os estratos populacionais significativos que têm grandes carências de rendimentos – pobres, desempregados, idosos, desfavorecidos. O nível de rigor e de exigência das despesas públicas tem que aumentar muito sensivelmente e passarem a ser atribuídas responsabilidades pelo mau uso e ineficiências flagrantes dos recursos públicos, o que não tem acontecido no passado próximo com inúmeros casos conhecidos.

O Estado português tem de se colocar efectivamente ao serviço de uma economia que tem de crescer muito mais para poder distribuir melhor a riqueza criada, de fazer um esforço exemplar de gastar menos e melhor, bastante menos no que não é indispensável e não assegura resultados palpáveis e prioritários, e de refazer muitas das suas actuais funções. O Estado é indispensável como regulador eficaz das actividades económicas, como facilitador das novas iniciativas empresariais de todos os tipos, mas sobretudo das vocacionadas para a produção de bens e serviços transaccionáveis e passíveis de serem exportados. Mas deve também ser um Estado que cada vez menos tenha intervenção directa nas empresas e seja ele mesmo empresário.

A economia portuguesa ganhará com um Estado que desempenhe bem as suas funções insubstituíveis de regulador, facilitador e estratega económico e sociopolítico. Porque o país precisará de um Estado, um novo Estado, que se posicione como alavanca da economia, que saiba pensar estrategicamente o futuro de Portugal no mundo globalizado e competitivo, e deixe de ser um interventor omnipresente que tende a sufocar a iniciativa empresarial. Portugal vai precisar de um verdadeiro “Estado garantia e estratega”.

José Pinto Correia, Mestre em Gestão do Desporto

Sem comentários :