sexta-feira, 4 de setembro de 2009

A Prisão da Liberdade: Não e Não!


Algures por Abril deste ano de 2009 escrevíamos um texto que foi publicado no Jornal "O Primeiro de Janeiro" que agora se demonstra mais que fundamentado e actual. Esse texto vai abaixo republicado.

Mas merece um pequeno intróito esclarecedor da sua oportunidade, melhor dito mesmo, da sua exigência de cidadania.

Tal como em Atenas se devia merecer o estatuto de ateniense também hoje e agora em Portugal se deve merecer o estatuto de português livre e democrata. Porque a Democracia por que duramente muitos lutaram ao longo da ditadura do Estado Novo e a Liberdade com maiúsculas conquistadas em Abril de 1974 não podem transigir com atentados, com desvalores, com a cínica arrogância dos poderosos, sejam eles políticos governantes ou detentores do capital de empresas e grupos económicos.

A Liberdade, aquela por que tem sentido dar o melhor de nós mesmos em favor de todos que vivemos juntos como homens livres, não pode deixar-nos indiferentes, se somos dignos do seu imenso significado para a vida dos homens de todas as crenças, ideias e princípios de vida na Nação. E deve dar combate sem tréguas e transigências de qualquer índole ao cercear da informação, das fontes de informação mediática no espaço público, tenham elas que conteúdo e tendência ou alinhamento editorial tiverem.

A Liberdade que é plena não admite restrições, sanções de opinião divergente da nossa, por mais importantes que nós sejamos na vida da Nação. A Liberdade ou é ou não é, total, plena, responsável, espaço de afirmação da dignidade dos indivíduos, sejam eles quem forem.

E a Liberdade de imprensa, de informação, não pode ser cerceada pelos poderes, sejam eles de que naturezas forem. Porque se tal acontecer todos somos menos, na República, na Nação, no País, na cidade. E a democracia valerá menos, muito menos...!

Em Abril escrevíamos então o que agora aqui rememoramos:

“Um ar funesto na cidade”

Há um ar funesto a descer sobre a cidade. Sente-se já o cheiro de uma certa podridão a invadir as nossas narinas. O Sol parece que vai desaparecer e abandonar-nos na volta dos dias que estão para vir. O bulício das crianças já se desvanece numa quietude que nos inquieta e abre fragas nos sentidos.

Os rostos que passam deixam transparecer um olhar baço e uma tez arreganhada. Sentem-se as preocupações e palpita-se a desconfiança. Vem-se a nós a desesperança e o abandono das conquistas no futuro. Este lê-se prenhe de desvarios e de escuridão. A luz apaga-se a cada instante que nos perpassa. Não se vê um amanhã novo, um horizonte radioso. Dá-se-nos a vontade de fechar as janelas e soltar um grito – lancinante de dor e de raiva.

As ruas estão inundadas de ignomínia, de luxúria, de sofreguidão insana pelo vil metal, de despreocupação com os infortúnios e a miséria. A injustiça é flagrante e adensa-se a corrupção das mentes e dos corpos. Tresandam-se as rosas e os canteiros, neles fenecem as sementes da boa fortuna. No rio há um imenso lodaçal, nem os peixes se podem salvar já, de tanta podridão. Consomem-se as almas, soam as desventuras, invade-se a inteligência com medos, campeia já a lassidão e a indiferença doentia. Socialmente rareiam os princípios, a dignidade e a respeitabilidade. Soam atrozes as ilusões e as mentiras, ribombam as trombetas da propaganda. Na cena, no espaço central da “polis”, vagueiam as mesmas sombras – da arrogância, da altivez, do desvario, do insuportável manobrismo.

“Chega, basta, que a canga está demais” – grita um alguém de lá de baixo, cheio da sua miséria longamente sofrida em silêncio!

De longe, em longe, vem-se-nos uma palpitação e um lampejo de tomar o destino nas próprias mãos. E depois? Será que isso é já? E vamos sós? Haverá quem connosco sinta semelhantemente e tenha igual destino em mente?

Dorme-se mal, sonha-se ou “pesadela-se” pior. Agigantam-se Adamastores em nosso mar e atormenta-se a nau. E os nossos filhos também nela navegam. Serão seus náufragos prováveis?

As vagas alterosas abocanham os porões. Os comandantes desprezam-nos, defendem seus coiros e séquitos. Realisticamente nem conduzem nem governam a nau e a tormenta vai-se adensando. Ouvem-se já intensamente as lamúrias e os gritos de medo e angústia. A revolta vem no ar e soerguem-se as suas vozes.

“Haja quem lute que o destino somos nós que o fazemos” – é a palavra da desordem que se entoa lenta e compassadamente. Os passos apressam-se, as gentes reúnem-se e gritam a palavra. Daqui a pouco será uma turba conduzida numa cruzada assim nascida – do tudo e do nada.

Parece que ao longe o Sol recomeça a querer reentrar no horizonte. Já se poderia pressentir com ele uma nova claridade que irrompesse das nuvens densas que nos toldam.

E os rostos como estarão nessa data? Franzidos de genica e vontade de mudar? E reabrindo-se ao sorriso de quem já vê e começa a construir outro devir?

Talvez aí então as crianças, os filhos destes homens e mulheres, já cantarolem e saltitem, abrindo-se ao mundo que há-de ser deles. E singelamente farão “reandar” a roda das gerações e das suas estórias. Porque o mundo nunca acaba já amanhã – ele renasce perpetuamente e avança “sempre que o homem sonha…como bola colorida entre as mãos de uma criança”!

Os tempos, esses, em todo e a todo o tempo, mudam-se por vontade e engenho dos homens, para que estes tenham direito a serem dignos e felizes no mundo e na cidade que são os seus.

José Pinto Correia, Mestre em Gestão do Desporto

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